versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.29 no.5 São Paulo 2017 Epub 19-Out-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016241
A partir de 1970, houve uma transformação no perfil demográfico brasileiro decorrente da redução das taxas de mortalidade, queda das taxas de natalidade e aumento da expectativa de vida da população, resultando no fenômeno do envelhecimento populacional. Em 1920, os idosos representavam 4,0% da população total do País; em 2010, 10,8% da população brasileira tinha 60 anos ou mais(1). Dados do IBGE apontam para um aumento de 23,8% do contingente populacional de idosos na década de 40 do século XXI. Com essa mudança na estrutura etária da população, o envelhecimento tem sido um tema amplamente estudado(1,2).
Entretanto, o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento populacional refletem também uma mudança do perfil de morbimortalidade, com o aumento de situações que necessitam de cuidados crônicos(3).
O processo de envelhecimento é progressivo e degenerativo e caracteriza-se por menor eficiência funcional, que é inevitável e influenciada por fatores ambientais(4). Há uma deterioração geneticamente programada e é determinada por regras biológicas, como os processos primários (quando e como o envelhecimento se inicia na vida de um indivíduo) e secundários (qualidade e estilo de vida, dieta calórica, atividades físicas), vinculados ao aumento da idade e ao controle pessoal(4).
Assim, o idoso se depara com limitações físicas e incapacidades, necessitando de maiores cuidados(3). Além de incapacidades físicas, são comuns déficits cognitivos e comportamentais, que resultam de um conjunto de alterações biológicas, bem como fatores neuropsiquiátricos, que também podem estar associados ao avanço da idade, como depressão e demência. É alto o índice de idosos que apresentam sintomatologia depressiva(5).
No caso das funções sensoriais, com o envelhecimento, os cinco sentidos tornam-se menos eficientes, interferindo na segurança, atividades diárias e no bem-estar geral do indivíduo. Com relação à audição, ocorre uma diminuição da acuidade auditiva(4).
Segundo Mattos e Veras(6), no Brasil, os dados oriundos do Censo Demográfico apontam um total de 24,5 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência; desses, um total de 5,7 milhões são deficientes auditivos. Vários estudos apontam a prevalência da perda auditiva em idosos acima de 60 anos, quando comparados às demais faixas etárias(7,8).
O envelhecimento natural das estruturas auditivas decorrentes do envelhecimento biológico é apontado como a principal causa de deficiência auditiva em idosos. Esta é chamada de presbiacusia(9).
A presbiacusia é uma perda auditiva relacionada à idade e é caracterizada por uma perda do tipo neurossensorial progressiva bilateral e simétrica, decorrente da degeneração de estruturas do ouvido interno, que afeta principalmente as altas frequências, tornando a percepção dos sons da fala muito difícil, especialmente em ambientes ruidosos. É uma doença multifatorial, que envolve fatores ambientais e genéticos(8,10). A perda dessa capacidade exerce um impacto bastante negativo sobre a vida do idoso e diversos estudos associam a deficiência auditiva com o isolamento social, ansiedade, depressão e declínio cognitivo em idosos(10,11).
Há relatos na literatura científica de que, aproximadamente, um terço dos idosos apresenta alguma dificuldade auditiva e, destes, apenas uma pequena parcela usa prótese auditiva. Entre os motivos indicados para o não uso do aparelho estão: achar que não precisa, não se acostumar e não ter dinheiro para comprar. Este último argumento pode decorrer do desconhecimento sobre o acesso à prótese via serviços públicos de saúde, mas as outras justificativas podem estar associadas ao estigma de usar uma prótese auditiva ou da lentidão do processo de diminuição da percepção auditiva(12).
Por todas as consequências que a perda auditiva decorrente do envelhecimento acarreta para a vida do idoso, é inevitável que essa alteração interfira na sua qualidade de vida como um todo, podendo gerar frustrações pela inabilidade de compreender o que os familiares e amigos estão falando, sendo assim, se torna cômodo afastar-se das situações que requerem comunicação(13).
Oliveira et al.(14) relacionaram a perda auditiva em idosos com o declínio cognitivo e observaram que, quanto maior o grau da perda, maior o déficit cognitivo desses idosos. Deste modo, a identificação de idosos com perda auditiva que apresentam risco potencial de desenvolver alterações cognitivas torna-se fundamental, uma vez que o diagnóstico precoce possibilita a intervenção, evitando ou retardando, em alguns casos, o início do processo demencial ou sinais de depressão, diminuindo o estresse familiar, o risco de acidentes, o isolamento e consequente prejuízo da qualidade de vida do indivíduo idoso.
