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Implantação do serviço do farmacêutico clínico vertical na profilaxia do tromboembolismo venoso em pacientes clínicos hospitalizados

Implantação do serviço do farmacêutico clínico vertical na profilaxia do tromboembolismo venoso em pacientes clínicos hospitalizados

Autores:

Celina Setsuko Haga,
Cassio Massashi Mancio,
Micheline da Costa Pioner,
Fabricia Aparecida de Lima Alves,
Andreia Ramos Lira,
João Severino da Silva,
Fábio Teixeira Ferracini,
Wladimir Mendes Borges Filho,
João Carlos de Campos Guerra,
Claudia Regina Laselva

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.12 no.1 São Paulo jan./mar. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014AO2526

INTRODUÇÃO

O tromboembolismo venoso (TEV) designa duas situações clínicas: a trombose venosa profunda (TVP) e a tromboembolismo pulmonar (TEP). O TEV atinge principalmente os pacientes hospitalizados. A incidência do TEV é cerca de cem vezes maior em pacientes hospitalizados, quando comparados aos não hospitalizados.(1)

Aproximadamente 200 mil mortes ocorrem por ano nos Estados Unidos devido ao TEP.(2) O TEP é considerado uma causa de morte que pode ser evitada.(3)

O risco de TVP em pacientes clínicos é de 10 a 20% e, em pacientes graves, o risco é de 10 a 80%.(4)

O TEV, em pacientes hospitalizados, pode ser evitado por meio da utilização de medidas farmacológicas e/ou mecânicas.(3) Essas medidas são consideradas custo-efetivo.(5,6)

A prevenção é recomendada pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina no Projeto Diretrizes (Tromboembolismo Venoso: Profilaxia em Pacientes Clínicos) e também por agências e instituições internacionais como, por exemplo, American College of Chest Physicians, Joint Commission on Accreditation of Health Care Organizations e The National Quality Forum.(7-10)

De acordo com a Diretriz Brasileira, pacientes clínicos hospitalizados apresentam um maior risco de desenvolverem o TEV devido a vários fatores.(7)

Várias estratégias podem ser utilizadas para aumentar o uso das medidas profiláticas em pacientes hospitalizados e, consequentemente, diminuir o risco de desenvolvimento do TEV. Os profissionais envolvidos são médicos, enfermeiros e farmacêuticos. O uso de alertas eletrônicos desenvolvidos por médicos demonstrou redução de 41% no risco de TEV.(11) A participação do enfermeiro por meio de um programa educacional demonstrou um aumento de 16% no número de pacientes com profilaxia adequada.(12) Já a participação do farmacêutico em um programa educacional demonstrou aumento de 43 para 58% na utilização da profilaxia para TEV.(13) Outro estudo mostrou que o uso de lembretes feitos por um farmacêutico aumentou o uso da profilaxia de 19,5 para 60%.(14)

Em nosso hospital, o principal foco de atuação do farmacêutico clínico é o uso correto dos medicamentos. O farmacêutico clínico avalia as prescrições médicas quanto a reações adversas, compatibilidade de drogas injetáveis, doses supra ou subterapêuticas, alergia, interações medicamentosas, legibilidade, diluição, via de administração, frequência, administração de medicamentos via sonda (quanto ao risco de obstrução e absorção inadequada), aprazamento, ajustes de acordo com a função renal e reconciliação medicamentosa, além de providenciar medicamentos não disponíveis no hospital e participar de visitas multiprofissionais.(15)

O farmacêutico clínico é um profissional que pode contribuir para a prevenção do TEV, pois faz parte de uma equipe multiprofissional empenhada em oferecer o melhor atendimento ao paciente internado.

OBJETIVO

Descrever as intervenções do serviço do farmacêutico clínico vertical na prevenção do tromboembolismo venoso.

MÉTODOS

Estudo prospectivo realizado no Hospital Israelita Albert Einstein, hospital privado de nível terciário com cerca de 600 leitos. Foram considerados apenas pacientes clínicos adultos internados no período de janeiro a maio de 2012.

No hospital, há um farmacêutico clínico em cada andar de internação. Esse farmacêutico é responsável por 44 leitos em média, exceto no centro de terapia intensiva adulto que, desde março de 2012, a proporção é de 1 farmacêutico para cada 20 leitos.

A partir de janeiro de 2012, teve início uma nova concepção para o trabalho do farmacêutico clínico chamado de farmacêutico clínico vertical, ou seja, um farmacêutico exclusivo para prevenção do TEV no hospital e com o objetivo de trabalhar em conjunto com os farmacêuticos clínicos das unidades de internação.

