versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.3 São Paulo jul./set. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao2026
O alimento, independentemente da cultura do indivíduo e da época vivida, é um fator essencial e indispensável à manutenção e à ordem da saúde. Sua importância está associada à sua capacidade de fornecer ao corpo humano os nutrientes necessários à sua manutenção. Para o equilíbrio harmônico dessa tarefa, é fundamental a ingestão de alimentos em quantidade e qualidade adequadas, de modo que funções específicas, como a plástica, a reguladora e a energética, sejam satisfatórias, mantendo, assim, a integridade estrutural e funcional do organismo(1).
Muitos processos patológicos em recuperação exigem do organismo um aporte nutricional adequado e ainda a administração de fármacos eficazes e seguros(2). No entanto, os nutrientes são também capazes de interagir com fármacos, sendo um problema de grande relevância na prática clínica, devido às alterações na relação risco/benefício do uso do medicamento(1). As interações entre alimento e drogas podem alterar os efeitos destas, bem como os efeitos terapêuticos ou colaterais das medicações também podem acarretar alterações no estado nutricional dos pacientes(3).
Apesar de não serem muito relatados e bem investigados os mecanismos farmacocinéticos e farmacodinâmicos das possíveis interações entre drogas e alimentos, alguns estudos sugerem que essas interações podem ocorrer devido à presença dos fatores antinutricionais nos alimentos. O termo “fator antinutricional” tem sido usado para descrever os compostos ou classes de compostos presentes numa extensa variedade de alimentos de origem vegetal que, em concentrações elevadas, podem originar reações tóxicas e/ou interferir na biodisponibilidade e digestibilidade de alguns nutrientes(4,5). Os fatores antinutricionais que fazem parte dos alimentos são de natureza variada e pelas divergências no conhecimento de sua estrutura físicoquímica e de seus mecanismos de ação fisiológica, investigá-los detalhadamente é essencial sob o ponto de vista nutricional e farmacológico(6).
Os antinutrientes presentes em espécies vegetais, como hortaliças, leguminosas e cereais, podem ter seus efeitos nocivos minimizados dependendo do tipo de processamento pelo qual são submetidos(7). O estudo desses fatores tem uma particular importância no que se refere à alimentação de pacientes internados, já que muitas vezes a dietoterapia adequada para cada quadro clínico é negligenciada. De fato, há uma preocupação com a escolha, as partes e os processamentos mais adequados para as dietas prescritas aos pacientes hospitalizados(4).
As interações podem ter causas ou consequências variadas como, por exemplo, a polifarmácia, a genética, a alimentação por sonda, a ingestão de álcool, o abuso de drogas e também pelos antinutricionais presentes nos alimentos(3). Os antinutricionais são substâncias com capacidade de alterar as possibilidades de aproveitamento dos nutrientes contidos nos alimentos, tornando os indisponíveis ao organismo e que, em altas concentrações, podem originar reações tóxicas. Os fatores antinutricionais classificam-se em endógenos ou exógenos, sendo que os primeiros estão relacionados com substâncias tóxicas ou antinutricionais de ocorrência natural nos ingredientes, enquanto que os exógenos referem-se aos contaminantes químicos ou biológicos ocasionados em um determinado produto (agrotóxicos, fungos, entre outros)(8,9).
Diante dessa contextualização, o presente estudo teve como objetivo identificar e analisar a presença dos fatores antinutricionais nas possíveis interações detectadas entre os medicamentos e os alimentos/nutrientes das dietas prescritas aos pacientes do Hospital Regional Justino Luz (HRJL) do Município de Picos (PI) para sugerir os prováveis mecanismos dessas interações.
Os resultados foram obtidos por meio de um estudo do tipo exploratório-descritivo em abordagem quantitativa, com emprego da técnica de observação direta por meio da análise de 120 prontuários médicos e das dietas prescritas para os pacientes internados no HRJL. Os dados dos prontuários foram coletados nas unidades assistenciais do HRJL do Município de Picos, durante o período de Agosto de 2009 a Julho de 2010. O estudo foi realizado no HRJL, um hospital secundário, mantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de referência em Picos, com 120 leitos, e que também realiza atendimentos de emergência e urgência clínica.
Os seguintes critérios de inclusão no estudo foram adotados: 1) todos os prontuários dos pacientes internados no HRJL durante o período do estudo, que faziam uso de pelo menos um medicamento por via oral para tratamento clínico; 2) e os que aceitaram e assinaram o Termo de Livre Consentimento e Esclarecido (TLCE) para participar de forma voluntária.
