Compartilhar

Impacto da redução do teor de sódio em alimentos processados no consumo de sódio no Brasil

Impacto da redução do teor de sódio em alimentos processados no consumo de sódio no Brasil

Autores:

Amanda de Moura Souza,
Bárbara da Silva Nalin de Souza,
Ilana Nogueira Bezerra,
Rosely Sichieri

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.32 no.2 Rio de Janeiro 2016 Epub 01-Fev-2016

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00064615

Resumen:

El objetivo del presente estudio fue evaluar el potencial impacto de la reducción del contenido en sodio en alimentos procesados en el consumo medio de sodio de la población brasileña. Un total de 32.900 participantes de la primera Encuesta Nacional de Alimentación (2008-2009), con 10 años y más de edad, proporcionaron datos sobre dos días de consumo, que fueron evaluados. Las metas de reducción de sodio, indicadas por el Ministerio de Salud en 2010 y 2013, fueron utilizadas como referencia para determinar el contenido máximo de sodio en 21 grupos de alimentos procesados. Los resultados indican que las metas de reducción de sodio en alimentos procesados tiene un pequeño impacto en el consumo medio de sodio en la población brasileña. En 2017, la reducción media esperada es de un 1,5%, quedando los valores de consumo medio de sodio todavía por encima del límite máximo recomendado de 2.000mg/día. Por tanto, difícilmente será posible alcanzar la reducción necesaria en el consumo de sodio en Brasil, a partir de acuerdos voluntarios en los términos de los que se han ido sucediendo hasta el momento.

Palabras-clave: Sodio; Sodio en la Dieta; Alimentos Industrializados; Encuestas sobre Dietas

Introdução

O consumo excessivo de sódio está associado ao aumento progressivo da pressão arterial, e consequentemente aumento no risco de doenças cardiovasculares, que são as principais causas de morte no Brasil e no mundo 1), (2. Em 2013, a prevalência de hipertensão arterial autorreferida na população brasileira foi de 24% 3.

De acordo com os dados do primeiro Inquérito Nacional de Alimentação (INA) realizado em 2008-2009, o consumo médio de sódio na população brasileira foi 3.190mg/dia 4 e encontra-se acima do nível máximo tolerável de 2.000mg/dia para adultos, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 5. Segundo Sarno et al. 6, a contribuição dos alimentos processados no consumo médio de sódio aumentou de 17,2% para 20,5%.

No Brasil, o Ministério da Saúde tem coordenado estratégias nacionais com objetivo de reduzir o consumo de sódio, bem como acordos firmados com associações de indústrias de alimentos, para redução gradual no teor máximo de sódio nas categorias consideradas prioritárias de alimentos processados 7), (8), (9), (10), (11. O objetivo do presente trabalho foi avaliar o potencial impacto da redução do teor de sódio em alimentos processados no consumo total de sódio no Brasil.

Métodos

O presente estudo utilizou os dados do INA, realizado em 2008-2009, em uma subamostra de 24% dos 55.790 domicílios participantes da Pesquisa de Orçamento Familiar 2008-2009, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 12.

O INA teve como objetivo coletar dados referentes ao consumo alimentar de todos os moradores com idade maior ou igual a 10 anos dos domicílios selecionados. O consumo alimentar foi estimado a partir da média de dois dias não consecutivos de registro alimentar. Um total de 32.900 participantes do INA que forneceram dados de dois dias de consumo foi avaliado.

A quantidade em gramas de alimentos consumidos e seu conteúdo de sódio em miligramas (mg) foram estimados a partir da Tabela de Medidas Caseiras e Tabela de Composição Nutricional dos Alimentos Consumidos no Brasil, respectivamente, ambas desenvolvidas pelo IBGE 12.

As metas de redução de sódio estabelecidas, em 2011, pelo Ministério da Saúde e associações de indústrias de alimentos, para o final dos primeiros cinco anos de pactuação, foram utilizadas como referência para determinar o teor máximo de sódio nas categorias de alimentos processados consideradas prioritárias. Os critérios foram: (1) referências internacionais de redução; (2) limite inferior do teor de sódio da respectiva categoria no mercado nacional; (3) médias ajustadas dos teores de sódio e/ou valor encontrado em pelo menos 50% dos produtos da categoria encontrados no mercado nacional 7), (8), (9), (10), (11 (Tabela 1).

Tabela 1: Teor médio de sódio no Inquérito Nacional de Alimentação (INA 2008-2009), teor máximo de sódio pactuado para os anos de 2013, 2016 e 2017 e percentual final de redução ao final dos cincos anos de pactuação segundo grupos de alimentos. 

