versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.45 no.6 São Paulo 2019 Epub 14-Out-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180225
A tuberculose é uma doença infecciosa transmitida através do ar, causada por Mycobacterium tuberculosis, sendo considerada prioritária para vigilância e tratamento pela Organização Mundial de Saúde por causa das altas taxas de incidência e mortalidade.1
Aproximadamente 2 bilhões de pessoas em todo o mundo são infectadas com M. tuberculosis, e cerca de 1 em cada 10 pessoas desenvolverá tuberculose em algum momento de suas vidas. Embora a mortalidade por tuberculose tenha diminuido significativamente, a Organização Mundial da Saúde estimou que houve 10,4 milhões de novos casos de tuberculose em todo o mundo em 2016, equivalente a 140 casos por 100.000 habitantes.2
O Brasil é um dos 22 países do mundo que concentram 80% dos casos globais de tuberculose, ocupando o 16º lugar em número absoluto de casos (66,796 casos em 2016) e 22º lugar em taxa de incidência (32,4/100,000 habitantes em 2016).3
Alguns grupos são mais suscetíveis à tuberculose em relação à população em geral, como portadores de HIV/AIDS, pacientes com doenças inflamatórias crônicas imunomediadas, como artrite reumatoide, espondilite anquilosante, psoríase e doença de Crohn, assim como aqueles com outras condições de imunossupressão, como diabetes, doença renal crônica e transplante de órgão sólido. Todavia, o tratamento atual de pacientes com doenças inflamatórias crônicas concentra-se no uso de imunossupressores ou imunomoduladores; cada vez mais esses pacientes estão sendo tratados com agentes imunobiológicos inibidores de TNF e têm maior risco de desenvolver infecções oportunistas, incluindo a tuberculose.1,4
A descoberta dos inibidores de TNF revolucionou o tratamento clínico de doenças inflamatórias crônicas, melhorando a qualidade de vida dos pacientes. No entanto, o tratamento com agentes imunobiológicos aumenta progressivamente o risco de desenvolver tuberculose. O TNF é essencial para a manutenção da resposta imune, particularmente na preservação da integridade dos granulomas, mecanismo fundamental contra M. tuberculosis. O TNF também ativa diretamente os macrófagos, responsáveis pela fagocitose de agentes patogênicos. Em quase 90% dos indivíduos infectados, as infecções por tuberculose permanecem latentes, com os bacilos presos nos granulomas. Aproximadamente 5-10% dos indivíduos infectados com M. tuberculosis podem desenvolver tuberculose sintomática, com maior risco nos primeiros 5 anos de infecção.5
As principais preocupações em relação ao tratamento com agentes imunobiológicos são as consequências adversas da inibição do TNF-α, pois esse é um mediador das vias inflamatórias e possui propriedades bactericidas. Portanto, os inibidores do TNF-α podem causar imunossupressão grave, e os pacientes imunodeprimidos são incapazes de controlar a infecção e podem progredir para a doença tuberculosa, sendo a reinfecção por tuberculose durante a terapia imunobiológica um evento observado em várias pesquisas.4
Dessa forma, o objetivo principal do presente estudo foi descrever a incidência de tuberculose ativa e a ocorrência de eventos adversos do tratamento com isoniazida em pacientes diagnosticados com tuberculose latente, portadores de doenças inflamatórias crônicas e tratados com agentes imunobiológicos em uma área endêmica no Brasil.
Estudo prospectivo de coorte envolvendo 101 pacientes com doenças inflamatórias crônicas imunomediadas, candidatos ao uso de agentes imunobiológicos, com triagem positiva para tuberculose latente e indicação de tratamento profilático com isoniazida. Os pacientes selecionados foram acompanhados por um período de 4 anos. O estudo foi conduzido em um hospital universitário no período entre julho de 2011 e julho de 2015 e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição (Protocolo no. 058.05.11).
