versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.17 no.4 São Paulo 2019 Epub 01-Jul-2019
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019gs4621
Na taxonomia relacionada à segurança do paciente, os eventos adversos a medicamentos (EAM) são definidos como danos causados pela medicação ao paciente.(1) Os EAM são unicamente considerados erros de medicação quando podem ser evitados ou prevenidos.(2) Dessa forma, o erro de medicação é entendido como qualquer evento que pode ser evitado e que possa ocorrer em qualquer fase da terapia medicamentosa, que venha ou não causar dano ao paciente.(3,4)
O número crescente de pesquisas e dados epidemiológicos demonstra que erros de medicação estão presentes em diferentes cenários da assistência à saúde. Uma prática segura e livre de danos é considerada uma meta global, conforme apresentada no documento Global Patient Safety Challenge on Medication Safety, da World Health Organization (WHO). No entanto, são necessários investimentos no desenvolvimento de sistemas, práticas e tecnologias que possam prevenir erros e melhorar a terapia medicamentosa.(5)
A definição de tecnologias em saúde é ampla, não se restringindo apenas a equipamentos. Compreende certos saberes constituídos para a geração e a utilização de produtos, e também para organizar as relações humanas, por meio das quais são prestados os devidos cuidados e atenção à saúde da população.(6,7) As tecnologias podem ser categorizadas em dura, representada por equipamentos; leve-dura, que inclui os saberes estruturados (normas e protocolos); e, por fim, a leve, que é expressa pela comunicação, pelas relações e pelos vínculos.(6)
As tecnologias que podem prevenir o erro de medicação ainda encontram certas barreiras para serem implantadas nas instituições de saúde. Uma delas é seu alto custo.(6,8) No entanto, é necessário considerar seus benefícios de prevenção (custos intangíveis ou imensuráveis) e o próprio custo do erro de medicação.
Erros de medicação proporcionam alto custo ao sistema de saúde. Pesquisas sobre esta temática apresentam baixos níveis de evidência e grande variabilidade de valores.(9) A WHO estima que os erros de medicação custem anualmente R$ 137 bilhões (US$ 42 bilhões).(5) Um dos primeiros estudos que abordou esta temática, considerado referência metodológica para os estudos atuais, evidenciou que os EAM têm custo anual de R$ 10.992.800,00 (US$ 5,6 bilhões) e eventos evitáveis (erros de medicação com danos) podem chegar a custar R$ 5.496.400,00 (US$ 2,8 bilhões) para as instituições de saúde.(10)
Erros de medicação, além de proporcionarem altos custos, também podem ocasionar transtornos, como mudança no resultado terapêutico dos pacientes e aumento de sua morbimortalidade,(11,12) e problemas psicológicos aos profissionais envolvidos,(13) entre outros. Desta forma, torna-se imperativo que se invista em prevenção e conheça seu custo, favorecendo a tomada de decisão e a promoção da cultura de segurança ao paciente.
Calcular o custo e avaliar os resultados da implantação de tecnologias que podem prevenir o erro de medicação em um hospital de ensino de alta complexidade.
Estudo observacional, analítico, retrospectivo (entre 2007 e 2015). O contexto de investigação foi um hospital filantrópico de ensino, de porte especial (699 leitos), com média de 40.733 atendimentos ao ano, 86.749 atendimentos de emergência ao ano e 19.193 internações ao ano destinados aos pacientes do sistema público e privado de saúde.
A coleta de dados foi conduzida após sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (parecer 325.938), CAAE: 16212013300005415. O procedimento de coleta de dados ocorreu em quatro etapas.
Na primeira etapa, para o levantamento das tecnologias que foram implantadas na instituição, que constituiu o campo do estudo, no período entre 2007 a 2015, foi realizada uma reunião com enfermeiros da gerência de risco e do Centro Integrado de Educação Permanente em Saúde (CIEPS), que participaram do processo de implantação das tecnologias preventivas neste período.
Na etapa seguinte, foram desenhados fluxogramas dos subprocessos (prescrição, dispensação e administração de medicamentos) da cadeia medicamentosa, por meio de Procedimentos Operacionais Padrão (POP) da instituição e realizada observação indireta pela pesquisadora. Entre as atividades contidas no fluxograma, foram incluídas as tecnologias.
