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Importância das famílias nos cuidados à pessoa com transtorno mental: atitudes de enfermeiros

Importância das famílias nos cuidados à pessoa com transtorno mental: atitudes de enfermeiros

Autores:

Carla Sílvia Neves da Nova Fernandes,
Maria do Perpétuo Socorro de Sousa Nóbrega,
Margareth Angelo,
Maria Isolete Torre,
Suellen Cristina da Silva Chaves

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.22 no.4 Rio de Janeiro 2018 Epub 08-Nov-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0205

INTRODUÇÃO

Muitas das pessoas que experienciam transtorno mental são apoiadas pela família.1-4 Os familiares fornecem uma quantidade substancial de cuidados,1,5,6 e o envolvimento da família na assistência à pessoa com transtorno mental é clinicamente importante, pois melhora a qualidade dos cuidados de saúde.7 Conhecer os vínculos e as redes de apoio social, nomeadamente a família, são estratégias facilitadoras e ampliadoras das ações de saúde mental, dessa forma, a família deve ser entendida como uma parceira no enfrentamento e vivência do transtorno mental.4

Historicamente, a família foi excluída no apoio à pessoa com transtorno mental, pois esta era internada em hospitais psiquiátricos longe do acesso de seus familiares. Por outro lado, havia o entendimento de que a família era por si só geradora de doença.2 A mudança de paradigma em cuidados de saúde mental orientados para a comunidade determina que seja dada maior ênfase ao envolvimento da família,5 e esta deve ser considerada como ator social indispensável para a efetividade dos cuidados.2,8-10

A última reforma dos cuidados de saúde primários em Portugal (equivalente à Atenção Primária à Saúde no Brasil) teve início formal em 2005, integrando diversos tipos de unidades, nomeadamente: a USP (Unidade de Saúde Pública) que funciona como observatório de saúde da área geográfica em que se integra; a URAP (Unidades De Recursos Assistenciais Partilhados) que integra assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, entre outros, e que prestam serviços assistenciais a todas as outras unidades funcionais; a UCC (Unidades de Cuidados na Comunidade) que presta cuidados de saúde e apoio psicológico e social, de âmbito domiciliar e comunitário; a ECSCP (Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos) presta cuidados a doentes, que deles necessitam, na sua casa, assim como, apoiam os seus familiares e cuidadores.11 Por último, as unidades mais vocacionadas para os cuidados personalizados com médicos e de enfermagem, sendo elas: as USF (Unidades de Saúde Familiar) e as UCSP (Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados). Estas diferem no seu modelo organizacional, no caso da UCSP funciona num modelo mais verticalmente hierarquizado e menos autônomo.11

No campo da saúde mental, o reconhecimento formal e o envolvimento de familiares têm sido o foco de recentes iniciativas políticas e práticas, no entanto, as famílias ainda relatam sentirem-se marginalizadas e distanciadas desses cenários.1,12 Ainda existe uma tensão entre os membros da família e os prestadores de serviços de saúde, e a família pode ser sujeita a estereótipos negativos, o que pode levar a discriminação, sentimentos de vergonha e de ser considerada culpada pelos problemas de saúde mental do familiar.5

A experiência do estigma também está associada a um aumento do sentimento de sobrecarga no familiar da pessoa com transtorno mental, e os familiares percebem que não são reconhecidos ou apreciados para o papel que eles têm de apoio aos membros da família afetados por sofrimento mental.1

A importância de atitudes positivas em relação ao trabalho com a família torna-se óbvia quando reconhecemos que as famílias procuram sentido de maneira semelhante às pessoas que vivenciam o próprio sofrimento.6 É necessário promover o alargamento de conhecimentos, habilidades e atitudes positivas dos enfermeiros que trabalham com pessoas com problemas de saúde mental, para com as suas famílias.5

As atitudes que os enfermeiros adotam em relação à família vão condicionar o processo de cuidar.13 Cientes dessa realidade, desenvolvemos esse percurso, embora existam estudos desenvolvidos sobre as atitudes para com as famílias em diversos contextos,7,14,15 poucos se direcionem para a pessoa com transtorno mental.16,17