Para aplicação das metas, primeiramente foi calculado o teor médio de sódio (mg Na/100g de alimentos) de cada um dos 21 grupos ou itens alimentares considerados prioritários. A soma do teor de sódio fornecido pelos alimentos de cada grupo foi dividida pela quantidade em gramas consumida, multiplicada por 100. Foram realizadas estimativas do consumo médio de sódio (mg/dia) para os anos de 2013, 2016 e 2017, considerando as reduções do teor de sódio pactuadas, e o percentual médio de redução foi estimado ao final dos cinco anos de pactuação. Posteriormente, para o ano de 2017, foi adicionada redução de 25% aos alimentos cujo teor máximo pactuado apresentou-se superior ao valor médio estimado pelo INA 2008-2009 e aos alimentos cuja redução pactuada foi inferior a 25%. Este percentual foi escolhido, pois neste nível de redução de sódio, nenhuma mudança no sabor dos alimentos é detectada pelo consumidor 13. As análises foram estratificadas por sexo e por faixa etária (10-19 anos, 20-59 anos e 60 anos e mais).

Todas as análises levaram em consideração os pesos amostrais e o desenho do estudo e foram realizadas com o software SAS, versão 9.1.3 (SAS Inst., Cary, Estados Unidos).

O INA foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro sob o protocolo nº CAAE 0011.0259.000-11.

Resultados

O teor máximo de sódio pactuado foi maior do que o valor estimado com base na tabela de composição de alimentos, exceto para biscoito recheado, biscoito salgado, pão de forma, cereais matinais, maionese, presunto, batata frita, biscoito doce, sopas e pão francês (Tabela 1).

A redução média estimada no consumo de sódio após os cinco anos de pactuação foi de 1,5%. Após a aplicação da redução de 25%, para o ano de 2017, a redução média estimada foi de 6,3% (Tabela 2). A redução no consumo médio de sódio foi similar entre os grupos de sexo e idade, variando de 5,6% entre homem adultos e 7,6% entre mulheres.

Tabela 2: Estimativa do impacto da redução do teor de sódio em alimentos processados no consumo médio de sódio (mg/dia), erro-padrão (EP) e percentual médio de redução da ingestão de sódio em 2017, segundo sexo e faixa etária. 

Discussão

As metas de redução de sódio em alimentos processados têm pequeno impacto no consumo médio de sódio na população brasileira, que permanece acima do limite máximo recomendado de 2.000mg/dia. A redução estimada encontra-se abaixo dos 20% observados por Grimes et al. 14, que avaliaram o efeito da redução de sódio de alimentos processados no consumo médio de sódio em crianças e adolescentes australianos. Contudo, países como a Austrália apresentam padrões de consumo alimentar diferentes do Brasil, o que deve ser levado em consideração ao se avaliar o impacto destas políticas. Adicionalmente, uma das possíveis explicações para os nossos achados seria o fato de que maiores percentuais de redução foram pactuados para alimentos que apresentam menor teor de sódio. Por exemplo, para biscoito recheado, com densidade de sódio de 405mg/100g, o percentual total de redução pactuado foi de 34,6%. No entanto, quando comparado ao presunto, cuja densidade de sódio é 1.313mg/100g, cerca de três vezes maior do que o biscoito, a redução pactuada foi 11,6%, aproximadamente, três vezes menor.

A maioria dos valores pactuados foi superior aos teores médios de sódio estimados utilizando a tabela de composição nutricional do INA 2008-2009. Este fato pode ser explicado pela diferença entre as marcas dos alimentos contemplados na tabela e as analisadas para determinação do teor médio pactuado. Além disso, não há conhecimento sobre os dados da participação de mercado das marcas dos alimentos incluídas nos acordos.

Em 2013, a OMS estabeleceu a meta global de redução de 30% do consumo total de sódio até 2025, e uma das ações-chave utilizadas é a redução do teor de sódio em produtos processados 15. Um total de 17 países implementaram estratégias de redução voluntárias ou legislativas do conteúdo de sódio em alimentos processados, sendo o pão o principal alvo destas ações 16. No Brasil, o pão francês, apesar de apresentar alta densidade de sódio e elevada prevalência de consumo (terceiro alimento mais consumido no Brasil) apresentou baixos percentuais de redução pactuados 4), (17. Para o pão francês, o percentual total de redução foi de, aproximadamente, 10%. Contudo, uma redução de 55% no teor de sódio neste item alimentar, considerando o menor valor encontrado em tabela de composição americana 18, levaria à uma redução de 9% no consumo médio de sódio (dados não apresentados). Vale ressaltar que alimentos que apresentam baixa densidade de sódio, mas que são consumidos com maior frequência, como arroz e feijão, estão entre os que mais contribuem para o consumo de sódio na população brasileira 4. Apesar do aumento da contribuição dos alimentos processados no consumo médio de sódio, a contribuição do sal de mesa e de condimentos à base de sal se destaca 6. Portanto, dificilmente será possível alcançar a redução necessária no consumo de sódio no Brasil a partir de acordos voluntários nos moldes dos que aconteceram até o momento. Considerando o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, a revisão de metas e inclusão de outros grupos de alimentos provavelmente não serão suficientes. Neste sentido, politicas públicas voltadas para o estímulo de mudanças comportamentais que visem a redução da adição de sal no preparo de alimentos e menor consumo de alimentos ultraprocessados, tendo como base o novo Guia Alimentar para População Brasileira19 desempenham papel fundamental para mudanças efetivas no padrão de consumo de sódio na população brasileira.

