versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.39 no.4 São Paulo out./dez. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170075
Vários estudos demonstraram que pacientes com doença renal crônica apresentam redução em sua capacidade de realizar exercícios físicos.1-3 Apesar dos benefícios do transplante renal para indivíduos com doença renal terminal, distúrbios cardiopulmonares e musculoesqueléticos são comuns após a cirurgia.4-6 Como em qualquer procedimento intra-abdominal, os pacientes submetidos a transplante renal apresentam queda da função pulmonar no pós-operatório por conta da anestesia geral e da inibição diafragmática.7,8 A fraqueza muscular pós-operatória e a redução da tolerância a exercícios9 também são frequentemente observadas e podem significativamente afetar a qualidade de vida dos pacientes.10,11 Não se sabe se tais fatos se devem a alterações da fisiologia dos músculos esqueléticos relacionadas à doença ou por conta da redução do nível de atividade física após o transplante.12
Nos últimos anos tem crescido o interesse nas intervenções com exercícios para pacientes com doença renal crônica.13 Contudo, não existe um programa de exercícios recomendado para receptores de transplante renal. Uma revisão sistemática sugeriu, com base em estudos clínicos com baixa qualidade metodológica, que os benefícios de tais intervenções são pouco claros.14 Muito pouca atenção tem sido devotada aos efeitos de um programa de exercícios após o transplante renal,6 especialmente no tocante ao melhor momento para iniciar tal programa, por quanto tempo executá-lo e o nível de intensidade necessário às suas atividades.
Conduzimos um estudo clínico randomizado com a intenção de produzir evidências sobre o papel de intervenções precoces com exercícios para pacientes submetidos a transplantes renais com doadores vivos. Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto de um programa precoce de fisioterapia durante a internação sobre a capacidade funcional e força muscular periférica e respiratória após o transplante renal. Nossa hipótese é que os pacientes que receberam o programa precoce de fisioterapia teriam maior probabilidade de caminhar distâncias maiores e apresentar níveis mais elevados de força muscular respiratória na alta hospitalar do que os que receberam apenas o tratamento padrão.
O presente estudo clínico aberto randomizado paralelo e pragmático foi protocolado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (RBR-65G6XZ) e aprovado pelo comitê de ética local (protocolo 0271/11). Todos os participantes assinaram termo de consentimento informado. Após assinar o termo de consentimento informado, os pacientes foram submetidos à avaliação inicial. Depois, os pacientes cirúrgicos foram aleatoriamente divididos em dois grupos, o grupo de controle (GC) e o grupo de intervenção (GI). O esquema de randomização foi gerado por computador e implementado por um investigador não envolvido no recrutamento e tratamento dos pacientes. A alocação foi sigilosamente feita com o uso de envelopes opacos fechados numerados sequencialmente. No primeiro dia de tratamento os envelopes foram abertos pelo fisioterapeuta encarregado dos tratamentos. Os pacientes foram informados que receberiam um de dois diferentes programas de fisioterapia. No pós-operatório, todos os pacientes foram avaliados em função das mesmas variáveis do período pré-operatório.
Pacientes adultos (idade > 18 anos) internados para transplantes renais com doadores vivos num hospital terciário (Hospital do Rim e Hipertensão, São Paulo) foram incluídos no presente estudo. Os pacientes foram excluídos segundo o seguinte critério: mais de 24 horas em ventilação mecânica e unidade de terapia intensiva, reoperação, óbito intraoperatório, contraindicação para a realização das medições ou tratamentos propostos.
Todos os grupos receberam informações no pré-operatório sobre a importância da tosse e da mobilização precoce por um fisioterapeuta. Os pacientes do GC receberam o tratamento padrão de nossa instituição, com consultas diárias com um fisioterapeuta para estimular a mobilização não supervisionada, incluindo deambulação no corredor e três séries de dez repetições de respiração profunda.