O diagnóstico da tuberculose latente foi feito com base em anamnese, exame clínico, radiografia de tórax e teste tuberculínico (TT), realizado através do método de Mantoux, após a exclusão de diagnóstico de tuberculose ativa. O TT foi realizado por um técnico treinado do laboratório de análises clínicas do hospital e consistiu na aplicação de tuberculina PPD RT23 no terço médio da face anterior do antebraço esquerdo na dose de 0,1 ml por via i.d., equivalente a duas unidades de tuberculina. O resultado do TT foi lido 72 h após a aplicação. Resultados com leitura ≥ 5 mm foram considerados positivos. As radiografias de tórax foram realizadas no serviço de radiologia do hospital, obtidas em incidência posteroanterior e em perfil, e examinadas por dois médicos independentes (um radiologista do serviço de radiologia e um pneumologista). As radiografias de tórax foram classificadas como normais; alteradas, com granuloma ou pequeno nódulo calcificado; e alteradas, com outras sequelas residuais mínimas (estrias, alterações fibronodulares e/ou espessamento pleural). Foram avaliados também os antecedentes para o risco de tuberculose, tais como sintomas respiratórios, história de tratamento ou tratamento anterior para tuberculose e história de exposição à tuberculose.
O tratamento profilático da tuberculose latente foi estabelecido de acordo com as recomendações de diretrizes brasileiras,6 que preconizam o tratamento com isoniazida na dose de 5-10 mg/kg de peso, com dose máxima de 300 mg/dia, por um período de 6 meses. O tratamento com agentes imunobiológicos nesses pacientes foi iniciado no mínimo 1 mês depois do início do tratamento com isoniazida. Foram também considerados a avaliação dos efeitos adversos à isoniazida e o desfecho clínico do tratamento profilático. A Figura 1 apresenta um fluxograma de investigação para o diagnóstico de tuberculose latente em candidatos ao uso de inibidores de TNF-α.
Figura 1 Fluxograma de investigação para o diagnóstico de tuberculose latente (TBL) em candidatos ao uso de inibidores de TNF-α. TT: teste tuberculínico; RxT: radiografia de tórax; e TB tuberculose.
A toxicidade da isoniazida foi mensurada, durante o período de tratamento profilático, através da coleta de dados sobre as dosagens dos níveis séricos de alanina aminotransferase e de aspartato aminotransferase. O diagnóstico de hepatotoxicidade após o início do tratamento com isoniazida foi condicionado à elevação das transaminases hepáticas a níveis superiores ou iguais de três a cinco vezes o limite superior de normalidade.7
Todos os dados foram analisados com o Statistical Package for the Social Sciences, versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os testes de significância de associação foram realizados com base no teste do qui-quadrado de Pearson bicaudal com correção de Yates. Nas tabelas de contingência com valores menores que 5 foi utilizado o teste exato de Fisher bicaudal (p < 0,05), enquanto o teste t de Student foi utilizado para a comparação das médias. Foi realizada análise multivariada, com a obtenção de OR, razões de prevalência (risco relativo) e seus respectivos IC95%, para confirmar a força das associações significativas entre as variáveis, sendo considerados resultados estatisticamente significativos aqueles para os quais o valor de p foi menor que 0,05.
Foram incluídos na análise 101 pacientes, sendo 55 mulheres (54,46%), com média de idade de 53,16 ± 1,76 anos, e 46 homens (45,54%), com média de idade de 45,39 ± 2,13 anos. A idade dos participantes variou de 21 a 76 anos (Tabela 1). Dos 101 pacientes, 79 (78,22%) e 22 (21,78%) foram tratados com agentes imunobiológicos e com outros agentes imunomoduladores/imunossupressores, respectivamente. A grande maioria dos pacientes apresentava doenças reumatológicas (n = 84; 83,17%): artrite reumatoide, em 42; e espondilite anquilosante, em 42. Em relação ao sexo, 34 mulheres (61,82%) eram acometidas por artrite reumatoide, enquanto 31 homens (67,39%) foram diagnosticados com espondilite anquilosante. O restante da amostra apresentava psoríase, em 9 (7,92%), e doença de Crohn, em 8 (8,91%; Tabela 1). No rastreamento da tuberculose latente, 53 pacientes (52,48%) apresentaram forte reação ao TT (> 10 mm). O diâmetro da enduração variou de 5 a 40 mm, com média de 12,06 ± 0,60 mm. Os pacientes com resultados de TT de 5-10 mm apresentaram média de positividade de 7,31 ± 0,28 mm, enquanto aqueles com TT ≥ 10 mm apresentaram média de 16,36 ± 0,70 mm (Tabela 1).