Na terceira etapa, foi realizada a validação dos fluxogramas e tecnologias por 26 profissionais que atuavam nas etapas da cadeia medicamentosa, como médicos, farmacêuticos, técnicos de farmácia, enfermeiros, e auxiliares e técnicos em Enfermagem. Estes foram selecionados aleatoriamente, no período de 2014 e 2015, nas áreas de clínica médica, cirúrgica, emergência, cuidados intensivos e pediatria. O processo de validação consistia em responder alguns dados de identificação, como formação, área e tempo de atuação, e atividade na instituição. Também era solicitado ao participante que estimasse o tempo dispensado para uma unidade de atividade desempenhada, que confirmasse se todas as atividades e tecnologias estavam presentes na ordem correta nos fluxogramas dos subprocessos da cadeia medicamentosa. E, por fim, relacionar o tipo de erro de medicação que cada tecnologia poderia prevenir. A validação teve 73% (n=19) de concordância, sendo 60% (n=3) para prescrição médica, 80% (n=8) para dispensação e 73% (n=8) para administração de medicação. As ideias discordantes foram analisadas, comparadas com a resposta de outros participantes e consideradas quando condizentes com a prática. Para a descrição dos resultados, as tecnologias preventivas foram agrupadas em tabelas conforme as etapas da cadeia medicamentosa. As etapas analisadas neste estudo foram a prescrição, a dispensação e a administração de medicação.(14,15) As tecnologias que dependem de equipamentos foram classificadas como dura; leve-dura englobou os saberes estruturados, as normas, os protocolos e os conhecimentos; e as tecnologias leves foram caracterizadas pelas relações interpessoais.(6) Após reconhecimento e validação das tecnologias, foram selecionadas aquelas que permitiam sua mensuração de utilização, sem rateios, para a prevenção do erro de medicação.
Na etapa final, para a mensuração dos custos, utilizou-se o método de custeio direto para calcular todos os custos e as despesas (fixos ou variáveis), usando-se como critério valores que pudessem ser diretamente apropriados aos que estavam sendo custeados.(16) Dessa forma, foi calculado o custo de recursos humanos, baseado na multiplicação do tempo estimado (pelos profissionais que validaram os fluxogramas) pela média de vezes que é realizada a atividade pelo salário base do profissional. Os recursos materiais foram calculados baseados no custo do equipamento e dos materiais necessários para sua aplicação, bem como a média da quantidade utilizada por paciente. As tecnologias que sofrem depreciação tiveram o cálculo realizado utilizando os parâmetros da tabela de depreciação “Processo de convergência da contabilidade pública municipal de 2010 da Confederação Nacional de Municípios” disponível no site https://www.cnm.org.br/contadores/img/pdf/parte_2_depreciacao.pdf.
Os dados relativos aos custos foram obtidos junto aos departamentos de gerência de Enfermagem, internação, contabilidade, superintendência financeira, almoxarifado e tecnologia da informação.
Foram calculados os custos unitários de cada tecnologia por paciente, bem como os custos realizados dentro de uma projeção anual. A moeda corrente utilizada foi o Real (Brasil). Quando houve necessidade de converter alguma moeda, foi utilizado o site do Banco Central do Brasil, disponível em http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp. Para a conversão, foi utilizado o ano de publicação do artigo que apresentou o valor, exceto para a pesquisa do ano de 1997, pois o site somente disponibiliza dados a partir do ano de 1999. Para o cálculo do custo estimado do erro de medicação, foi utilizado estudo que estimou o custo de eventos adversos evitáveis em uma instituição hospitalar de ensino com 700 leitos.(10) Foi escolhido este estudo devido ao contexto ser semelhante ao da presente pesquisa, apesar de este estudo ter sido realizado em 1997; a conversão foi realizada com base no ano do indicador e do custo da tecnologia preventiva, para uma melhor comparação.
Para a avaliação do resultado da implantação da tecnologia preventiva, foi utilizado o indicador de incidência de erro de medicação, que é uma equação proposta pelo Compromisso com a Qualidade Hospitalar (CQH), órgão do qual a instituição faz parte. O indicador é representado pela relação entre o número de erros relacionados à administração de medicamentos pelo número de pacientes/ano, no qual o valor deve ser multiplicado por cem.(17) A coleta do indicador é realizada manualmente e diariamente pelos enfermeiros clínicos, por meio de observação e notificação da equipe de enfermagem em planilha própria, encaminhada mensalmente à gerência de enfermagem.
