versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208
J. bras. psiquiatr. vol.68 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2019 Epub 13-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000224
To review studies related to the impact of anxiety on the quality of life in Parkinson's disease patients.
A systematic review was performed using PubMed, Web of Science, Scopus and PsycINFO databases with the keywords: anxiety, Parkinson's disease and quality of life. We selected 20 articles published in English, no time limit.
Most studies showed positive correlation between anxiety and quality of life in Parkinson's disease individuals. This relation was not found by only two studies. The presence of anxiety symptoms seems to be related to severity of motor symptoms, female sex and early onset of Parkinson's disease, leading to a greater impact on quality of life.
The articles analyzed showed that anxiety has negative impact on quality of life of Parkinson's disease individuals.
Keywords Anxiety; quality of life; Parkinson's disease
A doença de Parkinson (DP) é neurodegenerativa e com alta prevalência em indivíduos com idade igual ou superior aos 60 anos, podendo acometer também indivíduos mais jovens1,2. Considera-se a DP como a segunda maior doença neurodegenerativa, com prevalência de até 2% do total da população com mais de 60 anos3. A DP acomete indivíduos de ambos os sexos, no entanto sua prevalência é em indivíduos do sexo masculino (3:2)4.
Essa patologia caracteriza-se por sintomas motores como tremor, rigidez muscular, bradicinesia e instabilidade postural. Essas características são decorrentes da degeneração dos neurônios dopaminérgicos localizados na substância negra5. Entre os neurotransmissores, a dopamina é um dos responsáveis pelo controle motor6.
A DP, além dos sintomas motores supracitados, apresenta sintomas não motores7,8. A ansiedade é um dos seus principais sintomas não motores, com prevalência de 31% em pacientes com DP8,9. A ansiedade na DP pode ocorrer em consequência da flutuação motora e com maior probabilidade quando os pacientes se encontram no período off10,11.
Diversos estudos relacionam a ansiedade com a qualidade de vida (QV), independentemente da presença de comorbidades clínicas11–13. Além disso, na DP, os sintomas motores podem piorar na presença de sintomas de ansiedade14. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi revisar os artigos publicados que avaliaram o impacto da presença de sintomas de ansiedade na QV em indivíduos com DP.
As buscas foram realizadas, até abril de 2018, em quatro bancos de dados: PubMed, Scopus, Web of Science e PsycINFO. As palavras-chave utilizadas foram: “anxiety”, “quality of life” e “Parkinson's disease”. Os fatores de inclusão foram artigos que avaliaram a relação entre sintomas de ansiedade e QV/bem-estar em uma amostra de pacientes com DP, estudos realizados em humanos, sem limite de tempo e em inglês. Foram excluídos artigos que avaliavam o efeito da ansiedade na QV em pacientes com outras patologias, publicações como editoriais, cartas ao editor, revisões da literatura e artigos com objetivo de validação.
Dois pesquisadores independentes fizeram a extração dos dados e documentaram nome dos autores, ano, local do estudo, desenho do estudo, tamanho da amostra, sexo, idade, critérios utilizados para ansiedade, QV e DP. Os dados foram revistos e qualquer discordância foi discutida entre os autores.
No total, foram encontrados 1.360 artigos. Após a exclusão dos artigos duplicados, 780 artigos foram selecionados. Os resumos deles foram revisados, sendo excluídos 752 artigos. Dos 28 artigos selecionados para leitura do texto completo, foram incluídos ao final 20 artigos. De forma detalhada, o processo de busca e seleção dos artigos incluídos nesta revisão sistemática é apresentado na figura 1.
Fonte: Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG; The PRISMA Group. Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses: The PRISMA Statement. PLoS Med. 2009;6(6):e1000097.15
Figura 1 Fluxograma segundo recomendações da iniciativa PRISMA. QV: qualidade de vida, SNM: sintomas não motores.
Essa revisão seguiu as orientações da Prisma Statement para revisões sistemáticas da literatura e metanálises de estudos que avaliam intervenções em saúde15.
Dos 1.360 artigos encontrados, 20 foram selecionados com base nos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos (Tabela 1).