A indicação, seleção e adaptação do aparelho de amplificação sonora individual (AASI) precocemente, ou seja, imediatamente após o diagnóstico de uma perda auditiva, poderá contribuir para a prevenção do aumento do grau de perda auditiva e de outras alterações relacionadas às questões psicossociais da vida do indivíduo com esta alteração. Estudos apontam inúmeros benefícios aos idosos que fazem o uso da prótese auditiva, minimizando as dificuldades geradas pela perda(15).
Por outro lado, o não uso de AASI, quando este é indicado, pode levar ao declínio cognitivo e mesmo culminar em demência, tendo como consequência a diminuição da capacidade funcional do idoso(12).
Investigações sobre o impacto da deficiência auditiva relacionada ao envelhecimento na vida do idoso e os efeitos do uso de prótese auditiva sobre qualidade de vida e sintomas de humor podem contribuir na ampliação de conhecimentos sobre os aspectos psicossociais da presbiacusia e sua reabilitação, favorecendo a prática audiológica e a assistência integral ao idoso, proporcionando um envelhecimento saudável.
Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade de vida de idosos comparando três grupos: com deficiência auditiva diagnosticada e indicação para uso de aparelho, mas ainda não protetizados, idosos usuários de AASI e idosos sem queixa auditiva.
Um estudo transversal, com amostra não probabilística, distribuída em três grupos de participantes, foi realizado, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Processo HCRP nº 7454/2013, CAAE 16526813.0.0000.5440). Todos os participantes tomaram conhecimento e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os grupos foram formados com base em três condições: 30 idosos com perda auditiva diagnosticada e com indicação para uso do AASI, mas que ainda não faziam uso da prótese (Grupo Deficiência Auditiva - GDA); 30 idosos com deficiência auditiva que usavam o AASI (Grupo Deficiência Auditiva com AASI - GDAASI); e 30 idosos sem queixa auditiva (Grupo de Referência - GR).
Todos os participantes responderam a questionários padronizados que investigam dados sociodemográficos e familiares, o Hearing Handicap Inventory for the Elderly Screening Version (HHIE-S) e o World Health Organization Quality of Life - versão breve (WHOQOL-Breve), com o auxílio do pesquisador.
O HHIE-S é um instrumento de triagem de deficiência auditiva que fornece informações sobre a restrição de participação em atividades de vida diária (AVD) do indivíduo, decorrente da perda auditiva. É composto por dez perguntas, dividido em duas escalas (escala social/situacional e escala emocional, cada uma com cinco itens)(16).
O WHOQOL Breve foi utilizado para avaliar a qualidade de vida dos indivíduos. É constituído por vinte e seis questões, das quais duas são gerais sobre qualidade de vida e as vinte e quatro restantes abordam quatro domínios: físico, psicológico, social e meio ambiente(17).
Os participantes dos grupos com deficiência auditiva (GDA e GDAASI) foram recrutados no Ambulatório de Investigação e Reabilitação Auditiva (AIRA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, a partir de indicações dos fonoaudiólogos dos serviços. A coleta de dados foi feita no próprio serviço, no dia da consulta.
Os participantes do Grupo de Referência (GR) foram recrutados na Associação de Professores Aposentados do Magistério Público do Estado de São Paulo (APAMPESP). O primeiro contato foi feito por via telefônica, a partir de informações fornecidas pelo local, ou pessoalmente, em dias que os associados frequentam o local. A coleta foi realizada no local de preferência do participante.
O preenchimento dos instrumentos levou cerca de 40 minutos em todos os grupos. Além das análises descritivas dos dados, foram realizados testes para comparação dos três grupos, aplicando-se a análise de variância (ANOVA) e o teste post hoc de Bonferroni, com auxílio do SPSS 17.0, sendo considerado um nível de significância de 5% para todas as provas.