Os pacientes do GI receberam sessões de fisioterapia diárias supervisionadas com duração aproximada de 30 minutos a partir do primeiro dia do pós-operatório (1º dia de PO) até a alta hospitalar. O protocolo específico de fisioterapia era assim planejado: 1º dia de PO: os pacientes (1) realizavam três séries com dez repetições de exercícios de respiração associados a elevação dos membros superiores em posição sentada, (2) caminhavam num corredor de 30 metros (quatro voltas) com o auxílio de um fisioterapeuta que estimulava aumentos de intensidade e velocidade dentro dos níveis tolerados pelo paciente e (3) realizavam cinco repetições de exercícios de step utilizando degrau de 25 cm.
2º dia de PO: repetição do 1º dia de PO com a inclusão de (1) exercícios de resistência para os membros superiores (três séries de dez repetições de elevação diagonal para os ombros e flexões de cotovelo) com carga de treinamento determinada em função da tolerância (na média, mulheres e homens utilizaram pesos de 2 Kg e 4 Kg, respectivamente) e (2) duas repetições de exercícios de subida de escadas (subir e descer um lance de escada com 12 degraus de 25 cm cada). Do 3º dia de PO até a alta: o mesmo que no 2º dia de PO com aumento da subida de escadas (uma repetição por dia) e exercícios de caminhada (uma volta por dia). Durante as sessões, todos os pacientes realizaram exercícios com intervalos de repouso de pelo menos dois minutos entre as séries.
A medida de desfecho de interesse primário foi a capacidade de caminhada funcional (TC6) medida no pré-operatório e na alta. As variáveis secundárias incluíam força muscular respiratória (pressão inspiratória máxima - PImax; e pressão expiratória máxima - PEmax) e capacidade vital, medidas no pré-operatório, no primeiro dia de pós-operatório e na alta, além da força muscular periférica dos membros superiores e inferiores, medida no pré-operatório e na alta. A capacidade funcional foi avaliada pelo TC6 e o teste foi executado segundo os procedimentos descritos pela American Thoracic Society (ATS, 2002)15.
A força muscular periférica foi avaliada pela medição da força máxima de contração isométrica voluntária utilizando um dinamômetro com sensor de deformação (TRF_200, EMG System do Brasil) com sensibilidade de 2 mV/V e capacidade máxima de medição de 200 kgf.16 Para registrar os sinais do dinamômetro, utilizamos um sistema de aquisição de sinais modelo EMG200 (EMG System do Brasil), composto por um conversor A/D com resolução de 16 bits e frequência de amostragem programada em 200 Hz por canal, filtro de passa baixo de 100 Hz e amplificação de ganho de 600 vezes, rejeitando, assim, o módulo comum > 100 dB. Os dados foram armazenados em arquivos com o auxílio do mesmo software, o V1.2 EMGLab, do mesmo fabricante.17 Para os membros inferiores (MI) em posição reta, avaliamos a cadeia dos músculos extensores do joelho no membro contralateral à incisão cirúrgica do paciente (Figura 1a). O grupo muscular analisado para força dos membros superiores (MS) foi a cadeia do flexor do cotovelo contralateral à fístula arteriovenosa, que é o membro dominante na ausência da fístula (Figura 1b). Os valores normais previstos para força de MS e MI foram calculados utilizando os valores propostos por Bohannon.16
A força muscular respiratória foi avaliada com um manovacuômetro (GlobalMed) conectado a um bico com um orifício de diâmetro de 2 mm para evitar que os músculos faciais contribuíssem gerando pressão. Os pacientes permaneceram sentados durante a avaliação. Três medições foram feitas, cada uma partindo da capacidade residual funcional para PImax e capacidade pulmonar total para PEmax. A mais alta de três medições foi registrada. Os valores foram expressos como valores absolutos e percentagens, previstos de acordo com Neder, Andreoni, Lerario e Nery (1999).18 A capacidade vital foi medida com um espirômetro de Wright (Ferraris Mark 8) conectado a um bocal. Foi utilizada uma presilha nasal para evitar que o ar escapasse pelo nariz. Os pacientes foram solicitados a executar uma inspiração profunda máxima e depois uma expiração completa.19 Em todos os momentos (pré-operatório, primeiro dia de pós-operatório e na alta hospitalar) medições foram feitas na seguinte ordem: CV, PImax e PEmax.