Para a tabulação e a análise dos dados do estudo, foi utilizado o software Excel. Os resultados foram apresentados na forma de frequência e proporções.
Para evitar o erro de medicação na instituição campo de estudo, profissionais atuantes na cadeia medicamentosa identificaram 13 tecnologias preventivas. As tecnologias foram: treinamentos para os profissionais de enfermagem e programa de integração da enfermagem ao recém-admitido; utilização da bomba de infusão; dupla checagem para Medicamentos Potencialmente Perigosos (MPP); identificação das vias de administração (adesivo com diferentes cores); identificação do leito do paciente (placa); identificação do paciente (pulseira); dispensação de medicamentos (palmtop) e leitor de código de barras; utilização de embalagem unitarizada; kits organizadores de medicamentos no centro cirúrgico; identificação de MPP (etiqueta colorida); identificação de MPP (saco plástico colorido); e prescrição médica (eletrônica).
Essas tecnologias preventivas estão distribuídas em cada etapa da cadeia medicamentosa (Tabela 1) da seguinte forma: seis (46,2%) previnem somente na etapa da administração de medicamentos; uma (7,7%) previne durante a prescrição e administração, cinco (38,4%) durante a dispensação e administração; e, por fim, somente uma (7,7%) previne todas as etapas da cadeia medicamentosa (prescrição, dispensação e administração). Na classificação do tipo de tecnologia, encontraram-se duas (15,4%) leves, uma (7,7%) leve-dura e dez (76,9%) do tipo dura.
Tabela 1 Custo por paciente das tecnologias preventivas para o erro de medicação, segundo as etapas da cadeia medicamentosa
Cadeia medicamentosa | Implantação | Classificação | Tecnologia | Custo de mão de obra | Custo de material/equipamento | Custo total | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2014 | 2015 | 2014 | 2015 | 2014 | 2015 | ||||
Administração | 2011 | Leve | Treinamentos | 0,37 | 0,40 | 0,00 | 0,00 | 0,37 | 0,40 |
Administração | 2011 | Leve | Integração | 0,68 | 0,73 | 0,00 | 0,00 | 0,68 | 0,73 |
Administração | – | Dura | Bomba de infusão | 1,08 | 1,31 | 12,23 | 15,23 | 13,31 | 16,54 |
Administração | 2014 | Leve-dura | Dupla checagem | 1,33 | 1,43 | 0,00 | 0,00 | 1,33 | 1,43 |
Administração | 2012 | Dura | Identificação de vias | 0,96 | 1,04 | 0,00 | 0,00 | 0,96 | 1,04 |
Administração | 2013 | Dura | Placa de identificação | 2,52 | 3,98 | 0,20 | 0,28 | 2,72 | 4,26 |
Prescrição e administração | 2011 | Dura | Pulseira de identificação | 0,51 | 0,56 | 0,78 | 0,86 | 1,29 | 1,42 |
Dispensação e administração | 2010 | Dura | Dispensação eletrônica | 1,95 | 2,13 | 3,63 | 3,52 | 5,58 | 5,65 |
Dispensação e administração | 2013 | Dura | Embalagem unitarizada | 0,49 | 0,50 | 1,83 | 2,09 | 2,32 | 2,59 |
Dispensação e administração | 2013 | Dura | Kits organizadores | 7,45 | 7,43 | 0,53 | 0,46 | 7,98 | 7,89 |
Dispensação e administração | 2012 | Dura | Etiqueta para MPP | 0,01 | 0,01 | 0,05 | 0,05 | 0,06 | 0,06 |
Dispensação e administração | 2014 | Dura | Saco para MPP | 0,04 | 0,04 | 0,07 | 0,07 | 0,11 | 0,11 |
Prescrição, dispensação e administração | 2010 | Dura | Prescrição eletrônica | 12,88 | 13,95 | 2,97 | 2,81 | 15,85 | 16,76 |
Total | 30,27 | 33,51 | 22,29 | 25,37 | 52,56 | 58,88 |
MPP: medicação potencialmente perigosa.