Os grupos se diferenciaram pela média de idade, sendo o GR formado por idosos mais novos e o GDA por mais velhos. A distribuição por gênero também foi diferente nos três grupos. Os grupos GDA e GDAASI apresentaram uma maioria de idosos com menor escolaridade (até 4º ano do Ensino Fundamental), enquanto o GR foi composto por idosos com nível superior completo. (Tabela 1)
Tabela 1 Perfil sociodemográfico da amostra
Variável | GDA (N=30) | GDAASI (N=30) | GR (N=30) | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Freq. | % | Freq. | % | Freq. | % | |
Média de idade em anos (± dp) | 75,6 (8,6) | 72,9(7,8) | 70(7,2) | |||
Gênero | ||||||
Feminino | 14 | 46,7% | 15 | 50% | 24 | 80% |
Masculino | 16 | 53,3% | 15 | 50% | 6 | 20% |
Escolaridade | ||||||
Analfabeto/Fundamental incompleto (até 3ª) | 10 | 33,3% | 11 | 36,7% | 0 | 0% |
Até 4ª série completo | 13 | 43,3% | 9 | 30% | 0 | 0% |
Fundamental completo | 1 | 3,3% | 5 | 16,7% | 0 | 0% |
Médio completo | 3 | 10% | 4 | 13,3% | 0 | 0% |
Superior completo | 3 | 10% | 1 | 3,3% | 30 | 100% |
Situação conjugal | ||||||
Sem companheiro | 13 | 43,3% | 12 | 40% | 19 | 63,3% |
Com companheiro | 17 | 56,7% | 18 | 60% | 11 | 36,7% |
Situação ocupacional | ||||||
Trabalhando/realizando atividade ocupacional com remuneração | 4 | 13,3% | 2 | 6,7% | 2 | 6,7% |
Trabalhando/realizando atividade ocupacional sem remuneração | 0 | 0% | 0 | 0 | 2 | 6,7% |
Aposentados | 26 | 86,7% | 27 | 90% | 26 | 86,7% |
Condição de moradia | ||||||
Sozinho | 4 | 13,3% | 3 | 10% | 7 | 23,3% |
Família | 26 | 86,7% | 27 | 90% | 23 | 76,7% |
Religião | ||||||
Católica | 19 | 63,3% | 22 | 73,3% | 23 | 76,7% |
Evangélica | 4 | 13,3% | 6 | 20% | 4 | 13,3% |
Espírita | 3 | 10% | 0 | 0% | 3 | 10% |
Outra | 4 | 13,3% | 2 | 6,7% | 0 | 0% |
Presença de doença crônica | ||||||
Sim | 20 | 66,7% | 22 | 73,3% | 8 | 26,7% |
Não | 10 | 33,3% | 8 | 26,7% | 22 | 73,3% |
Classificação econômica* | ||||||
Classe A | 0 | 0% | 1 | 3,3% | 3 | 10% |
Classe B | 8 | 26,7% | 15 | 50% | 27 | 90% |
Classe C | 16 | 53,3% | 12 | 40% | 0 | 0% |
Classe D | 6 | 20% | 2 | 6,7% | 0 | 0% |
*Os dados socioeconômicos foram agrupados em A (A1 e A2), B (B1 e B2), C (C1 e C2) e D, sendo que nenhum participante foi classificado como classe E. Baseado em dados da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa(18)
Legenda: GDA = Grupo Deficiência Auditiva; GDAASI = Grupo Deficiência Auditiva em uso de AASI; GR = Grupo de Referência
A maioria dos participantes nos três grupos era aposentada e não realizava outras atividades de trabalho remunerado; declarou religião católica e pertencia às classes econômicas B ou C.