O tamanho da amostra foi calculado com base nos parâmetros funcionais do TC6, esperando uma diferença mínima de 75 ± 100 metros20 entre os momentos pré- e pós-intervenção com uma potência de 80%. Um alfa de 5% foi determinado e uma amostra de 28 pacientes por grupo foi utilizada. As variáveis de interesse foram submetidas ao teste de normalidade de Kolmogorov-Sminov (K-S), e exceto nos casos especificados, os dados foram apresentados na forma de média e desvios padrão. Foi utilizado o teste do qui-quadrado para analisar as diferenças entre grupos de variáveis categóricas.
Para testar a hipótese de diferença das variáveis intra e intergrupos (PImax, PEmax, CV), utilizamos medidas repetidas de ANOVA considerando o fator grupo (GC e GI) e tempo (pré-operatório, 1º dia de PO, alta). O teste a posteriori de Tukey foi utilizado para identificar tais diferenças, caso elas existissem. Utilizamos o teste t pareado para analisar a diferença das variáveis (MI, MS, TC6) entre pré-operatório e alta, e o teste t para variáveis independentes para avaliar a diferença do ΔTC6 entre GC e GI. Todas as análises foram realizadas no programa SPSS para Windows, versão 20 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). P-valores de 0,05 foram considerados significativos.
Setenta e dois pacientes foram recrutados e 63 incluídos no estudo, divididos entre GC (n = 33) e GI (n = 30). Sete pacientes foram excluídos pelos motivos apresentados na Figura 2. As características pré-operatórias e cirúrgicas dos pacientes são descritas na Tabela 1. Não houve diferenças em termos de idade, tempo em diálise, duração da internação e características clínicas entre GI e GC (p > 0,05).
Tabela 1 Caracterização e fatores demográficos dos grupos de controle e intervenção
GC (n = 33) | GI (n = 30) | p-valor | |
---|---|---|---|
Homens, n (%) | 23 (69,7) | 17 (56,7) | 0,28* |
Idade (anos), média (DP) | 35,6 (10,4) | 37,0 (9,2) | 0,56** |
Hipertensão, n (%) | 32,0 (97,0) | 26,0 (87,0) | 0,34* |
Diabetes, n (%) | 3,0 (1,0) | 0,0 (0,0) | 0,42* |
Cr sérica (mg/dL), média (DP) | 9,6 (1,9) | 9,1 (1,7) | 0,84** |
Hemoglobina (mg/dL), média (DP) | 12,4 (2,7) | 11,9 (2,2) | 0,79** |
Diálise (meses), média (DP) | 18,7 (17,8) | 13,8 (13,1) | 0,72** |
Duração da internação (dias), média (DP) | 7,1 (3,5) | 6,7 (2,2) | 0,64** |
GC, grupo de controle; GI, grupo de intervenção; DP, desvio padrão; Cr, creatinina.
*teste do qui-quadrado
**teste t para amostras independentes.
Apesar de ter havido uma redução significativa (p < 0,001) em ambos os grupos comparados na distância do TC6 na alta hospitalar, nenhuma diferença foi identificada em relação ao ΔTC6 entre GI e GC (p = 0,29; Tabela 2). No período pré-operatório, os dois grupos apresentaram valores previstos semelhantes (p > 0,05) para força de membros superiores e inferiores (MS = GC: 97,8 ± 44,1% x GI: 116,1 ± 44,2%, e MI = GC: 102,1 ± 31,1% x GI: 122,5 ± 56,9%), sem diferença significativa no momento da alta hospitalar (Tabela 2).
