versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.2 Rio de Janeiro fev. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017222.13622015
A literatura tem discutido a importância de uma boa alimentação na qualidade de vida, destacando-se as referências sobre as associações negativas entre deficiência nutricional e estado de saúde; e entre deficiência nutricional e desempenho acadêmico e profissional. Essas associações são ainda mais fortes quando se observa a desnutrição desde os primeiros anos de vida, acarretando consequências no desenvolvimento futuro do indivíduo.
Crianças criadas em domicílios em situação de deficiência alimentar são mais propensas a ter saúde precária de uma forma geral1-3, dores de estômago e dores de cabeça frequentes4, mais doenças crônicas2, aumento da probabilidade de serem hospitalizadas1, problemas psicossociais2,5,6, problemas de depressão e sintomas de suicídio7, problemas de comportamento8, resultados piores de desenvolvimento9,10, proficiência mental alterada11, e níveis mais elevados de deficiência de ferro12.
A FAO13 estimou em 852 milhões o número de subnutridos no mundo, deixando, junto com essa estimativa, o desafio à compreensão do fenômeno, que vai muito além da capacidade produtiva. Conforme confirmam Runge et al.14 e Sachs15, devido ao progresso tecnológico relacionado à produção, a capacidade mundial instalada de produção de alimentos seria suficiente para proporcionar uma alimentação adequada para toda a humanidade.
Na literatura de Economia da Nutrição, a preocupação com a qualidade da dieta abrange ambas as extremidades do espectro, da desnutrição16 à obesidade17; sendo possível ainda que se identifiquem casos de desnutrição e obesidade associados18. No extremo inferior, a desnutrição pode ser consequência direta da fome crônica, assim como também de uma dieta inadequada do ponto de vista da ingestão de certos nutrientes. Nos dois casos, entretanto, é a insuficiência de energia, de proteína e de alguns micronutrientes que tem efeitos negativos sobre a produtividade e o bem-estar19,20,21.
Barros et al.22, Lima et al.23 e Onis et al.24 estudaram o grau e a distribuição desse problema multifatorial em diferentes populações, bem como sua associação com fatores relacionados à escolaridade e à idade do chefe de família, assistência à saúde, sanitarização do meio, condições de moradia e renda familiar. Mas entre os diferentes fatores, a baixa renda familiar e a pobreza têm sido identificadas como os seus principais determinantes.
Segundo o relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento25, cerca de 2,2 bilhões de pessoas no mundo estão em situação de pobreza, ou se encontram a ponto de estar, entre elas, mais de um terço da população. Em situações extremas, o poder de compra dos pobres está abaixo de um nível mínimo de subsistência, podendo levar à fome e à morte. Em situações menos extremas, a pobreza pode levar a uma ingestão insuficiente de alimentos e nutrientes. Ainda segundo o relatório da PNUD25, entre as pessoas afetadas pela pobreza, 842 milhões têm crise de fome crônica, representando 12% da população mundial.
Devido à sua grande relação com a pobreza, os problemas de desnutrição persistem especialmente em países em desenvolvimento, onde chegam a ser considerados casos de saúde pública. Neste sentido, há vários exemplos de países que usam programas de transferências condicionadas de renda, com o objetivo de reduzir os problemas associados à desnutrição. México, Colômbia, Equador, Chile, Portugal e Brasil são exemplos de países que utilizam esses programas com o intuito de amenizar as dificuldades sociais, dentre elas a desnutrição26.
No Brasil, o Programa Bolsa Família (PBF) cumpre esse papel, e este trabalho tem o objetivo de identificar o seu efeito sobre a qualidade da dieta das famílias. A análise será feita para o estado de Pernambuco, a partir dos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) dos anos 2008-2009. Além de dados socioeconômicos a respeito da unidade familiar, a POF traz um recordatário de 24 horas a respeito dos alimentos consumidos pelas famílias entrevistadas, como também suas respectivas quantidades.