O custo com mão de obra das tecnologias por paciente foi de R$ 30,27 em 2014, e R$ 33,55 em 2015, com custo médio de R$ 31,91, variando de R$ 0,01 a R$ 13,95. Para a etapa da administração, foram investidos R$ 7,92 em média por paciente/ano, para prescrição e administração R$ 0,54; dispensação e administração R$ 10,03; e para prescrição, dispensação e administração R$ 13,41. Quanto ao custo com mão de obra relacionado à classificação das tecnologias, obteve-se custo médio de R$ 1,10 (3,4%) com as tecnologias leves; as leve-duras custaram em média R$ 1,38 (4,3%) e as duras, R$ 29,42 (92,3%). Proporcionalmente, o custo de mão de obra das tecnologias duras foi de 88%, ou seja, mais custoso do que as tecnologias leve-duras e 89% mais custoso do que das leves.
O custo com recursos materiais/equipamentos das tecnologias por paciente foi de R$ 22,29, em 2014, e de R$ 25,37, em 2015, com custo médio de R$ 23,83, variando de R$ 0,00 a R$ 15,23. Para a etapa da administração, foram investidos, em média, R$ 13,97 (58,6%) por paciente ao ano; para prescrição e administração, R$ 0,82 (3,4%); dispensação e administração, R$ 6,16 (25,8%); e para prescrição, dispensação e administração R$ 2,89 (12,1%). Quanto ao custo com recursos materiais/equipamentos relacionados à classificação das tecnologias, obteve-se custo médio de R$ 0,00 (0%) com as tecnologias leves, e R$ 23,84 (100%) com as duras. Proporcionalmente, pode-se afirmar que as tecnologias duras foram 100% mais caras em relação aos recursos materiais/ equipamentos do que as tecnologias leves e as leve-duras.
O custo total (custo de mão de obra + custo material/equipamentos) das tecnologias por paciente foi de R$ 52,56, em 2014, e R$ 58,88, em 2015, com custo médio de R$ 55,72 por paciente ao ano. O custo médio das tecnologias preventivas na administração foi de R$ 21,89 (39,3%) por paciente; para prescrição e administração foi R$ 1,36 (2,4%); para dispensação e administração, R$ 16,18 (29,0%); e, por fim, para prescrição, dispensação e administração, R$ 16,31 (29,3%).
Em relação ao tipo de tecnologia, foi investido R$ 1,10 (1,9%) nas tecnologias leves; R$ 1,38 (2,5%) nas leve-duras; e foram investidos R$ 53,25 (95,6%) nas duras. Proporcionalmente, as tecnologias duras foram 91,2% mais caras do que as leves e leve-duras.
Foi calculado o custo médio por paciente em tecnologias para a prevenção do erro de medicação, conforme as etapas da cadeia medicamentosa (Tabela 2). Para a etapa da prescrição (eletrônica), foram investidos R$ 17,67 (31,7%); da dispensação (sistema individualizado), R$ 16,19 (29,0%); e da administração R$ 21,89 (39,3%), totalizando R$ 55,75. No período de estudo, a média de pacientes atendidos ao ano foi de 184.027. Desta forma, a projeção anual do investimento foi de R$ 10.259.505,10.
Tabela 2 Custo médio por paciente e projeção anual das tecnologias preventivas para o erro de medicação, segundo as etapas da cadeia medicamentosa
Etapa da cadeia medicamentosa | Custo de mão de obra | Custo de material | Custo total | Projeção anual | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
R$ | % | R$ | % | R$ | % | R$ | % | |
Prescrição | 13,96 | 43,7 | 3,71 | 15,6 | 17,67 | 31,7 | 3.251.757,00 | 31,7 |
Dispensação | 10,03 | 31,5 | 6,16 | 25,8 | 16,19 | 29,0 | 2.979.397,10 | 29,0 |
Administração | 7,92 | 24,8 | 13,97 | 58,6 | 21,89 | 39,3 | 4.028.351,00 | 39,3 |
Total | 31,91 | 100,0 | 23,84 | 100,0 | 55,75 | 100,0 | 10.259.505,10 | 100,0 |
Quanto ao ano de implantação das tecnologias, houve implantação entre os anos de 2010 a 2014, sendo que duas (15,4%) foram em 2010, três (23,1%) em 2011, duas (15,4%) em 2012, três (23,1%) em 2013, duas (15,4%) em 2014 e uma (7,6%) não foi possível identificar o ano de implantação.
