versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.25 no.5 São Paulo set./out. 2013 Epub 23-Out-2013
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013005000004
A encefalopatia crônica não progressiva (ECNP) é descrita como uma desordem do desenvolvimento do movimento e da postura, com limitações nas atividades, secundária a uma lesão cerebral não progressiva, ocorrida durante o desenvolvimento fetal ou infantil, sendo frequentemente acompanhada por distúrbios sensoriais, cognitivos, comportamentais e comunicativos( 1 ).
Embora a ECNP tenha sido objeto de várias investigações, poucos estudos tiveram como foco principal o conhecimento do cuidador e o seu comportamento frente às especificidades dessa desordem. O mesmo ocorre em relação aos cuidados dessa população quanto à alimentação, observando-se escassez de publicações voltadas para o entendimento do impacto da dinâmica do cuidador no desempenho de crianças neuropatas durante a alimentação. Um estudo sobre a produção científica brasileira identificou que essa área temática não tem acompanhado a trajetória de crescimento observada em outras áreas da Fonoaudiologia( 2 ).
A partir da proposição da Classificação Internacional da Funcionalidade e Incapacidade em Saúde (CIF), observou-se um avanço no que diz respeito ao entendimento dos processos relacionados a uma condição de saúde. Segundo essa perspectiva de atenção à saúde, a incapacidade é resultante das interações entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (seja esta relacionada às funções ou às estruturas do corpo), a limitação de suas atividades e a restrição na participação social, considerando-se, ainda, o impacto positivo ou negativo exercido pelos fatores ambientais no desempenho das atividades( 3 ). Nesse sentido, faz-se necessário compreender a interferência do cuidado no desempenho apresentado por um indivíduo incapacitado, buscando-se formas de minimizar os impactos negativos e otimizar os positivos.
Os padrões motores orais da criança neuropata podem ser atípicos ou ineficientes, gerando impacto nas funções de sucção, mastigação, deglutição e fala, sobretudo nas desordens relacionadas à movimentação voluntária. Consequentemente, as dificuldades de alimentação podem ocorrer no início da vida, muitas vezes antes da evidência de outros sinais de distúrbios do movimento( 4 , 5 ).
Embora se manifestem precocemente, as desordens da deglutição nas encefalopatias da infância são, frequentemente, diagnosticadas e tratadas tardiamente, ou seja, diante de complicações clínicas como desidratação, desnutrição e alteração da saúde pulmonar. Quadros disfágicos crônicos comprometem o crescimento e desenvolvimento infantil, assim como a qualidade de vida das crianças neuropatas( 6 , 7 ).
Os programas educativos voltados aos cuidadores de pacientes disfágicos vêm sendo descritos como parte do processo terapêutico, devendo englobar a sensibilização e capacitação dos cuidadores, preparando-os para lidar com as questões funcionais relacionadas à alimentação (manuseio oral, tipo de dieta, utensílios, modo de oferta, postura, sinais de dificuldade, estratégias compensatórias) e com a manutenção diária da estimulação, otimizando os resultados terapêuticos( 8 - 10 ). Contudo, a eficácia das ações educativas é questionada, visto que existe a possibilidade de o cuidador receber um grande volume de informações, sem conseguir integrá-las à sua rotina de cuidado, ou mesmo entender a interferência de determinadas condutas na dinâmica de alimentação (processo cognitivo), mas não colocá-las em prática, resultando na dicotomia teoria/prática( 11 , 12 ). Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi verificar o impacto de uma ação fonoaudiológica educativa no conhecimento e conduta de cuidadores quanto à alimentação de crianças com ECNP.
Estudo comparativo transversal, realizado com 30 crianças com diagnóstico médico de ECNP, cadastradas em lista de espera de 3 serviços de referência em assistência fonoaudiológica do Estado de Alagoas e seus respectivos cuidadores principais, constituindo 30 díades cuidador/criança. O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL) e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob os protocolos nº 1246/09 e nº 2065/09, respectivamente, tendo sido aplicado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com cada um dos responsáveis pelas crianças estudadas formalizando a participação voluntária de cada díade.
Os critérios de inclusão adotados no estudo foram crianças de ambos os gêneros, com idade entre 0 e 12 anos de idade com ECNP; sem acompanhamento fonoaudiológico atual; em alimentação oral exclusiva ou mista (via oral e via enteral); que tivessem os pais como cuidadores principais, independentemente do sexo e faixa etária. Foram excluídas do estudo crianças que se encontravam em alimentação exclusivamente por via alternativa de alimentação (sonda nasogástrica, sonda nasoenteral, gastrostomia), cujo cuidador já tivesse sido submetido à ação educativa voltada para o contexto alimentar; e cuidadores que não participaram de todas as etapas propostas pelo estudo.
