versão impressa ISSN 0102-311X
Cad. Saúde Pública vol.31 no.2 Rio de Janeiro fev. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00169913
O Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é um dos principais agentes etiológicos de pneumonia bacteriana, septicemia e meningite em crianças de todo o mundo, responsável por aproximadamente 800 mil mortes, anualmente, entre as crianças menores de cinco anos de idade 1 , 2 , 3. No Brasil, a meningite pneumocócica é a segunda causa mais frequente de meningite bacteriana 4, principalmente em lactentes menores de 1 ano 5. Segundo dados obtidos no SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), a incidência média anual de 2001 e 2010 em crianças menores de cinco anos e menores de um ano foi de 1,09 e 8,62 casos/100 mil habitantes e a letalidade média foi de 33,6% e 31,3%, respectivamente. A meningite bacteriana é uma doença de notificação compulsória no Brasil, desde 1975.
O avanço da imunogenicidade e a eficácia das vacinas antipneumocócicas, introduzidas desde 1983, colocou em evidência a sua importância no controle e prevenção das doenças pneumocócicas como a primeira causa de mortes evitáveis pela vacinação 6. O desempenho global da primeira vacina pneumocócica conjugada, incluindo sete sorotipos (PCV7) contra a doença pneumocócica invasiva, é considerado satisfatório, como demonstrado em estudos em que sua eficácia foi de 80% contra a doença pneumocócica invasiva, causada pelos sete sorotipos vacinais em nível mundial 7. Na Austrália, Europa e América do Norte, o impacto da PCV7 na doença pneumocócica invasiva geral foi uma redução que variou de 17% na Espanha 8 a 80% nos Estados Unidos 9, com uma taxa média de redução de 45% 10. As reduções da doença pneumocócica invasiva causadas pelos 7 sorotipos em todas as idades e associadas à vacinação infantil variaram de 1% na Holanda 11 a 94% nos Estados Unidos 12, com uma taxa média de redução de 65,5% 10.
No Brasil, a vacina pneumocócica conjugada 10-valente (PCV10) foi introduzida no calendário de vacinação da criança, do Programa Nacional de Imunização (PNI/MS) em 2010, sendo recomendadas três doses, aos dois, quatro e seis meses de idade, e um reforço entre 12 e 15 meses 13. A aprovação da PCV10 inicialmente foi baseada nos estudos de eficácia da PCV7, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) 14. Mesmo com a tendência de redução da meningite pneumocócica nos últimos anos no Brasil 15, a introdução da PCV10 trouxe perspectivas para o controle da doença pneumocócica, destacando o país como o precursor na implantação desta vacina no Serviço Público de Saúde.
Nesse cenário, estudos que contribuam com análises do desempenho da PCV10 são fundamentais para avaliar o impacto dessa intervenção. Este trabalho teve como objetivos descrever os casos de meningite pneumocócica em crianças menores ou com dois anos de idade, e comparar os coeficientes de incidência e mortalidade no período pré e pós-implantação da vacina PCV10, buscando assim, contribuir com subsídios para ações de vigilância da meningite e fortalecimento das políticas públicas de saúde do país.
Foi realizado um estudo descritivo dos casos de meningite pneumocócica e uma análise ecológica das taxas de incidência e de mortalidade da doença no período imediatamente pré e pós-implantação da vacina PCV10. Os casos de meningite pneumocócica, incluídos no estudo, foram aqueles ocorridos em crianças com idade menor ou igual a dois anos, registrados no SINAN e confirmados por critério laboratorial específico, que incluem o isolamento do S. pneumoniae em cultura, a reação de aglutinação por látex ou a reação em cadeia polimerase (PCR).
A introdução da vacina PCV10 ocorreu de forma heterogênea nas Unidades da Federação no ano de 2010, portanto este ano foi excluído das análises estatísticas. Assim, definiu-se como período pré-vacinal os três anos anteriores ao ano de implantação da vacina (2007-2009), e o período pós-vacinal incluiu os anos de 2011 e 2012.