Para tentar evitar qualquer viés metodológico, foram adotados os seguintes critérios de exclusão: 1) pacientes de risco; 2) os usuários em atendimento de urgência; 3) e os clientes que não fizeram uso de medicamentos por via oral durante o atendimento em nível hospitalar.
As entrevistas seguiram a metodologia proposta por Cipolle et al.(10) e realizadas conforme descrito a seguir. A coleta dos dados dos prontuários dos pacientes foi realizada pelos acadêmicos dos Cursos de Enfermagem e bolsistas de extensão da Universidade Federal do Piauí (UFPI), treinados sob supervisão, sendo realizada por meio de consulta direta aos prontuários. Durante essas consultas aos prontuários dos pacientes um questionário padronizado e validado foi preenchido, com o intuito de coletar as seguintes informações dos prontuários: idade, cor da pele autorreferida, problemas de saúde, hipóteses diagnósticas, medicamentos administrados, as dietas prescritas e, posteriormente, foi feita pelos acadêmicos dos Cursos de Farmácia e bolsistas do Grupo de Estudos sobre Uso de Medicamentos (GEUM) da UFPI a análise da presença de fatores antinutricionais nos alimentos detectados durante a análise das possíveis interações. O estudo foi aprovado pela Diretoria Técnica Administrativa do HRJL. Também foram fornecidas à equipe de acadêmicos as autorizações por meio da assinatura do TLCE pelos pacientes para a realização da coleta dos dados para as análises de suas prescrições e dietas. Não houve identificação nominal, nem risco moral para os pacientes, por serem apenas dados estatísticos. Desse modo, foram analisadas as informações presentes nos prontuários referentes à prescrição de medicamentos durante a internação e as dietas prescritas aos clientes para identificar a presença de fatores antinutricionais nos alimentos detectados durante a análise das possíveis interações.
O protocolo de pesquisa cumpriu os princípios éticos contidos na Declaração de Helsinki e as normas da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFPI (CAAE 0099.0.045.000-09).
Foram analisados 120 prontuários de pacientes internados no HRJL no Município de Picos. Em média, 85% dos pacientes possuíam faixa etária superior a 41 anos e 15% tinham entre 15 a 40 anos de idade. Quanto à análise dos prontuários com relação à cor da pele, 80, 15 e 5%, dos registros médicos referiam-se como de cor parda, branca e negra, respectivamente (Tabela 1). Após análise dos prontuários médicos, foi verificado que 35% dos pacientes eram tabagistas e que o principal motivo de suas admissões hospitalares foi a hipertensão arterial sistêmica (40%). Dentre os outros motivos que resultaram em admissões hospitalares registradas nos prontuários médicos destacam-se: ferimentos em membros inferiores, úlcera gástrica, gastrite, apneia, cirrose hepática, infecção intestinal, acidente vascular cerebral, febre, queimadura, pneumonia, dor abdominal, trombose, problemas renais e diarreia.
Tabela 1 Perfil socioeconômico autorreferido em prontuários de pacientes hospitalizados acompanhadas durante a identificação de fatores antinutricionais nas possíveis interações entre alimentos/nutrientes e fármacos prescritos
Perfil socioeconômico | Usuários | ||
---|---|---|---|
n | % | ||
Faixa etária | |||
15 a 40 anos | 18 | 15 | |
31 a 40 anos | 102 | 85 | |
Cor da pele autorreferida | |||
Branca | 96 | 80 | |
Negra | 18 | 15 | |
Parda | 6 | 5 | |
Estado civil | |||
Solteira | 18 | 15 | |
União estável | 102 | 85 | |
Escolaridade | |||
Alfabetizado | 12 | 10 | |
Ensino fundamental incompleto | 6 | 5 | |
Ensino fundamental completo | 6 | 5 | |
Ensino médio incompleto | 12 | 10 | |
Ensino médio completo | 6 | 5 | |
Analfabeto | 78 | 65 | |
Renda familiar | |||
0 a 1 salário | 72 | 60 | |
1 a 2 salários | 36 | 30 | |
2 a 3 salários | 12 | 10 |
Da análise dos 120 prontuários médicos, observa-se que a maioria dos pacientes era casada ou apresentava situação conjugal estável (85%). Por sua vez, aos se analisar o tipo de moradia, detectou-se que 32 (26,7%) deles moravam em casa própria, e já com relação ao grau de escolaridade a maioria era analfabeta (65%) (Tabela 1). Quanto à profissão, 66 deles eram lavradores e apresentavam renda familiar em torno de um salário mínimo (60%). Identificou-se também que 45 (37,5%) pacientes eram etilistas. A média dos medicamentos prescritos aos pacientes internados no HRJL e acompanhados no estudo foi de 1,58. O número de medicamentos administrados foi de 58 no período da manhã (6h00 às 11h59), 67 no período da tarde (12h00 às 17h59), 48 no período da noite (18h00 às 23h59) e 16 no período da madrugada (24h00 às 05h59).