A fim de se verificar o impacto da ação educativa desenvolvida no conhecimento e conduta dos cuidadores quanto à alimentação, a amostra do estudo foi dividida em dois grupos: Grupo 1 (controle) - cuidadores submetidos à coleta de dados (aplicação do questionário e registro em vídeo da alimentação), em dois momentos, com intervalo de, aproximadamente, 30 dias entre eles, porém sem acesso à orientação fonoaudiológica. Os cuidadores distribuídos nesse grupo participaram da ação educativa após a reaplicação dos procedimentos; e Grupo 2 (estudo) - cuidadores submetidos à coleta de dados antes da orientação fonoaudiológica e, aproximadamente, 30 dias após a realização da ação educativa. A distribuição dos cuidadores respeitou o princípio da alternância, ou seja, conforme iam sendo convocados, os voluntários eram distribuídos ora em um grupo, ora em outro.
Os procedimentos da pesquisa foram divididos em seis fases:
•. Fase 1: identificação de crianças com diagnóstico de ECNP cadastradas em lista de espera de serviços de assistência fonoaudiológica de referência no Estado de Alagoas
•. Fase 2: aplicação do questionário com os cuidadores das crianças - Para identificação da percepção e conhecimento dos cuidadores quanto aos aspectos relacionadas ao contexto alimentar de seus filhos com ECNP, aplicou-se, nessa fase do estudo, o "Questionário Percepção dos Cuidadores quanto ao Contexto Alimentar". O instrumento adotado em uma pesquisa realizada com cuidadores de adultos( 13 ) foi adaptado pela autoras deste estudo, considerando-se o contexto de alimentação de crianças neuropatas.
• . Fase 3: registro em vídeo da díade cuidador/criança durante a oferta de uma refeição - O registro em vídeo foi realizado pelas mesmas pesquisadoras que realizaram a aplicação do questionário, utilizando-se uma filmadora digital (Handycam DCR-SR47) e tripé compatível (tripé para filmadora WT 3550l), situados em local estratégico e a uma distância que favorecesse a visualização do cuidador e da criança ao longo da alimentação. Ao final da gravação, os arquivos digitais foram transferidos para um computador (notebook STI IS1253, sistema operacional Windows Vista), salvos em arquivos identificados por números e, posteriormente, armazenados em Digital Versatile Disk (DVD) virgem. Os DVDs contendo os vídeos de uma refeição completa foram, em seguida, entregues a dois avaliadores, fonoaudiólogos e especialistas em Motricidade Orofacial, com experiência clínica no atendimento de pacientes com distúrbios da deglutição. Cada um dos profissionais realizou a análise separadamente, descrevendo a situação de alimentação no "Protocolo de Descrição da Dinâmica Alimentar", instrumento composto por três domínios, segundo a natureza dos aspectos observados: Achados relacionados à deglutição; Aspectos motores e comportamentais; e Conduta do cuidador durante a oferta. O protocolo foi elaborado pelas autoras, baseado nas manifestações funcionais e comportamentais relacionadas à alimentação de crianças com ECNP, comumente descritas na literatura. A fim de evitar a interferência no julgamento, os vídeos da primeira e segunda coletas foram entregues aos avaliadores sem esse tipo de informação, não sendo também informada a qual grupo a díade pertencia - estudo ou controle. Os dados foram computados considerando-se a concordância de respostas entre os avaliadores.
• . Fase 4: ação fonoaudiológica educativa quanto aos aspectos relacionados à alimentação de crianças neuropatas junto aos cuidadores - Realizada em dois momentos distintos, a ação educativa destinada aos cuidadores foi composta por palestra e orientação individual. A palestra informativa foi realizada com grupos de, aproximadamente, cinco cuidadores, abordando-se os seguintes temas: a) Dinâmica da deglutição; b) Distúrbios da deglutição; c) Prejuízos motores orais nas ECNP; d) Cuidados com a criança disfágica; e) Condutas do cuidador frente às dificuldades da criança. O segundo momento da ação educativa foi realizado aproximadamente uma semana após a primeira atividade, com cada cuidador individualmente, pois esteve focado na devolutiva da análise da dinâmica cuidador/criança durante a alimentação (videofeedback), sendo utilizado o vídeo de cada díade cuidador/criança, de modo a permitir que fossem discutidas junto ao cuidador as características da habilidade de alimentação de seu filho, a percepção dos cuidadores quanto às possíveis dificuldades funcionais, as estratégias compensatórias/favorecedoras utilizadas ao longo da oferta e a resposta da criança frente às estratégias.
