versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.5 São Paulo set./out. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.06.005
A fáscia temporal é o enxerto mais usado na timpanoplastia primária, com taxa de sucesso entre 93 e 97%, especialmente em orelhas médias bem areadas.1,2
Na última década, no entanto, tem havido um interesse crescente no uso de enxertos de cartilagem como uma opção.3 As principais vantagens da cartilagem são a sua rigidez e o metabolismo braditrófico, que a tornam particularmente adequada para condições difíceis, tais como perfurações subtotais, otite adesiva e reoperação.4
Esse material também é caracterizado pela sua resistência à reabsorção, retração e pressão negativa na orelha média, sua conexão com o tecido circundante e elasticidade adequada para a transmissão do som. 5-8
Acredita-se que o tamanho da perfuração possa desempenhar um papel determinante no sucesso da miringoplastia. Para alguns autores, grandes perfurações são frequentemente associadas a menor taxa de sucesso, possivelmente devido a dificuldades cirúrgicas. Obviamente, essas perfurações requerem mais material para enxerto e são frequentemente associadas a uma condição mais precária da membrana timpânica remanescente. 9,10
No entanto, para outros autores, o tamanho da perfuração pré-operatória não tem correlação com a taxa de sucesso da operação. 11,12
Muitos estudos discutiram o efeito do tamanho da perfuração no sucesso da timpanoplastia. Nossa busca na literatura mostra que nenhum estudo contemplou o mesmo efeito com o uso de enxerto de cartilagem.
Analisar o impacto de diferentes tamanhos de perfuração, portanto diferentes tamanhos de enxerto de cartilagem, sobre o desfecho anatômico e funcional da timpanoplastia.
Um estudo prospectivo não controlado, não randomizado, foi feito no Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Sohag. O protocolo de investigação foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (número 12/2013). Os pesquisadores obtiveram consentimento escrito de cada participante ou de seus responsáveis. Foram incluídos 50 pacientes submetidos a timpanoplastia tipo 1 com cartilagem, de agosto de 2013 a julho de 2014.
Critérios de inclusão: pacientes com otite média crônica simples com indicação de timpanoplastia tipo 1, com a orelha seca e mucosa da orelha média normal, por pelo menos três meses.
Critérios de exclusão: pacientes submetidos a cirurgia anterior da orelha ou com indicação de mastoidectomia concomitante, aqueles com membranas timpânicas atelectásicas ou com colesteatoma.
Exames audiométricos: incluíram média tonal pura (MTP) pré e pós-operatória com determinação do gap aéreo-ósseo (GAO) nas frequências de 0,5, 1, 2, e 4 kHz, feitos em nossa unidade de audiologia.
O tamanho da perfuração foi calculado no momento da cirurgia por meio da aplicação de uma lâmina de Silastic que coubesse confortavelmente na perfuração, posteriormente retirado e mensurado nos diâmetros longitudinal e transversal. Considerando que o tamanho da membrana timpânica do adulto é de 10 × 9 mm, os pacientes foram subdivididos em três grupos, de acordo com o tamanho da perfuração: Grupo I com o tamanho da perfuração maior do que 45 mm2 (> 50% da área da membrana timpânica), Grupo II com o tamanho da perfuração entre 23-45 mm2 (25 a 50% da área da membrana timpânica) e Grupo III com perfuração de ≤ 25% da área da membrana timpânica (23 mm2), como mostrado na figura 1 e na tabela 1.
Figura 1 Sexo dos pacientes entre os três grupos, G1 (tamanho da perfuração > 50% de área de TM), G2 (tamanho de perfuração entre 25 a 50% de área de TM), G3 (tamanho de perfuração ≤ 25% de área de TM).