Tabela 1 Características demográficas, epidemiológicas e clínicas dos pacientes.a
Variáveis | Total | Agentes biológicos | Imunossupressores | p* |
---|---|---|---|---|
(N = 101) | (n = 79) | (n = 22) | ||
Sexo | ||||
Masculino | 46 (45,54) | 40 (86,96) | 6 (13,04) | 0,051 |
Feminino | 55 (54,46) | 39 (70,91) | 16 (29,09) | |
Idade, anos | ||||
Masculino | 45,40 ± 2,13 | 0,002 | ||
Feminino | 53,16 ± 1,76 | |||
Faixa etária, anos | ||||
< 40 | 25 (24,75) | 21 (84,00) | 4 (16,00) | |
40-59 | 52 (51,49) | 40 (76,92) | 12 (23,08) | |
≥ 60 | 24 (23,76) | 18 (75,00) | 6 (25,00) | |
Vacinação BCG | ||||
Sim | 83 (82,18) | 64 (81,01) | 19 (86,36) | 0,075 |
Não | 18 (17,82) | 15 (18,99) | 3 (13,64) | |
História de contato de casos com tuberculose | ||||
Sim | 39 (38,61) | 30 (76,92) | 9 (23,08) | 0,803 |
Não | 62 (61,39) | 49 (79,03) | 13 (20,97) | |
História de tratamento para tuberculose | ||||
Sim | 10 (9,90) | 9 (90,00) | 1 (10,00) | 0,068 |
Não | 91 (90,10) | 70 (76,92) | 21 (23,08) | |
Sintomas respiratórios | ||||
Sim | 18 (17,82) | 15 (83,33) | 3 (16,67) | 0,075 |
Não | 83 (82,18) | 64 (77,11) | 19 (22,89) | |
Radiografia de tórax | ||||
Alterações | 36 (35, 64) | 27 (75,0) | 9 (25,0) | 0,560 |
Normal | 65 (64,36) | 52 (80,0) | 13 (20,0) | |
Enduração teste tuberculínico, mm | ||||
5-10 | 48 (47,52) | 38 (48,10) | 10 (45,45) | |
>10 | 53 (52,48) | 41 (51,90) | 12 (54,55) | |
Enduração teste tuberculínico, mm | ||||
5-10 | 7,31 ± 0,28 | 0,0001 | ||
> 10 | 16,36 ± 0,70 | |||
Diagnóstico clínico | ||||
Doenças reumatológicas | 84 (83,17) | 64 (76,19) | 20 (23,81) | |
Doenças dermatológicas | 9 (7,92) | 9 (100,0) | 0 (0,00) | |
Doenças gastrointestinais | 8 (8,91) | 6 (75,00) | 2(25,0) |
aValores expressos em n (%) ou média ± dp. *Teste do qui-quadrado de Pearson com correção de Yates bicaudal. Nas tabelas de contingência que possuíam caselas inferiores a cinco, usou-se o teste exato de Fisher bicaudal. Para médias e dp, usou-se o teste t de Student.
Em relação aos fatores de risco epidemiológicos, o contato com pessoas bacilíferas foi considerado elevado (n = 39; 38,61%). Dez pacientes relataram história de tratamento anterior para tuberculose (9,90%), e 18 (17,82%) relataram sintomas respiratórios. Houve vacinação com BCG em 83 pacientes (82,18%). Radiografias de tórax alteradas por imagens compatíveis com infecção latente por tuberculose foram observadas em 36 (35,64%) dos pacientes (Tabela 1).
À data de realização do TT, o número de pacientes sob regime de tratamento isolado ou combinado com fármacos imunomoduladores ou imunossupressores foi o seguinte: 46 pacientes (45,54%) estavam em uso de metotrexato ≥ 10 mg (média de dose semanal = 12,837 ± 0,614 mg), e 21 (20,79%) estavam em uso diário de prednisona ≥ 15 mg (média de dose diária = 12,540 ± 0,949 mg).