•. Fase 5: reaplicação do questionário - A reaplicação do questionário para os participantes do grupo estudo ocorreu 30 dias após a realização da ação educativa, enquanto que, para o grupo controle, o instrumento foi reaplicado após 30 dias da primeira aplicação, porém sem que os cuidadores tivessem participado da ação educativa
• . Fase 6: registro em vídeo após ação educativa - A realização da segunda gravação em vídeo seguiu a mesma regra da reaplicação do questionário; portanto, com intervalo de, aproximadamente, 30 dias entre o primeiro e segundo registros em vídeo, respeitando-se os mesmos procedimentos definidos para a primeira filmagem.
A análise estatística dos dados foi realizada por meio do aplicativo PASW Statistics Data Editor, versão 17.0. A normalidade da amostra foi observada utilizando-se o teste Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov. Para a comparação da distribuição das variáveis nos grupos controle e estudo, adotou-se o teste de Mann-Whitney, sendo 0,1 o valor de alfa admitido na análise dos dados. A comparação dos dados pré e pós-capacitação foi realizada por meio do teste não paramétrico de Wilcoxon. O nível de significância adotado nas análises foi de 5% (p<0,05).
Os aspectos sociodemográficos das crianças e cuidadores foram descritos por meio de frequência, média, moda, desvio-padrão, mínimo e máximo, conforme a natureza das variáveis. Em relação ao gênero, houve maior frequência do masculino na amostra de crianças (70%), enquanto que o feminino representou a maioria da amostra de cuidadores (93,33%). A paralisia do tipo tetraparética espástica foi a mais comum (73,33%). Os cuidadores do estudo demonstraram baixa escolaridade, tendo 80% referido apresentar nível fundamental incompleto. Quando comparada a distribuição dessas variáveis nos grupos controle (G1) e estudo (G2), não foram observadas diferenças estatísticas significativas, ilustrando a homogeneidade da amostra (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição dos dados demográficos da amostra das crianças
Caracterização da amostra | G1 (Controle) | G2 (Estudo) | Total | Valor de p | ||||
n | % | n | % | n | % | |||
Crianças | ||||||||
Sexo | 0,240 | |||||||
Feminino | 6 | 40 | 3 | 20 | 9 | 30 | ||
Masculino | 9 | 60 | 12 | 80 | 21 | 70 | ||
Tipo de ECNP | 0,0748 | |||||||
Hemiparesia | 1 | 6,66 | 4 | 26,66 | 5 | 16,66 | ||
Diplegia | 3 | 20 | | | 3 | 10 | ||
Tetraparesia | 11 | 73,33 | 11 | 73,33 | 22 | 73,33 | ||
Idade (anos) | 0,646 | |||||||
Média | 6,2 | 6,8 | ||||||
Desvio-padrão | 3,8 | 3,8 | ||||||
Mínimomáximo | 112 | 112 | ||||||
Cuidadores | 0,150 | |||||||
Feminino | 13 | 86,66 | 15 | 100 | 28 | 93,33 | ||
Masculino | 2 | 13,33 | | | 2 | 6,66 | ||
Escolaridade | 0,084 | |||||||
Fundamental incompleto | 10 | 66,66 | 14 | 93,33 | 24 | 80 | ||
Fundamental completo | 1 | 6,66 | | | 1 | 3,33 | ||
Médio incompleto | 1 | 6,66 | | | 1 | 3,33 | ||
Médio completo | 3 | 20 | 1 | 6,66 | 4 | 13,33 | ||
Atividade profissional | 0,073 | |||||||
Sim | 3 | 20 | | | 3 | 10 | ||
Não | 12 | 80 | 15 | 100 | 27 | 90 | ||
Idade (anos) | 0,319 | |||||||
Média | 31,9 | 29,6 | ||||||
Desvio-padrão | 4,6 | 8,0 | ||||||
Mínimomáximo | 2245 | 2237 |
*Valores estatisticamente significativos (p<0,05) - Teste de Mann-Withney. Legenda: ECNP = encefalopatia crônica não progressiva