Tabela 1 Características demográficas de pacientes entre três grupos
Sexo | Idade média | Tamanho médio da perfuração | Dif. média GAO |
---|---|---|---|
Primeiro grupo (> 50% de área de MT) | |||
Homens 8 | 19,6 ± 6,07 a, | 51,8 ± 10,41 mm2 | 9,53 ± 5,6 dB |
Mulheres 8 | |||
Segundo grupo (25 a 50% de área de MT) | |||
Homens 13 | 20,2 ± 11,65 a, | 32,15 ± 5,64 mm2 | 10,76 ± 6,59 dB |
Mulheres 7 | |||
Terceiro grupo (≤ 25% de área de MT) | |||
Homens 9 | 17,35 ± 10,34 a, | 17,85 ± 2,34 mm2 | 10,6 ± 4,27 dB |
Mulheres 5 |
Os pacientes foram operados pelos dois primeiros autores seniores, todos os procedimentos foram feitos sob anestesia geral, com abordagem retroauricular, e os enxertos foram colhidos do trago. A espessura da cartilagem não excedeu 0,5 mm.
O enxerto que continha cartilagem e pericôndrio foi preparado com a dissecação do pericôndrio de um dos lados apenas, manteve-se-o no lado contralateral; o enxerto foi colocado pela técnica underlay com pericôndrio elevado que cobriu a parede posterior do canal.
O sucesso anatômico e funcional foi avaliado. O sucesso anatômico foi definido como completa cicatrização da membrana timpânica enxertada havia pelo menos 12 meses.
Os pacientes repetiram o audiograma aos seis e nove meses de pós-operatório; os desfechos auditivos foram calculados a partir do audiograma mais recente, comparou-se a média tonal pura - gap aéreo-ósseo (MTP/GAO) pré e pós-operatório; ganho de audição foi definido como a diferença entre ambos.
Os dados foram analisados com o Statistical Package for the Social Sciences versão 18.0 (SPSS Inc, Chicago, Illinois, EUA). Usamos o teste t pareado para estudar a mudança de MTP/GAO e a correlação parcial para estudar a relação entre o tamanho do enxerto de cartilagem e o grau de melhoria no GAO. De acordo com os números de 16, 20 e 14 pacientes nos três grupos estudados, o poder do estudo foi de 0,95033 (95%).
Foram submetidos 50 pacientes a timpanoplastia com cartilagem (20 mulheres e 30 homens), faixa de 19 a 65 anos, com média de 19,3 ± 9,8. Desses, 37 apresentavam perfuração unilateral, enquanto 13 tinham perfurações bilaterais. A perda de audição foi o principal sintoma em 82%, otorreia recorrente em 75% e zumbido em 9%. O direito foi o lado operado em 21 e o esquerdo no grupo remanescente. Os dados dos pacientes estão apresentados na tabela 1. Todos foram acompanhados por pelo menos 12 meses após a operação, com intervalo de 12 a 20 meses, sem perda de acompanhamento registrada.
A taxa de sucesso anatômico, definido como a pega do enxerto após 12 meses de seguimento, foi de 92%, quatro pacientes foram submetidos a cirurgia de revisão em 10 a 12 meses de pós-operatório. Dois deles estavam no primeiro grupo e um em cada grupo restante; nenhuma diferença estatística foi observada entre os três grupos em relação à porcentagem de falha.
No que se refere ao desfecho funcional, todos os grupos apresentaram melhoria significativamente estatística entre pré e pós-operatório (MTP/GAO). A média de GAO no pré-operatório em todos os pacientes foi de 22,5 dB, a de pós-operatório foi de 12,6 dB (p = 0,000); o GAO para cada grupo pré e pós-operatório é mostrado na figura 2. A diferença média de GAO (pré e pós-operatório) também está demonstrada na tabela 1.
Figura 2 Média de GAO em dB no pré e pós-operatório dos três grupos e para o número total de pacientes.
Em busca de correlação entre os tamanhos de perfuração, consequentemente, entre o tamanho do enxerto de cartilagem e o grau de melhoria no GAO, nenhuma correlação significativa foi observada entre os três grupos, conforme descrito na tabela 2.