Tabela 1 Características dos 20 artigos selecionados para a revisão sistemática
Referência | N | Local | Delineamento | Sexo (M) | Idade (X"; SD) | Avaliação DP | Instrumento QV | Instrumento Ansiedade | Resultados |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Carod-Artal et al. (2008)11 | 115 | Clínica de Neurologia – Brasil | Estudo transversal | 56,5% | 62,5 ± 11,8 | H&Y: 3 (Mediana) SCOPAS (MS): 25,6 ± 13,1 CISI PD geral: 10 ± 4,9 CIRS G: 4,5 ± 3,4 |
PDQ-39 SCOPAS |
HADS | Ansiedade é um fator determinante para qualidade de vida. (correlação: PDQ: 0,66, SCOPAS: 0,71) |
Rahman et al. (2008)19 | 130 | Clínica do Hospital Nacional de Neurologia e Neurocirurgia – Reino Unido | Estudo transversal | 64,6% | 66,7 ± 8,52 | H&Y: Estágio 1: 8,5% Estágio 1.5: 11,5% Estágio 2: 23,1% Estágio 2.5: 11,5% Estágio 3: 10,8% Estágio 4: 24,6% Estágio 5: 64,6% |
PDQ-39 | BAI | Ansiedade está entre os principais preditores de QV (regressão β = 0,478; t = 5,59). |
McKinlay et al. (2008)32 | 49 | Pacientes da comunidade com DP idiopática – Nova Zelândia | Estudo transversal | 63,2% | 66,5 ± 6,8 | H&Y: 1,5 UPDRS: 29,6 ± 9,7 |
PDQ-39 | HADS | A ansiedade foi uma preditora de QV, com valor significativo de regressão de 0,69 (0,46). |
Quelhas e Costas (2009)20 | 43 | Hospital Geral de Transtorno do Movimento – Portugal | Estudo transversal | 44% | 72 | H&Y: 2; 60% | SF-36 | HADS | Correlação significativa entre ansiedade e QV (r = – 0.75, p < 0,01); o preditor mais importante da QV foi a HADS (r = −0,51, p = 0,0002). |
Gómez-Esteban et al. (2011)21 | 99 | Clínicas ambulatoriais – Espanha | Estudo transversal | 54,5% | 68,5 ± 9,9 | UPDRS I: 3,3 ± 2,4 II: 12,4 ± 5,6 III: 25,7 ± 10,4 IV: 4,1 ± 3,3 |
PDQ-39 | NPI-10 | Correlação significativa entre QV e ansiedade (r = 0,47) |
Hanna e Cronin-Goolomb (2012)16 | 38 | Clínica de Neurologia e grupo de apoio DP – EUA | Estudo transversal | 52,6% | 62,1 ± 8,7 | H&Y: 2 | PDQ-39 | BAI, STAI | A ansiedade influenciou a QV mais do que outros sintomas (BAI: 0,54; STAI: 0,65). Regressão (β: 0,34; t = 2,23; p < 0,05) |
Yamanishi et al. (2013)9 | 117 | Pacientes ambulatoriais (clínica geral) Clínica específica (reabilitação) – Japão |
Estudo transversal | 39,4% | 69,4 ± 9,1 | H&Y: 2,8 ± 0,8 UPDRS: 34,1 ± 24 |
EQ-5D PDQ-39 |
STAI | Ansiedade tem correlação significativa com QV (PDQ-39 – 0,362, p < 0,001, EQ-5D – 0,222, p = 0,016). |
Duncan et al. (2014)22 | 158 | Clínica de Neurologia – Reino Unido | Estudo longitudinal | DP: 65,8% Controle: 54% | DP: 66,5 ± 10,3 Controle: 67,9 (8,2) |
UPDRS III: 27,1 ± 12 HY: 80% no estágio 1 e 2 |
PDQ-39 | NMSQuest | Ansiedade foi um dos aspectos que mais teve impacto sobre QV (regressão β 0,156; p < 0,001). |
Simpson et al. (2014)23 | 81 | Clínica de Neurologia, hospital e comunidade- Reino Unido | Estudo transversal | 72,8% | 66,1 ± 8,13 | H&Y: 2,11 ± 0,88 UPDRS III: 18,95 ± 7,04 |
PDQ-39 | DASS | Correlação significativa (0,298 a 0,572) |
Fereshtehnejad et al. (2014)24 | 140 | Clínica específica (transtorno) – Irã | Estudo transversal | 67,8% | 61,3 ± 10,4 | UPDRS Início precoce: 34,3 ± 21,0 Início típico: 30,6 ± 15,2 |
PDQ-39 | HADS | A ansiedade foi um dos determinantes mais importantes de QV (β: 0,6; p = 0,003). |