O conhecimento dos cuidadores quanto aos aspectos relacionados às dificuldades de alimentação foi restrito, em ambos os grupos estudados. O engasgo e o cansaço foram as manifestações mais frequentemente citadas como sendo sinais de dificuldades para alimentação/deglutição; 66,66% dos cuidadores referiram não saber o conceito de aspiração, enquanto apenas 4 participantes (13,33%) o definiram adequadamente. A falta de ar, a pneumonia e o óbito foram algumas das complicações associadas à aspiração de alimento. Como as questões desse domínio foram de múltiplas escolhas, não foi possível aplicar teste estatístico inferencial para essas variáveis. A ausência de diferença estatística entre os Grupos 1 e 2 para as variáveis "interação verbal durante a alimentação" (p=0,1919) e "importância do comando verbal relacionado à alimentação" (p=0,1753) demonstram a semelhança dos cuidadores quanto à conduta frente às dificuldades de alimentação apresentadas pelos seus filhos (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição do conhecimento e conduta dos cuidadores quanto aos aspectos relacionados às dificuldades de alimentação
Conhecimento | G1 (controle) | Grupo 2 (estudo) | Total | Valor de p | ||||
n | % | n | % | n | % | |||
Sinais de dificuldade* | | |||||||
Engasgo | 11 | 73,33 | 12 | 80 | 23 | 76,66 | ||
Tosse | 6 | 40 | 5 | 33,33 | 11 | 36,66 | ||
Cansaço | 6 | 40 | 7 | 46,66 | 13 | 43,33 | ||
Escape anterior | 4 | 26,66 | 6 | 40 | 10 | 33,33 | ||
Estase em cavidade oral | 6 | 40 | 4 | 26,66 | 10 | 33,33 | ||
Vômitos | 4 | 26,66 | 6 | 40 | 10 | 33,33 | ||
Definição de aspiração* | | |||||||
Não sabe | 10 | 66,66 | 10 | 66,66 | 20 | 66,66 | ||
Alimento parado na garganta | 1 | 6,66 | 1 | 6,66 | 2 | 6,66 | ||
Alimento vai para os pulmões | 2 | 13,33 | 2 | 13,33 | 4 | 13,33 | ||
Alimento vai para o nariz | 3 | 20 | 2 | 13,33 | 5 | 16,66 | ||
Complicações da aspiração* | | |||||||
Pneumonia | 3 | 20 | 2 | 13,33 | 5 | 16,66 | ||
Falta de ar | 5 | 33,33 | 4 | 26,66 | 9 | 30 | ||
Aumento da secreção | 2 | 13,33 | 1 | 6,66 | 3 | 10 | ||
Desnutrição | 1 | 6,66 | | | 1 | 3,33 | ||
Febre | 3 | 20 | | | 3 | 10 | ||
Dor de garganta | 1 | 6,66 | 2 | 13,33 | 3 | 10 | ||
Óbito | 3 | 20 | 1 | 6,66 | 4 | 13,33 | ||
Não sabe | 8 | 53,33 | 10 | 66,66 | 18 | 60 | ||
Diante de engasgo* | | |||||||
Bate nas costas | 10 | 66,66 | 7 | 46,66 | 17 | 56,66 | ||
Oferece líquido | 1 | 6,66 | 4 | 26,66 | 5 | 16,66 | ||
Coloca a criança em pé | 1 | 6,66 | | | 1 | 3,33 | ||
Senta a criança e baixa a cabeça | 2 | 13,33 | 1 | 6,66 | 3 | 10 | ||
Espera passar | 2 | 13,33 | 3 | 20 | 5 | 16,66 | ||
Outras | 4 | 26,66 | 5 | 33,33 | 9 | 30 | ||
Diante de resto de alimento* | | |||||||
Espera o filho engolir | 10 | 66,66 | 8 | 53,33 | 18 | 60 | ||
Oferece mais alimento | | | 2 | 13,33 | 2 | 6,66 | ||
Pede para engolir | 5 | 33,33 | 10 | 66,66 | 15 | 50 | ||
Pede para cuspir | 2 | 13,33 | | | 2 | 6,66 | ||
Tira-o da boca | 3 | 20 | 3 | 20 | 6 | 20 | ||
Dá água | 4 | 26,66 | 3 | 20 | 7 | 23,33 | ||
Usa outra(s) estratégia(s) | 1 | 6,66 | 2 | 13,33 | 3 | 10 | ||
Motivos para desistir de alimentar o filho* | ||||||||
Quando não abre a boca | 5 | 33,33 | 6 | 40 | 11 | 36,66 | ||
Quando ele engasga muito durante a alimentação | 6 | 40 | 5 | 33,33 | 11 | 36,66 | ||
Quando ele cospe o alimento | 4 | 26,66 | 3 | 20 | 7 | 23,33 | ||
Quando ele está chorando | 4 | 26,66 | 6 | 40 | 10 | 33,33 | ||
Quando ele está cansado | 3 | 20 | 6 | 40 | 9 | 30 | ||
Quando ele está dormindo ou sonolento | | | 6 | 40 | 6 | 20 | ||