Tabela 2 Correlação parcial entre tamanho da perfuração e melhoria do GAO no pós-operatório entre os três grupos
Par (I) | Par (II) | Par (III) | |
---|---|---|---|
Par (I) | |||
Correlação r | - | 0,018 | -0,066 |
Significância bicaudal | 0,952 | 0,0847 | |
Valor p NS | Valor p NS | ||
Par (II) | |||
Correlação r | 0,018 | 0,023 | |
Significância bicaudal | 0,952 | - | 0,946 |
Valor p NS | Valor p NS | ||
Par (III) | |||
Correlação r | -0,066 | 0,023 | - |
Significância bicaudal | 0,0847 | 0,946 | |
Valor p NS | Valor p NS |
Cada par representa a média de tamanho da perfuração daquele grupo com média de melhoria de GAO no mesmo grupo; r, coeficiente de correlação; valor p entre grupos > 0,05 NS (não significativo).
Um material de enxerto mais rígido, mais resistente à reabsorção e retração, pode proporcionar uma melhor taxa de sucesso. Portanto, os materiais de enxerto de cartilagem são preferidos para grandes perfurações.13 Kazikdas et al. obtiveram uma taxa de sucesso de 95,7% do enxerto para enxerto de cartilagem em paliçada, em comparação com 75% para enxertos de fáscia temporal.14
A taxa de sucesso anatômico em nossos pacientes foi de 92%, o que é comparável com taxas mencionadas na literatura para timpanoplastia de cartilagem, 93% no estudo da Yurttas et al. e 92,3% no estudo de Onal et al.13,15
Estudos anteriores avaliaram a relação entre o tamanho das perfurações da membrana timpânica e a perda auditiva, com dados conflitantes e sem metodologia adequada.16
Na literatura, Pannu et al. relataram resultados diferentes, demonstraram um aumento da perda auditiva com o aumento dos tamanhos de perfuração timpânica em 100 pacientes.17 Além disso, Ibekwe et al. analisaram 67 pacientes com 77 perfurações e concluíram que quanto maior a perfuração da membrana timpânica, maior é a perda de percepção de som.18
Por outro lado, Ribeiro et al. não encontraram relação significativa entre o tamanho da perfuração timpânica e a perda auditiva nas quatro frequências analisadas de 0,5; 1; 2; 4 kHz.16 Pesquisamos a relação entre o tamanho do enxerto de cartilagem e a mudança de GAO após a timpanoplastia. Não houve impacto do tamanho de enxerto de cartilagem no grau de melhoria do GAO.
Se uma placa maior de cartilagem é usada para reconstrução, uma espessura menor de enxerto é necessária. Para que haja uma transferência acústica ideal, a cartilagem deve ser cortada tão fina quanto possível,19 por isso usamos enxerto de cartilagem com espessura não superior a 0,5 mm.
Gerber et al. mencionaram que a substituição de uma porção grande da membrana timpânica por cartilagem acrescentaria rigidez e/ou massa que afetariam as frequências individuais, mas não impactariam de maneira significativa a média dos dados audiométricos, como o gap aéreo-ósseo.20 Nosso trabalho mostrou que uma melhoria significativa do GAO foi conseguida entre os três grupos de pós-operatório.
Nossos pacientes com perfuração grande apresentaram menos melhoria do GAO, em comparação com outros grupos. Isso pode ser explicado com a hipótese de que o aumento do tamanho da perfuração aumentaria o grau de perda auditiva. Mas a melhoria significativa do GAO no pós-operatório também demonstra que o tamanho da cartilagem não tem impacto na média dos dados audiométricos, como o GAO.
Ao estudar a correlação entre o tamanho do enxerto e o grau de melhoria do GAO, nenhuma correlação significativa foi encontrada. Isso coincide com a hipótese de Ribeiro et al., que não encontraram qualquer correlação entre o tamanho da perfuração e o grau de perda auditiva entre quatro frequências testadas.16
A timpanoplastia com cartilagem tem alta taxa de sucesso anatômico (92%).
O tamanho do enxerto de cartilagem não tem impacto no grau de melhoria auditiva ou na taxa de sucesso anatômico após timpanoplastia.
Para tornar nossos resultados mais generalizados, precisaríamos investigar um maior número de pacientes. Entretanto, a cartilagem não é o único material de enxertia usado em nosso departamento.