Fereshtehnejad et al. (2015)25 | 157 | Clínica de transtorno do movimento – Irã | Estudo transversal | 68,8% | 61,4 ± 11,2 | UPDRS: 32,2 ± 18,1 HY: 2 |
PDQ-39 | HADS | A ansiedade foi um dos fatores mais determinantes dos sintomas não motores para influenciar a QV (predição: 0,51, p = 0,006). |
Jones et al. (2015)29 | 107 | Centro da Universidade da Flórida para Distúrbios do Movimento | Estudo transversal | 69% | 64 ± 8,6 | UPDRS: 24,1 ± 7,9 | PDQ-39 | STAI-T | A ansiedade estava mais relacionada à QV na DP (r = 0,494) e as reduções na QV global foram associadas a níveis aumentados de ansiedade. |
Liu et al. (2015)17 | 210 | Departamento de Neurologia do Hospital Nacional da Universidade de Taiwan – Taiwan | Estudo transversal | 52,3% | 66,1 ± 9,86 | H&Y: 2,2 ± 0,9 | PDQ-39 | NMSQuest | Ansiedade é um dos sintomas não motores que apresentam coeficiente de correlação mais forte com a QV (r = 0,607). |
Fan et al. (2016)26 | 134 | Clínica específica (transtorno do movimento) – Reino Unido |
Estudo transversal | Não apresentado | 64,9 ± 9,19 | UPDRS total: 39,48 ± 18,30 UPDRS I: 3,36 ± 2,32 UPDRS II: 12,93 ± 6,3 UPDRS III: 20,29 ± 11,03 UPDRS IV: 3,50 ± 3,22 H&Y: 1,43 ± 0,64 |
PDQ-39 | BAI | Entre as variáveis estudadas, a ansiedade foi identificada como preditor de QV nessa amostra (r = 0,65). |
Bugalho et al. (2016)27 | 134 | Ambulatório – Portugal | Estudo transversal | 49% | 73,3 ± 8,8 | H&Y: 3 ± 0,9 UPDRS III Total: 28,2 ± 16,8 UPDRS III Discinesia: 1,13 (1,0) UPDRS III Tremor: 4,5 ± 3,6 UPDRS III Rigidity: 4,1 ± 4,0 UPDRS III Bradicinesia: 11,8 ± 7,9 |
EQ 5D | HADS | Ansiedade foi um dos principais determinantes da QV (β = 0,347) |
Hurtado-Gonzalez et al. (2017)34 | 50 | Associações de Parkinson de Salamanca – Espanha | Estudo transversal | 66% | 64,86 ± 6,53 | H&Y: 80% no estágio 3 e 20% no estágio 1 | PDQ-39 | BAI e HRSA | Os sintomas ansiosos não afetam a QV em indivíduos com DP idiopática sem demência (r = 0,344). |
D’Iorio et al. (2017)28 | 84 | Centro não especificado | Estudo transversal | Não explorado | Grupo com alta QV percebida: 64,55 ± 9,22 Grupo com baixa QV percebida: 66,26 ± 8,18 |
UPDRS-III Grupo com alta QV percebida: 11,77 (5,17) Grupo com baixa QV percebida: 14,88 ± 8,37 H&Y Grupo com alta QV percebida: 1,69 (0,54) Grupo com baixa QV percebida:1,81 ± 0,39 |
PDQ-8 | PAS | PDQ-8 foi fortemente correlacionado com a escala OR-PAS (β: 0,389; p = 0,001). |
Wiesli et al. (2017)30 | 53 | Hospital Universitário de Basileia (Departamento de Neurofisiologia Clínica e Clínica de transtornos do movimento) |
Estudo transversal | Grupo DP: 59,5% Grupo DP-MCI: 75% |
Grupo DP: 66 ± 8,4 Grupo DP-CCL:68 ± 7,2 |
UPDRS-III Grupo DP: 16 ± 11,4 Grupo DP-MCI:14 ± 11,1 |
PDQ-39 | Escala de Ansiedade de Beck (BAI) | Correlação significante entre (PDQ-39 e BAI: Grupo DP: 0,72 e Grupo DP-MCI: 0,66. Regressão: R2 0,54, p ≤ 0,01) |
Prasuhn et al. (2017)33 | 69 | Cidadãos de Luebeck – Alemanha | Estudo longitudinal | 60,9% | 68,0 ± 9,6 | UPDRS-III Grupo DP: 23,6 ± 10,5 Grupo Controle: 0,9 ± 1,1 |
WHOQOL-bref | The State Trait Anxiety nventory (STAI) | Não houve correlação entre STAI e WHOQOL-bref (p = 0,243). |
Park et al. (2018)31 | 132 | 5 hospitais universitários da Coreia do Sul | Estudo transversal | Grupo YOPD 53,8% Grupo MOPD 40% Grupo LOPD 50% |