Interage verbalmente durante alimentação | 0,1919 | |||||||
Não | 2 | 13,33 | 2 | 13,33 | 4 | 13,33 | ||
Raramente | 4 | 26,66 | 7 | 46,66 | 11 | 36,66 | ||
Frequentemente | 4 | 26,66 | 3 | 20 | 7 | 23,33 | ||
Sempre | 5 | 33,33 | 3 | 40 | 8 | 26,66 | ||
Importância dos comandos verbais relacionados à alimentação | 0,1753 | |||||||
Sim | 14 | 93,33 | 11 | 73,33 | 25 | 83,33 | ||
Não | 1 | 6,66 | 4 | 26,66 | 5 | 16,66 | ||
Fatores que interferem na alimentação* | | |||||||
Falar com a criança | 1 | 6,66 | 3 | 20 | 4 | 13,33 | ||
Televisor ligado | 4 | 26,66 | 7 | 46,66 | 11 | 36,66 | ||
Conversa paralela | 8 | 53,33 | 5 | 33,33 | 13 | 43,33 | ||
Pressa para alimentar | 4 | 26,66 | 5 | 33,33 | 9 | 30 | ||
Criança falar durante alimentação | 1 | 6,66 | 6 | 40 | 7 | 23,33 | ||
Alimentar a criança deitada | 4 | 26,66 | 5 | 33,33 | 9 | 30 | ||
Outro | 1 | 6,66 | | | 1 | 3,33 |
*Questão de múltipla resposta - teste estatístico não aplicável
Quanto às mudanças na voz e na respiração durante a alimentação, a maioria dos cuidadores referiu não observá-las ou nunca ter prestado atenção para esse achado. A rouquidão foi a alteração vocal mais frequente, enquanto que a respiração ruidosa foi citada por apenas 3,33% dos cuidadores. A ausência de relação entre voz e deglutição e entre respiração e deglutição foi defendida, respectivamente, por 86,66 e 43,33% dos cuidadores. A comparação dos resultados quanto às relações voz/respiração/deglutição também demonstrou a ausência de diferença significativa entre os cuidadores do grupo estudo e do grupo controle (p>0,05) (Tabela 3).
Tabela 3 Distribuição da percepção dos cuidadores quanto à relação voz, respiração e deglutição
Aspectos funcionais | G1 (Controle) | G2 (Estudo) | Total | Valor de p | ||||
n | % | n | % | n | % | |||
Percebe mudança na voz durante alimentação | ||||||||
Sim | 4 | 26,66 | 5 | 33,33 | 9 | 30 | 0,4098 | |
Não | 7 | 46,66 | 6 | 40 | 13 | 43,33 | ||
Nunca prestou atenção | 4 | 26,66 | 4 | 26,66 | 8 | 26,66 | ||
Alteração na voz | 0,3779 | |||||||
Fraca | | | 1 | 6,66 | 1 | 3,33 | ||
Rouca | 4 | 26,66 | 3 | 20 | 7 | 23,33 | ||
Molhada | | | 1 | 6,66 | 1 | 3,33 | ||
NSA | 11 | 73,33 | 10 | 66,66 | 21 | 70 | ||
Percebe mudança na respiração durante alimentação | 0,3093 | |||||||
Sim | 7 | 46,66 | 5 | 33,33 | 12 | 40 | ||
Não | 5 | 33,33 | 7 | 46,66 | 12 | 40 | ||
Nunca prestou atenção | 3 | 20 | 3 | 20 | 6 | 20 | ||
Alteração respiratória | 0,1314 | |||||||
Rápida | 5 | 33,33 | 2 | 13,33 | 7 | 23,33 | ||
Fraca | 2 | 13,33 | 3 | 20 | 5 | 16,66 | ||
Ruidosa | 1 | 6,66 | | | 1 | 3,33 | ||
NSA | 7 | 46,66 | 10 | 66,66 | 17 | 56,66 | ||
Relação entre voz e deglutição | 0,2669 | |||||||
Sim | 3 | 20 | 1 | 6,66 | 4 | 13,33 | ||
Não | 12 | 80 | 14 | 93,33 | 26 | 86,66 | ||
Relação entre respiração e deglutição | 0,3779 | |||||||
Sim | 9 | 60 | 8 | 53,33 | 17 | 56,66 | ||
Não | 6 | 40 | 7 | 46,66 | 13 | 43,33 |
Legenda: NSA = não se aplica
Para verificação do impacto da ação educativa, realizou-se comparação do conhecimento e conduta dos cuidadores dos Grupos 1 e 2 na primeira e segunda coletas de dados (aplicação de questionário e registro da dinâmica alimentar). As diferenças estatísticas observadas apenas no grupo estudo, exceto para as variáveis "interação verbal com a criança" (p=0,0544) e "modificação da conduta pelo cuidador" (p=0,0544), evidenciaram o impacto da ação educativa realizada (Tabelas 4 e 5).