Para o cálculo das taxas de incidência e mortalidade de meningite pneumocócica foram utilizadas as estimativas populacionais informadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE. http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?c=1552&z=cdo=7, acessado em 22/Jan/2014; http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2012/microdados.shtm, acessado em 22/Jan/2014). Para a estratificação da população de menores de um ano, informada pelo IBGE, em menores e maiores de seis meses, foi utilizada a proporção de menores de seis meses, de acordo com o banco de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivo (SINASC), para cada ano incluído no estudo (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/dados/nov_indice.htm, acessado em 22/Jan/2014).
Os casos de meningite pneumocócica foram descritos segundo faixa etária, sexo, sinais e sintomas, critério de confirmação, evolução, Unidade da Federação e região de residência, conforme registrados na ficha de notificação. Os dados sobre o estado vacinal não foram incluídos por apresentarem completitude insatisfatória.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (CEP/FS-UNB, parecer nº 171/711).
Foram incluídos no estudo 1.311 casos de meningite pneumocócica ocorridos em crianças de até dois anos de idade e notificados no SINAN entre os anos de 2007 e 2012. Foram excluídos 79 casos (5%) por não haver confirmação por critério laboratorial específico. Os 269 casos (16%) notificados em 2010 também foram excluídos da análise por se tratar do ano de implantação da PCV10.
Dos 1.311 casos de meningite pneumocócica, 60% (n = 785) ocorreram em crianças do sexo masculino. A faixa etária de menores de um ano representou o grupo de maior proporção de casos, com concentração nos menores de seis meses no período pós-vacinal (Tabela 1).
Tabela 1 Características dos casos de meningite pneumocócica nos períodos pré (2007-2009) e pós-vacinação (2011-2012). Brasil, 2007-2012.
Variáveis | 2007 | 2008 | 2009 | 2011 | 2012 | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | |
Sexo | ||||||||||
Masculino | 222 | 61,7 | 200 | 62,7 | 177 | 61,5 | 106 | 55,2 | 80 | 52,6 |
Feminino | 138 | 38,3 | 119 | 37,3 | 111 | 38,5 | 86 | 44,8 | 72 | 47,4 |
Faixa etária | ||||||||||
< 1 ano | ||||||||||
< 6 meses | 136 | 37,8 | 98 | 30,7 | 98 | 34,0 | 111 | 57,8 | 78 | 51,3 |
≥ 6 meses | 124 | 34,4 | 120 | 37,6 | 109 | 37,8 | 39 | 20,3 | 29 | 19,1 |
1 ano | 74 | 20,6 | 75 | 23,5 | 53 | 18,4 | 21 | 10,9 | 26 | 17,1 |
2 anos | 26 | 7,2 | 26 | 8,2 | 28 | 9,7 | 21 | 10,9 | 19 | 12,5 |
Sinais e sintomas | ||||||||||
Febre | 336 | 93,3 | 314 | 98,4 | 266 | 92,4 | 174 | 90,6 | 136 | 89,5 |
Vômito | 235 | 65,3 | 227 | 71,2 | 180 | 62,5 | 116 | 60,4 | 89 | 58,6 |
Convulsões | 164 | 45,6 | 154 | 48,3 | 119 | 41,3 | 76 | 39,6 | 61 | 40,1 |
Rigidez de nuca | 138 | 38,3 | 137 | 42,9 | 117 | 40,6 | 58 | 30,2 | 52 | 34,2 |
Abaulamento fontanela | 116 | 32,2 | 89 | 27,9 | 82 | 28,5 | 58 | 30,2 | 50 | 32,9 |
Critério de confirmação | ||||||||||
Cultura | 277 | 76,9 | 222 | 69,6 | 205 | 71,2 | 114 | 59,4 | 88 | 57,9 |
Látex | 80 | 22,2 | 87 | 27,3 | 73 | 25,3 | 68 | 35,4 | 49 | 32,2 |
PCR | 3 | 0,8 | 10 | 3,1 | 10 | 3,5 | 10 | 5,2 | 15 | 9,9 |
Evolução | ||||||||||
Cura | 204 | 56,7 | 175 | 54,9 | 166 | 57,6 | 112 | 58,3 | 97 | 63,8 |
Óbitos | 127 | 35,3 | 106 | 33,2 | 97 | 33,7 | 65 | 33,9 | 33 | 21,7 |
Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
Os sinais e sintomas mais descritos em todos os anos do estudo foram febre, vômito e convulsão. Com relação aos critérios de confirmação, 69% (n = 906) dos casos foram confirmados por cultura, 27% (n = 357) por Látex e 4% (n = 48) por PCR. A cultura foi o principal critério de confirmação em todos os anos do estudo, havendo aumento da proporção de casos confirmados por látex e PCR no período pós-vacinal (Tabela 1).
