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Impacto dos distúrbios da fala na qualidade de vida: proposta de questionário

Impacto dos distúrbios da fala na qualidade de vida: proposta de questionário

Autores:

Gialile de Sá Lúcio,
Tatiana Vargas de Castro Perilo,
Laélia Cristina Caseiro Vicente,
Amélia Augusta de Lima Friche

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.25 no.6 São Paulo 2013 Epub 16-Dez-2013

http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013.05000011

INTRODUÇÃO

Os distúrbios de fala podem acarretar dificuldades no processo comunicativo, levar ao isolamento social e afetar a qualidade de vida dos sujeitos( 1 - 3 ). A Organização Mundial da Saúde (OMS) define qualidade de vida (QV) como "percepção do indivíduo sobre sua posição na vida,... e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações"( 4 ), sendo considerado um indicador importante de Saúde Pública. Questionários de QV relacionados à voz( 5 ), gagueira( 6 , 7 ) e deglutição( 8 ) têm sido utilizados na prática clínica fonoaudiológica. Atualmente, não há instrumento que mensure o impacto dos distúrbios da fala na QV e esta perspectiva poderá auxiliar o fonoaudiólogo a direcionar a intervenção, ajustando as estratégias terapêuticas às necessidades do paciente. Assim, os objetivos do estudo foram elaborar um questionário para investigar o impacto dos distúrbios da fala na QV e verificar a sua confiabilidade.

MÉTODOS

Estudo transversal, realizado no Ambulatório de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa/UFMG sob o n° 404/09, que constou de duas etapas: elaboração do questionário para avaliação da QV nos distúrbios da fala e análise da confiabilidade do instrumento.

A elaboração do questionário foi baseada em artigos científicos que descrevem protocolos para avaliar a QV em diferentes situações, publicados no período de 1999 a 2009( 4 , 5 , 7 - 9 ).

Para análise da confiabilidade do instrumento, o questionário foi aplicado como piloto em 24 sujeitos, 12 do grupo caso e 12 do grupo controle, com idades entre 12 e 50 anos, pareados por gênero e idade. Constituíram o grupo caso indivíduos com alteração de fala de origem fonética e o grupo controle, indivíduos sem comprometimento da comunicação oral, comprovado por meio de avaliação fonoaudiológica simplificada. Foram excluídos indivíduos com alterações cognitivas, neurológicas, vocais, de linguagem oral e fluência, deficiência auditiva e/ou com distúrbios da fala em fase final de tratamento. O grupo controle foi constituído por acompanhantes de pacientes atendidos no mesmo ambulatório e estes foram instruídos a responder de acordo com a percepção da sua fala.

Os fatores etiológicos e os distúrbios de fala apresentados pelos participantes do grupo caso foram: (1) fissura labiopalatina (todos operados) e distúrbios articulatórios compensatórios (como golpe de glote); (2) alteração musculoesquelética e ceceio anterior ou lateral e (3) glossectomia parcial e distorções articulatórias. Optou-se por incluir na amostra diferentes fatores etiológicos dos distúrbios da fala para verificar a adequação do questionário em uma ampla gama de causas. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As respostas das questões 2 a 17 do questionário foram graduadas em uma escala Likert: 3 pontos para a opção "Sempre", 2 pontos para "Algumas vezes", 1 ponto para "Raramente" e 0 pontos para "Nunca". A opção "Não sei" não foi considerada na análise e, portanto, não influenciou na pontuação dos resultados. Para comparação entre os grupos do estudo, a análise foi realizada considerando a porcentagem dos pontos obtidos sobre a pontuação máxima possível para cada sujeito por domínio e total das questões. A análise da consistência interna foi realizada por domínio e escore total por meio do coeficiente Alfa de Cronbach, considerando confiabilidade ruim á≤0,5, aceitável entre 0,6 e 0,7 e boa confiabilidade á≥0,8( 10 ). Na análise, foram excluídas as questões cuja retirada do domínio aumentasse o valor do Alfa de Cronbach e, consequentemente, a consistência interna do questionário.

As perguntas 1 e 18 foram analisadas por meio da frequência das respostas, para identificar a autopercepção do indivíduo sobre seu problema de fala e a QV.

RESULTADOS

O questionário elaborado foi composto por 18 questões fechadas, sendo duas de autopercepção da alteração de fala e QV geral e as demais abrangendo a autopercepção dos domínios físico (questões 2 a 5), emocional (6 a 11) e social (12 a 17) (Anexo 1).

A análise da consistência interna do questionário é apresentada na Tabela 1.

