versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.109 no.5 São Paulo nov. 2017 Epub 02-Out-2017
https://doi.org/10.5935/abc.20170147
Estudos internacionais têm relatado o valor de perfil clínico e exames de imagem no diagnóstico e prognóstico da pericardite constritiva. Entretanto, dados da população brasileira são escassos.
Avaliar as características clínicas, sensibilidade de exames de imagem e fatores relacionados ao óbito em uma série de casos de pericardite constritiva submetidos à pericardiectomia.
Pacientes com pericardite constritiva confirmada por cirurgia foram avaliados retrospectivamente quanto a variáveis clínicas e laboratoriais. Dois métodos diagnósticos foram utilizados: ecocardiograma transtorácico e ressonância cardíaca. Preditores de mortalidade foram determinados por análise univariada usando metodologia das proporções de Cox e hazard ratio. Todos os testes foram considerados bicaudais e um erro alfa ≤ 5% foi considerado como significante.
Foram estudados 84 pacientes com idade média de 44 ± 17,9 anos, sendo 67% do sexo masculino. Sinais e sintomas de insuficiência cardíaca (IC) predominantemente direita estiveram presentes com estase jugular, edema e ascite em 89%, 89% e 62% dos casos, respectivamente. Etiologia idiopática foi observada em 69% dos casos, seguida por tuberculose em 21%. Apesar do grau de IC, encontramos baixos níveis de BNP (mediana de 157 pg/mL). As sensibilidades diagnósticas para constrição do ecocardiograma e da ressonância foram 53,6% e 95,9%, respectivamente. Durante a evolução clínica, houve 9 óbitos (10,7%) e os fatores de risco foram: anemia, elevações de BNP, PCR, hipertensão pulmonar > 55 mmHg e fibrilação atrial.
Pericardite constritiva manifesta-se com sinais e sintomas de IC biventricular com predomínio à direita e baixos níveis de BNP. A ressonância magnética apresenta melhor sensibilidade para diagnóstico. Marcadores clínicos, laboratoriais e de imagem estiveram associados ao óbito.
Palavras-chave: Pericardite Constritiva/cirurgia, Diagnostico, Prognóstico, Diagnóstico por Imagem; Pericardiectomia
International studies have reported the value of the clinical profile and laboratory findings in the diagnosis of constrictive pericarditis. However, Brazilian population data are scarce.
To assess the clinical characteristics, sensitivity of imaging tests and factors related to the death of patients with constrictive pericarditis undergoing pericardiectomy.
Patients with constrictive pericarditis surgically confirmed were retrospectively assessed regarding their clinical and laboratory variables. Two methods were used: transthoracic echocardiography and cardiac magnetic resonance imaging. Mortality predictors were determined by use of univariate analysis with Cox proportional hazards model and hazard ratio. All tests were two-tailed, and an alpha error ≤ 5% was considered statically significant.
We studied 84 patients (mean age, 44 ± 17.9 years; 67% male). Signs and symptoms of predominantly right heart failure were present with jugular venous distention, edema and ascites in 89%, 89% and 62% of the cases, respectively. Idiopathic etiology was present in 69.1%, followed by tuberculosis (21%). Despite the advanced heart failure degree, low BNP levels (median, 157 pg/mL) were found. The diagnostic sensitivities for constriction of echocardiography and magnetic resonance imaging were 53.6% and 95.9%, respectively. There were 9 deaths (10.7%), and the risk factors were: anemia, BNP and C reactive protein levels, pulmonary hypertension >55 mm Hg, and atrial fibrillation.
Magnetic resonance imaging had better diagnostic sensitivity. Clinical, laboratory and imaging markers were associated with death.