Aproximadamente 30% dos casos de meningite pneumocócica evoluíram para o óbito, anualmente, no período do estudo, entretanto, no segundo ano do período pós-vacinal esta proporção reduziu para 22% (Tabela 1).
As maiores proporções de casos, considerando todo o período de estudo, ocorreram nas regiões Sudeste e Sul, com 59% e 16%, respectivamente. As maiores taxas de incidência também foram observadas nos estados dessas regiões. Sendo que, as maiores reduções nessas taxas, comparando o ano de 2012 com o de 2007, ocorreram nos estados de Minas Gerais e Santa Catarina, ambos com redução de 65% (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição das taxas de incidência (CI) * e mortalidade (CM) ** das Regiões Sudeste e Sul e Unidades Federadas (UF). Brasil 2007-2012.
Região/UF | 2007 | 2008 | 2009 | 2011 | 2012 | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
CI | CM | CI | CM | CI | CM | CI | CM | CI | CM | |
Sudeste | 5,65 | 2,08 | 4,88 | 1,73 | 4,78 | 1,84 | 3,93 | 1,42 | 2,99 | 0,69 |
MG | 3,74 | 1,66 | 3,70 | 1,59 | 2,91 | 1,18 | 2,99 | 1,04 | 1,29 | 0,52 |
ES | 5,53 | 1,66 | 1,72 | 1,15 | 4,06 | 1,16 | 3,37 | 1,35 | 2,67 | 1,34 |
RJ | 5,86 | 3,15 | 4,83 | 1,96 | 5,44 | 3,68 | 5,81 | 2,66 | 3,62 | 0,82 |
SP | 6,55 | 1,94 | 5,83 | 1,78 | 5,62 | 1,61 | 3,73 | 1,16 | 3,58 | 0,67 |
Sul | 5,00 | 1,52 | 4,93 | 1,16 | 4,55 | 0,93 | 2,33 | 0,65 | 2,59 | 0,37 |
PR | 5,73 | 2,55 | 5,77 | 1,77 | 4,36 | 0,69 | 2,29 | 0,23 | 3,64 | 0,91 |
SC | 5,72 | 1,14 | 4,81 | 0,40 | 4,56 | 2,07 | 2,01 | 0,80 | 1,99 | 0,00 |
RS | 3,80 | 0,67 | 4,09 | 0,96 | 4,76 | 0,50 | 2,58 | 1,03 | 1,80 | 0,00 |
Brasil | 3,70 | 1,30 | 3,38 | 1,12 | 3,12 | 1,06 | 2,29 | 0,79 | 1,80 | 0,39 |
ES: Espírito Santo; MG: Minas Gerais; PR: Paraná; RJ: Rio de Janeiro; RS: Rio Grande do Sul; SC: Santa Catarina; SP: São Paulo.