A análise dos pacientes foi feita diariamente, tanto pelo farmacêutico clínico vertical quanto pelo farmacêutico clínico das unidades de internação.

Os pacientes clínicos sem anticoagulantes foram avaliados por meio de um algoritmo, de acordo com a Diretriz Brasileira de Prevenção de Tromboembolismo Venoso em Pacientes Clínicos.(7) Quando um paciente sem profilaxia era identificado e apresentava risco para desenvolvimento do TEV, o farmacêutico clínico fazia o contato com a equipe médica e sugeria a profilaxia, caso aceito, era incluso em prescrição e feito o registro no prontuário do paciente.

A análise do farmacêutico clínico além da indicação da profilaxia, também resultou em outras intervenções: adequação de dose, posologia, via de administração, duplicidade terapêutica e discussão da melhor opção terapêutica, dependendo do paciente avaliado.

Todas as intervenções feitas pelos farmacêuticos clínicos foram compiladas mensalmente, incluindo os casos de não adesão pelo médico.

O trabalho foi isento de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa por tratar-se somente de uma análise de dados extraídos de indicadores institucionais.

RESULTADOS

Nos 5 meses que durou a avaliação, foram feitas 77 intervenções farmacêuticas. Houve adesão em 71 casos (92,21% – Tabela 1), logo, a não adesão pelo médico ocorreu em 6 casos (7,79% – Tabela 2). O farmacêutico clínico das unidades de internação e o farmacêutico clínico vertical avaliaram cerca de 90 pacientes por dia. Foram avaliados 9.000 pacientes nos 5 meses de avaliação.

Tabela 1 . Intervenções mensais feitas pelo farmacêutico clínico e que foram aceitas pela equipe médica 

Tipo de intervenção Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Total
Inclusão de profilaxia medicamentosa 6 2 6 4 7 25
Inclusão de profilaxia mecânica 4 5 4 7 0 20
Ajuste da dose 2 2 6 5 1 16
Ajuste da posologia 1 0 0 0 1 2
Ajuste da via de administração 0 1 1 0 0 2
Alteração do medicamento profilático 0 0 2 0 1 3
Suspensão de uma das profilaxias medicamentosas prescritas, para evitar duplicidade 0 0 0 2 1 3

Total 13 10 19 18 11 71

Tabela 2 . Intervenções mensais sugeridas pelo farmacêutico clínico e que não foram aceitas pela equipe médica 

Não adesão médica Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Total
Não aceitou profilaxia medicamentosa 1 0 0 1 1 3
Não aceitou profilaxia mecânica 1 0 0 1 0 2
Não aceitou ajuste de dose 0 0 1 0 0 1

Total 2 0 1 2 1 6

A inclusão da profilaxia medicamentosa ocorreu em 25 casos e da profilaxia mecânica em 20 casos, A utilização de profilaxia mecânica foi recomendada em situações em que o paciente apresentasse condições clínicas que não permitissem o uso da profilaxia medicamentosa, como, por exemplo, plaquetopenia e sangramento ativo.

Houve ajuste da dose prescrita em 16 casos. Os ajustes ocorreram principalmente em pacientes idosos com alteração da função renal. Devido ao risco de sangramento, as doses foram diminuídas.

Outras intervenções foram a alteração de posologia de enoxaparina a cada 12 horas para um vez ao dia (dois casos), alteração da via de administração de endovenosa para subcutânea (dois casos), substituição do medicamento profilático devido aos riscos de sangramento em pacientes com função renal alterada (três casos) e duplicidade terapêutica (três casos).

DISCUSSÃO

Muitos pacientes internados têm risco para TEV, mas não são devidamente avaliados e nem recebem a profilaxia recomendada. Dados da literatura mostram essa deficiência.(16,17) Nosso estudo confirma a deficiência nas avaliações, posto que o farmacêutico incluiu a profilaxia em 45 casos.

Não temos estudos nacionais sobre a participação do farmacêutico na profilaxia do TEV, mas algumas experiências internacionais demonstraram bons resultados em relação ao aumento do número de pacientes com profilaxia por meio da intervenção feita pelo farmacêutico clínico, seja pela participação em visitas multiprofissionais ou pela busca ativa.(14,18)

Para a profilaxia medicamentosa, são indicados medicamentos anticoagulantes injetáveis, como heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular, fondaparinux, e medicamentos via oral, como inibidores de trombina e do fator Xa. Pacientes que têm contraindicação para uso dos anticoagulantes têm recomendação para profilaxia mecânica (meias de compressão gradual ou uso de compressão pneumática intermitente).(3,6) Encontramos contraindicação para profilaxia medicamentosa em 22 casos; para estes pacientes foi sugerida a profilaxia mecânica.