Keywords: Pericarditis, Constrictive/surgery; Diagnosis, Prognosis; Diagnostic Imaging; Pericardiectomy
A pericardite constritiva (PC) é uma doença consequente à perda da elasticidade do pericárdio, gerando uma síndrome restritiva. Trata-se de uma causa infrequente de insuficiência cardíaca (IC), pouco diagnosticada em virtude de sua fisiopatologia peculiar.1-3 O pericárdio inelástico impede o enchimento ventricular, levando geralmente a sinais e sintomas de IC direita, podendo confundir-se com outras causas de IC e doenças hepáticas, o que compromete a evolução do paciente, pois a PC é uma doença potencialmente curável e, quanto mais precoce for tratada, melhor o prognóstico.4,5
Estudos prévios têm relatado o perfil clínico e o valor dos exames de imagem no diagnóstico da PC.6-8 Entretanto, dados da população brasileira são escassos. O objetivo deste estudo foi avaliar características clínicas, sensibilidade de exames de laboratório e fatores relacionados ao óbito em uma série de casos de PC submetidos à pericardiectomia em um período de 13 anos em um centro de referência terciário.
Foram estudados retrospectivamente 95 pacientes com diagnóstico de PC submetidos a pericardiectomia no período de janeiro de 2002 a agosto de 2015. Desses, 11 foram excluídos por apresentarem dados incompletos em prontuário, restando para análise final 84 casos.
Foram coletados os seguintes dados clínicos: idade, sexo, tempos de sintomas e de internação, ascite, edema, knock pericárdico, estase jugular, pulso paradoxal, sinal de Kussmaul e fibrilação atrial (FA). O knock pericárdico foi caracterizado como um som rude, protodiastólico, coincidindo com o nadir do descenso Y. Foram analisados exames laboratoriais [hemoglobina, peptídeo natriurético cerebral (BNP), proteína C reativa (PCR)]. A dosagem de BNP foi realizada pelo método de quimioluminescência (Bayer ADVIA Centaur Bayer Diagnostics, São Paulo, SP, Brasil).
Os exames de ecocardiografia e ressonância magnética cardíaca pré-operatórios foram considerados sugestivos do diagnóstico quando houve descrição de pelo menos dois achados compatíveis com constrição, tais como: espessamento pericárdico, presença de bounce septal (deslocamento paradoxal), redução inspiratória da onda E mitral (> 25%) e dilatação de veia cava inferior. Quando mais de um exame estava disponível, optamos por selecionar o mais antigo.
Pericardite tuberculosa foi diagnosticada pela biópsia do pericárdio, com demonstração de granuloma caseoso ou reação em cadeia da polimerase positiva para o bacilo. As pericardites constritivas pós-radiação e pós-cirúrgica foram definidas nos casos com antecedente de radioterapia mediastinal e cirurgia cardíaca, respectivamente. Pericardite constritiva idiopática foi definida quando os pacientes não se enquadraram em nenhum dos grupos citados.
A sobrevida foi obtida através de prontuários ou contatos telefônicos.
Foi realizada pericardiectomia através de esternotomia mediana em todos os casos, sem uso de circulação extracorpórea. Pericardiectomia total foi definida como excisão do pericárdio anterior até os nervos frênicos e a face diafragmática. A retirada do pericárdio visceral e parietal foi realizada sempre que tecnicamente possível.
Inicialmente foi realizada análise descritiva. Medidas de tendência central e dispersão foram descritas em médias e desvios-padrão ou por medianas e valores mínimos e máximos, conforme suas distribuições. Variáveis qualitativas foram reportadas por frequências absolutas e porcentagens. Os testes do qui-quadrado ou exato de Fisher foram realizados para avaliar diferenças entre grupos com relação às variáveis categóricas.
Todas as variáveis quantitativas foram testadas para avaliar se apresentavam distribuição normal pelo teste de Shapiro-Wilk e visualmente por gráficos Quantil-Quantil (Q-Q plot) ou histogramas. Metodologia de regressão logística foi utilizada quando haviam desfechos dicotômicos.
Preditores de mortalidade foram determinados por análise univariada usando metodologia das proporções de Cox. Hazard ratio (HR) foi demonstrado com seus respectivos intervalos de confiança de 95% e valores de alfa (p). Devido ao pequeno número de pacientes avaliados no estudo não foi possível realizar a análise múltipla para investigar os fatores independentemente associados ao óbito.
Todos os testes foram considerados bicaudais e um erro alfa ≤5% foi considerado como estaticamente significante. Utilizou-se intervalo de confiança de 95% na análise.
Os dados foram inseridos no programa Microsoft Excel 365 e analisados no programa estatístico STATA versão 13.0 (StataCorp LP, College Station, Texas, EUA).