A restrição da participação em AVD comprovou a diferenciação entre os três grupos, sendo que todos os participantes do GDA relataram uma percepção significativa de prejuízos auditivos e o GR não apresentou queixas quanto à audição. (Tabela 2)
Tabela 2 Classificação obtida na escala do handicap auditivo (HHIE-S), conforme grupos
Classificação HHIE-S | GDA (n=30) | GDAASI (n=30) | GR (n=30) | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Frequência | % | Frequência | % | Frequência | % | |
Sem percepção | 0 | 0 | 22 | 73,3 | 30 | 100 |
Leve a moderada | 0 | 0 | 7 | 23,3 | 0 | 0 |
Significativa | 30 | 100 | 1 | 3,3 | 0 | 0 |
Legenda: GDA = Grupo Deficiência Auditiva; GDAASI = Grupo Deficiência Auditiva em uso de AASI; GR = Grupo de Referência
No que tange à qualidade de vida, os três grupos se diferenciaram significativamente em todos os domínios. (Tabela 3)
Tabela 3 Médias e desvios padrão dos resultados referentes à qualidade de vida (WHOQOL-breve) (N=90)
Domínios | GDA (N=30) Média (±dp) |
GDAASI (N=30) Média (±dp) |
GR (N=30) Média (±dp) |
F | p |
---|---|---|---|---|---|
Físico* | 55,0 (9,0) | 68,0 (8,3) | 60,7(10,4) | 14,917 | 0,000 |
Psicológico* | 54,3(10,6) | 71,4 (10,2) | 63,8(11,6) | 18,764 | 0,000 |
Social* | 62,8(13,3) | 81,4 (13,6) | 63,3(18,0) | 14,731 | 0,000 |
Ambiental* | 57,1(10,1) | 74,0 (12,9) | 68,8(12,8) | 15,608 | 0,000 |
Qualidade de vida geral* | 57,3(7,4) | 73,7 (8,6) | 64,1(11,0) | 24,311 | 0,000 |
*diferença significativa p<0,05
Legenda: GDA = Grupo Deficiência Auditiva; GDAASI = Grupo Deficiência Auditiva em uso de AASI; GR = Grupo de Referência
O teste post hoc de Bonferroni (Tabela 4) indicou que o GDA se diferenciou do GDAASI, tanto nos domínios físico (p<0,001), psicológico (p<0,001), social (p<0,001) e ambiental (p<0,001) quanto na qualidade de vida em geral (p<0,001). Também se diferenciou do GR quanto ao domínio psicológico (p=0,003), ambiental (p=0,001) e QV geral (p=0,014). Em todas as comparações, os piores resultados de qualidade de vida foram para o GDA.
Tabela 4 Teste post hoc de Bonferroni para qualidade de vida
Variável dependente | (I) Grupo | (J) Grupo | Diferença média (I-J) | Erro Padrão | p | Intervalo de confiança 95% (limites) | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Domínios | Inferior | Superior | |||||
Físico | GDA | GDAASI | -12,976* | 2,381 | 0,000 | -18,789 | -7,163 |
GR | -5,714 | 2,381 | 0,056 | -11,527 | 0,099 | ||
GDAASI | GR | 7,261* | 2,381 | 0,009 | 1,449 | 13,075 | |
GDA | 12,976* | 2,381 | 0,000 | 7,163 | 18,790 | ||
GR | GDAASI | -7,261* | 2,381 | 0,009 | -13,075 | -1,449 | |
DA | 5,714 | 2,381 | 0,056 | -0,099 | 11,527 | ||
Psicológico | GDA | GR | -9,444* | 2,794 | 0,003 | -16,264 | -2,624 |
GDAASI | -17,083* | 2,794 | 0,000 | -23,904 | -10,263 | ||
GDAASI | GR | 7,639* | 2,794 | 0,023 | 0,819 | 14,459 | |
GDA | 17,083* | 2,794 | 0,000 | 10,263 | 23,904 | ||
GR | GDAASI | -7,639* | 2,794 | 0,023 | -14,459 | -0,819 | |
GDA | 9,444* | 2,794 | 0,003 | 2,624 | 16,265 | ||
Social | GDA | GR | -0,556 | 3,901 | 1,000 | -10,080 | 8,968 |
GDAASI | -18,611* | 3,901 | 0,000 | -28,135 | -9,087 | ||
GDAASI | GR | 18,056* | 3,901 | 0,000 | 8,532 | 27,580 | |
GDA | 18,611* | 3,901 | 0,000 | 9,087 | 28,135 | ||
GR | GDAASI | -18,056* | 3,901 | 0,000 | -27,580 | -8,532 | |
GDA | 0,556 | 3,901 | 1,000 | -8,968 | 10,080 | ||
Ambiental | GDA | GR | -11,667* | 3,093 | 0,001 | -19,218 | -4,116 |
GDAASI | -16,875* | 3,093 | 0,000 | -24,426 | -9,324 | ||
GAASI | GR | 5,208 | 3,093 | 0,287 | -2,343 | 12,759 | |
GDA | 16,875* | 3,093 | 0,000 | 9,324 | 24,426 | ||
GR | GDAASI | -5,208 | 3,093 | 0,287 | -12,759 | 2,342 | |
GDA | 11,667* | 3,093 | 0,001 | 4,116 | 19,218 | ||
QV geral | GDA | GR | -6,845* | 2,361 | 0,014 | -12,608 | -1,083 |
GDAASI | -16,386* | 2,361 | 0,000 | -22,149 | -10,624 | ||
GDAASI | GR | 9,541* | 2,361 | 0,000 | 3,779 | 15,304 | |
GDA | 16,386* | 2,361 | 0,000 | 10,624 | 22,149 | ||
GR | GDAASI | -9,541* | 2,361 | 0,000 | -15,304 | -3,779 | |
GDA | 6,845* | 2,361 | 0,014 | 1,083 | 12,608 |
*nível de significância p<0,05
Legenda: GDA = Grupo Deficiência Auditiva; GDAASI = Grupo Deficiência Auditiva em uso de AASI; GR = Grupo de Referência; QV = qualidade de vida
O GDAASI também se diferenciou do GR nos domínios físico (p=0,009), psicológico (p=0,023), social (p<0,001) e quanto à QV geral (p<0,001), sempre com melhores resultados para o GDAASI.