Em saúde mental, é importante envolver as famílias nos cuidados para potenciar a qualidade da intervenção oferecida.16 Aprimorar as relações entre a equipe de enfermagem e os membros da família é a chave para que o envolvimento efetivo dos membros da família nos cuidados na pessoa com transtorno mental melhore, resultando em atitudes mais positivas em relação à família.17 As evidências dos estudos desenvolvidos suportam que atitudes positivas pelos enfermeiros em saúde mental em relação às famílias, encorajam-nos a envolver os familiares em conversas terapêuticas.16

Posto isso, realça-se a importância da temática em estudo, cujo objetivo é caraterizar as atitudes dos enfermeiros que trabalham em cuidados de saúde primários, sobre a importância de envolver as famílias nos cuidados de enfermagem à pessoa com transtorno mental.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, descritivo com abordagem quantitativa. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde da cidade de Porto, Portugal, sob o parecer nº 155-2017. A investigação centrou-se no papel atribuído pelos enfermeiros à família nos cuidados à pessoa com transtorno mental e de que forma as suas atitudes evidenciam essa importância. A população foi constituída por enfermeiros que exercem funções em Cuidados de Saúde Primários.

O convite para os enfermeiros participarem do estudo foi realizado por meio de correio eletrônico institucional. Foram considerados como critérios de inclusão enfermeiros que exercem suas atividades profissionais na comunidade. Os critérios de exclusão foram enfermeiros que exercem suas funções em unidades de internamento de cuidados continuados integrados e hospitalares, assim como enfermeiros que se encontram exclusivamente a exercer funções de chefia. A amostra, não probabilística, foi constituída por 328 enfermeiros.

A coleta de dados aconteceu de fevereiro a abril de 2018. O instrumento de coleta de dados foi um questionário com dados sociodemográficos, contendo os seguintes dados: sexo, idade, estado civil, habilitações acadêmicas, anos de profissão, formação, formação sobre família. Outro instrumento utilizado foi a Escala: "A Importância das Famílias nos Cuidados de Enfermagem - Atitudes dos Enfermeiros- IFCE-AE". Esse instrumento foi, originalmente, desenvolvido na Suécia,17 e validado, posteriormente, para a população portuguesa18 e tem sido aplicado em diversos estudos.7,15,16

A IFCE-AE é composta por 26 itens do tipo likert (4 opções), e permite medir as Atitudes dos enfermeiros na sua componente cognitiva, afetiva e comportamental.17 No cálculo do valor total da escala quanto maior for o escore obtido, melhor serão as atitudes dos enfermeiros perante as famílias.17 A IFCE-AE, na versão portuguesa, apresenta três dimensões, designadamente: família como parceiro dialogante e recurso de coping (12 itens), família como recurso dos cuidados de enfermagem (10 itens) e família como um fardo (4 itens).18

O coeficiente de alpha de Cronbach da escala IFCE-AE, obtido neste estudo, apresenta um valor de 0,91, superior ao valor obtido pelo autor que validou a escala para a população Portuguesa,18 que foi de 0,81, o que valida a sua consistência interna. Todos os instrumentos de coleta foram organizados e encaminhados através dos formulários do Google, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) virtual, composto por uma página de explicitação sobre a pesquisa, assim como o pedido de autorização para a utilização dos dados.

As respostas obtidas foram tratadas, recorrendo ao programa estatístico SPSS (versão 25). Para reunir os dados, foi realizada a técnica de dupla digitação, para que erros de digitação fossem reduzidos. As variáveis numéricas foram descritas por estatística descritiva, com cálculo de média, mediana e Desvio-Padrão (DP). As variáveis categóricas nominais foram descritas ou apresentadas em tabelas de frequência.

Para investigar a associação entre os itens pesquisados, foram utilizados testes não paramétricos por não existir distribuição normal, Teste de Wilcoxon, Teste de Mann-Whitney e Teste de Kruskal-Wallis. Adotou-se o intervalo de confiança de 95%, com p-valor < 0,05 para assumir a hipótese de que houve associação entre as variáveis estudadas.