Foram estudados 84 pacientes, com idade média de 44 ± 17,9 anos, sendo 77% do sexo masculino. À internação, todos apresentavam sintomas de IC, predominando estase jugular (89%), edema (89%) e ascite (62%). A mediana de tempo da presença desses sintomas foi de 24 meses, variando de 1 a 1460 dias (Tabela 1). O tempo médio de permanência no hospital foi de 10 dias, e na unidade de terapia intensiva, 3 dias. A etiologia foi predominantemente idiopática (69,1%), seguida por tuberculose (21,4%), pós cirurgia cardíaca (5,9%), doença inflamatória sistêmica (2,4%) e radioterapia (1,2%).
Tabela 1 Distribuição dos pacientes com pericardite constritiva segundo características clínicas e laboratoriais
Parâmetro | Valor |
---|---|
Sexo masculino (%) | 65 (77,4%) |
Idade (anos) | |
média (DP) | 44,4 (± 18) |
mediana (mín - máx) | 44,5 [14 - 86] |
Tempo de sintomas (meses)* | |
mediana (mín - máx) | 24 [1 - 1460] |
BNP (pg/dL)** | |
mediana (mín - máx) | 157 [14 - 692] |
PCR (mg/dL)*** | |
mediana (mín - máx) | 7,40 [0,72 - 142] |
Hemoglobina (g/dL) | |
mediana (mín - máx) | 13 [8,0 - 17,4] |
Creatinina (mg/dL) | |
média (dp) | 1,06 (± 0,24) |
EuroScore | |
mediana (mín - máx) | 0,91 [0,56 - 17,68] |
Cirurgia de urgência | 23 |
Tempo na UTI (dias) | |
mediana (mín - máx) | 3,00 (0 - 80) |
Tempo de hospital (dias) | 10 [0 - 91] |
Fibrilação atrial (%) | 29 (34,5%) |
NYHA III-IV (%) | 66 (78,5%) |
Turgência jugular | 75 (89%) |
Knock pericárdico | 17 (20%) |
Pulso paradoxal | 11 (13%) |
Edema | 75 (89%) |
Ascite | 52 (62%) |
Sinal de Kussmaul | 12 (14%) |
Derrame pleural | 37 (44%) |
Calcificação RX de tórax | 19 (22%) |
Letalidade | 9 (10,7%) |
Dados ausentes:
(*)27;
(**)20;
(***)17
BNP: peptídeo natriurético cerebral; PCR: proteína C reativa; DP: desvio‑padrão; UTI: unidade de terapia intensiva.
Apesar do grau avançado de IC, encontramos baixos níveis de BNP, com mediana de 157 pg/mL [14-692], e atividade inflamatória elevada (PCR), com mediana de 7,40 [0,72-142]. Presença de calcificação pericárdica na radiografia de tórax foi observada em 19 pacientes (22,6%) (Tabela 1).
Dos exames ecocardiográficos realizados, somente 45 (53,6%) foram sugestivos de PC em sua conclusão, sendo que espessamento pericárdico foi encontrado em 59 (70,2%), seguido de variação de fluxo mitral e tricúspide à respiração em 38 (45,2%), denotando restrição diastólica (Tabela 2). Quanto à ressonância cardíaca, 73 pacientes realizaram o exame, havendo sinais sugestivos de PC em 70 (95,9%). O achado de espessamento pericárdico (espessura pericárdica > 4 mm) foi demonstrado em 66 (90,4%) exames, sendo as alterações mais comuns dilatação aortocava (70 - 95,9%)deixar apenas 95,9% e “bouncing septal” (deslocamento paradoxal do septointerventricular, 64 - 87,6%) deixar apenas 87,6%. (Tabela 3).