Grupo YOPD 49,1 ± 3,3 Grupo MOPD 61,7 ± 5,5 Grupo LOPD 74,6 ± 3,6 |
UPDRS-III Grupo YOPD: 17,2 ± 10,3 Grupo MOPD: 17,1 ± 7,1 Grupo LODP: 18,6 ± 8,1 H&Y: Grupo YOPD: 1,6 ± 0,7 Grupo MOPD: 1,6 ± 0,5 Grupo LODP: 1,6 ± 0,5 |
PDQ-39 | BAI | (β = 0,720; p = <0,001) |
M: masculino; QV: qualidade de vida; DP: doença de Parkinson; PDQ: Questionário sobre a Doença de Parkinson; SCOPA: Escala de Desfechos da Doença de Parkinson; SF-36: Short Form 36; EQ-5D: Instrumento de QV; HADS: Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão; HRSA: Escala de Ansiedade de Hamilton; STAI: Inventário de Ansiedade Traço-Estado; BAI: Inventário de Ansiedade de Beck; DASS: Escala de Ansiedade Depressão e Estresse; NMSQuest: Questionário de Sintomas não Motores; NPI: Questionário do Inventário Neuropsiquiátrico; H&Y: Escala de Hoehn e Yahr; UPDRS: Escala Unificada de Avaliação da Doença de Parkinson; FOG: Escala de Congelamento da Marcha; CCL: comprometimento cognitivo leve; YOPD: doença de Parkinson de início precoce; MOPD: doença de Parkinson de início intermediário; LOPD: doença de Parkinson de início tardio; PAS: Escala de Ansiedade de Parkinson; WHOQOL-bref: World Health Organization Quality of Life – Old.
Os estudos apresentaram amostras entre 38 e 210 indivíduos16,17. Com relação ao perfil dos participantes, 60% dos estudos foram realizados com pacientes inseridos em clínicas ou hospitais específicos16,18–28; quatro estudos recrutaram pacientes de universidades ou hospitais universitários17,29–31; dois estudos foram realizados com indivíduos da comunidade32,33; um estudo foi realizado com pacientes tanto de uma clínica quanto de um grupo de apoio16 e outro estudo foi realizado com pacientes inseridos em uma associação de DP34.
A prevalência do sexo masculino variou entre 39,4% e 72,8%9,23. Dois estudos não apresentaram a variável sexo26,28. Em relação à idade, a maioria dos estudos apresenta média acima de 60 anos. Park et al.31 trabalharam com três grupos: aqueles com DP de início precoce, DP de início médio e DP de início tardio.
Em relação ao desenho dos artigos incluídos, 90,5% eram transversais9,16–20,23–32,34,35 e apenas dois estudos eram longitudinais22,33.
O instrumento mais utilizado para avaliação da ansiedade foi a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS), presente em 28,5% dos estudos18,20,24,25,27,32. A Escala de Ansiedade de Beck (BAI) foi utilizada em 19% dos estudos que avaliaram apenas a ansiedade19,26,30,31. Um estudo utilizou essa mesma escala em conjunto com a State-Trait Anxiety Inventory (STAI)16 e outro estudo em conjunto com a Hamilton Anxiety Scale (HRSA)34. Três estudos utilizaram somente a STAI9,29,33.
Para avaliação da QV, 71,4% dos estudos utilizaram o instrumento Parkinson's Disease Questionnaire 39 (PDQ-39)16,19,20,22–26,29–32,34,35. Essa mesma escala foi utilizada em conjunto com o Scales for Outcomes in Parkinson's Disease (SCOPAS)18. Hanna e Cronin-Golomb16 utilizaram o PDQ-39 em conjunto com a Euro-Qol (EQ-5D). Bugalho et al.27 utilizaram a EQ-5D isoladamente para avaliar a QV.
Um estudo utilizou a versão reduzida do PDQ-39, o PDQ-8, e um estudo utilizou o instrumento WHOQOL-bref. O PDQ-39 e o SCOPAS são instrumentos específicos para amostras de pacientes com DP28,33.