Dos 189 medicamentos prescritos, em todos os períodos, foram identificados 128 medicamentos (67,7%) com possível interação com a alimentação, totalizando 98 possíveis interações entre nutriente/alimentos e medicamentos. Dessa forma, foram identificadas 20 (20,4%), 12 (12,2%) e 11 (11,2%) possíveis interações com o captopril (droga cardiovascular), com o ácido acetilsalicílico (AAS, anti-inflamatório) e com a espironolactona (diurético), respectivamente, representando também, nessa ordem, as maiores frequências de possíveis interações entre as classes farmacológicas investigadas. Detectou-se também que do total das possíveis interações entre alimentos/nutrientes e medicamentos, 49 (50%) corresponderam a possíveis interações com drogas cardiovasculares; 18 (18,4%) com fármacos antiinflamatórios, 18 (18,4%) com agentes diuréticos e 13 (13,2%) com fármacos que atuam sobre o trato digestório (antiulcerosos (12,1%) e laxantes (1,1%)), respectivamente (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição das possíveis interações entre alimentos/nutrientes e fármacos prescritos em prontuários de pacientes hospitalizados
Possíveis interações | Distribuição | ||
---|---|---|---|
n | % | ||
Cardiovasculares | 49 | 50,0 | |
Amilorida | 6 | 6,0 | |
Captopril | 20 | 20,0 | |
Carvedilol | 10 | 10,0 | |
Digoxina | 6 | 6,0 | |
Nifedipina | 4 | 4,0 | |
Propanolol | 3 | 3,0 | |
Anti-inflamatórios | 18 | 18,4 | |
Ácido acetilsalicílico | 12 | 12,2 | |
Diclofenaco | 5 | 5,1 | |
Paracetamol | 1 | 1,1 | |
Diuréticos | 18 | 18,4 | |
Espironolactona | 11 | 12,2 | |
Furosemida | 5 | 5,1 | |
Hidroclorotiazida | 2 | 1,1 | |
Antiulcerosos | 12 | 12,1 | |
Hidróxido de alumínio | 7 | 7,1 | |
Omeprazol | 4 | 4,0 | |
Ranitidina | 1 | 1,1 | |
Laxantes | 1 | 1,1 | |
Óleo mineral | 1 | 1,1 | |
Total | 98 | 100,00 |
Dos 11 alimentos analisados, há dados na literatura comprovando que os 7 alimentos de origem vegetal (63,6%) apresentam fatores antinutricionais que poderiam interagir com os fármacos prescritos aos pacientes hospitalizados. No caso do leite derivado da soja, acredita-se que, mesmo em menor quantidade, há a presença dos antinutrientes contidos na soja. A salada de verduras foi retirada do estudo, devido à inespecificidade da informação.
Neste estudo foram encontrados 9 fatores antinutricionais (fitatos, inibidores de proteases, saponinas, lectinas, taninos, nitratos, fibras, glicosídeos cianogênicos e ácido oxálico) presentes em alimentos vegetais consumidos pelos pacientes hospitalizados, sendo que, segundo pesquisa bibliográfica, 5 (55,6%) são capazes de interagir com os medicamentos (Quadro 1). Os fitatos e taninos apresentaram a maior prevalência entre os possíveis alimentos capazes de interagir com os fármacos, cada um com 4 (25%), em um total de 16 interações. Com os medicamentos hidróxido de alumínio, digoxina e paracetamol, foram identificadas cinco (31,3%), três (18,8%) e três (18,8%) possíveis interações com os antinutrientes, respectivamente. Dos outros fármacos (amilorida, omeprazol, óleo mineral e AAS), foi relatada apenas uma (6,25%) interação de cada medicamento com os antinutricionais presentes nos alimentos vegetais. Sobre os quatro medicamentos capazes de interagir com alimentos em geral, apenas o captopril mostrou-se capaz de interagir com os antinutricionais. Os outros medicamentos que não foram citados não possuíam nenhuma evidência literária de relação com os antinutricionais pesquisados (Quadro 2).