REFERÊNCIAS

1. Strazzullo P, D'Elia L, Kandala NB, Cappuccio FP. Salt intake, stroke, and cardiovascular disease: meta-analysis of prospective studies. BMJ 2009; 339:b4567.
2. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377:1949-61.
3. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2013: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (acessado em 20/Abr/2015).
4. de Moura Souza A, Bezerra IN, Pereira RA, Peterson KE, Sichieri R. Dietary sources of sodium intake in Brazil in 2008-2009. J Acad Nutr Diet 2013; 113:1359-65.
5. World Health Organization. Guideline: sodium intake for adults and children (acessado em 10/Ago/2015).
6. Sarno F, Claro RM, Levy RB, Bandoni DH, Monteiro CA. Estimativa de consumo de sódio pela população brasileira, 2008-2009. Rev Saúde Pública 2013; 47:571-8.
7. Nilson EAF, Jaime PC, Resende DO. Iniciativas desenvolvidas no Brasil para a redução do teor de sódio em alimentos processados. Rev Panam Salud Pública 2012; 34:287-92.
8. Ministério da Saúde. Extrato de Compromisso nº 4/2011. Termo de compromisso por intermédio do Ministério da Saúde e a Associação Brasileira de Indústrias de Alimentação (ABIA), a Associação Brasileira de Indústrias de Massas Alimentícias (ABIMA), a Associação Brasileira da Indústria de Trigo (ABITRIGO) e a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP). Diário Oficial da União 2011; 8 abr.
9. Ministério da Saúde. Extrato de Compromisso nº 35/2011. Termo de compromisso que firmam entre si a União, por intermédio do Ministério da Saúde, e a Associação Brasileira de Indústrias de Alimentação - ABIA, a Associação Brasileira de Indústrias de Massas Alimentícias - ABIMA, a Associação Brasileira da Indústria de Trigo - ABITRIGO e a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria - ABIP. Diário Oficial da União 2011; 26 dez.
10. Ministério da Saúde. Extrato do Termo de Compromisso. Termo de Compromisso que firmam entre o Ministério da Saúde, e a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação - ABIA. Diário Oficial da União; 2013; 17 out.
11. Ministério da Saúde. Extrato de Compromisso. Termo de compromisso que firmam entre si a União, por intermédio do Ministério da Saúde, a Associação Brasileira de Indústrias de Alimentação - ABIA, a Associação Brasileira das Indústrias de Queijos - ABIQ, a Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína - ABIPECS, Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado de São Paulo - SINDCARNES e União Brasileira de Avilcutura - UBABEF. Diário Oficial da União 2013; 13 dez.
12. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.
13. Grigis S, Neal B, Prescott J, Prendergast J, Dumbrell S, Turner C, et al. A one-quarter reduction in the salt content of bread can be made without detection. Eur J Clin Nutr 2003; 57:616-20.
14. Grimes CA, Campbell KJ, Riddell LJ, Nowson CA. Sources of sodium in Australian children's diets and the effect of the application of sodium targets to food products to reduce sodium intake. Br J Nutr 2011; 105:468-77.
15. World Health Organization. A comprehensive global monitoring framework including indicators and a set of voluntary global targets for the prevention and control of non-communicable diseases. (acessado em 20/Abr/2015).
16. Webster J, Trieu K, Dunford E, HawkesC. Target Salt 2025: a global overview of national programs to encourage the food industry to reduce salt in foods. Nutrients 2014; 6:3274-87.
17. de Moura Souza A, Pereira RA, Yokoo EM, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saúde Pública 2013; 47 Suppl 1:190s-9s.
18. U.S. Department of Agriculture. Nutrient database for standard reference, release 18 (SR18). (acessado em 20/Abr/2015).
19. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.