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Identificação, mensuração e valoração de custos em saúde

Identificação, mensuração e valoração de custos em saúde

Autores:

Everton Nunes da Silva,
Marcus Tolentino Silva,
Maurício Gomes Pereira

ARTIGO ORIGINAL

Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.25 no.2 Brasília abr./jun. 2016

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742016000200023

Países de renda baixa ou média têm pouca tradição em análises de custos, o que se reflete na produção incipiente de estudos sobre avaliação econômica.1 No Brasil, verifica-se um aumento recente das publicações de análises de custo-efetividade e de custo-utilidade, a partir de 2006.2 O objetivo deste artigo é fornecer orientação sobre os procedimentos para estimar custos em avaliação econômica.

Métodos para estimar custos em saúde

Na Figura 1, estão relacionadas seis etapas a serem seguidas quando se estimam custos em saúde, assim como a questão central de cada uma.

Figura 1 - Etapas para se estimar custos em saúde e a questão central de cada etapa 

1. Definição da perspectiva do estudo

A perspectiva indica o contexto em que se dá a tomada de decisão e precisa estar explicitada no estudo. Existem potenciais pagadores, como o paciente, o hospital, o Sistema Único de Saúde (SUS), a saúde suplementar ou mesmo toda a sociedade.3 Ao optar por uma dessas perspectivas, o escopo da estimação dos custos restringe-se ao que efetivamente é de responsabilidade financeira do pagador selecionado. Tomando o SUS como referência, apenas os insumos disponibilizados por ele são incluídos na análise, bem como suas respectivas quantidades e valores praticados. Esse procedimento é feito para que as características do modelo se aproximem ao contexto da tomada de decisão.

2. Delimitação do horizonte temporal

Entende-se por horizonte temporal o período no qual são coletados os dados de custos e os desfechos em saúde. Para definir o horizonte temporal do estudo, procede-se à análise detalhada das consequências que as tecnologias (ou estratégias) sob investigação exercem sobre os custos e os desfechos em saúde. O período deve ser longo o suficiente para que nenhum evento relevante deixe de ser contemplado na análise.4 No Brasil, tem-se adotado a duração de toda a vida quando se lida com doenças crônicas. Para as doenças agudas, esse período varia em relação ao tempo que dura o evento sob consideração.

3. Identificação dos custos

Nesta etapa, é necessária uma descrição, a mais completa possível, dos recursos econômicos utilizados, os quais devem ser compatíveis com a perspectiva adotada. Há três tipos de custos em avaliação econômica: diretos, indiretos e intangíveis.5 O primeiro diz respeito aos insumos usados para prover as intervenções sob análise, levando em consideração o ambiente médico-hospitalar, como recursos humanos, instalações físicas, medicamentos, internações e diagnósticos. Também são incluídas as ações complementares, sendo exemplos transporte, dieta específica, adaptação de ambiente domiciliar e cuidadores. A segunda modalidade de custo refere-se aos relacionados à perda de produtividade no mercado de trabalho, tais como presenteísmo, absenteísmo e morte precoce. A terceira modalidade de custo diz respeito às perdas em qualidade de vida, particularmente relacionadas à dor, ao sofrimento e à exclusão social.

4. Mensuração dos custos

A unidade de medida dos itens de custos pode ser expressa em termos unitários ou percentual do custo agregado. Dependendo do grau de detalhamento desejável ou disponível, as unidades de medida podem variar.1 Se for possível obter dados de consumo por indivíduo, podem-se adotar medidas de tendência central para um determinado período. Por exemplo, em um ano, os pacientes sob determinada intervenção utilizaram em média seis consultas, duas ecografias e uma internação. No caso da ausência de dados individuais, usam-se percentuais. Por exemplo, os pacientes com doenças cardiovasculares consomem 5% dos custos hospitalares ao longo de seis meses. Neste caso, é preciso conhecer o custo total do hospital ou de uma amostra de hospitais.