Tabela 4 Comparação do conhecimento dos cuidadores do G1 e do G2 na primeira e segunda coleta de dados
Conhecimentos dos cuidadores | G1 (Controle) | Valor de p | G2 (Controle) | Valor de p | |||||||
1ª coleta | 2ª coleta | 1ª coleta | 2ª coleta | ||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | ||||
Conceito de aspiração | 0,1587 | 0,0017* | |||||||||
Inadequado | 2 | 13,33 | 11 | 73,33 | 1 | 6,66 | 4 | 26,66 | |||
Adequado | 3 | 20 | 2 | 13,33 | 2 | 13,33 | 9 | 60 | |||
Não sabe | 10 | 66,66 | 2 | 13,33 | 12 | 80 | 2 | 13,33 | |||
Concordância entre conceito de aspiração e complicações clínicas | 0,1587 | 0,0125* | |||||||||
Sim | 3 | 20 | 4 | 26,66 | 5 | 33,33 | 2 | 13,33 | |||
Não | 12 | 80 | 11 | 73,33 | 10 | 66,66 | 13 | 86,66 | |||
Relação entre voz e deglutição | 0,1587 | 0,0082* | |||||||||
Sim | 3 | 20 | 2 | 13,33 | 1 | 6,66 | 10 | 66,66 | |||
Não | 12 | 80 | 13 | 86,66 | 14 | 93,33 | 5 | 33,33 | |||
Relação entre respiração e deglutição | 0,2965 | 0,0059* | |||||||||
Sim | 6 | 40 | 5 | 33,33 | 6 | 40 | 15 | 100 | |||
Não | 9 | 60 | 10 | 66,66 | 9 | 60 | | | |||
Concordância entre percepção da voz e relação voz/deglutição | 0,2965 | 0,0082* | |||||||||
Sim | 3 | 20 | 4 | 26,66 | 3 | 20 | 12 | 80 | |||
Não | 12 | 80 | 11 | 73,33 | 12 | 80 | 3 | 20 | |||
Concordância entre percepção da respiração e relação respiração/deglutição | 0,2965 | 0,0455* | |||||||||
Sim | 4 | 26,66 | 6 | 40 | 6 | 40 | 14 | 93,33 | |||
Não | 11 | 73,33 | 9 | 60 | 9 | 60 | 1 | 6,66 |
*Valores estatisticamente significativos (p<0,05) - Teste de Wilcoxon
Tabela 5 Comparação dos aspectos comportamentais do G1 e do G2 durante a dinâmica alimentar na primeira e segunda coleta de dados
Aspectos comportamentais | G1 (Controle) | Valor de p | G2 (Controle) | Valor de p | |||||||
1ª coleta | 2ª coleta | 1ª coleta | 2ª coleta | ||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | ||||
Interação verbal com a criança | 0,0899 | 0,0544 | |||||||||
Presente | 9 | 60 | 11 | 73,33 | 7 | 46,66 | 9 | 60 | |||
Ausente | 6 | 40 | 4 | 26,66 | 8 | 53,33 | 6 | 40 | |||
Comandos relacionados à alimentação | 0,1587 | 0,0216* | |||||||||
Presente | 5 | 33,33 | 6 | 40 | 3 | 20 | 8 | 53,33 | |||
Ausente | 10 | 66,66 | 9 | 60 | 12 | 80 | 7 | 46,66 | |||
Percepção da dificuldade da criança pelo cuidador | 0,2223 | 0,0139* | |||||||||
Sim | 3 | 20 | 3 | 20 | 4 | 26,66 | 9 | 60 | |||
Não | 7 | 46,66 | 7 | 46,66 | 8 | 53,33 | 5 | 33,33 | |||
NSA | 5 | 33,33 | 5 | 33,33 | 3 | 20 | 1 | 6,66 | |||
Modificação da conduta pelo cuidador | 0,5000 | 0,0544 | |||||||||
Sim | 3 | 20 | 3 | 20 | 4 | 26,66 | 7 | 46,66 | |||
Não | 7 | 46,66 | 7 | 46,66 | 8 | 53,33 | 5 | 33,33 | |||
NSA | 5 | 33,33 | 5 | 33,33 | 3 | 20 | 3 | 20 | |||
Uso de estratégia facilitadora pelo cuidador | 0,5000 | 0,0216* | |||||||||
Sim | 3 | 20 | 3 | 20 | 2 | 13,33 | 7 | 46,66 | |||
Não | 12 | 80 | 12 | 80 | 13 | 86,66 | 8 | 53,33 |
*Valores estatisticamente significativos (p<0,05) - Teste de Wilcoxon. Legenda: NSA = não se aplica
A faixa etária e o tipo de comprometimento motor das crianças estudadas coincidiu com estudos anteriores, sendo comum a heterogeneidade de idade e a predominância da tetraparesia( 14 - 16 ). Na encefalopatia da infância, o nível de dependência também se relaciona à menor idade e gravidade das limitações físicas, funcionais e cognitivas da criança, observando-se que, quando comparada às mães de crianças com ECNP, aquelas de crianças com desenvolvimento típico tendem a agir mais espontaneamente durante as refeições, sendo menos diretivas em relação à funcionalidade de seu filho( 17 , 18 ).