Quanto ao desfecho de correlação, em 80,9% dos estudos foram encontradas correlações significativas entre ansiedade e QV9,17–20,22–28,30–32,35. No geral, o valor da correlação variou de 0,22 a 0,759,16,20.
Para estabelecimento do nível de correlação, foi considerada correlação fraca para r < 30, moderada entre 0,30 e 0,59 e forte para ≥ 60. A análise de regressão multivariada foi utilizada para avaliação dos preditores de QV. Os valores “β” se referem à variação que a ansiedade tem sobre a QV. Nos estudos que usaram essa técnica o valor de “β” foi de 0,156 a 0,72022,31.
Para estudos que tinham como objetivo avaliar o impacto dos sintomas não motores na QV (inclusive a ansiedade), as correlações de ansiedade e QV variaram de 0,31 a 0,7517,20,26,27,29,35 e os valores de predição, de 0,156 a 0,699,18,22,24,25,32. É importante considerar que a utilização de diferentes instrumentos na mensuração da QV influenciou na diferenciação dos valores de correlação, já que os resultados de instrumentos específicos de QV para amostras de pacientes com DP mostraram correlações maiores.
Dois estudos mostraram que a ansiedade não impacta a QV em pacientes com DP. Hurtado-Gonzalez et al.34 não obtiveram correlação significativa, da mesma forma Prasuhn et al.33 apresentaram que não houve correlação entre STAI e WHOQOL-bref.
Diante da análise integral dos artigos, a maioria dos resultados encontrados nessa revisão mostrou que a ansiedade tem impacto negativo sobre a QV em pacientes com DP e algumas variáveis poderiam ter influenciado esse desfecho.
Considerando os aspectos demográficos, evidenciou-se uma maior prevalência de ansiedade nas mulheres com DP9,17,20,26. Essa evidência é atestada, já que diante dos critérios para diagnóstico de ansiedade, o sexo feminino é considerado um dos fatores de risco para a presença de ansiedade36,37. Além disso, num recente estudo de Broen et al.13 utilizando um instrumento específico para avaliação da ansiedade na DP, o Parkinson Anxiety Scale (PAS), o sexo feminino foi considerado um importante fator associado à ansiedade persistente e episódica13. Uma maior prevalência de sintomas de ansiedade é encontrada em diversos estudos, independente da presença de DP, devido principalmente ao papel dos hormônios sexuais38, porém não devem ser descartados aspectos socioeconômicos, e maior exposição a traumas precoces.
Outro fator relevante é o diagnóstico precoce de DP. O estudo de Fereshtehnejad et al.24 mostrou que a presença de ansiedade foi maior nos parkinsonianos com idade abaixo dos 50 anos. Corroborando com resultados encontrados nesse estudo, uma pesquisa desenvolvida por Moriyama et al.39 com ansiedade social apresentou o mesmo resultado em indivíduos com DP abaixo dos 50 anos. Dissanayaka et al.40 também verificaram que pacientes com DP com início precoce eram mais propensos a experimentar a ansiedade se comparada à DP tardia. De forma similar, Henderson et al.41 obtiveram que o início da DP antes dos 60 anos esteve associado com aumento da prevalência dos sintomas de ansiedade. Além disso, Quelhas e Costa20 não encontraram associação significativa entre a ansiedade e o aumento da idade ao avaliar 43 pacientes com DP idiopática atendidos em um ambulatório de distúrbio do movimento. A maior prevalência de ansiedade em indivíduos mais jovens com DP pode estar relacionada ao estresse psicossocial enfrentado por estes indivíduos39, prejudicando a QV.
O tamanho amostral é outro importante ponto de discussão, uma vez que os estudos de Hurtado-Gonzalez et al.34 e Prasuhn et al.33 foram os únicos que encontraram que a ansiedade não influencia a QV, e a amostra foi composta por menos que 70 indivíduos em ambos os estudos. No entanto, deve-se considerar que outros fatores podem ter influenciado esse desfecho, visto que outras pesquisas com número da amostra pequena apresentaram relação significativa da ansiedade e QV16,20,32. Por exemplo, o estudo de Prasuhn et al.33 utilizou em sua análise todos os sujeitos, incluídos os com sinais parkinsonianos leves e sem DP, o que pode ter influenciado os resultados. Outra possibilidade que deve ser aventada é que os sintomas de ansiedade podem ser sobrepostos a outros sintomas não motores como depressão, o que minimizaria o impacto da ansiedade na QV34.