5. Determinação do método para valorar os custos

Para os custos diretos, há dois métodos de valoração, ou seja, abordagem de microcusteio ou bottom-up e de macrocusteio ou top-down.5 O primeiro focaliza indivíduos e, por isso, é recomendável trabalhar com amostra representativa para que haja poder de extrapolação. O segundo refere-se a dados agregados, que fornecem uma visão do todo. Neste caso, divide-se o custo agregado pelo número de pacientes atendidos. A título de ilustração, suponha-se que o objetivo seja estimar os custos diretos da artrite reumatoide no SUS ao longo de um ano. É possível obter esta estimativa por bottom-up via coleta de dados em amostra de prontuários de pacientes em um hospital. Alternativamente, pode-se usar a abordagem top-down por meio de registros nacionais, como os sistemas de informação hospitalar (SIH/SUS) e ambulatorial (SIA/SUS) do Ministério da Saúde.

Para os custos indiretos, podem-se obter estimativas por intermédio dos métodos de capital humano ou de fricção.6 O primeiro usa o salário como forma de estimar os custos de produtividade, ao se multiplicar o número de dias afastados das atividades laborais e habituais pelo valor do salário por dia. A abordagem de custos friccionais não leva em consideração o salário, mas sim os custos relacionados à substituição do trabalhador afastado, tais como custos de publicidade para atrair novos trabalhadores, de recrutamento e de treinamento. Sob este método, multiplica-se a quantidade de indivíduos que foram substituídos pelos custos per capita de publicidade, de recrutamento e de treinamento.

Para os custos intangíveis, a estimação é obtida por meio do método de disponibilidade a pagar (em inglês, willingness to pay).7 Cenários hipotéticos sobre situações adversas da doença são desenvolvidos e aplicados a um grupo de indivíduos, que expressam sua disponibilidade de pagar para evitar eventos de dor, sofrimento e exclusão social.

6. Ajustes temporais

Se o horizonte temporal for superior a um ano, é necessário ajustar os valores futuros, empregando-se taxa de desconto - por exemplo, 5% ao ano, a contar do segundo ano. A taxa é aplicável aos custos e aos desfechos de saúde.3 Outro ajuste que necessita ser feito diz respeito ao uso de dados de custos provenientes de estudos em anos anteriores à elaboração da avaliação econômica, os quais devem ser ajustados pela inflação correspondente.

Considerações finais

Neste artigo, foram apresentadas as principais etapas para a condução de análises de custos em avaliação econômica. Perguntas-chave foram atreladas aos procedimentos para ressaltar o conteúdo abordado em cada item, bem como foram sinalizados os métodos mais apropriados para sua estimação.

A análise de sensibilidade também é considerada uma etapa importante quando se realiza um estudo de custo. Não a incluímos no texto porque haverá um artigo específico sobre o assunto nesta série.

No cenário nacional, alguns aspectos merecem ser aprimorados para que haja melhor apropriação das ferramentas de custos nos sistemas e serviços de saúde, tais como maior oferta de cursos sobre análises econômicas, desenvolvimento de gestão de custos e uso de prontuários eletrônicos nas instituições provedoras de cuidados.

REFERÊNCIAS

1. Hendriks ME, Kundu P, Boers AC, Bolarinwa OA, Te Pas MJ, Akande TM, et al. Step-by-step guideline for disease-specific costing studies in low- and middle-income countries: a mixed methodology. Glob Health Action. 2014 Mar;7:23573.
2. Moraz G, Garcez AS, Assis EM, Santos JP, Barcellos NT, Kroeff LR. Estudos de custo-efetividade em saúde no Brasil: uma revisão sistemática. Cienc Saude Coletiva. 2015;20(10):3211-29.
3. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas: diretriz de avaliação econômica. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
4. Roberts M, Russell LB, Paltiel AD, Chambers M, McEwan P, Krahn M, et al. Conceptualizing a model: a report of the ISPOR-SMDM modeling good research practices task force-2. Med Decis Making. 2012 Sep-Oct;32(5):678-89.
5. Oliveira ML, Santos LMP, Silva EN. Bases metodológicas para estudos de custos da doença no Brasil. Rev Nutr. 2014 set-out;27(5):585-95.
6. Lensberg BR, Drummond MF, Danchenko N, Despiégel N, François C. Challenges in measuring and valuing productivity costs, and their relevance in mood disorders. Clinicoecon Outcomes Res. 2013 Nov;5:565-73.
7. Xie F, Thumboo J, Fong KY, Lo NN, Yeo SJ, Yang KY, Li SC. A study on indirect and intangible costs for patients with knee osteoarthritis in Singapore. Value Health. 2008 Mar;11 Suppl 1:S84-S90.