Tabela 2 Variáveis ecocardiográficas
Variáveis ecocardiográficas | n (%) |
---|---|
Sugestiva de PC | 45 (54,2) |
Não sugestiva de PC | 38 (45,8) |
Espessamento pericárdico | 59 (70,2) |
Variação de fluxo mitral e tricúspide à respiração | 38 (45,2) |
PSAP >55 | 8 (9,5) |
Fração de ejeção (%) | |
mediana (mín - máx) | 60 (32 - 80) |
Volume sistólico (mL) | |
mediana (mín - máx) | 34 (10 - 118) |
Volume diastólico (mL) | |
mediana (mín - máx) | 88 (8 - 173) |
DSVE (mm) | |
mediana (mín - máx) | 29 (18 - 50) |
DDVE (mm) | |
mediana (mín - máx) | 45 (31 - 59) |
AE (mm) | |
mediana (mín - máx) | 43,5 (30 - 73) |
Seio aórtico (mm) | |
mediana (mín - máx) | 30 (18 - 42) |
Septo interventricular (mm) | |
mediana (mín - máx) | 8 (6 - 13) |
PP (mm) | |
mediana (mín - máx) | 8 (6 - 12) |
PC: pericardite constritiva; PSAP: pressão sistólica de artéria pulmonar; DSVE: diâmetro sistólico de ventrículo esquerdo; DDVE: diâmetro diastólico de ventrículo esquerdo; PP: parede posterior; AE: diâmetro de átrio esquerdo.
Tabela 3 Variáveis da ressonância nuclear magnética cardíaca
Variáveis | N° | % |
---|---|---|
Ressonância nuclear magnética | ||
Não fizeram | 11 | 13,1 |
Sugestiva de PC | 70 | 95,8 |
Não sugestiva de PC | 3 | 4,1 |
Realce pericárdico | 14 | 19,2 |
Realce miocárdico | 9 | 12,3 |
“Bouncing septal” | 64 | 87,6 |
Dilatação aortocava | 70 | 95,9 |
Átrio esquerdo aumentado | 58 | 79,5 |
Função ventricular esquerda (%) | ||
mediana (mín - máx) | 60 | (25 - 82) |
Espessamento pericárdico (mm) | ||
mediana (mín - máx) | 5 | (0 - 20) |
PC: pericardite constritiva.
Após tempo médio de pós-operatório de 14,6 dias (desvio-padrão de 13,2 dias) e tempo mediano de 10 dias, variando de 0 a 91 dias, verificaram-se, dentre os 84 pacientes avaliados, 9 óbitos (letalidade: 10,7%), sendo que 6 (66,6%) ocorreram nos 30 primeiros dias de pós-operatório (óbito precoce), e os outros 3 após esse período.
A causa de óbito precoce mais frequente foi choque cardiogênico (5 pacientes - 55,5%), sendo que apenas um paciente apresentou choque misto, cardiogênico associado a séptico. Quanto aos três óbitos ocorridos após o 30º dia de pós-operatório, um foi precedido por choque misto (cardiogênico e séptico), e os outros dois, por choque cardiogênico.
Quanto à mortalidade precoce, não houve qualquer associação entre as variáveis estudadas e óbito precoce (Tabela 4).
Tabela 4 Estatística descritiva das variáveis quantitativas dos pacientes com pericardite constritiva segundo ocorrência de óbito após pericardiectomia
Variável | ÓBITO | p+ | |
---|---|---|---|
NÃO (n = 75) | SIM (n = 9) | ||
mediana (mín-máx) | mediana (mín-máx) | ||
Idade | 43 [14 - 86] | 48 [23 - 69] | 0,84 |
Tempo de sintomas (dias) | 24 [2 - 1460] | 12 [1 - 96] | 0,485 |
Tempo de internação pós-op. | 10 [3 - 91] | 6 [0 - 40] | 0,3 |
Tempo em UTI | 3 [2 - 80] | 2,5 [0 - 8] | 0,464 |
Hemoglobina pré-op. | 13,3 [8 - 17,4] | 11,9 [9,6 - 13] | 0,017 |
Creatinina | 1,06 [0,62 - 1,75] | 1,0 [0,77 - 1,58] | 0,815 |
Proteína C reativa | 5,54 [0,72 - 142] | 32,2 [5,76 - 83,8] | 0,022 |
BNP | 143 [14 - 468] | 432 [160 - 692] | 0,001 |
Euroscore II | 0,88 [0,56 - 17,68] | 1,67 [0,79 - 6,0] | 0,214 |
Fração de ejeção | 0,60 [0,32 - 0,80] | 0,60 [0,48 - 0,70] | 0,581 |
Volume sistólico | 35 [10 - 118] | 32 [20 - 35] | 0,691 |
Volume diastólico | 88 [8 - 173] | 83,5 [51 - 108] | 0,444 |
DSVE | 29 [18 - 50] | 29 [24 - 32] | 0,449 |
DDVE | 45 [31 - 59] | 44 [35 - 48] | 0,401 |
PP | 8 [6 - 12] | 8 [7 - 11] | 0,912 |
Septo | 8 [6 - 13] | 8 [7 - 13] | 0,482 |
AE | 44,5 [30 - 73] | 42 [41 - 65] | 0,409 |
Seio aórtico | 30 [18 - 42] | 31 [27 - 37] | 0,293 |
(+)Teste de regressão logística. DSVE: diâmetro sistólico de ventrículo esquerdo; DDVE: diâmetro diastólico de ventrículo esquerdo; PP: parede posterior; AE: diâmetro de átrio esquerdo; BNP: peptídeo natriurético cerebral; UTI: unidade de terapia intensiva.