A predominância de cuidadores do gênero feminino está em consonância com outros estudos voltados para a descrição do conhecimento e conduta de cuidadores de criança com ECNP, comumente realizados com genitoras. Esse fenômeno reflete o perfil do cuidador de crianças com alterações neurológicas, sendo o cuidado do filho geralmente assumido pela mãe, enquanto o genitor responsabiliza-se por prover o sustento da família( 19 , 20 ).
Os participantes do estudo apresentaram baixa escolaridade, tendo a maioria referido não ter concluído o ensino fundamental. Os dois únicos participantes do sexo masculino, além de apresentarem melhor nível de escolaridade, também referiram desenvolver alguma atividade profissional. Dados semelhantes foram observados em um estudo realizado com mães de criança com ECNP usuárias de um serviço público de Fisioterapia, observando-se baixo nível de escolaridade, pouca idade (média de 22,3 anos) e inatividade profissional das participantes( 21 ).
A pouca importância dada pelos cuidadores do estudo aos achados vocais e respiratórios durante a deglutição, assim como o desconhecimento das relações entre alterações dessas funções e dificuldades de alimentação, pode ser justificada pela sutileza dos achados e pela falta de acesso prévio a informações sobre o monitoramento de sinais sugestivos de broncoaspiração.
Um estudo qualitativo sobre a percepção materna da ECNP constatou que a maioria das mães apresenta despreparo para lidar com as atividades de higiene, alimentação e lúdicas, embora apresentem zelo no cuidado, citando uma das falas maternas: "...alimento ele na forma sentada e devagar...". A falta de acesso a informações específicas sobre as questões de saúde foi apontada pelos autores como um dos fatores que corroboram a pouca compreensão dos cuidadores sobre as especificidades da ECNP, limitando o cuidado prestado à criança( 21 ).
Quanto às complicações decorrentes da aspiração, um estudo realizado com cuidadores de pacientes disfágicos descreveu um resultado semelhante, tendo 76,19% dos cuidadores referido desconhecer as possíveis complicações secundárias à aspiração( 13 ). Apesar de os cuidadores desse estudo terem demonstrado conhecimento restrito quanto ao conceito e complicações da aspiração, quando questionados sobre quais manifestações seriam sinais de dificuldades de alimentação/deglutição, apresentaram respostas coerentes, citando a tosse, o engasgo, o cansaço e a estase de alimentos em cavidade oral.
Sinais como engasgo, tosse, vômitos ou alimento parado na boca, a depender da intensidade e frequência, podem ser indicativos de dificuldade de deglutição, sendo necessário, portanto, capacitar o cuidador para identificar os riscos de broncoaspiração e adotar condutas preventivas( 20 ).
Neste estudo, a interação verbal durante a alimentação foi investigada sob dois aspectos: relato da frequência de uso e sua presença durante a dinâmica registrada em vídeo, tendo esse comportamento sido observado na minoria da amostra analisada.
A qualidade das interações cuidador/criança durante a alimentação depende do quão os pais encontram-se emocionalmente saudáveis, sensíveis e receptivos, da mínima habilidade da criança para se comunicar com o meio, da representação materna sobre as limitações e possibilidades dos seus filhos, da gravidade da ECNP e da preocupação dos pais quanto à nutrição( 22 - 25 ). Elas exercem influência sobre a capacidade da criança para se alimentar e, em especial, no quão a criança aprecia os momentos de refeições( 20 ).
Apesar de a maioria dos pais terem atribuído importância ao uso de comandos verbais voltados para a alimentação, esse tipo de comportamento foi identificado numa minoria das situações de alimentação analisadas.
A capacidade da criança para ingerir quantidades adequadas de alimentos depende da interação positiva com o seu cuidador primário( 23 ). Dessa forma, o uso de ordens simples relacionadas aos passos da alimentação é considerado como estratégia favorecedora de uma ingesta oral segura e eficiente( 26 ).