Tabela 2 Força muscular e capacidade funcional antes e após o transplante dos grupos de controle e intervenção
GC (n = 33) | GI (n = 30) | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Pré-operatório | Alta hospitalar | p-valor | Pré-operatório | Alta hospitalar | p-valor | |
Força MS (N) | 23,7 (8,7) | 21,4 (9,9) | 0,13* | 25,2 (8,3) | 22,2 (5,8) | 0,06* |
Força MI(N) | 52,5 (18,0) | 51,3 (16,7) | 0,67* | 53,2 (16,0) | 50,8 (13,0) | 0,44* |
TC6 (m) | 584,9 (99,2) | 502,4 (100,9) | < 0,001* | 598,7 (72,2) | 537,6 (83,7) | < 0,001* |
ΔTC6 (m) | -82,5 (78,9) | -61,1 (81,8) | 0,29** | |||
%previsto TC6 | 86,9 (12,6) | 75,0 (15,6) | < 0,001* | 88,7 (11,9) | 79,5 (11,1) | < 0,001* |
Δ%previsto TC6 | -11,9 (11,3) | -9,2 (12,0) | 0,36** |
Dados expressos como média (desvio padrão). GC, grupo de controle; GI, grupo de intervenção; MS, membros superiores; MI, membros inferiores; N, newtons; TC6, teste da caminhada dos 6 minutos; m, metros,
*teste t pareado entre pré-operatório e alta hospitalar.
**teste t para amostras independentes entre GC e GI.
Como esperado, nossos resultados exibiram redução significativa na força muscular respiratória no 1º dia de PO tanto no GC (PImax = 9,0%, PEmax= 34,9%) como no GI (PImax = 11,6%, PEmax = 26,2%). Apesar de presentes na alta hospitalar e de não se apresentaram no pré-operatório, o GI exibiu uma redução menor de PImax (0,4% x 3,1%) e PEmax (11,3% x 21,8%) em relação ao GC (Tabela 3). Os dois grupos também apresentaram redução da CV no primeiro dia de pós-operatório (GC: 27,2% e GI: 20,5%; p < 0,001), com aumento na alta hospitalar, mas sem diferenças quando comparados aos valores no pré-operatório. Contudo, o GI apresentou valores próximos aos iniciais (Tabela 3). As medições repetidas de ANOVA revelaram diferença significativa (p < 0,001) entre os grupos apenas para PImax e PEmax. Os dois grupos exibiram redução significativa na creatinina sérica na alta hospitalar, 2,1 (1,3) e 2,7 (1,1) mg/dL para GC e GI respectivamente, mas sem diferenças estatísticas entre os grupos.
Tabela 3 Força muscular respiratória e capacidade vital dos pacientes dos grupos de controle e intervenção antes e após o transplante
GC (n = 33) | GI (n = 30) | p-values * | |||||||
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Pré-operatório | 1o dia PO | Alta Hospitalar | Pré-operatório | 1o dia PO | Alta Hospitalar | Tempo | Grupo | Intereação | |
PImax (cmH2O) | 78,6 (27,4) | 69,6 (27,8) | 75,2 (27,2) | 89,2 (26,5) | 76,6 (27,8) | 88,2 (23,1) | 0,03 a , c | < 0,001 | 0,38 |
%previsto PImax | 67,1 (21,2) | 58,1 (22,6) | 64,0 (20,4) | 80,4 (23,0) | 68,8 (21,7) | 80,0 (20,7) | < 0,001 a , c | < 0,01 | 0,56 |
PEmax (cmH2O) | 102,3 (19,1) | 61,7 (23,3) | 75,2 (26,3) | 107,2 (17,4) | 77,0 (22,2) | 102,0 (21,3) | < 0,001 a , b , c | < 0,001 | < 0,01 |
%previsto PEmax | 84,4 (19,3) | 49,5 (20,8) | 62,6 (23,9) | 94,7 (23,3) | 68,5 (26,7) | 83,4 (24,1) | < 0,001 a , b , c | < 0,001 | < 0,01 |
CV (L/min) | 3,3 (1,1) | 2,4 (1,0) | 3,0 (1,0) | 3,4 (1,1) | 2,7 (1,0) | 3,4 (1,0) | < 0.001a , c | 0,35 | 0,19 |
Dados expressos como média (desvio padrão). GC, grupo de controle; GI, grupo de intervenção; 1º PO, primeiro dia de pós-operatório; PImax, pressão inspiratória máxima; PEmax, pressão expiratória máxima; CV, capacidade vital.
*ANOVA medições repetidas:
a1º PO apresentou diferença significativa em relação ao pré-operatório;
bAlta hospitalar apresentou diferença significativa em relação ao pré-operatório;
cAlta hospitalar apresentou diferença significativa em relação ao 1º PO.