A grande maioria dos pacientes (n = 91; 90,09%) realizou o tratamento profilático para tuberculose por um período de 6 meses, e, desses, 86 (94,50%) completaram o tratamento. Entretanto, o tratamento se estendeu até 9 meses em 10 pacientes (9,90%). Portanto, 96 pacientes (95,05%) terminaram o tratamento profilático. Dos 5 pacientes remanescentes, 4 (3,96%) interromperam o tratamento com isoniazida devido a efeitos adversos, e 1 (0,99%) abandonou o tratamento profilático (Tabela 2). Dos pacientes submetidos ao tratamento profilático, 84 (83,17%) não apresentaram nenhum tipo de efeito adverso à isoniazida, e, desses, 83 (98,81%) completaram o tratamento profilático (p = 0,002). Apenas 1 paciente (1,19%) abandonou o tratamento no segundo mês, uma vez que a decisão do uso de agentes imunobiológicos pelo paciente ter sido revisada.
Tabela 2 Variáveis relacionadas ao tratamento profilático com isoniazida (N = 101).a
Variáveis | Total | Completaram o tratamento profilático | Não completaram o tratamento profilático | p |
---|---|---|---|---|
Esquema do tratamento profilático com isoniazida | ||||
6 meses | 91 (90,09%) | 86 (94,50) | 5 (5,49) | |
9 meses | 10 (9,90 %) | 10 (100,0) | 0 (0,00) | |
Uso de isoniazida ≥ 1 mês antes do tratamento com | ||||
Agentes biológicos | 79 (78,21) | 78 (98,73) | 1 (2,27) | 0,001 |
Outros imunossupressores | 22 (21,78) | 18 (81,82) | 4 (18,28) | |
Efeitos adversos a isoniazida | ||||
Sim | 17 (16,83) | 13 (76,47) | 4 (23,53) | 0,002 |
Não | 84 (83,17) | 83 (98,81) | 1 (1,19) | |
Nível de ALT com 30 dias de uso da isoniazida | ||||
Normal | 96 (95,05) | 93 (96,88) | 3 (3,12) | 0,001 |
Anormal | 5 (4,95) | 3 (60,0) | 2 (40,0) | |
Nível de AST com 30 dias de uso da isoniazida | ||||
Normal | 96 (95,05) | 93 (96,88) | 3 (3,12) | 0,001 |
Anormal | 5 (4,95) | 3 (60,0) | 2 (40,0) |
ALT: alanina aminotransferase; e AST: aspartato aminotransferase. aValores expressos em n (%). *Teste exato de Fisher.
Em relação aos níveis das transaminases hepáticas, esses foram considerados normais em 96 pacientes (95,05%) após 30 dias de tratamento profilático, e, desses, 93 (96,88%) concluíram o tratamento proposto. Cinco pacientes (4,95%) desenvolveram elevação transitória das transaminases hepáticas. Entretanto, apenas 3 (2,97%) apresentaram hepatotoxicidade; desses, somente 2 não concluíram o tratamento (p = 0,001; Tabela 2). A análise multivariada dos fatores associados à conclusão do tratamento profilático está descrita na Tabela 3.
Tabela 3 Análise multivariada dos fatores associados à conclusão do tratamento profilático para tuberculose.
Variáveis | OR (IC95%) | p |
---|---|---|
Medicamentos | ||
Tratamento com agentes biológicos | 17,3 (1,82-164,5) | 0,0130 |
Tratamento com outros imunossupressores (prednisona) | ||
Tratamento com metotrexato | ||
Sim | 1,63 (0,26-10,1) | 0,6013 |
Não | ||
Efeitos adversos | ||
Sim | 25,53 (2,64-246,7) | 0,0051 |
Não | ||
Nível de ALT | ||
Normal | 20,60 (2,46-173,3) | 0,0053 |
Anormal | ||
ALT: alanina aminotransferase. |
O infliximabe foi o agente imunobiológico preconizado em 46 pacientes (58,23%); seguido do etanercepte, em 15 (18,99%); adalimumabe, em 12 (15,19%); golimumabe, em 1 (1,27%); e bevacizumabe, em 1 (1,27%). Quatro pacientes (5,05%) utilizaram outro agente imunobiológico com diferentes alvos imunológicos (rituximabe, tocilizumabe, abatacepte e ustequinumabe). A média de tempo de seguimento foi de 3,08 ± 0,13 anos (mínimo de 6 meses e máximo de 4 anos). Ao término do estudo, 68 (86,07%) dos pacientes estavam recebendo o tratamento imunobiológico por mais de 1 ano, e 46 (58,23%) foram tratados ao longo de 4 anos.