Nossos dados demonstram que o farmacêutico contribui para melhorar o uso da profilaxia, ao identificar e sugerir inclusões dela, além de promover o uso correto dos medicamentos. As sugestões feitas foram aceitas em 92,21%, adesão semelhante à das intervenções de farmacêuticos hospitalares (15).

As limitações encontradas foram duas; a primeira é que não temos dados de quantos pacientes desenvolvem o TEV durante o período de internação, não sendo possível demonstrar o impacto da atuação do farmacêutico em relação ao número de pacientes com TEV. A segunda limitação foi a dificuldade em avaliar os pacientes de maneira precisa em relação à profilaxia, uma vez que o TEV é multifatorial.

Foram encontrados pacientes de alto risco para TEV sem profilaxia, mas que a equipe médica deixava claro em prontuário que não queria fazer a profilaxia. Nestes casos, o farmacêutico não atuava.

CONCLUSÃO

É importante que os hospitais desenvolvam estratégias para diminuir as chances do paciente internado desenvolverem tromboembolismo venoso. As consequências podem ser fatais, além de aumentarem o número de dias de internação e os custos diretos e indiretos envolvidos.

A implantação do serviço do farmacêutico clínico vertical abrangeu a inclusão da profilaxia para tromboembolismo venoso e a promoção do uso correto de medicamentos no ambiente hospitalar.

As intervenções feitas pela atuação do farmacêutico clínico foram: inclusão de profilaxia medicamentosa, inclusão de profilaxia mecânica, ajuste de dose, ajuste de posologia, ajuste de via de administração, substituição do medicamento profilático e suspensão de profilaxia para evitar duplicidade terapêutica.

REFERÊNCIAS

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2. Horlander KT, Mannino DM, Leeper KV. Pulmonary embolism mortality in the United States, 1979-1998: an analysis using multiple-cause mortality data. Arch Intern Med. 2003;163(14):1711-7.
3. Kahn SR, Lim W, Dunn AS, Cushman M, Dentali F, Akl EA, Cook DJ, Balekian AA, Klein RC, Le H, Schulman S, Murad MH; American College of Chest Physicians. Prevention of VTE in nonsurgical patients: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012;141(2 Suppl):195S-226S.
4. Geerts WH, Pineo GF, Heit JA, Bergqvist D, Lassen MR, Colwell CW, et al. Prevention of venous thromboembolism: the Seventh ACCP Conference on Antithrombotic and Thrombolytic Therapy. Chest. 2004;126(3 Suppl):338S-400S.
5. Sud S, Mittmann N, Cook DJ, Geerts W, Chan B, Dodek P, Gould MK, Guyatt G, Arabi Y, Fowler RA; Canadian Critical Care Trials Group; E-PROTECT Investigators. Screening and prevention of venous thromboembolism in critically ill patients: a decision analysis and economic evaluation. Am J Respir Crit Care Med. 2011;184(11):1289-98.
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7. Projeto Diretrizes. Tromboembolismo venoso: profilaxia em pacientes clínicos [Internet]. 2005 [cited 2012 mai 01]. Avaiable from:
8. Qaseem A, Chou R, Humphrey LL, Starkey M, Shekelle P; Clinical Guidelines Committee of the American College of Physicians. Venous thromboembolism prophylaxis in hospitalized patients: a clinical practice guideline from the American College of Physicians. Ann Intern Med. 2011;155(9):625-32.
9. U.S. Department of Health and Human Services and Joint Commission on Accreditation of Health Care Organizations [Internet]. 2011 [cited 2012 jun 10]. Available from
10. National Quality Forum. National Voluntary Consensus Standards for Prevention and Care of Venous Thromboembolism: Policy, Preferred Practices and Performance Measures [Internet]. 2008 [cited 2012 jun 10]. Available from:
11. Kucher N, Koo S, Quiroz R, Cooper JM, Paterno MD, Soukonnikov B, et al. Electronic alerts to prevent venous thromboembolism among hospitalized patients. N Engl J Med. 2005;352(10):969-77.
12. Gibbs H, Fletcher J, Blombery P, Collins R, Wheatley D. Venous thromboembolism prophylaxis guideline implementation is improved by nurse directed feedback and audit. Thromb J. 2011;9(1):7.
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