Questões analisadas Número de questões Alfa de Cronbach
Casos (n=12) Controles (n=12) Total (n=24)
Domínio físico 2 a 5 4 0,71 0,72 0,71
Domínio emocional* 6 a 10 6 0,83 0,70 0,77
Domínio social 12 a 17 6 0,77** 0,96 0,85
Escore total 2 a 17 16 0,91 0,95 0,93

*Item 11 deletado para aumentar a consistência interna - com a questão: α=0,78 (casos), α=0,67 (controle) e α=0,74 (nos dois grupos)

**item 16 deletado para aumentar a consistência interna - com a questão: α=0,70 (casos), α=0,95 (controle) e α=0,78 nos dois grupos)

Quanto à autopercepção dos distúrbios da fala (questão 1), no grupo caso seis indivíduos (50%) responderam "Sempre", dois (17%) "Algumas vezes", dois "Raramente" ou "Nunca" e dois responderam "Não sei". Já no grupo controle, dez participantes (83%) referiram "Raramente" ou "Nunca" e dois (17%) mencionaram "Algumas vezes". Sobre a QV (questão 18), no grupo caso dez indivíduos (84%) a consideraram "Boa", um (8%) "Excelente" e um (8%) "Ruim". No grupo controle, oito (67%) consideram "Boa", três (25%) "Excelente" e um (8%) "Ruim".

DISCUSSÃO

Como na literatura( 9 , 11 , 12 ), o instrumento foi empregado previamente em uma população piloto e apresentou boa confiabilidade nos domínios e no questionário como um todo.

Entre os domínios, a consistência interna variou de aceitável (á=0,71 - domínio físico para o grupo caso) a boa (á=0,96 - domínio social para o grupo controle). A retirada das questões 11 do domínio físico e 16 do domínio social aumentou a consistência interna de ambos os domínios e, portanto, devem ser mais bem investigadas com amostra maior. Em relação ao escore total do questionário, a consistência interna foi boa tanto para o grupo caso (á=0,91) como para o grupo controle (á=0,95). A autopercepção da alteração da fala ocorreu predominantemente no grupo caso, mas aparentemente sem impacto na QV em ambos os grupos. São necessários estudos futuros nesta mesma temática, visto que este é o primeiro estudo (brasileiro), segundo o nosso conhecimento. Estudos com maior casuística e poder estatístico satisfatório poderão avaliar de forma mais precisa a QV nos distúrbios da fala.

Algumas limitações devem ser consideradas como o tamanho da amostra, que deverá ser ampliado, e a seleção dos casos, abrangendo outros distúrbios da fala e outras faixas etárias. Desta forma, novas análises deverão ser empregadas em estudo futuro de validação do questionário.

Apesar disso, os altos valores do Alfa de Cronbach encontrados para o escore total do questionário nos dois grupos indicam que este parece ser um construto confiável para avaliar a QV em indivíduos com distúrbios da fala.

CONCLUSÃO

Foi elaborado um protocolo para avaliação da QV em sujeitos com distúrbios de fala com 18 questões e que contemplou os domínios físico, emocional e social. O questionário mostrou ser um instrumento com boa confiabilidade tanto para os domínios quanto para o questionário como um todo.

REFERÊNCIAS

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2. Goulart BN, Chiari BM. Prevalência de desordens de fala em escolares e fatores associados. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):726-31.
3. Silva MR. Alterações de fala em escolares: ocorrência, identificação e condutas adotadas [Dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2008.
4. Fleck MPA, Leal OF, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Rev Bras Psiquiatr. 1999;21(1):19-28.
5. Behlau M, Santos LMA, Oliveira G. Cross-cultural adaptation and validation of the voice handicap index into Brazilian Portuguese. J Voice. 2011;25(3):354-9.
6. Campanatti-Ostiz H, Andrade CRF. Gagueira: manutenção, generalização e transferência. Pró-Fono. 2000;12(2):121-30.
7. Andrade CRF, Sassi FC, Juste FS, Ercolin B. Qualidade de vida em indivíduos com gagueira desenvolvimental persistente. Pró-Fono. 2008;20(4):219-24.
8. Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do Risco para Disfagia (PARD). Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205.
9. Teixeira AR, Almeida LG, Jotz GP, De Barba MC. Qualidade de vida de adultos e idosos pós adaptação de próteses auditivas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):357-61.
10. Bland JM, Altman DG. Statistical methods for assessing agreement between two methods of clinical measurement. Lancet. 1986; 1(8476):307-10.
11. Papalia DE, Olds SW. Desenvolvimento humano. 7. ed. Porto Alegre: Artmed; 2000.
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