Quadro 1 Identificação de fatores antinutricionais nas possíveis interações entre alimentos/nutrientes e fármacos prescritos em prontuários de pacientes hospitalizados
Fármacos | Mecanismos das possíveis interações entre alimentos/nutrientes e fármacos/Recomendações |
---|---|
Cardiovasculares | |
Amilorida | Medicamento depleta a absorção de cálcio (Ca). Evitar a administração com alimentos ricos em Ca (leite e queijo) e em fatores antinutricionais (leite, soja: fitatos, inibidores das proteases e saponina) |
Captopril | Alimentos em geral diminuem a absorção do fármaco. Administrar 1 hora antes ou 2 horas após as refeições |
Carvedilol | Alimentos em geral diminuem a hipertensão ortostática. Administrar com alimentos |
Digoxina | Cenoura (fibras) diminui a absorção do fármaco. Evitar a administração com alimentos ricos em fatores antinutricionais (cenoura: lectinas, taninos, fitatos, nitratos e fibras) |
Nifedipina | Alimentos em geral aumentam a biodisponibilidade do fármaco. Administrar com alimentos |
Propanolol | Leite aumenta a biodisponibilidade do fármaco. Administrar com alimentos hiperproteicos |
Anti-inflamatórios | |
Ácido acetilsalicílico | Alimentos depletam a absorção das vitaminas. Não ingerir alimentos ricos em vitaminas C e K, ácido fólico, tiamina e aminoácidos, e ricos em fatores antinutricionais (maracujá: glicosídeos cianogênicos e alface: nitratos) próximo ou durante a administração dos medicamentos |
Diclofenaco | Alimentos em geral diminuem o risco de lesão no trato gastrintestinal. Ingerir com alimentos para diminuir o risco de lesão da mucosa |
Paracetamol | Cenoura e alface diminui a absorção do fármaco. Evitar alimentos ricos em fatores antinutricionais (cenoura: lecitinas, taninos, fitatos, nitratos e fibras) junto ou próximo à administração do medicamento |
Diuréticos | |
Espironolactona | Medicamento retém potássio (K). Evitar a administração com alimentos ricos em K e em fatores antinutricionais (leite (soja): fitatos, inibidores das proteases e saponinas) |
Furosemida | Medicamento depleta sódio (Na). Evitar a administração com alimentos ricos em Na e em fatores antinutricionais (arroz: ácido fítico) |
Hidroclorotiazida | Alimentos gordurosos aumentam a absorção do fármaco. Administrar com alimentos gordurosos (queijo, ovo frito e carne). Evitar a administração com alimentos ricos em Na e em fatores antinutricionais (abóbora: inibidores de proteases, lectinas, taninos, saponinas, nitratos, glicosídeos cianogênicos) |
Antiulcerosos | |
Hidróxido de alumínio | Medicamento depleta a absorção de Ferro (Fe). Não ingerir alimentos contendo Fe junto ou próximo à administração do medicamento e ricos em fatores antinutricionais (feijão: fitatos, taninos e ácido oxálico) |
Omeprazol | Medicamento depleta a absorção da vitamina B12. Não ingerir alimentos ricos em vitamina B12 e em fatores antinutricionais (leite (soja): fitatos, inibidores das proteases e saponinas) junto ou próximo à administração do medicamento |
Ranitidina | Medicamento depleta a absorção da vitamina B12. Não ingerir alimentos ricos em vitamina B12 junto ou próximo à administração do medicamento |
Laxantes | |
Óleo mineral | Medicamento depleta a absorção de vitaminas. Não ingerir alimentos ricos em vitaminas A, D, E e K e em fatores antinutricionais (abóbora: inibidores de proteases, lectinas, taninos, saponinas, nitratos e glicosídeos cianogênicos) junto ou próximo a administração do medicamento |
Quadro 2 Identificação dos principais fatores antinutricionais nas possíveis interações medicamentosas identificadas com os fármacos prescritos em prontuários de pacientes hospitalizados
Fármacos | Fatores antinutricionais | |
---|---|---|
Cardiovasculares | ||
Amilorida | Fitatos | |
Captopril | Fibras | |
Digoxina | Fitatos, taninos e fibras | |
Anti-inflamatórios | ||
Ácido acetilsalicílico | Nitratos | |
Paracetamol | Taninos e fibras | |
Antiulcerosos | ||
Hidróxido de alumínio | Fitatos, taninos e ácido oxálico | |
Omeprazol | Fitatos | |
Laxantes | ||
Óleo mineral | Nitratos |
Encontram-se, na literatura, vários estudos experimentais e clínicos que avaliam as interações entre fármacos, porém há poucos estudos conduzidos para avaliar interações entre medicamentos e alimentos(11). No caso de indivíduos internados em ambiente hospitalar, dentre os muitos cuidados necessários, aqueles relacionados à alimentação e à nutrição merecem receber uma atenção especial, já que é fator imprescindível para o restabelecimento pleno da saúde(12).