* Casos/100 mil habitantes;
** Óbitos/100 mil habitantes.
Observa-se na Tabela 3 que a maioria do número de casos de meningite pneumocócica ocorreu, proporcionalmente, no ano de 2007, com cerca de 30% dos casos no período do estudo, mantendo-se relativamente estável nos anos de 2008 e 2009. Os dois anos do período pós-vacinal apresentaram a menor proporção de casos, com uma redução de 14,6% em 2011 e 11,6% em 2012, representando uma redução no número absoluto de casos de 58%, comparando 2007 com 2012. As maiores taxas de incidência e de mortalidade foram observadas entre os menores de um ano de idade, em todo o período do estudo (Tabela 3).
Tabela 3 Características dos casos, proporções anuais, taxas de incidência (CI) * e mortalidade (CM) ** por faixa etária, de meningite pneumocócica no período pré (2007-2009) e pós-vacinal (2011-2012). Brasil, 2007-2012.
Incidência/Faixa etária | Período pré-vacinal | Período pós-vacinal | ||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2007 | 2008 | 2009 | 2011 | 2012 | Total | |||||||||||
n | % | CI | n | % | CI | n | % | CI | n | % | CI | n | % | CI | n | |
< 1 ano | ||||||||||||||||
< 6 meses | 136 | 26,1 | 8,92 | 98 | 18,8 | 6,47 | 98 | 18,8 | 6,71 | 111 | 21,3 | 8,46 | 78 | 15,0 | 5,88 | 521 |
≥ 6 meses | 124 | 29,5 | 7,46 | 120 | 28,5 | 7,65 | 109 | 25,9 | 7,02 | 39 | 9,3 | 2,74 | 29 | 6,9 | 2,02 | 421 |
1 ano | 74 | 29,7 | 2,28 | 75 | 30,1 | 2,39 | 53 | 21,3 | 1,73 | 21 | 8,4 | 0,77 | 26 | 10,4 | 0,95 | 249 |
2 anos | 26 | 21,7 | 0,79 | 26 | 21,7 | 0,81 | 28 | 23,3 | 0,89 | 21 | 17,5 | 0,76 | 19 | 15,8 | 0,68 | 120 |
Total | 360 | 27,5 | 3,70 | 319 | 24,3 | 3,38 | 288 | 22,0 | 3,12 | 192 | 14,6 | 2,34 | 152 | 11,6 | 1,84 | 1311 |
Mortalidade/Faixa etária | Período pré-vacinal | Período pós-vacinal | ||||||||||||||
2007 | 2008 | 2009 | 2011 | 2012 | Total | |||||||||||
n | % | CM | n | % | CM | n | % | CM | n | % | CM | n | % | CM | n | |
< 1 ano | ||||||||||||||||
< 6 meses | 40 | 16,5 | 2,62 | 111 | 45,7 | 1,31 | 36 | 14,8 | 2,46 | 39 | 16,0 | 2,97 | 17 | 7,0 | 1,28 | 243 |
≥ 6 meses | 54 | 35,1 | 3,25 | 39 | 25,3 | 0,36 | 42 | 27,3 | 2,71 | 12 | 7,8 | 0,84 | 7 | 4,5 | 0,49 | 154 |
1 ano | 25 | 33,3 | 0,77 | 21 | 28,0 | 0,32 | 14 | 18,7 | 0,46 | 9 | 12,0 | 0,33 | 6 | 8,0 | 0,22 | 75 |
2 anos | 8 | 18,2 | 0,24 | 21 | 47,7 | 0,94 | 6 | 13,6 | 0,19 | 6 | 13,6 | 0,22 | 3 | 6,8 | 0,11 | 44 |
Total | 127 | 24,6 | 1,30 | 192 | 37,2 | 1,12 | 98 | 19,0 | 1,06 | 66 | 12,8 | 0,80 | 33 | 6,4 | 0,40 | 516 |
* Casos/100 mil habitantes;
** Óbitos/100 mil habitantes.
O trabalho demonstrou que houve redução de 50% na taxa de incidência e de 69% na de mortalidade por meningite pneumocócica, comparando os anos de 2012 e 2007. As crianças com idade entre seis meses completos e menores de um ano foram as que apresentaram maiores reduções nas taxas: 73% na incidência e 85% na mortalidade (Tabela 3).
