versão impressa ISSN 1677-5449
J. vasc. bras. vol.12 no.3 Porto Alegre junio/set. 2013
http://dx.doi.org/10.1590/jvb.2013.037
O tromboembolismo venoso (TEV) é importante causa de morbimortalidade no mundo1. A Embolia Pulmonar (EP) é a sua complicação mais letal, sendo responsável por 240 mil mortes por ano nos EUA2. Na maioria dos pacientes, a EP tem como fonte os trombos provenientes das veias profundas dos membros inferiores3 , 4. A EP também pode ser complicação proveniente da Trombose Venosa Profunda (TVP) dos membros superiores (MMSS) em 12 a 16% dos casos5 , 6, com óbitos esporádicos relacionados7. A anticoagulação é o tratamento de escolha para TEV8, sendo este um tratamento eficaz e associado com baixos riscos de sangramentos maiores. Porém, existem situações em que este risco se acentua demasiadamente, como nos pacientes portadores de trombocitopenia, hemorragias do trato gastrointestinal, afecções do sistema nervoso central, como Acidente Vascular Encefálico (AVE), dentre outros. Além disso, há situações nas quais o tratamento anticoagulante apresenta falhas e ocorre progressão da TVP para veias proximais ou EP na vigência de níveis adequados de anticoagulação9. Nestes casos, é recomendado o implante de Filtro de Veia Cava inferior (FVCi)10 - 14.
O implante de FVCi é indicado em cerca de 8% dos pacientes com TVP de membros inferiores , sendo reconhecidamente seguro e eficaz 11 , 14 , 15. Apesar disso, é descrita taxa de 5% de complicações relacionadas ao implante deste dispositivo, como fraturas, migrações, trombose ou perfuração da veia cava11 , 14 , 16, e 5,6% de falha na prevenção de EP clinicamente significante14.
A TVP MMSS representa 10% do total dos diagnósticos de TVP17 , 18. Sua prevalência vem crescendo devido à maior utilização de cateteres venosos de longa permanência no sistema venoso profundo dos MMSS19.
O implante de Filtro de Veia Cava superior (FVCs), embora controverso, é apontado como um método terapêutico alternativo nos casos em que não se pode realizar a anticoagulação ou fibrinólise20 - 22. A técnica de implantação é dificultada pelo fato de a Veia Cava Superior (VCS) ser mais curta do que a inferior, necessitando de maior precisão para correta implantação. Apesar de incomuns, são descritas complicações relacionadas ao implante de FVCs, como a migração do dispositivo para o átrio, a perfuração da VCS ou a fixação inadequada e seletiva para a veia inominada23. A utilização simultânea de FVCs e FVCi é ainda mais controversa, seguindo as indicações comumente apresentadas isoladamente para TVP de MMSS e MMII, com poucos estudos clínicos descrevendo essa técnica24.
Paciente do sexo masculino, com 60 anos de idade, tabagista (180 anos-maço), portador de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e ex-etilista, procurou assistência médica pela primeira vez no Pronto Socorro (PS) de nosso Hospital com queixa de tosse seca, dispneia e perda ponderal de 8 kg havia 30 dias. Referia também dor e edema em membro inferior esquerdo (MIE) espontâneos, iniciados sete dias antes. Ao exame físico, observou-se taquicardia (160 bpm), dispneia e pressão de 90×60 mmHg, além de edema assimétrico em MIE. O Eletrocardiograma (ECG) revelou flutter atrial, revertido neste atendimento com diltiazem, com melhora clínica da taquidispneia. Ultrassom duplex (USD) evidenciou TVP oclusiva de veias poplítea e fibulares em MIE, e ausência de TVP em membro inferior direito (MID). Foi iniciada anticoagulação plena como tratamento padrão da TVP do MIE, utilizando enoxaparina (1mg/kg de 12 em 12 horas) associada à varfarina, recebendo alta após obtenção de nível de anticoagulação (RNI entre 2 e 3), sem apresentar novas intercorrências.
Após 15 dias da alta hospitalar, ele retornou ao PS com dispneia súbita aos mínimos esforços, iniciada havia 6 dias. Ao exame físico, apresentava taquicardia (160 bpm), dispneia, pletora facial, estase jugular de 3+/4+ à esquerda, tórax com circulação venosa colateral à esquerda, hepatomegalia, edema assimétrico no membro superior esquerdo, perfusão da mão esquerda lentificada e mantendo edema assimétrico do MIE. Apresentava nível de anticoagulação adequado. Foram estabelecidas como novas hipóteses diagnósticas TVP de MSE e EP, sendo novamente internado para investigação diagnóstica e tratamentos.
O USD venoso mostrou TVP oclusiva de veias braquiais, axilar e subclávia em membro superior esquerdo (MSE), e de veias subclávia e axilar em membro superior direito (MSD). A Angiotomografia helicoidal computadorizada de tórax apresentou imagem sugestiva de linfoma acometendo linfonodos paraórticos e confirmou EP com infarto do lobo superior direito, trombose de veias braquiocefálicas e de pequena porção da veia cava superior (trombo mergulhante). Não havia evidência de compressão extrínseca de veias proximais dos MMSS nem de VCS (Figura 1).
