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Importância das alterações cutâneas no diagnóstico de doenças neurológicas

Importância das alterações cutâneas no diagnóstico de doenças neurológicas

Autores:

Ana Maria Mateus,
Rita Lopes da Silva,
Carla Conceição,
José Pedro Vieira

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.12 no.4 São Paulo out./dez. 2014 Epub 29-Ago-2014

http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014AI2931

Criança de 7 anos, do gênero masculino, previamente saudável, recorreu ao serviço urgência por cefaleia occipital e despertar noturno com 1 semana de evolução. Apresentava manchas hipopigmentadas lineares segundo as linhas de Blaschko no hemitórax e membro superior esquerdos (Figura 1); macrocrânia, fenda palpebral antimongoloide, alteração do contorno pupilar no olho esquerdo e sindactilia. Sem alterações no exame neurológico. A tomografia computorizada craniencefálica revelou acentuação da hipodensidade da substância branca e diminutas imagens quísticas. A ressonância encefálica evidenciou extenso processo de leucoencefalopatia e dilatações múltiplas de espaços perivasculares, achados raramente descritos no contexto clínico de hipomelanose de Ito (HI) (Figura 2).

Figura 1 Manchas hipopigmentadas no membro superior, segundo as linhas de Blaschko 

Figura 2 Ressonância magnética coronal T2 (A) e axial fluid attenuated inversion recovery (FLAIR) (B). Hipersinal T2 e FLAIR da substância branca dos hemisférios cerebrais, com predomínio periventricular e central, de forma quase simétrica e difusa. Incontáveis imagens quísticas dispersas por toda a substância branca lesada, em algumas regiões com configuração mais linear, parecendo corresponder à dilatação de espaços perivasculares 

A HI é uma síndrome neurocutânea com potencial de envolvimento multissistémico. O diagnóstico pressupõe lesões cutâneas hipopigmentadas em linhas de Blaschko.(1) As manifestações extracutâneas mais frequentes são do foro neurológico, sobretudo défice cognitivo e epilepsia.(2) Alguns casos com quadro neurológico minor ou nulo podem ter alterações na ressonância encefálica.(3) A dilatação de espaços perivasculares é um achado de significado incerto, nem sempre associado a doença neurológica, principalmente quando em regiões específicas, como a capsulolenticular e a protuberância. No entanto, espaços perivasculares múltiplos e fora das localizações habituais ocorrem, por exemplo, nas mucopolissacaridoses e em várias outras situações, incluindo HI.(4) Dessa síndrome fazem também parte manifestações musculoesqueléticas, craniofaciais e oculares nas quais se incluem as dismorfias descritas no caso apresentado.(2,5,6)

Embora seja uma afecção rara, seu reconhecimento é facilitado pelo mosaicismo pigmentar, com morfologia e padrão de distribuição característicos, que reflete diferentes linhagens celulares.(2) O substrato genético é heterogêneo, encontrando-se descritas aneuploidias, cromossomos em anel, inversões e translocações de cromossomos X ou de autossomos.(5-8)

A variabilidade nas manifestações clínicas e seu diagnóstico e orientação precoces ditam o prognóstico.(5,8) A intervenção terapêutica multidisciplinar, em função dos achados clínicos, deve ser dirigida para minimizar a eventual morbilidade associada.(5)

REFERÊNCIAS

1. Ruiz-Maldonado R, Toussaint S, Tamayo L, Laterza A, Del Castillo V. Hypomelanosis of Ito: diagnostic criteria and report of 41 cases. Pediatr Dermatol. 1992;9(1):1-10.
2. Sugathan P, Grabowski A. Hypomelanosis of Ito. Brunei Int Med J. 2012;8(3):139-44.
3. Bhushan V, Gupta RR, Weinreb J, Kairam R. Unusual brain MRI findings in a patient with Hypomelanosis of Ito. Pediatr Radiol. 1989;20(1-2):104-6.
4. Ruiz Miyares FJ, Deleu D, Akhtar N, Salim K, D’Souza A, Own A, et al. Honeycomb-like appearance of dilated Virchow-Robin spaces. Acta Neurol Belg. 2010;110(1):116-7.
5. Janniger CK. Pediatric hypomelanosis of Ito. Medscape reference: drugs, diseases and procedures. [Internet]. [Updated May 30, 2012]. Available from
6. Gómez-Lado C, Eiríz-Puñal J, Blanco-Barca O, del Río-Latorre E, Fernandez-Redondo V, Castro-Gago M. Hipomelanosis de Ito. Un síndrome neurocutáneo heterogéneo y posiblemente infradiagnosticado. Rev Neurol. 2004;38(3):223-8.
7. Ronald B David, editor. Clinical Pediatric Neurology. 3rd ed. New York: Demos Medical Publishing, LLC; 2009.
8. Torchia D, Schachner LA. X-Chromosomal Translocation and Segmental Hypopigmentation. N Engl J Med. 2012;367(13):1245.