Alguns trabalhos nacionais já avaliaram o impacto do PBF e de outros programas de transferência de renda sobre os gastos com alimentos. Resende e Oliveira26 estimaram o impacto do programa Bolsa-Escola (programa anterior ao Bolsa-Família) sobre os gastos familiares usando dados da POF 2002-2003 e observaram o aumento dos gastos alimentares, entre outros impactos importantes. Sobre o PBF, o relatório do Ministério do Desenvolvimento Social27 observou que o consumo de alimentos das famílias extremamente pobres aumentou em cerca de R$ 388 por ano após o recebimento do benefício; e observando famílias do meio rural nordestino no ano de 2005, Duarte et al.28 concluíram que os gastos em alimentos das famílias beneficiárias superou em R$ 246 das não beneficiárias.
Mas maiores gastos com alimentos podem não se refletir necessariamente numa melhor nutrição. Avaliando os impactos do Programa sobre índices antropométricos (altura por idade; peso por altura; peso por idade; e o índice de massa corpórea por idade) Andrade et al.29 não encontraram efeitos estatisticamente significativos do Programa. Todavia, apesar dos resultados insatisfatórios, os autores alertam que as mudanças nos índices antropométricos só seriam perceptíveis com um prazo mais longo de engajamento das famílias no PBF.
Buscando resolver estas questões, que não são captadas nem pela observação dos gastos com alimentos e nem no curto prazo pelos índices antropométricos, este trabalho propõe como medida da qualidade nutricional o Índice de Qualidade da Dieta (IQD). O IQD avalia uma combinação de diferentes alimentos, nutrientes e constituintes da dieta em relação às recomendações dietéticas. Ele mensura variados fatores de risco dietéticos para doenças crônicas, permitindo avaliar e monitorar, de forma simultânea, a dieta em nível individual e populacional30. O IQD é capaz de captar mudanças de hábitos alimentares no curto/médio prazo, as quais podem levar a alterações nos índices antropométricos no longo prazo.
O método de avaliação de impacto proposto neste artigo é o Propensity Score Matching, que é um valioso instrumento de avaliação empírica de políticas públicas26,28,31,32. Ao utilizar a POF 2008-2009 este trabalho cria um novo segmento analítico tanto para o entendimento dos impactos do PBF, quanto para a avaliação do IQD. Existem análises a respeito da estimação do impacto do PBF em diversas áreas, porém, nenhum relacionado ao IQD e muito menos utilizando dados da POF. Não foram encontrados trabalhos desta natureza e magnitude nem no Brasil e nem na literatura internacional.
A segunda seção detalha o método de estimação do IQD, o Propensity Score Matching e, por fim, descreve os dados e as variáveis selecionadas. Na terceira seção são apresentados e discutidos os resultados obtidos do impacto do Programa Bolsa Família sobre a qualidade da dieta das famílias estudadas e, por fim, a quarta seção traz as considerações finais do trabalho.
Este trabalho foi desenvolvido em duas etapas, ambas utilizando os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF-2008/2009) para o estado de Pernambuco. Na primeira, estimou-se o índice de qualidade da dieta (IQD) para cada um dos domicílios da amostra; e, na segunda, observou-se a diferença neste índice entre as famílias beneficiárias do PBF e as não beneficiárias. Para estimação desta diferença utilizou-se o método do Propensity Score Matching. As seções seguintes descrevem as estratégias de estimação dessas duas etapas.
O Índice de Qualidade da Dieta (IQD) foi desenvolvido por Patterson et al.33 com o objetivo de criar um instrumento de medida da qualidade global da dieta que refletisse um gradiente de risco para muitas doenças crônicas relacionadas à alimentação. Seu uso viabiliza a identificação de dietas de alta qualidade, retratadas pelo alcance das necessidades nutricionais e da diminuição da ingestão de gordura total e saturada, segundo as recomendações do Committee on Diet and Health34.
O IQD é obtido por uma pontuação distribuída em dez componentes, que caracterizam diferentes aspectos de uma dieta saudável. Cada um dos componentes é analisado e pontuado de zero a dez, de forma que o valor máximo que o IQD pode atingir é cem pontos, significando este a maior conformidade com as recomendações do Committee.