Até o final da pesquisa, 5 e 1 pacientes com tuberculose ativa foram diagnosticados no grupo em tratamento com agentes imunobiológicos e no grupo em tratamento com outros imunomoduladores/imunossupressores, respectivamente. Desses, tuberculose pulmonar e extrapulmonar foi diagnosticada em 5 e 1 pacientes, respectivamente. Todos os 6 pacientes foram curados. A média de tempo de uso de agentes anti-TNF até aparecerem os sintomas de tuberculose ativa foi de 24,0 ± 8,09 meses (mín-máx: 3-16 semanas). Dos 5 pacientes em tratamento com agentes imunobiológicos, 4 tinham doenças reumatológicas, 4 usavam infliximabe, 1 usava etanercepte, e todos apresentavam triagem positiva para tuberculose latente (Figura 2).
Figura 2 Frequência dos casos de tuberculose (TB) ativa durante o período de tratamento com agentes imunobiológicos.
O risco relativo de desenvolver tuberculose ativa foi 1,39 vezes maior (IC95%: 0,17-11,3) em pacientes que receberam tratamento com agentes imunobiológicos (78,22%) comparados com aqueles que não os usaram (21,78%). Pacientes em uso de prednisona (61,38%) tiveram um risco relativo 3,15 vezes maior (IC95%: 0,38-25,9) em comparação àqueles que não a usaram (38,61%). Já aqueles expostos previamente à tuberculose, ou seja, contatos de pacientes bacilíferos (38,61%), tiveram um risco relativo 7,95 vezes maior (IC95%: 0,96-65,50) em comparação àqueles que não foram expostos (61,39%; Tabela 4).
Tabela 4 Risco relativo associado ao desenvolvimento de tuberculose.
Variáveis | n (%) | Casos de tuberculose ativa, n | RR | IC95% | p |
---|---|---|---|---|---|
Usou agentes biológicos | 79 (78,22) | 5 | 1,39 | 0,17-11,3 | 0,7567 |
Outros imunossupressores | 22 (21,78) | 1 | |||
Usou metotrexato | 52 (51,48) | 2 | 0,47 | 0,09-2,46 | 0,3719 |
Não usou metotrexato | 49 (48,51) | 4 | |||
Usou prednisona | 62 (61,38) | 5 | 3,15 | 0,38-25,9 | 0,2870 |
Não usou prednisona | 39 (38,61) | 1 | |||
História de contato com tuberculose | 39 (38,61) | 5 | 7,95 | 0,96- 65,5 | 0,0541 |
Sem contato com tuberculose | 62 (61,39) | 1 | |||
Radiografia de tórax com alterações | 36 (35,64) | 2 | 0,90 | 0,17-4,69 | 0,9032 |
Radiografia de tórax normal | 65 (64,36) | 4 | |||
TT = 5-10 mm | 48 (47,52) | 2 | 0,55 | 0,11-2,88 | 0,4809 |
TT ≥ 10 mm | 53 (52,48) | 4 |
RR: risco relativo; e TT: teste tuberculínico.