Essas interações são facilitadas pelo fato de que os medicamentos e alimentos são, em sua maioria, administrados por via oral. Os nutrientes podem modificar os efeitos dos fármacos por interferir em processos farmacocinéticos, acarretando prejuízo terapêutico. Já os medicamentos podem modificar o metabolismo de nutrientes resultando em uma alteração do estado nutricional do paciente. É comum, no tratamento de doenças, o uso prolongado de alguns medicamentos que provocam a perda de nutrientes(1).
Como já conhecido, as interações podem ter várias causas, entre elas a ingestão de álcool(3) pode ser um dos fatores. Nossos resultados demonstram que uma grande quantidade de pacientes era etilista, o que pode ter contribuído para um menor aproveitamento dos nutrientes, bem como dos medicamentos administrados, tornando-os indisponíveis ao organismo.
Estudos anteriores relatam que as interações entre alimentos/nutrientes e fármacos podem ser ocasionados pela presença de fatores antinutricionais presentes nos alimentos(3). Entre estes, é possível destacar os fitatos que representam uma classe complexa de compostos de ocorrência natural em vários alimentos(13–15). O conteúdo de fitato presente nos alimentos reduz a biodisponibilidade de minerais e proteínas(16,17). Nossos resultados mostraram possíveis interações entre fármacos cardiovasculares e antiulcerosos com alimentos, devido à presença de fitatos. Dessa forma, pode ser recomendado que a administração dos fármacos amilorida, digoxina e omeprazol seja evitada quando próxima ao consumo de alimentos ricos em fitatos, devido à diminuição da absorção do cálcio, um efeito aditivo dos próprios medicamentos que também possuem a habilidade de quelar o cálcio.
Por sua vez, a deficiência de ferro no organismo pode ser resultado de tratamentos prolongados com antiácidos (hidróxido de magnésio ou alumínio)(18). Diante dos nossos resultados é importante que o nutricionista observe a prescrição dos medicamentos em prontuários antes de estabelecer a dieta, bem como deve recomendar que os alimentos contendo ácido fítico, como o feijão, por exemplo, devem ser evitados próximo à administração do fármaco (hidróxido de alumínio).
Outro fator antinutricional identificado em nosso estudo são os inibidores de proteases que são proteínas de ampla distribuição no reino vegetal(19). Estudos a respeito das possíveis interações entre os inibidores de proteases e alguns fármacos são pouco encontra dos na literatura, porém, os inibidores de proteases são utilizados como instrumentos na investigação dos mecanismos enzimáticos e no desenvolvimento de fármacos para diversas patologias(20). Ainda entre os fatos antinutricionais identificados, é possível destacar as saponinas, que são componentes importantes para a ação de muitas drogas vegetais(21), e as lectinas, que são encontradas em uma ampla variedade de espécies de plantas e animais(4,22) e que podem interferem na absorção de nutrientes(19). Apesar da presença desses fatores antinutricionais nos alimentos prescritos nas dietas dos pacientes hospitalizados não foi possível identificar interações entre os medicamentos identificados nas prescrições e as lectinas, os inibidores de proteases e as saponinas encontradas nos alimentos/nutrientes identificados durante o estudo.