Os seis primeiros componentes são representados pelos grupos de alimentos; três pelos nutrientes gordura total, colesterol e sódio; e o último pela variedade da dieta. Neste estudo o componente “gordura saturada” foi substituído pelo “grupo de leguminosas”, a exemplo do que foi feito por Phillip et al.35. A opção justifica-se pelo hábito alimentar do brasileiro de consumir muito feijão. Dessa forma, sua inclusão no mesmo grupo das carnes e ovos poderia levar a uma superestimação da ingestão deste grupo. Os critérios para a atribuição das pontuações máxima e mínima, assim como as pontuações intermediárias, foram obtidos a partir das proporções consumidas relativamente às recomendações do Committee.
O Propensity Score Matching (PSM) é usado para estimar o impacto do Programa Bolsa Família sobre a qualidade da dieta das famílias; sendo assim, a variável de interesse neste trabalho é o IQD. O PSM, criado por Rosenbaum e Rubin36, é um dos mais importantes métodos de pareamento, mas se diferencia de forma vantajosa dos demais por evitar a multidimensionalidade, podendo ser implantado a partir de uma única variável de controle, que é o próprio Propensity Score.
Propensity Score é a probabilidade de uma família receber o benefício do Programa condicional às suas características observáveis. Neste caso em particular é a probabilidade da unidade familiar ser beneficiária do Programa Bolsa Família, dadas as suas características socioeconômicas. É esta condicionalidade imposta na análise que garante a correção do viés de seleção, explicado pelas características observáveis, que existe na escolha das famílias beneficiárias do Programa28. Uma análise realizada sem o uso deste método, ou algum de pareamento similar, mesmo que realizando controle por variáveis socioeconômicas, não consegue separar as influências destas variáveis de forma adequada.
O uso do método do PSM requer a assunção de duas hipóteses37. A primeira se refere ao balanceamento das características observáveis, ou condições socioeconômicas das famílias. Isso significa dizer que o IQD não é determinante da participação ou não do Programa, mas apenas determinado por ele. A segunda hipótese implica na existência de um suporte comum, isto é, para cada grupo de controle (famílias não beneficiadas) existe um grupo de tratamento (famílias beneficiadas) correspondente.
Para o Propensity Score faz-se necessário em primeiro lugar estimar uma regressão logit, de forma a se obter a probabilidade das famílias participarem do PBF, dada as suas características socioeconômicas. Nessa regressão, a variável dependente, ou explicada, é uma variável dummy, que assume valor um para o caso da família ser beneficiária do Programa e zero para o caso contrário. As variáveis independentes, por sua vez, são as socioeconômicas que afetam a inclusão do indivíduo no Programa, como renda, idade, existência de criança na residência, entre outras. A Regressão Logit a ser estimada é DPBF = Sn.bi.Xi, em que DPBF representa a variável dummy, Xi as características socioeconômicas das famílias, e bi os coeficientes estimados pelo modelo.
Após a estimativa do Propensity Score (PS), são obtidos subgrupos dentro do grupo de controle com probabilidades semelhantes às dos indivíduos do grupo de tratamento; e, após a realização dos testes necessários, define-se um número de estratos, podendo-se, na sequência, calcular o Efeito Médio com Pareamento Estratificado, que é um dos métodos existentes na literatura37.
Para a estratificação, deve-se realizar a distribuição dos beneficiados e não beneficiados pelo Programa em um determinado número de estratos do Propensity Score estimado, de forma que a média das estimativas de PS para os dois grupos não apresente diferença estatisticamente significante em cada estrato. Sendo o IQD a variável de interesse, o primeiro passo é simplesmente calcular as diferenças destes entre os beneficiados e não beneficiados dentro dos estratos. O resultado final é calculado de forma a se obter uma média geral ponderada pela importância de cada estrato na amostra total de beneficiados.
Os dados utilizados nesta análise referem-se ao estado de Pernambuco e são provenientes da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF-IBGE) 2008-200938. Foram entrevistadas nesta pesquisa 518 unidades familiares, representativas do estado como um todo. Para a estimação do modelo logit na primeira etapa do PSM, foram utilizadas variáveis de dois tipos, conforme sugerido pela literatura. O primeiro tipo é de variáveis contáveis, que caracterizam as famílias de acordo com a sua renda familiar anual (líquida do recebimento do PBF); o número de moradores que a unidade familiar apresenta; a idade e a escolaridade em número de anos de estudo do chefe da família. O segundo tipo é de variáveis dummies (variável binária do tipo sim = 1/não = 0); que foram construídas para caracterizar a família de uma forma geral, informando se ela tem filhos de até 17 anos; para caracterizar o chefe da família, por gênero (se é masculino) e raça (se é branca); e a residência, informando se ela se localiza em área urbana, se há pavimentação na rua de sua localização, se possui banheiro e/ou água encanada em seu interior, e se é construída em alvenaria.