Estudos anteriores relataram que a terapia com inibidores de TNF aumentava o risco de tuberculose ativa em 1,6-25,1 vezes.8 Em nosso estudo, o risco de desenvolver tuberculose ativa foi 1,39 vezes maior em pacientes que receberam tratamento com agentes imunobiológicos comparados com aqueles que não os usaram. Por conta desse risco, o tratamento da tuberculose latente tem sido enfatizado em países endêmicos, como o Brasil. No entanto, não há evidências suficientes da eficácia dos diferentes regimes de tratamento profilático da tuberculose latente. A maioria dos países em desenvolvimento recomenda 9 meses de tratamento profilático com isoniazida (9H) para prevenir a tuberculose; entretanto, regimes alternativos, tais como 3 meses de tratamento com isoniazida mais rifampicina (3HR) ou 4 meses de regime de rifampicina, são caracterizados por causar menor hepatotoxicidade e melhor adesão do que o regime 9H, mas há poucas evidências de eficácia clínica. Entretanto, o regime 3HR foi comprovadamente equivalente aos regimes 6H e 9H em termos de eficácia e segurança, sendo seu uso recomendado em diretrizes da Organização Mundial da Saúde.9
No estudo de Lee et al.,8 durante o seguimento, 5 pacientes desenvolveram tuberculose ativa, apesar do tratamento profilático; porém, todos os 5 pacientes foram tratados com o regime 9H, fato esse relacionado com a resistência à isoniazida. Em nosso estudo, 5 pacientes também desenvolveram tuberculose ativa mesmo após o tratamento profilático no regime 6H. Já no estudo de Coskunol et al.,10 semelhante ao nosso, observou-se que 5 pacientes que receberam terapia anti-TNF-α desenvolveram tuberculose ativa; 3 deles foram diagnosticados com colite ulcerativa, e 2 tiveram espondilite anquilosante. Todos os 5 pacientes estavam em uso de infliximabe. Foi diagnosticada tuberculose pulmonar em 4 e tuberculose extrapulmonar em 1. O tempo após o início do tratamento com anti-TNF-α e a infecção por tuberculose ocorreu em 6 meses, em 3 pacientes; em 15 meses, em 1; e em 24 meses, em 1. Em nosso estudo, esse tempo foi de 10, 12, 18, 30 e 48 meses, ou seja, em um período maior de tratamento com agentes imunobiológicos. Esses resultados indicam que a ocorrência de tuberculose não pode ser completamente evitada durante a terapêutica com inibidores do TNF, mesmo em pacientes que receberam tratamento profilático após o diagnóstico de tuberculose latente. Por essa razão, a possibilidade de desenvolvimento de tuberculose sempre deve ser levada em consideração.4
Em um estudo clássico realizado há aproximadamente 17 anos, Keane et al.11 já se preocupavam com o tratamento com agentes imunobiológicos na ocorrência de infecções oportunistas e analisaram casos de tuberculose após o uso de infliximabe. No período, houve o desenvolvimento de 70 casos notificados de tuberculose, com uma mediana de tempo de uso de infliximabe de 12 semanas. Outro estudo, com dados referentes a um registro nacional de utilização de agentes imunobiológicos em pacientes com artrite reumatoide no Brasil, envolveu 750 pacientes tratados com agentes imunobiológicos e 287 controles recebendo outros medicamentos imunossupressores.12 Foram confirmados 3 casos de tuberculose no grupo que recebeu agentes imunobiológicos, enfatizando a importância da vigilância contínua no uso desses medicamentos. O infliximabe foi o agente anti-TNF mais usado,12 o que corrobora nosso estudo.
O estudo de Lee et al.13 relatou que o risco de tuberculose foi significativamente reduzido com o tratamento profilático, com uma taxa de incidência de 0,33. Com base nesse dado, o tratamento da infecção latente por M. tuberculosis reduziria significativamente o risco de desenvolvimento de tuberculose ativa e a transmissão da doença na comunidade. Assim, o diagnóstico e tratamento da tuberculose latente fazem parte de uma estratégia de eliminação da tuberculose ativa, prevenindo novos casos no futuro. Estudos de longo prazo foram efetuados com o uso de isoniazida, revelando que a sua administração por 3, 6 ou 12 meses reduzia o risco de evolução para tuberculose ativa em 21%, 65% e 75%, respectivamente.14 A adesão ao tratamento foi reconhecida como um parâmetro fundamental, sendo a sua eficácia maior quando são administradas pelo menos 80% das doses.14
Conforme Tost et al.,15 um esquema antituberculose é considerado útil quando mais de 95% dos pacientes são curados e menos de 5% desenvolvem intolerância grave. Em nosso estudo os pacientes receberam tratamento profilático com isoniazida por 6 meses, sendo encontradas uma alta taxa de conclusão do tratamento profilático (> 90,0%) e uma baixa taxa de abandono (0,99%). Quanto à segurança da isoniazida, os efeitos adversos foram pouco frequentes; efeitos adversos temporários foram observados em apenas 16,83% da amostra, semelhante aos dados de outro estudo,16 e hepatotoxicidade, em apenas 2,97%. Esses dados são promissores, já que os pacientes eram portadores de doenças inflamatórias crônicas imunomediadas e estavam constantemente expostos a inúmeros esquemas com outros medicamentos imunossupressores/imunomoduladores, além de possuir comorbidades associadas.