Ao relacionar o investimento em tecnologias por ano (Tabela 3), observa-se maior investimento no ano de 2010 (R$ 4.035.712,10; 39,5%), relacionado à implantação do Sistema de Informação Hospitalar (SIH). O ano de menor investimento foi 2012 (R$ 185.867,27; 2,7%), relacionado à implantação da identificação de vias e identificação de MPP por etiqueta colorida. A projeção do investimento acumulado médio total foi R$ 10.224.540,07/ano.
Tabela 3 Indicador de incidência de erro de medicação, custo por paciente e projeção anual dos custos de tecnologias preventivas para o erro de medicação
Ano | Indicador % | Custo por paciente (R$) | Projeção anual (R$) | Custo erro/evitável/ano (R$) |
---|---|---|---|---|
2007 | 2,4 | 14,93 | 2.747.523,10 | 5.984.160,00(10) |
2008 | 2,3 | – | – | 4.957.400,00(10) |
2009 | 2,1 | – | – | 6.541.360,00(10) |
2010 | 1,5 | 21,93 | 4.035.712,10 | 4.873.120,00(10) |
2011 | 0,9 | 2,31 | 425.102,37 | 4.663.120,00(10) |
2012 | 0,5 | 1,01 | 185.867,27 | 5.250.280,00(10) |
2013 | 0,29 | 13,89 | 2.556.135,00 | 5.720.120,00(10) |
2014 | 0,08 | 1,49 | 274.200,23 | 6.557.600,00(10) |
2015 | 0,06 | – | – | 7.435.680,00(10) |
Total | 1,1 | 55,56 | 10.224.540,07 | 47.319.720,00 |
Fonte: Bates DW, Spell N, Cullen DJ, Burdick E, Laird N, Petersen LA, et al. The costs of adverse drugs events in hospitalized patients. Adverse Drug Events Prevention Study Group. JAMA. 1997;277(4):307-11.(10)
No período de 2007 a 2015, o indicador de incidência de erro de medicação foi de 1,1%, sendo que, em 2007, era 2,4% e em 2015, 0,06%. De 2007 a 2010 ano da implantação das primeiras tecnologias preventivas, houve queda de 37,5% do indicador de 2010 a 2015, e 100% das tecnologias já tinham sido implantadas quando houve queda de 96% no indicador. No período de 2007 a 2015, o indicador apresentou queda de 97,5%.
O erro de medicação é uma preocupação global, pois a possibilidade de danos ao paciente gera preocupações aos órgãos relacionados à saúde. Em 2017, foi lançado o terceiro desafio global de segurança do paciente da WHO voltado à medicação sem danos. Este desafio prevê redução de 50% da taxa de danos graves e evitáveis relacionados a medicamentos nos próximos 5 anos.(5) Este desafio coloca como foco a melhoria dos sistemas e práticas de medicação; dessa forma, torna-se de suma importância conhecer as tecnologias que auxiliaram na prevenção de erros de medicação e seus custos.
Atualmente, a tecnologia é um insumo imprescindível, tanto em quantidade como em qualidade no processo de trabalho em saúde, repercutindo na qualidade do cuidado ofertado ao paciente.
Nos achados desse estudo, chama atenção a maior utilização da tecnologia dura (76,9%) na cadeia medicamentosa. Estudo sobre a importância do uso da tecnologia para segurança do paciente(18) analisou quatro delas para redução e prevenção de erros de medicação em hospitais. Dentre essas tecnologias, três são classificadas como dura e foram implantadas pela instituição verificada no presente estudo, a saber: prescrição médica eletrônica, códigos de barra e bombas de infusão. A outra tecnologia, de característica leve-dura, não foi implantada (sistema de dispensação de medicamentos por dose unitária), sendo este sistema considerado mais apropriado na prevenção e na redução do erro de medicação. Na instituição desse estudo, o sistema vigente de dispensação é o individualizado, ou seja, um sistema intermediário entre o coletivo e aquele por dose unitária. Percebe-se que a incorporação da tecnologia dura demanda altos investimentos por parte da instituição, não refletindo a realidade da maioria dos hospitais brasileiros, nos quais a limitação dos recursos é visível e os custos ocupam papel importante na alocação desses recursos.