RESULTADOS

A amostra (N= 328) é predominantemente do sexo feminino (84,8%), com idade média de 42,7 anos, variando entre 23 e 65 anos, são, na sua maioria, casados (69,2%), a maior parte possui a licenciatura em enfermagem (72,6%), 60,1% possui uma especialidade, sendo a mais frequente a especialidade em enfermagem comunitária (23,2%), têm, na sua maioria, um tempo de formação superior a 10 anos. Os participantes exercem a sua atividade predominantemente em USF (47,6%), seguindo-se as UCC (32,3%), 24,1 % referiram não ter formação sobre família (tabela 1).

Tabela 1 Distribuição dos profissionais de enfermagem (n = 328) segundo as variáveis sexo, faixa etária, estado civil, escolaridade, tempo de formação, especialidade, área de especialidade, serviço de atuação, formação sobre enfermagem na família, Porto, Portugal, 2018. 

Variáveis N % Média DP
Sexo (N = 328)
Masculino 50 15,2
Feminino 278 84,8 - -
Idade - anos (N = 328) 42,7 7,9
Estado civil (N = 328)
Solteiro 33 10,1
Casado 227 69,2
União de Facto 30 9,1
Separado 4 1,2
Divorciado 31 9,5
Viúvo 3 0,9
Habilitações académicas (N = 328)
Bacharelado 1 0,3
Licenciatura 238 72,6
Mestrado 85 25,9
Doutorado 4 1,2
Tempo de formação (N = 328)
˂ 1 ano 7 2,1
1 a 5 anos 58 17,7
5 a 10 anos 47 14,3
10 a 20 anos 111 33,8
˃ a 20 anos 105 32,0
Especialidade (N = 328)
Não 131 39,9
Sim 197 60,1
Área de especialidade * (N = 197)
Enfermagem Comunitária 76 23,2
Enfermagem Médico - Cirúrgica 8 2,4
Enfermagem de Reabilitação 30 9,1
Enfermagem de Saúde infantil e Pediátrica 21 6,4
Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica 23 7,0
Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica 39 11,9
Serviço de atuação (N = 328)
USF 156 47,6
UCSP 57 17,4
UCC 106 32,3
USP 4 1,2
URAP 2 0,6
ECSCP 3 0,9
Formação sobre Enfermagem na Família
Não 79 24,1
Sim 249 75,9

Fonte: elaborado pelos autores.

*Terminologia de especialidades adotada pelo sistema de regulação da enfermagem em Portugal. Legenda: USF: Unidades de Saúde Familiar; UCSP: Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados; UCC: Unidades de Cuidados na Comunidade; USP: Unidade de Saúde Pública; URAP: Unidades De Recursos Assistenciais Partilhados; ECSCP: Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos.

O somatório de cada item da escala -IFCE-AE permitiu obter um score total para cada enfermeiro. Os escores obtidos apresentam valores entre 49 e 104, recorde-se que os escores possíveis da escala variam entre 26 e 104 tabela 2, o valor médio é de 85,9, apresenta uma moda de 77, mediana de 86 e um desvio padrão de 9,6.

Tabela 2 Dimensões da escala (IFCE-AE), Porto, Portugal, 2018. 

Dimensão Nº de itens Média total (DP) Ponto médio da subescala Média
Família como parceiro dialogante e recurso ao coping 12 40,2 (5,3) 30 3,33
Família como recurso nos cuidados 10 33,5 (3,9) 25 3,35
Família como fardo 4 12,3 (1,9) 10 3,07

Fonte: elaborado pelos autores.

*Amplitude das dimensões: Família como parceiro dialogante = 12 a 48; Família como recurso nos cuidados de enfermagem = 10 a 40; Família como um fardo = 4 a 16.

Na tabela 2 são apresentados os valores médios referentes a cada dimensão da escala, observando a amplitude de cada uma destas dimensões, percebe-se que todos eles ultrapassam o ponto médio da subescala.