Foi encontrada significância estatística na associação de óbito com os seguintes achados: FA; marcadores laboratoriais: valor de hemoglobina pré-operatória, PCR e BNP; marcador ecocardiográfico: hipertensão pulmonar > 55 mmHg; as demais variáveis nesta amostra não apresentaram associação, de significância estatística, com óbito na PC (Tabelas 4 e 5).
Tabela 5 Óbitos em pacientes com diagnóstico de pericardite constritiva segundo características demográficas, clínicas e laboratoriais.
Variáveis | Total | no óbitos (letalidade) | HR | Intervalo de confiança de 95% | p§ |
---|---|---|---|---|---|
Óbito precoce* | |||||
sim | - | 6 (66,6%) | - | - | |
Sexo | 0,98 | ||||
masculino | 65 | 7 (10,7%) | |||
feminino | 19 | 2 (10,5%) | 0,98 | 0,20 - 4,75 | |
Idade (anos) | 0,484 | ||||
<44 | 41 | 3 (7,13%) | |||
≥44 | 43 | 6 (13,9%) | 1,93 | 0,48 - 7,75 | |
Etiologia | 0,626 | ||||
Idiopática | 58 | 7(12,06%) | |||
Tuberculose | 18 | 1 (5,55%) | |||
Pós-cirurgia cardíaca | 5 | 1 (20%) | |||
Radioterapia | 1 | 0 | |||
Doença sistêmica | 2 | 0 | |||
Fibrilação atrial | 0,05 | ||||
sim | 29 | 6 (20,6%) | 3,87 | 1,01 - 16,23 | |
não | 55 | 3 (5,4%) | |||
NYHA ≥2 | 1,00 | ||||
não | 16 | 2 (12,5%) | |||
sim | 68 | 7 (10,29%) | 0,93 | 0,19 - 4,51 | |
Tempo total de sintomas (dias)† | 0,356 | ||||
< 24 | 28 | 5 (17,8%) | |||
≥ 24 | 29 | 4 (13,7%) | 0,51 | 0,12 - 2,13 | |
Tempo UTI ≥ 3 dias‡ | 0,454 | ||||
não | 43 | 5 (11,6%) | |||
sim | 28 | 3 (10,7%) | 0,91 | 0,70 - 1,16 | |
Tempo de internação PO ≥ 10 dias | 0,503 | ||||
não | 37 | 5 (13,5%) | |||
sim | 47 | 4 (10,8%) | 0,54 | 0,14 - 2,05 | |
PSAP >55 mmHg | 0,046 | ||||
não | 60 | 5 (8,3%) | |||
sim | 8 | 3 (37,5%) | 4,5 | 1,38 - 24,2 | |
Hemoglobina pré-operatória | 0,003 | ||||
<13 | 33 | 8 (24,2%) | |||
≥13 | 33 | 0 | 0 | - | |
Proteína C reativa | 0,0 | ||||
<7,4 | 26 | 1 (3,8%) | |||
≥7,4 | 26 | 7 (87,3%) | 8,5 | 1,04 - 69,33 | |
BNP | 0,011 | ||||
<157 | 32 | 0 | |||
≥157 | 32 | 7 (21,8%) | NP |
BNP: peptídeo natriurético cerebral; PO: pós-operatório; PSAP: pressão sistólica de artéria pulmonar
*Óbito precoce (≤ 30 dias de pós-operatório);
†57 dados disponíveis;
‡63 dados disponíveis;
§teste exato de Fisher; NP: não possível calcular.