Atualmente, há um glamour em relação à prescrição eletrônica, uma tecnologia dura incorporada desde 2010 pelo hospital deste estudo. Esta inovação corrobora investigação realizada em hospital de grande porte, também dotado de sistemas computadorizados de prescrição, que demonstrou que esta foi um grande avanço para as estratégias para minimizar erros de medicação.(19) No entanto, é necessário certo envolvimento dos profissionais, para que o uso da tecnologia como barreira seja efetivo.
Em relação à tecnologia leve-dura, que envolve método assistencial,(6) houve identificação de uma delas − a dupla checagem, que acontece no momento de administração do medicamento, em razão do grau de risco e/ou da complexidade da ação. Pesquisa bibliográfica exploratória aponta a dupla checagem como método adotado por algumas instituições durante a dispensação e a administração de medicamentos, principalmente os MPP, no qual dois profissionais checam os dados antes que a medicação seja administrada ao paciente, reduzindo as chances de erro.(20)
Identificaram-se, neste estudo, duas tecnologias leves, ou seja, o trabalho vivo(6) e estão relacionadas à educação continuada e processo de integração da equipe de enfermagem. As ações educativas em saúde propiciam a construção de novos conhecimentos, conduzindo a uma prática consistente de comportamento preventivo(21) e humanizado. Estudo aponta melhoria da assistência após medida educativa com profissionais.(22) Por outro lado, dificuldades nas relações humanas têm sido apontadas(23) como desvantagens na utilização de tecnologias duras, tornando-as frias, objetivas e individualistas, e afastando as interações entre o profissional e o paciente, inerentes ao ato de cuidar. Assim, há certo status na tecnologia dura relacionado à inovação tecnológica em detrimento da leve, que exerce forte influência na prática profissional em saúde, onde a percepção das necessidades cuidativas do paciente, integrada ao uso de diferentes tipos de tecnologias, constitui-se em garantir a segurança do paciente.
Comparando a projeção do custo em tecnologias para a prevenção do erro de medicação com a projeção do custo do erro de medicação, observa-se que o valor do desperdício (custo do evento adverso prevenível) é superior R$ 47.319.720,00 ao do investimento (custo das tecnologias preventivas) R$ 10.224.540,07. Assim, a prevenção mostra-se menos custosa que o erro de medição, além de os benefícios da prevenção irem além dos custos, pois o erro de medicação envolve, inclusive, o aumento da morbimortalidade da população.(24)
As tecnologias mostraram-se eficazes, uma vez que houve queda de 97,5% do indicador de incidência de erro de medicação. Porém, estudo realizado em hospital de ensino com o objetivo de caracterizar o erro de medicação, e conhecer causas e ações realizadas, após sua ocorrência, aponta a subnotificação desse indicador como um problema. Esta é uma realidade, pois ainda estamos inseridos em uma cultura punitiva, que relaciona o erro às falhas humanas, e não aos processos.(25) Desta forma, há necessidade de maior incentivo em se notificar.
Este estudo apresenta limitações, no que diz respeito aos custos, pois foram coletados apenas custos diretos e de tecnologias capazes de realizarem o cálculo sem rateio, podendo, dessa forma, outros custos não terem sido considerados no cálculo total. Para o custo de mão de obra, foi solicitado aos profissionais envolvidos na ação que estimassem o tempo da atividade, ao invés do pesquisador cronometrá-lo. Outra limitação é a utilização apenas do indicador para verificar a eficácia da tecnologia, uma vez que houve subnotificação, podendo não refletir a realidade.
Existem avanços nesta pesquisa em relação à visualização de um panorama econômico em relação à questão da prevenção do erro de medicação, uma vez que muito é relatado o alto custo da prevenção, porém ele não é mensurado. Outro avanço é a comparação entre o custo do evento adverso prevenível e da implementação das tecnologias preventivas para esse evento, demonstrando a diferença de valores entre o desperdício e o investimento.
Este estudo ressalta a importância do conhecimento dos custos para se investir em recursos tecnológicos que podem prevenir o erro de medicação. Foi estimado o investimento em tecnologias que podem prevenir o erro de medicação por paciente, e feita a projeção anual desse investimento para a instituição. As tecnologias mostraram-se eficazes uma vez que houve uma importante queda do indicador de qualidade de incidência de erro de medicação.