Por outro lado, pela análise da tabela 3, podemos constatar que a dimensão família como recurso nos cuidados apresenta um ponto médio quase semelhante à dimensão Família: parceiro dialogante e recurso de coping, e ambas com ponto médio superior à dimensão família como fardo.

Tabela 3 Correlação da Escala IFCE-AE - e varáveis em análise, Porto, Portugal, 2018. 

Variável Pontuação média Valor-p
Sexo 0,243
Homens 84,8
Mulheres 86,1
Estado Civil 0,536
Solteiro 86,9
Casado 85,8
União de Facto 83,7
Separado 81,8
Divorciado 88,3
Viúvo 84,7
Habilitações Académicas 0,001
Bacharelado 77,0
Licenciatura 84,9
Mestrado 88,2
Doutorado 100,5
Tempo de formação 0,162
< 1 ano 86,3
1 a 5 anos 83,9
5 a 10 anos 86,2
10 a 20 anos 85,5
> a 20 anos 87,4
Possuí Especialidade 0,002
Não 84,2
Sim 87,1
Área de especialização* 0,602
Enfermagem Comunitária 88,1
Enfermagem Médico-Cirúrgica 85,6
Enfermagem de Reabilitação 87,8
Enfermagem de Saúde infantil e Pediátrica 85,4
Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica 82,9
Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica 88,4
Formação em enfermagem à família 0,711
Não 86,4
Sim 85,7
Serviço de atuação 0,001
USF 84,7
UCSP 83,7
UCC 89,1
USP 87,8
URAP 86,5
ESCP 78,0

Fonte: elaborado pelos autores.

*Terminologia de especialidades adotada pelo sistema de regulação da enfermagem em Portugal. Ver legenda da Tabela 1.

Na tabela 3 são correlacionadas as dimensões da escala com as variáveis em estudo, nomeadamente o sexo, estado civil, habilitações académicas, tempo de formação, especialização, formação em Enfermagem à família e serviço de atuação.

Neste estudo não se observam correlações com o sexo (p = 0,243), com o estado civil (p = 0,536), nem com o tempo de formação (p = 0,162). No entanto, existe correlação com o fato de os participantes possuírem especialidade (p = 0,002), embora não se observem diferentes estatisticamente significativas entre as áreas de especialidade (p = 0,602). Não foram encontradas correlações entre o escore total da escala IFCE-AE e a formação em enfermagem de família.

Observam-se correlações nas habilitações acadêmicas (p = 0,001), conforme visível na Figura 1, ou seja, à medida que aumentam as habilitações acadêmicas dos participantes aumenta o escore total da escala IFCE-AE.

Fonte: elaborado pelos autores.

Figura 1 Relação da IFCE-AE com as habilitações académicas. 

No que se refere aos contextos de cuidados, observam-se correlações de acordo com os diferentes contextos de cuidados (p = 0.001). Na Figura 2 é demonstrado a relação do escore total da escala IFCE-AE sobre as atitudes dos enfermeiros com o tipo de unidade funcional em que exercem suas funções.

Fonte: elaborado pelos autores.

Figura 2 Relação da IFCE-AE com os contextos de cuidados. Ver legenda da Tabela 1

Os resultados evidenciam que os enfermeiros que trabalhavam em UCC apresentam um escore total superior (média do escore total = 89,1, Moda = 96), indicando médias, ligeiramente, superiores na dimensão Família: recurso nos cuidados de enfermagem (média = 3,48), (Família: parceiro dialogante e recurso de coping = 3,46, Família: fardo 3,1). Nas USF o escore médio total foi de 84,7 e moda de 77, no que se refere às dimensões da escala a Família: recursos nos cuidados de enfermagem apresentam um valor ligeiramente superior (média = 3,29), seguindo-se a dimensão Família como parceiro dialogante e recurso de coping (média = 3,28) e, por último, a dimensão familia como fardo (média = 3,05).

A USP (N = 4), a URAP (N = 2) e a ECSCP (N = 3), embora sejam apresentados na Figura 2, apresentam frequências de participantes não significativas. Por último, as UCSP apresentam um escore médio da escala de 83,7 e moda de 83, e também apresentam médias ligeiramente superiores na dimensão Família: recurso nos cuidados de enfermagem (média = 3,20), (Família: parceiro dialogante e recurso de coping = 3,1 e Família: fardo média = 3,0).