Os resultados do presente estudo demonstram que um programa precoce de fisioterapia para pacientes submetidos a transplantes renais com doadores vivos não afetou a capacidade funcional de caminhar dos pacientes ou a força muscular periférica em relação aos indivíduos submetidos ao tratamento padrão. Entretanto, os pacientes do GI apresentaram claramente melhor força muscular respiratória em relação aos do GC. Até onde sabemos, apenas um estudo avaliou o efeito de exercícios no pós-operatório imediato de pacientes de transplante renal, concentrando-se, contudo, nos marcadores bioquímicos da função do enxerto.21
Nossa hipótese era que a intervenção utilizada no GI fosse pelo menos 20% mais eficaz que as simples orientações para melhorar a distância no TC6. No entanto, a hipótese não se confirmou. Numa revisão sistemática recente, Heiwe e Jacobson (2011)14 mostraram evidências de que um programa de exercícios após transplante tem benefícios em potencial sobre a capacidade de realizar atividades físicas e caminhar. Contudo, em nosso estudo observamos que a capacidade funcional de caminhar foi semelhante entre o grupo que realizou exercícios supervisionados e o que recebeu o tratamento padrão.
Apesar de ser evidente a associação entre doença renal e disfunções de vários sistemas, incluindo musculatura periférica,14,22 a população de nosso estudo era mais jovem, sofria da doença e estava em diálise há menos tempo do que os indivíduos incluídos em estudos anteriores. Nossos pacientes tinham valores previstos normais para MS e MI17 logo antes da cirurgia, o que corrobora essa hipótese. Por outro lado, Petersen et al. (2012)23 descreveram função anormal da musculatura esquelética e elevação da anormal da fatigabilidade em pacientes em hemodiálise sem nenhuma outra diferença após transplante renal.
Em nosso estudo, o protocolo de exercícios iniciado imediatamente após o transplante renal não aumentou a distância percorrida no TC6 nem a força muscular. Sabemos que a capacidade de realizar atividades físicas como caminhadas pode ser limitada pelos sistemas muscular, cardíaco ou pulmonar.23 Contudo, nossos pacientes tinham boas condições clínicas sem reduções significativas na força muscular periférica ou na capacidade funcional de caminhar no pré-operatório, o que pode explicar nossos achados.
Corroborando nossos achados, Heiwe e Jacobson (2011)14 mostraram que não há evidências de que um protocolo de exercícios após o transplante promova melhoras na força muscular periférica. Com relação à influência das limitações cardíacas sobre a distância de caminhada, não foi nosso objetivo avaliar parâmetros cardíacos. Contudo, a doença cardiovascular continua a ser a principal causa de mortalidade entre receptores de transplante renal,24-26 e a maioria dos participantes de nosso estudo tinha hipertensão arterial. Além disso, a duração da sessão de intervenção e o número de sessões pode ter sido insuficiente para promover diferenças mensuráveis de força muscular com as medidas de desfecho utilizadas. Contudo, não há consenso sobre essas preocupações, e nosso programa de exercícios foi baseado na rotina da fisioterapia de nossa instituição.
Observamos uma redução na distância caminhada na alta hospitalar em relação ao período pré-operatório nos dois grupos, o que pode estar relacionado aos efeitos induzidos pela cirurgia. Com base em estudos anteriores, a maioria dos receptores de transplante renal não pratica nenhum tipo de exercício até 12 meses antes e após o transplante.24,27 O fato de nossos resultados mostrarem que pacientes de ambos os grupos tinham capacidade funcional mais baixa na alta hospitalar poderia servir de variável preditora para manutenção da inatividade física após o transplante. Contudo, acreditamos que o grupo de treinamento se tornará mais ativo fisicamente após a alta em comparação ao grupo de controle, uma vez que foram submetidos a fisioterapia sistemática e supervisionada imediatamente após a cirurgia. Recentemente, Greenwood et al. (2015)26, num estudo clínico randomizado piloto de 12 semanas, concluíram que tanto treinamento aeróbico como intervenções de treinamento de resistência parecem ser viáveis e clinicamente benéficas para receptores de transplante renal. Com base nesses dados, podemos imaginar que uma média ao redor de sete dias de treinamento, como feito em nosso estudo, não seria suficiente para produzir diferenças estatisticamente significativas. Contudo, o objetivo de nosso estudo foi avaliar o efeito do programa de exercícios apenas durante a internação.