A primeira seção traz uma análise descritiva da amostra no que se refere à família propriamente dita e à residência; a segunda apresenta os resultados para o Índice de Qualidade da Dieta (IQD) estimado; a terceira traz os resultados para o modelo logit e a quarta traz a análise do impacto do Programa Bolsa Família sobre o IQD dos seus beneficiários.
A Tabela 1 traz informações sobre a amostra que serviu de base para o estudo, para os grupos de beneficiários e de não beneficiários em separado, para que se possa realizar uma comparação. A diferença entre os dois, em favor dos beneficiários, encontra-se na última coluna da tabela.
Tabela 1 Frequência e proporção de unidades familiares por característica do chefe da família e da residência - POF 2008/2009 para Pernambuco.
Variável | Beneficiários | Não Beneficiários | ||
---|---|---|---|---|
Variável do tipo dummy | Frequência | Proporção | Frequência | Proporção |
Famílias c/filhos até 17 anos | 137 | 89,54 | 183 | 50,27 |
Gênero – masculino | 114 | 74,51 | 222 | 60,99 |
Raça – branca | 44 | 28,76 | 115 | 31,59 |
Localização - urbana | 39 | 25,49 | 173 | 47,53 |
Banheiro | 143 | 93,46 | 349 | 95,88 |
Alvenaria | 148 | 96,73 | 359 | 98,63 |
Canalização | 117 | 76,47 | 323 | 88,74 |
Pavimentação | 65 | 42,48 | 226 | 62,09 |
Variável do tipo contável | Média | Desvio Padrão | Média | Desvio Padrão |
Renda | 777,59 | 683,07 | 2.087,91 | 3.696,07 |
Idade | 42,46 | 11,72 | 49,54 | 16,69 |
Escolaridade | 4,19 | 3,61 | 6,85 | 4,83 |
N° moradores | 4,46 | 1,87 | 3,10 | 1,56 |
Na primeira parte da tabela apresentam-se os resultados considerando as variáveis dummies, que podem ser resumidas em termos de sua frequência e proporção. Na segunda parte os resultados referentes às variáveis contáveis, que são resumidas em termos da média e do desvio padrão.
A tabela traz o número de unidades familiares pesquisadas, assim como algumas das características dos chefes da família e da residência em que moram. Ao comparar as famílias beneficiárias com as não beneficiárias, é possível observar que famílias que fazem parte do PBF têm maior frequência de crianças no domicílio, maior frequência de homens como chefe de domicilio e menor frequência de chefe de família de raça branca. Além disso, seus domicílios apresentam com menos frequência banheiro, alvenaria, canalização e pavimentação das ruas.
A tabela traz também a média e o desvio padrão da renda, idade, escolaridade e n° de pessoas por unidade familiar. Pode-se observar que as famílias beneficiadas pelo PBF apresentam renda, idade do chefe de família e escolaridade menores, em média, do que as não beneficiadas; apresentando também um maior número de pessoas por residência.
Deve ficar claro que essas características não significam o impacto do Programa, elas apenas representam melhor os grupos de famílias. Ou seja, dão alguma indicação do foco da política, no sentido dela estar atingindo ou não o público alvo, que é o das famílias mais vulneráveis. Neste caso, pode-se afirmar que sim.
Para o cálculo do IQD o processamento dos dados foi realizado manualmente, a partir das informações de consumo alimentar presentes na POF-IBGE 2008-2009. O IQD será analisado como variável contínua no modelo logit, porém para caracterização da qualidade alimentar do núcleo familiar seus resultados foram classificados de acordo com o grau de adequação da dieta. A Tabela 2 traz a classificação das 518 famílias estudadas, por participação ou não no PBF, assim como a diferença entre os grupos na última coluna.