DISCUSSÃO

Os enfermeiros que participaram neste estudo apresentam valores médios da aplicação da escala IFCE-AE de 85,9 pontos o que revela uma atitude favorável para com as famílias.

Resultados muito diversos são encontrados em outros estudos, embora em contextos muito distintos: realizados em Cuidados Primários (78,4),18 Unidades de cuidados intensivos (75,1),19 Diversos contextos: ensino e prática (88),20 Hospital e cuidados de saúde primários em doentes com insuficiência cardíaca (101),21 Hospital durante a reanimação cardiorespiratória (50,99),22 Hospital diversos contextos (65/80,1),23,24 Cuidados de saúde primários (não disponível),25 Unidades pediátricas e materno-infantil (82),15 Hospital e cuidados de saúde primários (88)26 e Unidade de psiquiatria (92,14).17

Os estudos com maior aproximação ao contexto do nosso percurso, ou seja, atitudes dos enfermeiros de cuidados de saúde primários em relação à familia da pessoa com transtorno mental, são os estudos realizados em cuidados de saúde primários em território Português,16,26 e o estudo realizado com pessoas com trantorno mental realizado na Islândia.17

Embora sem utilização do mesmo instrumento de medida, outro estudo realizado na Coréia do Sul com 66 Enfermeiros e 201 auxiliares de enfermagem, em residentes em lares de idosos com demência, os autores relatam que os auxiliares de enfermagem apresentam atitudes menos positivas perante as famílias, e traz como justificativa para esse achado, o fato destes terem um maior envolvimento no cuidado direto aos doentes residentes e um contato mais frequente com os familiares.27

No presente estudo, os enfermeiros evidenciaram atribuir importância às famílias nos cuidados de enfermagem à pessoa na presença de transtorno mental, com o valor mais elevado associado à dimensão Família como recurso nos cuidados de enfermagem (média = 3,35), seguindo-se com pouca diferença a dimensão Família: parceiro dialogante e recurso de coping (média = 3,33).

Apesar da média total da escala IFCE-AE e das dimensões definidas pela mesma, terem sido compatíveis com atitudes positivas para a valorização da família no cuidado do enfermeiro à pessoa com transtorno mental, considera-se uma média inferior quando comparado ao estudo desenvolvido em unidade psiquiátrica, na qual a média total da IFCE-AE foi de 92,14 pontos.17

Os enfermeiros que possuem maiores habilitações acadêmicas atribuem maior importância à família nos cuidados, resultado semelhante ao encontrado em outros estudos, embora apenas numa dimensão da escala, e mostram que, quanto maior as habilitações acadêmicas dos participantes menor é a atitude de fardo para com as famílias,25 e que há diferenças significativas nos níveis educacionais, quando observadas as pontuações médias da família como fardo onde os escores foram inferiores no grupo mais escolarizado.17

Ainda no âmbito da formação, o fato de possuir uma especialidade parece influenciar atitudes mais positivas para com as famílias, embora os valores médios mais elevados tenham sido encontrados nos enfermeiros com especialidade em enfermagem comunitária e em saúde mental e psiquiatria, dados não obtiveram correlação estatística.

Os enfermeiros que possuem uma formação especializada em enfermagem revelam diferenças estatisticamente significativas, perante aqueles que não a detém, evidenciando atitudes de maior suporte perante as famílias nos cuidados de enfermagem.21,25 Embora referido em outros estudos, não foi possível correlacionar a formação sobre família com as atitudes perante as famílias.15,16,18,19,25

O tipo de unidade onde os enfermeiros exercem suas atividades na comunidade parece condicionar as atitudes destes para com as famílias na presença de transtorno mental, tendo-se obtido valores mais elevados nas UCC. Autores encontraram diferenças significativas entre as atitudes de enfermeiros de diferentes unidades psiquiátricas (reabilitação, cuidados agudos e unidades de crianças/adolescentes).