As reduções das taxas, identificadas neste trabalho após dois anos de utilização da PCV10, apresentaram uma cobertura vacinal, segundo dados do PNI, de 73% em 2011 e 89% em 2012.
Após a introdução da vacina pneumocócica conjugada 10-valente no Brasil, houve uma redução do número de casos e incidência de meningite pneumocócica nas crianças menores de 2 anos, no ano de 2012. A redução da taxa de incidência da meningite pneumocócica foi expressiva na população do estudo, principalmente no segundo ano do período pós-vacinal quando comparado com o ano de 2007. Esses resultados assemelham-se com os registrados na América do Norte e Austrália, onde a incidência da doença pneumocócica invasiva, incluindo a meningite, caiu 56%-69% nas crianças menores de 2 anos, após a introdução da PCV7 16 , 17 , 18 , 19 , 20 , 21 , 22 , 23. Na Europa, para a mesma faixa etária, a redução foi de 82% após a utilização da PCV7 24.
No Brasil, a maior incidência de meningite pneumocócica atinge as crianças menores de dois anos de idade 15. A maior redução da taxa de incidência de meningite pneumocócica foi observada na faixa etária de 6 a 11 meses. Esse resultado coincide com um estudo de base populacional realizado no Brasil, em 2012, relacionado à doença pneumocócica invasiva e pneumonias 25. Outro resultado observado foi a redução na incidência da meningite pneumocócica no segundo ano pós-vacinal nas crianças menores de seis meses, semelhante ao relatado no estudo realizado nos Estados Unidos, em 2006, que registrou, após quatro anos de utilização da PCV7, uma queda de 40% na doença pneumocócica invasiva em lactentes de 0 a 90 dias 21 , 25.
Os resultados encontrados neste trabalho sugerem o benefício da PCV10 na redução da incidência de meningite pneumocócica, uma vez que a literatura atual faz referência ao impacto da vacina PCV7 utilizada em outros países, que possui diferenças na composição em relação à PCV10, esta com a adição de mais três sorotipos: 1, 5 e 7F. Na Finlândia, resultados de ensaio clínico randomizado identificaram a eficácia da PCV10 de 92% e 100% para esquemas vacinais de 2+1 e 3+1 doses, respectivamente 26. Em Quebec, Canadá, a PCV7 foi substituída pela PCV10 após 5 anos de uso; dados registraram uma incidência de DPI menor nas crianças vacinadas com a PCV10, comparados com a PCV7 27. Cabe destacar que nos dados de vigilância utilizados neste estudo não foram identificados os sorotipos de pneumococo, que possibilitaria avaliar o impacto específico da vacina sobre os sorotipos vacinais, configurando-se como uma limitação. O impacto da vacina sobre a incidência de meningite pneumocócica depende da prevalência dos sorotipos circulantes na população, da cobertura vacinal e do tempo decorrido após a introdução. Apesar de não ter sido o objetivo deste trabalho discutir as diferenças dos coeficientes de incidência e mortalidade de meningite pneumocócica por unidade federada, vale ressaltar que quatro estados (Distrito Federal, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo) implantaram esquemas vacinais diferentes do preconizado pelo PNI, quanto à idade de aplicação das doses.
Estudo realizado em Salvador, Brasil, registrou uma estimativa de cobertura da PCV10 de 77% nas crianças menores de 2 anos de idade 28; outro, realizado em Goiânia, sugeriu uma cobertura de 80% nas crianças de 28 dias a 36 meses 29. As reduções nas taxas identificadas neste trabalho, após dois anos de utilização da PCV10, devem ser atribuídas à introdução da vacina, assemelhando-se ao estudo realizado nos Estados Unidos, que, após cinco anos de uso da PCV7, registrou uma redução de 64% na incidência da meningite pneumocócica nos menores de dois anos 23.
