versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.2 São Paulo mar./abr. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.04.004
A neurofibromatose tipo 2 (NF2) é uma doença rara, caracterizada por uma mutação no braço longo do cromossomo 22 que leva ao aparecimento de schwannomas vestibulares (VS) bilaterais em aproximadamente 90% dos portadores da síndrome.1-4
O controle do crescimento tumoral e a preservação da audição são os pilares de seu tratamento, que pode ser realizado através de cirurgia ou radioterapia, considerando o tamanho da lesão e a presença de audição funcional.
As possibilidades de reabilitação auditiva variam desde a adaptação de próteses auditivas convencionais (AASI) até o implante auditivo de tronco cerebral (ITC). No último caso, os resultados auditivos são limitados, permitindo apenas a detecção do som e o suporte para leitura orofacial. Assim, diversos autores consideram a microcirurgia com preservação do nervo coclear e implante coclear como a melhor opção terapêutica.3-6
G.M.C., 50 anos, masculino, perda auditiva bilateral progressiva por dois anos, vertigem, zumbido bilateral e cefaleia recentes. Ao exame físico apresentava otoscopia normal, ausência de nistagmo, Romberg sensibilizado, com desvio para direita e demais pares cranianos sem alterações.
Audiometria com perda neurossensorial bilateral (43 dB para a orelha direita e superior a 80 dB para a orelha esquerda) e potencial evocado auditivo de tronco encefálico ausente na orelha esquerda. Ressonância nuclear magnética (RNM) evidenciou lesões sólidas de contornos irregulares ocupando o interior de ambos os condutos auditivos internos (fig. 1).
Figura 1 RNM ponderada em T2 corte axial antes da radioterapia, mostrando lesão expansiva de 1,0 × 0,7 × 0,7 cm ocupando o conduto auditivo interno direito, T1 segundo a classi ficação de Hannover e outra lesão da mesma natureza medindo 2,0 × 1,2 × 0,7 cm à esquerda, isto é, T3 a, segundo Hannover.
Na ocasião, foi sugerida cirurgia para exérese tumoral esquerda, contudo, diante da recusa do paciente, optou-se por radioterapia estereotáxica fracionada bilateral e adaptação de AASI.
Um ano após a radioterapia, a despeito do controle tumoral, o paciente evoluiu com deterioração auditiva apresentando anacusia esquerda e perda auditiva neurossensorial severa na orelha direita (limiar de 80 dB), com discriminação de 30% das sentenças em contexto aberto em uso de AASI bilateral. Indicado, portanto, implante coclear na orelha direita, por apresentar tumor de menor dimensão e audição residual. Doze meses após a implantação, o paciente discrimina 100% dos sons do Ling, monossílabos, vogais e sentenças em contexto aberto.
O primeiro implante coclear após remoção cirúrgica de VS foi relatado em 1992. Uma década mais tarde encontramos relato de 37 pacientes submetidos à ressecção completa de VS combinada a implante coclear, sendo a discriminação em contexto aberto possível em 68% dos casos.5
Em 2013, estudo belga demonstrou preservação auditiva com uso de radiocirurgia no tratamento da NF2, numa série de 12 pacientes, na qual 78% apresentaram audição funcional (discriminação superior a 70%) até dois anos após a radiação. No entanto, é importante ressaltar que a deterioração auditiva pode acontecer mesmo após vários anos, devido à degeneração da estria vascular secundária à radiação.6
Trotter et al., em 2010, publicaram os resultados de implante coclear em dois pacientes portadores de NF2 submetidos à radioterapia prévia na orelha implantada, um deles alcançando 96% de discriminação de sentenças e o outro, 72%. Ao passo que uma revisão sistemática em 2012 mostrou que, de oito pacientes com NF2 e surdez submetidos a radiocirurgia, seis alcançaram a discriminação de sentenças em contexto aberto com implante coclear.4,6
No caso relatado, o paciente portador de NF2 submetido a radioterapia estereotáxica fracionada e implante coclear após controle tumoral evoluiu com bom resultado um ano após a implantação, sendo capaz de compreender bem o que é falado na conversação espontânea, o que denota uma boa compreensão da fala e de seus traços suprassegmentares, como ritmo e entonação.
O implante coclear em paciente com NF2 submetido a radioterapia ainda é uma estratégia de reabilitação auditiva pouco relatada, mas que tem se mostrado efetiva, como no caso apresentado.