O presente estudo se propôs a avaliar a qualidade de vida comparando três grupos de idosos (com deficiência auditiva diagnosticada e indicação para uso de aparelho; com deficiência auditiva em uso de AASI; e um grupo de referência).
A deficiência auditiva não apenas limita a capacidade de percepção e discriminação dos sons, mas influi diretamente na capacidade de compreensão da linguagem, afetando a capacidade de socialização de uma pessoa e sua família(10). Ela pode gerar um transtorno social e psicológico, que influencia as relações interpessoais e de comunicação, privando o indivíduo do convívio com familiares e amigos, levando ao isolamento e comprometendo sua qualidade de vida(19).
Os resultados reafirmam os achados de outros estudos, que a deficiência auditiva prejudica a qualidade de vida, podendo até aumentar a prevalência de demência entre os idosos(12), uma vez que o grupo de referência apresentou escores mais altos em todos os domínios da qualidade de vida, quando comparado ao grupo com deficiência sem uso de aparelho, com diferenças significativas para os domínios psicológico, ambiental e para a qualidade de vida em geral.
Por outro lado, no entanto, chama a atenção o fato de que o grupo de participantes com uso de AASI apresentou os melhores resultados em todos os domínios quando comparado aos outros dois grupos. Isto coloca em destaque a importância do uso de AASI. É possível que o desconforto e prejuízos causados pela deficiência auditiva sejam vivenciados de forma tão intensa que voltar a ouvir resgata sobremaneira a qualidade de vida e, possivelmente, leva a uma forma mais positiva de colocar-se diante da vida e de outros problemas de saúde.
É preciso considerar que estudos mostram que a incidência de diminuição da qualidade de vida é frequente entre idosos(3,20,21), com e sem incapacidades, entretanto, os resultados do presente estudo evidenciam que esta dimensão está muito mais afetada em idosos com deficiência auditiva que não estão ainda fazendo uso de AASI.
Alguns estudos demonstraram que a implantação de um programa de reabilitação auditiva e o uso de aparelhos auditivos podem, além de minimizar as reações psicossociais, melhorar a qualidade de vida dos idosos(12,15,22).
No que tange à diferença entre o GDAASI e o GR, vale considerar que, em parte, elas podem ser explicadas pela diferença no perfil dos dois grupos. O GR apresenta maior número de idosos que moram sozinhos e não têm companheiros e de maioria feminina, duas condições que favorecem o aparecimento de sentimentos negativos e podem influenciar a percepção pessoal de saúde e qualidade de vida. Neste sentido, também, autores apontaram que a mulher enfrenta a viuvez de forma diferente do homem, sendo menos propensa a buscar uma nova união, o que pode ser um fator contribuinte para quadros depressivos. Já os homens, geralmente, casam-se novamente(19). Pode-se inferir que, mesmo aqueles que nunca tiveram um companheiro estejam mais vulneráveis à depressão e consequente diminuição de qualidade de vida, lembrando que mulheres com idade avançada tendem a ser mais propensas a ter depressão(23).
Por outro lado, o GR foi formado por pessoas com nível de escolaridade alto, o que tende a influenciar positivamente a qualidade de vida. Alguns estudos sobre a qualidade de vida em idosos apontam que baixos níveis de escolaridade estão relacionados a baixos níveis de qualidade de vida(24,25). Isto poderia justificar os menores escores em qualidade de vida do GDA, mas não os melhores resultados do GDAASI.