Pesquisas realizadas na França, Inglaterra e País de Gales demonstraram que, somente após dois anos de utilização da PCV7 e com uma cobertura vacinal maior ou igual a 75%, houve uma redução de 30%-65% na incidência da doença pneumocócica invasiva de todos os sorotipos; a Alemanha, a Noruega e a Dinamarca, com apenas um ano de vacinação, registraram uma redução da doença pneumocócica invasiva que variou de 45-57%. Assim, a redução na Europa foi sistematicamente menor que nos Estados Unidos, onde a incidência de doença pneumocócica invasiva em crianças menores de 2 anos diminuiu 69% após somente 1 ano de utilização da vacina 16 e 76% nos menores de 5 anos de idade, após sete anos da introdução da PCV7 12. Em Calgary, no Canadá, os resultados encontrados em crianças menores de 2 anos foram semelhantes: a incidência de doença pneumocócica invasiva geral reduziu 69,9%, e para os sorotipos PCV7 a redução foi de 88,7% 17.
Quanto à mortalidade, os resultados do presente estudo demonstram uma queda consistente no número de óbitos quando comparados os períodos pré e pós-implantação da PCV10, com uma redução no número absoluto e na taxa de mortalidade, sendo mais expressiva na faixa etária de 6 a 11 meses de idade e, no segundo ano pós-vacinação, nas crianças menores de 6 meses, configurando provavelmente uma proteção indireta ou de rebanho, conforme descrito em estudos anteriores 21.
Os resultados de redução do número de óbitos e taxa de mortalidade corroboram com os apresentados por Hicks et al. 30, que registraram, nos Estados Unidos, uma queda na mortalidade em crianças menores de 2 anos por doença pneumocócica invasiva sorotipos vacinais, e com outros estudos que relataram reduções de 62,5% e 57,1% na mortalidade por doença pneumocócica invasiva geral em crianças elegíveis para a vacinação 12 , 31. Um estudo em Gâmbia, utilizando a vacina pneumocócica 9-valente (PCV9), registrou uma redução de 16% na mortalidade infantil, e também na África do Sul com resultados semelhantes 32.
Com relação à letalidade, os achados deste estudo vão ao encontro de registros de Berezin et al. 33, de uma letalidade de 20% para a meningite pneumocócica, e com os resultados apresentados por Menezes et al. 28, em menores de 15 anos, de 28,6% e 41,9% nos menores de 5 anos. Apesar do impacto identificado na doença pneumocócica e mesmo com os avanços na assistência, a taxa de letalidade é variável entre adultos 34 e crianças 35 , 36, sendo que, na meningite, a alteração observada é de 16% a 37% em crianças e de 1% a 3% em adultos 37, coerente com as estimativas de 8 e 12% que não têm se modificado em 20 anos, apesar do progresso no diagnóstico e tratamento 38 , 39.
Quanto ao gênero, estudo realizado nos Estados Unidos registrou que a proporção de casos de meningite pneumocócica foi maior no sexo masculino do que no feminino 40. No Brasil, os resultados identificados em diferentes estudos são semelhantes 15 , 28 , 41 e compatíveis com os achados deste trabalho.
A utilização de dados secundários em análises epidemiológicas pode gerar limitações, sendo passível de vieses, desde a captação de casos até a digitação dos dados em um sistema. Além disso, análises ecológicas não têm a indicação de determinar causalidade, uma vez que outras mudanças ocorridas no mesmo tempo em que houve a implantação da vacina não estão controladas e demonstradas no estudo, indicando a necessidade de trabalhos futuros para a solidificação dos achados. Contudo, os resultados deste estudo representam importantes evidências que apontam para o impacto da vacina PCV10 na redução da meningite pneumocócica no Brasil.