Vários estudos demonstraram que em comparação a cirurgia abdominal alta, a cirurgia abdominal baixa apresenta menor probabilidade de promover redução do volume pulmonar e da força muscular respiratória no pós-operatório.28 Nossos dados são corroborados por resultados obtidos na literatura.29,30 Contudo, também observamos que o protocolo de exercícios induziu uma redução menor da força muscular respiratória e da CV em relação ao grupo de controle. Grams et al. (2012)31, numa recente meta-análise em que foram avaliados os efeitos de exercícios respiratórios sobre a recuperação da função pulmonar, demonstraram que melhoras significativas da pressão respiratória máxima podem ocorrer em pacientes que realizam exercícios de respiração após cirurgia abdominal alta. Apesar dos achados de Grams et al. (2012)31 tratarem de cirurgia abdominal alta, sabemos que os pacientes submetidos a cirurgia abdominal alta ou baixa normalmente desenvolvem padrões pulmonares restritivos. Assim, acreditamos que exercícios de respiração provavelmente elevem a mobilidade do diafragma e melhorem o sinergismo muscular respiratório.32
Além disso, o conceito de exercício respiratório mudou com o passar dos anos, e apenas recentemente passou a incluir exercícios ativos para membros superiores e inferiores, caminhada supervisionada e uso de step. Essas mudanças mais recentes na posição corporal, bem como nos exercícios respiratórios, otimizam a ventilação da área basal.33 No presente estudo, o GI realizou exercícios para membros superiores e inferiores combinados com exercícios respiratórios, utilizando cardas de treinamento de 2 kg e 4 kg para os participantes dos sexos feminino e masculino, respectivamente. Contudo, não existe consenso sobre o peso da carga de treinamento, o número de séries ou a frequência do protocolo de exercícios, e cada elemento pode ter sido insuficiente e assim influenciado os nossos resultados.
Nosso estudo apresenta algumas limitações. Primeiramente, não avaliamos desfechos clínicos tais como presença de complicações no pós-operatório (pneumonia etc.) ou nível de dor na ferida cirúrgica. Contudo, esse tema não figurou entre os objetivos de nosso estudo. Em segundo lugar, os nossos resultados não podem ser generalizados ou extrapolados para outras populações de receptores de transplante renal (pacientes mais idosos, receptores de transplante renal com doador falecido), porque nosso estudo foi realizado em pacientes não-idosos com diagnóstico mais recente, poucas comorbidades e somente receptores de transplantes renais de doadores vivos com pouco tempo de diálise. Além disso, não pudemos avaliar o impacto da função do enxerto numa amostra com apenas receptores de transplantes renais de doadores vivos (baixa probabilidade de função tardia do enxerto, por exemplo). Finalmente, o curto período da intervenção pode não ter sido suficiente para promover um desfecho positivo e não pudemos avaliar quanto exercício o grupo não supervisionado realmente realizou, mas em função da ética, não poderíamos impedir que eles se exercitassem. Provavelmente, nossos resultados demonstram que um protocolo precoce de fisioterapia após transplante renal não promove benefícios adicionais no tocante a capacidade funcional e força muscular periférica após o transplante renal, uma vez que o curto tempo de intervenção possivelmente não foi suficiente para promover mudanças positivas.
Nossos resultados mostram que um protocolo precoce de fisioterapia no pós-operatório de transplante renal promoveu uma redução menor na força muscular respiratória (e no PEmax em especial) em relação ao grupo de controle, mas a relevância clínica desse achado é incerta. O protocolo implementado não promoveu benefícios adicionais no tocante a capacidade funcional ou força muscular periférica, e não afetou a duração da internação. Investigações futuras devem ser realizadas em pacientes idosos diagnosticados com doença renal e em dialise há mais tempo, e em especial os que receberam transplantes de doadores falecidos.