Diante desses resultados é possível inferir que o uso de AASI favoreceu melhores resultados para esses idosos, pois a melhora na participação das AVDs (indicada pelo HHIE-S) facilita a comunicação e relações interpessoais no ambiente em que estão inseridos, melhorando assim sua qualidade de vida.
Tal constatação destaca a importância da atenção à audição na assistência à saúde do idoso, especialmente considerando-se a alta prevalência de deficiência auditiva nesta faixa etária(9). Atrelado a esta ideia, é necessário que haja agilidade no processo entre a avaliação e a reabilitação de modo a minimizar as consequências da deficiência.
Ao considerar o perfil da amostra deste estudo, é importante lembrar que os grupos estudados se diferenciaram não apenas pela deficiência auditiva, mas também com relação à distribuição quanto a idade, gênero, escolaridade, doença crônica do idoso e classe socioeconômica. O GR teve um perfil mais jovem (média de 70 anos, enquanto, no GDA, a média foi de 75 anos e, no GDAASI, foi de 73 anos), com maior concentração de mulheres (80%, comparado com 46,7% no GDA e 50% no GDAASI); todas com ensino superior (enquanto no GDA e GDAASI predominaram idosos analfabetos ou que frequentaram até a quarta série do ensino fundamental); com menor ocorrência de doença crônica (27% no GR, comparado com 66,7% no GDA e 73,3% no GDAASI); distribuindo-se entre as classes A e B (enquanto no GDA e GDAASI os idosos se distribuíram entre as classes B, C e D).
A maior ocorrência de doenças crônicas no GDA e GDAASI poderia ser justificada pela associação frequente entre baixa escolaridade e maior incidência de problemas crônicos(26). Ainda, estas duas variáveis (escolaridade e doença crônica) poderiam explicar a diminuição de qualidade de vida, o que, entretanto, não ocorreu para o GDAASI, que apresentou escores de qualidade de vida maiores que os demais grupos.
Apesar da diferença entre os grupos com deficiência auditiva e o GR, o perfil do GDA e GDAASI corresponde ao apresentado por outros autores, que apontam maior ocorrência da deficiência auditiva entre idosos acima de 70 anos(8), como também maior prevalência do problema entre homens(27).
É importante lembrar aqui que o critério para inclusão no grupo controle era não apresentar queixa auditiva. Uma das limitações quanto aos resultados deste estudo reside exatamente no fato de que o grupo controle foi formado a partir do autorrelato da dificuldade auditiva. Entretanto, estudos mostram que a percepção da restrição na participação em AVDs é uma medida aceitável para triagem da perda auditiva(16).
Rosis et al.(16), em um estudo que teve como objetivo investigar a especificidade e sensibilidade do questionário HHIE-S, verificaram que este é um bom instrumento de triagem, com alta sensibilidade e especificidade, para ser usado em populações que não tenham, obrigatoriamente, queixas relacionadas à audição, como é o caso do GR neste estudo.
Calais et al.(28), em um estudo que teve como objetivo investigar as queixas e as preocupações otológicas de indivíduos idosos, avaliaram 50 idosos com configuração audiométrica descendente simétrica e verificaram que a queixa de perda auditiva esteve presente em grande parte da amostra (75% dos idosos), confirmando que o autorrelato é uma medida válida para perda auditiva. O HHIE-S tem sido frequentemente utilizado para verificar a restrição de participação nas AVDs em diferentes estudos que investigam a perda auditiva referida em idosos(29,30).
Apesar das limitações descritas acima, este trabalho apresentou resultados importantes que fortalecem a necessidade de ampliar o acesso à reabilitação auditiva entre idosos, bem como o alcance das informações a respeito das consequências da deficiência auditiva para a vida dos idosos e sobre onde procurar auxílio, haja vista a melhora significativa na qualidade de vida apontada pelo grupo que já passou pela intervenção fonoaudiológica (uso de AASI).
A perda auditiva afeta a qualidade de vida do idoso, entretanto, idosos com deficiência auditiva protetizados com AASI apresentam bons resultados quanto à qualidade de vida, com melhoras em suas condições de vida e saúde, sugerindo que a protetização pode ter um impacto importante e positivo no processo de envelhecimento como um todo.