Tabela 2 Classificação das Unidades Familiares de acordo com grau de adequação da dieta por grupo segundo Bowman et al.39 para as famílias da POF 2008/2009 de PE.
Pontuação | Categoria da Dieta | Beneficiários | Não Beneficiários | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||
N° | % | N° | % | N° | % | ||
< 51 | Inadequada | 42 | 27,3 | 138 | 38,0 | 180 | 34,7 |
51 |-| 80 | Necessita modificação | 99 | 64,3 | 219 | 60,1 | 318 | 61,4 |
> 80 | Saudável | 13 | 8,4 | 7 | 1,9 | 20 | 3,9 |
Total | 154 | 100 | 364 | 100 | 518 | 100 |
Da comparação entre os dois grupos observa-se que os beneficiários do Programa são os que apresentam a maior adequação da dieta em termos proporcionais, assim como são os que a têm mais saudável. Não se pode dizer ainda, entretanto, que este seja um impacto do Programa em estudo. Como já explicado anteriormente, o impacto do Programa só pode ser calculado quando cada família, ou grupo de famílias do grupo de tratados, for comparada com seu par (resultado do pareamento) do grupo de não tratados. Mas deve-se observar também que, mesmo em média, as famílias ainda apresentam um alto grau de inadequação da dieta.
A Tabela 3 traz os resultados para o modelo logit. Os coeficientes representam os pesos de cada característica domiciliar e do chefe da família na probabilidade de uma unidade familiar ser beneficiária do Programa Bolsa Família (PBF).
Tabela 3 Coeficientes estimados pelo modelo logit.
Variável | Coeficiente | Desvio Padrão |
---|---|---|
Renda | -0,537* | 0,096 |
Idade | 0,063** | 0,033 |
Idade2 | -0,001* | 0,000 |
Nº de moradores | 0,144* | 0,049 |
Escolaridade | -0,072* | 0,022 |
Criança | 0,839* | 0,207 |
Gênero | 0,352** | 0,168 |
Raça | 0,228 | 0,159 |
Urbana | -0,359** | 0,161 |
Banheiro | 0,337 | 0,339 |
Alvenaria | 0,547 | 0,248 |
Canalização | -0,354*** | 0,209 |
Pavimentação | 0,011 | 0,157 |
Intercepto | -2,515*** | 1,693 |
Nota: Significante a * < 1%, ** < 5%, < *** 10%. Pseudo R2 = 0.3270.
A análise dos coeficientes permite avaliar que, na maioria, as variáveis apresentam os sinais esperados, ou são condizentes com a teoria: quando positivos implicam em que a característica aumenta a probabilidade de ser beneficiária e quando negativo implicam em que a característica diminui a probabilidade de pertencer ao Programa.
Os sinais das variáveis idade e idade ao quadrado sugerem que quanto maior for a idade do chefe de família, maiores serão as chances do recebimento do beneficio; além de um ponto específico, contudo, a tendência se inverte, diminuindo a probabilidade de ingresso da família no programa social. A presença de criança na residência e o maior número de moradores também têm impacto positivo sobre a probabilidade de participação no Programa.
As variáveis de característica da residência não se mostraram significativas, com exceção da canalização, mas Duarte et al.28 também não encontraram significância nessas características. Mas o fato de se localizar no meio rural, esse sim implicou em uma maior probabilidade de receber o Bolsa-Família.
A partir do modelo logit estimado obtém-se as probabilidades de cada unidade familiar receber o tratamento (ser beneficiário do PBF). Entre os não beneficiários os resultados revelam uma distribuição muito concentrada próxima ao valor zero, com relativa assimetria. Devido à assimetria, caso a comparação entre as unidades beneficiárias e não beneficiárias fosse realizada neste momento, poder-se-ia ter um viés na análise, pois não existiria uma quantidade suficiente de unidades para a realização de um matching eficiente. Dessa forma, a partir de 5 estratos da amostra, conforme apresentado na Tabela 3, obtêm-se subgrupos com valores de escores similares para os indivíduos do grupo de tratamento e de tratados, garantindo uma comparação mais adequada para investigação do impacto do Programa.