Contribuindo com esses dados, estudos demons-tram que há uma preocupação em se avaliar a capacidade dos taninos em formar complexos insolúveis com o ferro e evidências científicas apontam que há um efeito negativo do tanino na absorção de ferro que pode ser efetivamente prevenido pela administração simultânea de ácido ascórbico; portanto, acredita-se que a ingestão de feijão e outros alimentos ricos em ferro próximo a administração do fármaco hidróxido de alumínio diminui a absorção desse mineral no organismo(17,23). Os taninos também são capazes de promover a indução de enzimas(24); dessa forma, supõe-se que a administração dos fármacos digoxina e paracetamol deve ser evitada juntamente de fontes ricas em taninos, devido à provável diminuição do efeito terapêutico das drogas.
Em nossos estudos, foram observadas possíveis interações entre o AAS e a alface e, diante disso, acreditase que o consumo de alimentos ricos em nitratos pode facilitar o processo de nitração (complexo do nitrato com o AAS), dificultando, assim, a absorção do AAS(4).
Além disso, na presença de dietas ricas em fibras, alguns medicamentos podem ter seu efeito farmacológico diminuído. Em nível estomacal, as fibras retardam o esvaziamento gástrico, aumentando a saciedade, relevante para dietas de emagrecimento(25), contudo, estudos realizados sobre a influência da ingestão de uma fibra solúvel sobre a absorção de paracetamol produziu uma redução de 65% da concentração máxima do antiinflamatório na corrente sanguínea, fenômeno explicado pela alteração na taxa de esvaziamento gástrico, que dificulta a chegada do medicamento na parte intestinal absorvível(26,27); por sua vez, no intestino delgado, as fibras retardam a captação de açúcares, aminoácidos e drogas como a digoxina e o próprio paracetamol, pelo fato de terem a capacidade de aumentar a espessura da camada de água, que atua como barreira à difusão de nutrientes e drogas(28). No caso do fármaco cardiovascular captopril, estudos demonstram que sua ação pode ser potencializada em associação com o óleo rico em fibras de semente de abóbora(13).
Também foi verificada em nosso estudo a presença dos glicosídeos cianogênicos, que tem sido constatada em várias plantas(7,29,30). Também foi verificada a presença desses glicosídeos nas dietas prescritas aos pacientes hospitalizados; no entanto, apesar de seu conhecido e relatado perigo para a saúde humana, não foram encontrados na literatura dados que embasassem algum possível mecanismo de interação entre esses fatores antinutricionais e os fármacos (AAS, furosemida e óleo mineral).
Por fim, pode ser destacada também a presença do ácido oxálico, que é um ácido orgânico encontrado em folhas de certos vegetais nas dietas prescritas aos pacientes hospitalizados. Esse ácido bloqueia a ação fitotóxica do alumínio, com a formação de quelatos(31); dessa forma pode ser sugerida uma possível complexação do ácido oxálico presente no feijão e o antiulceroso hidróxido de alumínio. É importante ressaltar que o ácido oxálico também é capaz de formar quelatos insolúveis ou macromoléculas com o ferro provindo da dieta, o que diminui a absorção do mesmo, efeito que poderia ser exacerbado pela capacidade do hidróxido de alumínio em diminuir a absorção do ferro e, consequentemente, podendo causar um quadro de anemia ou agravar uma preexistente(32).
Pela considerável quantidade de fatores antinutricionais capazes de interagir com fármacos prescritos para pacientes hospitalizados, reforça-se a importância do seguimento correto da posologia medicamentosa e da necessidade de tratamento adequado dos alimentos. A atuação de uma equipe multiprofissional, com médicos, farmacêuticos, nutricionistas e enfermeiros pode auxiliar na prevenção, detecção e resolução das possíveis interações entre alimentos, fatores antinutricionais e medicamentos.
Com base nos nossos resultados, é possível concluir que os fatores antinutricionais (fitatos, taninos, nitratos, fibras, glicosídeos cianogênicos e ácido oxálico) presentes em alimentos nas dietas prescritas aos pacientes hospitalizados podem ser capazes de interagir com os medicamentos quando administrados concomitantemente. Entre os possíveis fatores antinutricionais, os fitatos e os taninos apresentam uma maior prevalência entre os alimentos que são capazes de interagir com os fármacos prescritos. No entanto, mais estudos devem ser realizados, uma vez que a maioria dos medicamentos identificados nas possíveis interações não dispõe de evidência literária com relação aos fatores antinutricionais (lectinas, inibidores de proteases e saponinas) presentes nas dietas prescritas aos pacientes hospitalizados.