Diante desta situação, havia algumas alternativas terapêuticas: a) Tratamento fibrinolítico; b) Manutenção da anticoagulação; c) Implante de filtros em veia cava superior e inferior.
Optou-se pelo implante de filtro em veia cava inferior e superior.
O procedimento foi realizado por cateterismo da veia femoral comum direita (VFCD), sendo primeiro liberado um FVC Venatech(r) na veia cava superior na posição invertida (jugular), seguido de outro dispositivo igual na veia cava inferior infrarrenal na posição habitual (femoral). Os procedimentos foram realizados com auxílio de flebografia prévia e posterior aos implantes. Houve sucesso técnico flebográfico e não ocorreram complicações (Figura 2).
Figura 2 Flebografia: A - Controle do implante do FVCs (posição invertida). B - Controle do implante de FVCi.
Foi realizada ampla investigação complementar com exames laboratoriais, TC de abdome, Ecocardiograma transesofágico, Endoscopia digestiva alta (EDA) e punção aspirativa com agulha fina (PAAF) de linfonodo cervical.
Durante a internação, o paciente foi mantido anticoagulado com heparina de baixo peso molecular em dose terapêutica. O MSD foi acometido por erisipela, sendo instituída antibioticoterapia. No decorrer de 5 dias, houve piora na perfusão da mão direita, evidenciando-se cianose fixa de terceiro, quarto e quinto quirodáctilos, apesar de manter fluxo arterial adequado do arco palmar ao Doppler. No decorrer da internação, o quadro clínico, principalmente respiratório, piorou progressivamente, o que impossibilitou a realização de quaisquer outros procedimentos de intervenção.
Apresentando hipoxemia, taquicardia e dispneia persistentes durante a internação, o paciente evoluiu a óbito 15 dias após o procedimento dos implantes. A necropsia foi realizada e concluiu-se que o óbito deveu-se à neoplasia maligna de mediastino (carcinoma pouco diferenciado), com provável etiologia tímica, o que se confirmou posteriormente por imuno-histoquímica da PAAF. Atribuíram-se também para esse desfecho a invasão metastática dos gânglios linfáticos peribrônquicos, as metástases para glândulas adrenais bilaterais, a linfangite carcinomatosa no esôfago e a EP com trombos de aspecto organizado.
Foi considerada falha terapêutica da anticoagulação (o paciente apresentou EP na vigência de anticoagulação adequada), com evolução proximal da trombose acometendo os MMSS e o trombo mergulhante na VCS, sendo que, por isso, essa alternativa não foi indicada isoladamente. A fibrinólise foi considerada tratamento inadequado, pois havia trombo mergulhante na VCS e TVP muito extensa para MMSS e MIE, além de não ser possível descartar, naquele momento, a origem neoplásica do trombo.
O implante de FVCi é considerado seguro e eficaz na proteção contra EP14 , 12. Já o implante de FVCs tem particularidades que dificultam a técnica de liberação, principalmente devido ao pequeno comprimento da VCS20. Para este caso, foi de particular importância o correto posicionamento do dispositivo na VCS, por haver trombo mergulhante em sua porção proximal. Complicações com o implante de FVCs foram descritas: migração para o átrio cardíaco, perfuração da veia cava superior, tamponamento cardíaco, perfuração aórtica, pneumotórax e oclusão da veia cava superior, com evolução para flegmasia dos MMSS23 , 25 , 26. O uso simultâneo de FVCi e FVCs está relacionado com maior número de casos de neoplasia maligna grave e, por isso, correlaciona-se com altas taxas de mortalidade22. Neste caso apresentado, a fonte emboligênica não pôde ser determinada, devido à presença de TVP em MMSS e MIE. A decisão pelo implante simultâneo de FVCi e FVCs foi embasada no sucesso de prevenção de EP apresentado na literatura9 , 20, considerando-se a gravidade com que o caso se apresentou. No presente caso, não se pode afirmar que o implante de FVCs e FVCi tenha evitado a recorrência de EP, porém o achado de trombos organizados no exame de necropsia nos leva a entender que estes eram antigos e não recentes. Publicação recente mostrou que 67,5% dos pacientes com FVCs evoluíram a óbito no período de um ano após o implante, sendo que 64% destes ocorreram durante a internação hospitalar ou no primeiro mês após implante22. A ocorrência de um tumor de evolução grave e rápida foi determinante para o desfecho com óbito durante a internação.
O implante simultâneo de FVCs e FVCi é um procedimento de exceção, porém aceitável para os casos em que há presença de TVP em MMSS e MMII, quando há contraindicação para anticoagulação, falha da anticoagulação na prevenção de EP ou não se pode realizar a fibrinólise.