Como era de se esperar há entre os beneficiários uma proporção maior de famílias com probabilidades mais elevadas (maior do que 40%) de participar do PBF. Observe-se que esta probabilidade foi calculada em função das características da família, o que é diferente de se considerar simplesmente o fato dela ser beneficiária, neste caso a probabilidade seria 100%.
Após o pareamento estratificado, calcula-se o impacto do PBF sobre o Índice de Qualidade da Dieta (IQD) das famílias beneficiadas, através das diferenças explicadas anteriormente. A Tabela 4 traz esse impacto por estrato e o efeito total.
Tabela 4 Resultado médio do IQD dos grupos de controle e do tratamento de acordo com o Estrato do Propensity Score.
Limite inferior dos Estratos do Propensity Score | Número de famílias | IQD médio | Efeito Δ5 | ||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
Beneficiárias | Não Beneficicárias | Beneficiárias | Não Beneficicárias | ||
0 | 14 | 96 | 55,64 | 58,95 | -3,31 |
0,2 | 27 | 65 | 61,74 | 50,77 | 10,97 |
0,4 | 43 | 34 | 61,79 | 49,47 | 12,32 |
0,6 | 43 | 17 | 59,65 | 49,18 | 10,47 |
0,8 | 26 | 6 | 60,15 | 54,17 | 5,98 |
Total/Média | 153 | 218 | 60,34 | 51,28 | 9,05 |
Em média, o efeito do PBF contribuiu com um aumento de 9,05 no IQD. Se a comparação fosse realizada pelos métodos usuais, ao PBF seria atribuído o efeito de apenas 6,47. Uma diferença explicada pelo viés de se comparar famílias relativamente distintas, viés este que é eliminado pelo uso do método PSM. Deve-se destacar ainda que, devido ao método proposto, foi possível observar que o ganho no IQD cresce com a probabilidade de participação no Programa, até aproximadamente 60%, quando então passa a cair. Este resultado revela que, embora exista um ganho positivo na qualidade da dieta das famílias em todos os estratos, com exceção do primeiro, este ganho é maior para as famílias que apresentam condições intermediárias de elegibilidade ao Programa.
Avaliando-se o impacto do PBF sobre os componentes do IQD separadamente, observa-se que existem diferenças positivas sobre a qualidade da dieta dos grupos de tratamento (beneficiários) e de controle (não beneficiários). A Tabela 5 traz os resultados desta análise.
Tabela 5 Resultado médio de cada um dos componentes do grupo de controle e do tratamento.
Componentes | Tratamento | Controle | Média | Efeito |
---|---|---|---|---|
Grupo dos cereais, pães, tubérculos e raízes (porção) | 4,23 | 3,93 | 4,02 | 0,3 |
Grupo das hortaliças (porção) | 1,13 | 0,87 | 0,95 | 0,26 |
Grupo das frutas (porção) | 1,28 | 1,03 | 1,1 | 0,25 |
Grupo do leite e derivados (porção) | 1,63 | 1,68 | 1,67 | -0,05 |
Grupo das carnes e ovos (porção) | 0,93 | 0,91 | 0,918 | 0,02 |
Grupos das leguminosas (porção) | 0,67 | 0,48 | 0,53 | 0,19 |
Gordura total (pontuação) | 6,18 | 5,45 | 5,66 | 0,73 |
Colesterol (pontuação) | 5,07 | 4,73 | 4,83 | 0,34 |
Sódio (pontuação) | 4,63 | 4,02 | 4,2 | 0,61 |
Variedade da dieta (pontuação) | 7,26 | 6,56 | 6,77 | 0,7 |
Explica-se que para os grupos de alimentos foi comparada a quantidade de porções; para gordura total, colesterol, sódio e variedade da dieta foram comparadas as pontuações médias, lembrando que quanto maior a pontuação, maior a qualidade da dieta.