Os enfermeiros que atuavam em unidades psiquiátricas agudas apresentam os menores escores médios e os enfermeiros que atuam em unidades psiquiátricas de crianças/adolescentes apresentam os maiores escores médios, tanto no total como nas subescalas.17

Outro estudo mostrou diferenças entre aqueles que atuavam em USF e UCSP, revelando que os enfermeiros que trabalhavam em UCSP apresentavam valores mais baixos nas dimensões Família: parceiro dialogante e recurso de coping, e Família: recurso nos cuidados de enfermagem e valores mais elevados na dimensão Família: fardo, o que significa que estes evidenciam atitudes de menor suporte face à importância das famílias nos cuidados de enfermagem.25

A literatura mostra que os enfermeiros da comunidade que exercem atividades em USF os valores são superiores.18 No entanto, as atitudes dos enfermeiros que atuam na prática clínica são menos positivas comparativamente a quem exerce no ensino, na pesquisa ou na gestão.20

Realça-se no presente estudo, que embora seja visível pelos participantes atitudes que confirmam um papel potencial para os familiares dentro dos serviços, outros estudos destacam que muitos familiares percebem uma falta de envolvimento no planejamento de cuidados e uma falta de reconhecimento e apreciação do seu papel por parte dos profissionais de saúde.1 Estes dados podem por em causa o investimento realizado nas reformas psiquiátricas desenvolvidas em diversos países, no sentido de obter transformações na forma de assistir a pessoa com transtorno mental preconizando a garantia de acesso ao trabalho, ao lazer, ao resgate da cidadania e a reintegração da pessoa com transtorno mental no ambiente cultural e social, para que este possa coexistir com a sociedade e sua família.2 Apesar das narrativas dos enfermeiros expressarem a importância dos cuidados centrados na família, as práticas não são congruentes com estas representações, onde os enfermeiros consideram as famílias como um recurso no processo de cuidados.18

Algumas barreiras dificultam o envolvimento, nomeadamente barreiras estruturais, como o momento e o local das reuniões, as barreiras culturais relacionadas aos desequilíbrios de poder dentro do sistema, barreiras específicas relacionadas à confidencialidade,1 assim como as vivências de transições geradoras de sofrimento.18

Limitações do estudo

Salientamos o fato da coleta de dados ter sido realizada por meio de um questionário eletrônico, dificultando o reconhecimento da população total, e aqueles que responderam ao estudo são mais sensibilizados com o tema.

CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Ao analisar este estudo com base nos objetivos propostos, conclui-se através do nível de concordância da IFCE-AE, que a maioria dos enfermeiros que atuam em cuidados primários, possui uma atitude positiva em relação participação das famílias nos cuidados perante a pessoa com transtorno mental.

Esses resultados vão ao encontro das orientações do foco da prática de cuidados do enfermeiro tendo por fundamento uma interação entre enfermeiro e paciente, família, grupos e comunidade. Os enfermeiros que cuidam de pessoas com transtorno mental necessitam integrar na sua prática, a importância de envolver as famílias nos seus cuidados, estabelecendo relações terapêuticas com as mesmas, minimizando o sofrimento destas no processo de transição saúde-doença.

As habilitações acadêmicas e a especialização parecem relacionar-se com atitudes mais positivas em relação às famílias e, consequentemente, potencializar a qualidade nos cuidados fundamentais à pessoa com transtorno mental. Neste estudo, ficou evidente o benefício de um maior investimento na formação dos profissionais ao nível da saúde mental e da família, permitindo que estes sejam capazes de oferecer suporte às famílias, potenciando o seu papel como agente facilitador no processo de reorganização da assistência psiquiátrica em curso.

Quanto ao contexto do estudo, os enfermeiros de UCC obtiveram escores mais elevados. Convém ressaltar que são nessas unidades onde se concentram os enfermeiros com especializações em áreas diversas, nomeadamente em saúde mental. Sugere-se estudos futuros, observando as práticas e comparando a perspectivas dos enfermeiros com as dos familiares.

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