Portanto, em pacientes acometidos por PC, óbito esteve mais associado à presença de FA, valores mais baixos de hemoglobina (< 13 g/dL), mais elevados de PCR (≥ 7,4 mg/dL) e BNP (≥ 157 pg/mL), assim como à presença de pressão sistólica na artéria pulmonar (PSAP) > 55 mmHg. Seus respectivos HR estão descritos nas Tabelas 5 e 6.
Tabela 6 Associação de variáveis ao óbito
Variável | Óbito tardio (n = 3) | Óbito precoce (n = 6) | p+ |
---|---|---|---|
mediana (mín-máx) | mediana (mín-máx) | ||
Idade | 23 [48 - 69] | 23 [51 - 61] | 0,884 |
Tempo de sintomas (dias) | 24 [12 - 96] | 12 [1 - 24] | 0,366 |
Tempo de internação pós-op. | 58 [40 - 71] | 1,5 [1 - 23] | 0,175 |
Hemoglobina pré-op. | 9,6 [11,8 - 12,6] | 12 [10,2 - 13] | 0,507 |
BNP | 683 [160 - 692] | 431 [321 - 465] | 0,469 |
Creatinina | 1,1 [1,04 - 1,36] | 0,95 [0,77 - 1,58] | 0,48 |
PCR | 74,5 [5,76 - 74,8] | 29,4 [18,58 - 83,9] | 0,491 |
(+)Teste de regressão logística. BNP: peptídeo natriurético cerebral; PCR: proteína C reativa.
Apesar da evolução dos métodos complementares, observamos que, em uma boa porcentagem dos pacientes, o correto diagnóstico de constrição pericárdica ainda é tardio, com uma média de 24 meses entre o início dos sintomas e o diagnóstico.
A PC pode simular uma grande variedade de síndromes clínicas e cardiológicas, tais como: cirrose hepática, falência miocárdica e miocardiopatias restritivas.9 O quadro clínico é de IC com presença de anasarca e ascite predominando sobre edema de membros inferiores. Sintomas inespecíficos incluem fadiga, anorexia, náuseas, dispepsia e perda de peso. Portanto, o correto diagnóstico requer um alto grau de suspeita clínica pelo cardiologista.
O quadro clínico descrito na casuística da Mayo Clinic foi: IC (67%); dor torácica (8%); sintomas abdominais (6%); sintomas de restrição (5%); arritmias atriais (4%); e doença hepática severa (4%). Em 6% dos casos, havia baixo débito, derrame pleural de repetição e síncope. A duração dos sintomas anteriormente ao procedimento cirúrgico também foi prolongada, de 11,7 meses, variando de 3 dias a 30 anos.6
Em nossa casuística, também observamos como principal sintoma presença de IC biventricular classe funcional III-IV (78%) com predomínio de IC direita e ascite. Os pacientes se apresentavam com caquexia cardíaca, elevação de pulso venoso jugular e sinal de Kussmaul. O knock pericárdico foi achado infrequente, observado em 20% dos nossos casos, porém, quando presente, foi sugestivo de PC. A característica da ausculta do knock pericárdico é de som agudo, rude, protodiastólico, que resulta da vibração da parede ventricular na fase de enchimento rápido coincidindo com o nadir do descenso Y, podendo ser confundido com a terceira bulha. Geralmente a terceira bulha é mais grave. Em um caso, o paciente estava em avaliação para transplante hepático, porém, a elevação do pulso venoso jugular com descenso Y acentuado e knock pericárdico sugeriu o correto diagnóstico de constrição pericárdica. Observamos também em expressivo número de pacientes (34%) presença de FA, provavelmente pelo longo tempo de evolução.