Um estudo comparativo envolvendo 16 crianças com ECNP e seus respectivos irmãos verificou que o uso de palavras de elogio e de coordenadas relacionadas às habilidades motoras orais durante a alimentação foram mais utilizadas pelos cuidadores durante a alimentação das crianças com encefalopatia( 27 ).
As ações educativas voltadas aos cuidadores ou ao próprio paciente disfágico vêm sendo citadas na literatura; no entanto, com pouca profundidade. Entender a melhor forma de conduzi-las e de verificar o seu o impacto ainda é um desafio, sobretudo quando se trata de cuidadores que lidam diariamente com a dependência funcional gerada pelas limitações motoras, cognitivas e/ou comportamentais, como acontece nas ECNP.
Neste estudo, a melhora do nível de conhecimento quanto aos aspectos relacionados à deglutição e a realização de condutas mais adequadas pelos cuidadores submetidos à ação educativa demonstraram o impacto da ação educativa realizada com cuidadores de crianças com ECNP.
Um estudo desenvolvido com crianças com ECNP descreveu a melhora no controle postural e na funcionalidade do sistema estomatognático após um programa de intervenção terapêutica fonoaudiológica, no qual se associou terapia sensório-motora oral à capacitação dos cuidadores. As sessões terapêuticas eram observadas pelo cuidador principal, a fim de que as manobras posturais adotadas fossem apreendidas e reproduzidas durante as dinâmicas alimentares, reforçando a importância da capacitação daqueles que conduzem o cuidado com a alimentação de indivíduos disfágicos( 28 ). A contribuição da ação educativa no conhecimento dos cuidadores também foi descrita por outro estudo, realizado com cuidadores de pacientes disfágicos, o qual concluiu que, após a atividade realizada, 90,48% dos participantes souberam conceituar adequadamente a aspiração( 22 ).
Tendo-se em vista a importância do conhecimento para a qualidade do cuidado, é provável que as crianças integrantes do estudo tenham sido beneficiadas no que diz respeito à qualidade do cuidado relacionado à alimentação; no entanto, não se pode assegurar a aplicabilidade desse conhecimento no cuidado diário, tampouco a manutenção desses benefícios a longo prazo.
Além de se fazer necessário oferecer gradualmente as orientações aos cuidadores, estas devem ser integradas à rotina do paciente e de sua família. É imprescindível considerar o contexto familiar (disponibilidade para o cumprimento das orientações e estado emocional), evitando-se aumento de conflitos e sobrecarga de atividades( 20 ).
Destacamos a contribuição de uma das metodologias adotadas na ação educativa junto aos cuidadores deste estudo - o videofeedback. Apesar de ser um recurso pouco utilizado na clínica fonoaudiológica, o uso de vídeo de refeições tem também sido sugerido como estratégia de feedback aos cuidadores, permitindo a reflexão acerca das condutas e das interações desenvolvidas ao longo da alimentação( 29 ). Empregado como procedimento de aprendizagem observacional com evidente impacto na mudança de comportamento de crianças e adultos, esse recurso vem sendo útil nas abordagens das desordens comportamentais, no treino de habilidades sociais e na orientação de pais de criança com atraso no desenvolvimento( 30 ).
As peculiaridades socioeconômicas e culturais da população estudada, assim como a disponibilidade e interesse dos cuidadores voluntários, merecem destaque. Mesmo os seus filhos estando sem acompanhamento fonoaudiológico, vários cuidadores convidados a participar do estudo negaram-se, referindo não ter interesse. A motivação e disponibilidade em obter conhecimentos, assim como o conhecimento restrito dos cuidadores participantes sobre o assunto abordado, podem ter sido fatores decisivos para o impacto da ação educativa realizada.
Os cuidadores do estudo demonstraram conhecimento restrito quanto aos cuidados com a alimentação dos seus filhos com ECNP, além de desenvolverem condutas inadequadas frente às dificuldades apresentadas por estes.
A comparação do conhecimento e das condutas dos cuidadores pré e pós-ação educativa comprovou o impacto positivo da atividade realizada.
Embora os resultados do estudo tenham sido satisfatórios, faz-se necessário entender a implicação das atividades educativas destinadas a cuidadores de crianças com distúrbios neuromotores na rotina, extrapolando o campo teórico (conhecimento) e efetivando-se no cuidado diário (prática).
*APCC foi responsável pelo projeto e delineamento do estudo, recrutamento dos participantes do estudo, pela coleta e análise dos dados e pela redação do manuscrito; BMC foi responsável pela orientação geral do planejamento e execução do estudo e elaboração do manuscrito; MIRG foi responsável pela orientação geral do planejamento e execução do estudo e elaboração do manuscrito.