No estudo de McKinlay et al.32, o controle dos sintomas motores foi um aspecto que contribuiu para o impacto da ansiedade na QV. Corroborando essa interpretação, Hurtado-Gonzalez et al.34 destacam que a sobreposição dos sintomas motores foi uma das variáveis que influenciou seu desfecho. Da mesma forma, a presença de sintomas motores como a bradicinesia, distonia e discinesia também se mostrou preditiva de altas taxas de ansiedade37,39,42,43. Ademais, flutuações nos sintomas de ansiedade podem ocorrer paralelamente às flutuações motoras44, o que tornaria a análise do impacto da ansiedade ainda mais difícil, visto que a percepção de QV também poderia mudar de acordo com os níveis de ansiedade.
Foi observado que diversos estudos não explicitam de forma clara os critérios de exclusões, o que pode dificultar a interpretação dos resultados17,19,21,22,23,25,27. No estudo de Gómez-Esteban et al.21, não foram excluídas pessoas com transtornos neurocognitivos ou demência e foi encontrada correlação significativa entre ansiedade e QV. Todavia, a presença de demência pode ser um fator importante na associação entre QV e ansiedade mesmo em pacientes sem DP45. Além disso, tanto o estado de ansiedade quanto o traço de ansiedade podem influenciar no desempenho cognitivo46, introduzindo uma nova variável na relação já complexa entre ansiedade de QV.
A utilização de diferentes instrumentos também pode ter contribuído para distintos resultados de correlação. Para estudos que utilizaram o PDQ-39 concomitantemente a um instrumento não específico para QV na DP, como o SF-36 e o EQ-5D, foram observadas correlações menores para esses instrumentos de QV não específicos9,18. Além disso, o estudo de Prasuhn et al.33 não apresentou correlação da ansiedade com a QV, e uma das possíveis explicações seria a não utilização de um instrumento específico para avaliação da QV, considerando aspectos específicos da DP33. Esse ponto é relevante, visto que instrumentos específicos consideram aspectos peculiares à DP, fornecendo um retrato mais fidedigno do impacto na QV. Por exemplo, no PDQ-39, existem questões que abordam especificamente o constrangimento em público e as reações das pessoas em relação à DP, o que não é mensurado por outras escalas de QV.
Para avaliação de ansiedade, diferentes instrumentos foram utilizados; desses, apenas BAI, STAI e HRSA são exclusivos para o rastreio de ansiedade, porém não consideram as peculiaridades da DP. Dessa forma, insere-se a necessidade de utilização de instrumentos adaptados para o contexto do paciente com DP, como o PAS, que superaria as limitações das escalas existentes, considerando em suas subescalas aspectos como a ansiedade persistente, episódica e o comportamento de evitação47. Nessa revisão, encontramos um único estudo que utilizou o PAS para avaliação da ansiedade, mostrando que baixos níveis de QV apresentaram ansiedade episódica, persistente e comportamento de evitação mais graves do que pacientes com QV alta28. A utilização de uma escala específica e padronizada poderia facilitar a comparação entre os diversos estudos encontrados nesta revisão.
Como limitação, apresenta-se que poucos estudos verificaram a correlação dos sintomas motores e não motores com a ansiedade, visto que a ansiedade pode estar frequentemente associada à presença e à gravidade de sintomas motores9,20,26,27,32. Além disso, seria interessante avaliar o impacto de transtornos de ansiedade específicos na QV, visto que a apresentação dos sintomas de ansiedade é diferente para cada um deles.
Nesta revisão, os artigos analisados mostraram que a ansiedade piora a QV de indivíduos com DP. Estudos futuros devem considerar a utilização de escalas capazes de identificar as peculiaridades da DP para a eficaz avaliação da ansiedade. Para isso, faz-se necessária a utilização de instrumentos que considerem a influência de aspectos característicos da DP na ansiedade. Além disso, seriam importantes estudos para avaliar o impacto de transtornos de ansiedade específicos na DP. Os sintomas motores parecem ter impacto importante na ansiedade e QV, porém deve-se explorar mais detalhadamente a relação bidirecional entre ansiedade e sintomas motores na DP. Compreender esses fatores auxiliará no manejo do tratamento da ansiedade nos pacientes com DP.
Essas pesquisas são importantes, pois podem contribuir para a prática clínica no tratamento da DP, considerando conjuntamente os sintomas clássicos da doença, o diagnóstico e o tratamento da ansiedade para a promoção do bem-estar e QV.