A partir da análise da Tabela 5, observa-se que, em geral, os grupos de alimentos são consumidos em maiores porções pelas unidades familiares beneficiadas pelo PBF quando comparadas às não beneficiadas. Apenas o consumo do grupo de leite e derivados não se mostrou condizente com os outros grupos de alimentos. Estes resultados, entretanto, se mostraram de acordo com pesquisa do Ibase40, a qual concluiu que para as famílias beneficiadas, da região Nordeste, houve aumento do consumo declarado de todos os grupos de alimentos, com menor proporção de leite e de seus derivados. Além disso, ao se comparar as pontuações dos componentes gordura total, colesterol, sódio e variedade da dieta, verifica-se que as famílias beneficiárias têm maiores pontuações do que as não beneficiárias, podendo-se concluir, dessa forma, que o PBF tem um impacto positivo sobre estes indicadores.
O Programa Bolsa Família é uma política social que vincula a garantia de uma renda mínima ao cumprimento de condicionalidades. A preocupação do programa é garantir a segurança alimentar e as boas condições de saúde, além de promover o acesso e a manutenção das crianças na escola. No curto prazo, esse programa visa aliviar os problemas decorrentes da situação de pobreza e, no longo prazo, visa o investimento em capital humano e na consequente quebra do ciclo intergeracional da pobreza.
Uma problemática a respeito desta política é como verificar se ela está sendo bem sucedida. Dessa maneira, várias análises já foram feitas para determinar os efeitos sobre as famílias beneficiadas, observando o aumento do consumo dos alimentos, do número de horas trabalhadas e da frequência escolar. Esta pesquisa visou analisar, a partir de dados da POF-IBGE (2008-2009) para o estado de Pernambuco, o consumo qualitativo de alimentos, à medida que utilizou como variável de interesse o Índice de Qualidade da Dieta (IQD).
Como há uma restrição em relação aos dados, ou seja, não é possível a comparação de uma mesma família em dois períodos de tempo, utilizou-se o método Propensity Score Matching, que admite a comparação entre diferentes grupos em um determinado ponto no tempo. O ideal seria comparar os dados das famílias beneficiárias com os dados de uma situação hipotética, caso elas não fossem beneficiárias. Porém, essa comparação não é possível, de forma que o pareamento entre dois grupos, de controle e de tratamento, se mostra como alternativa para reduzir o viés de seleção, visto que o grupo beneficiado pelo PBF não é escolhido aleatoriamente.
O resultado estimado a partir dos subgrupos de pareamento, e do cálculo da diferença da média do IQD das famílias participantes e não participantes conclui que existe uma diferença positiva entre a média do grupo de tratamento e de controle. Além disso, é percebido que quanto maior a probabilidade de ser beneficiária do PBF, maior a parcela destinada das transferências para o consumo de alimentos mais saudáveis. Os resultados mostram que o valor médio do IQD para as famílias beneficiárias supera em 9,05 o valor médio do IQD das famílias não participantes.
Ao desagregar os componentes do IQD, pôde-se analisar o consumo de cada um destes que compõem o índice. O valor médio de consumo das porções dos grupos de alimentos, em geral, é maior nas famílias participantes em relação às não participantes; apenas o grupo de leite e derivados que não se apresentou de acordo com este padrão de consumo. Adicionalmente, ao se comparar as pontuações dos componentes gordura total, colesterol, sódio e variedade da dieta, verificou-se também que as famílias beneficiárias tiveram maiores pontuações do que as não beneficiárias.
Conclui-se que existe um efeito positivo nas transferências de renda sobre a qualidade da dieta das unidades familiares de Pernambuco. Esse resultado mostra a eficiência do PBF em aumentar o investimento em capital humano, ao melhorar a nutrição dos indivíduos e, consequentemente, na quebra do ciclo intergeracional de pobreza no longo prazo.
Esta pesquisa, ao calcular o IQD das famílias pernambucanas, a partir dos dados de consumo alimentar da POF 2008-2009, e ao utilizar o método propensity score, de modo a reduzir o viés de seleção do PBF, contribui não apenas com os resultados positivos advindos da análise do programa, mas também com a metodologia utilizada para encontrá-los. Dessa forma, ao utilizar-se desta estratégia, este trabalho cria um novo seguimento para o diagnóstico de políticas públicas relacionadas à nutrição.
Por fim, o estudo dos fatores que levam à existência de um ponto de inflexão sobre a contribuição do Programa na qualidade da dieta das famílias torna-se preemente, para que os melhores e maiores ganhos sejam obtidos.