Dentre as etiologias de PC encontram-se tuberculose, colagenoses, neoplasias e cirurgia cardíaca prévia. De maneira geral, causas mais comuns são as idiopáticas e as secundárias a pericardite viral. Nos países desenvolvidos as etiologias mais frequentes são pós-cirurgia cardíaca e pós-irradiação. A tuberculose ainda continua uma etiologia frequente nos países em desenvolvimento ou em pacientes imunodeprimidos.1,10
Em nosso estudo, observamos: etiologia idiopática (69%), tuberculose (21%), pós-cirurgia cardíaca (6%), doença inflamatória sistêmica (2%), e pós-radiação (1%). Na casuística da Mayo Clinic, de 135 pacientes, o diagnóstico etiológico foi estabelecido em 73% deles, sendo as principais etiologias: pós-cirurgia cardíaca (18%), pericardite (16%) e pós-irradiação (13%). Outras etiologias menos frequentes descritas foram as doenças reumatológicas: artrite reumatoide, polimialgia, miopericardite, artrite psoriática e doença de Still. Nessa casuística, as causas infecciosas foram também infrequentes: um caso de pericardite fúngica e dois de tuberculose.6
As informações fisiológicas e estruturais podem ser obtidas pelo ecocardiograma, tomografia e ressonância do coração. Recentes avanços nos métodos diagnósticos têm permitido avaliação complementar nos pacientes com suspeita diagnóstica de constrição.8,11-13
O ecocardiograma é o primeiro exame não invasivo que pode auxiliar na suspeita da doença e permitir o diagnóstico diferencial de formas de insuficiência ventricular direita, tais como: miocardiopatia restritiva, hipertensão pulmonar e valvopatia mitral.14 Os principais achados incluem espessamento pericárdico, melhor visualizado pelo ecocardiograma transesofágico, movimentação anormal do septo interventricular, dilatação e ausência de colapso inspiratório da veia cava inferior, variação respiratória dos fluxos mitral (> 25%) e tricúspide (> 40%), ondas E’ com velocidade normal ou aumentada, e dilatação biatrial.
Em nossa casuística, apenas 54% dos casos apresentavam ecocardiograma sugestivo de constrição pericárdica. Outro dado interessante é que em 30% dos pacientes não havia espessamento pericárdico, a despeito da confirmação cirúrgica. Dessa forma, o diagnóstico de PC e a indicação de pericardiectomia não devem ser postergados na ausência de espessamento pericárdico ou quando não há outros sinais de constrição pericárdica.6,15 Chama a atenção que, na ausência de sinais sugestivos de PC pelo ecocardiograma, há retardo diagnóstico de PC. Muitos serviços não possuem exames complementares mais sofisticados, tais como ressonância e tomografia. Ao identificar sinais e sintomas de IC direita, o clínico deve suspeitar de síndrome restritiva. Quanto ao diagnóstico topográfico e etiológico das síndromes restritivas, devemos pensar nas afecções endocárdicas, miocárdicas e, principalmente em nosso meio, pericárdicas. Portanto, se o ecocardiograma não for conclusivo, devemos solicitar outros exames complementares para confirmação do diagnóstico de constrição pericárdica, tais como tomografia e ressonância cardíaca. Quanto mais tardio o diagnóstico, pior o prognóstico.
A tomografia e a ressonância permitem boa avaliação anatômica do pericárdio e das câmaras cardíacas; além disso, a ressonância também permite a avaliação funcional de sinais de restrição diastólica. Em nosso estudo, a ressonância foi sugestiva de PC em 96% dos pacientes.
O pericárdico apresenta estrutura fibrosa com característica hipointensa em ambas sequências de T1 e T2, quando comparado ao miocárdio. Considera-se pericárdio normal, uma espessura de 2 mm. Espessamento de 4 mm sugere PC, e o valor de 6 mm tem alta especificidade para diagnóstico de constrição. Aproximadamente 10% a 20% dos pacientes submetidos a tratamento cirúrgico têm espessura pericárdica normal; portanto, esse achado não descarta o diagnóstico. Nesses casos, existe inflamação do pericárdio visceral (epicardite) e a cirurgia de pericardiectomia, em muitos casos, é curativa. Talreja et al.,16 em estudo retrospectivo de 26 pacientes com diagnóstico de PC e espessura pericárdica normal (<2 mm), encontraram como etiologia: cirurgia cardíaca (42%), irradiação torácica (19%), pós-infarto miocárdico (12%), e idiopática (12%).
Na grande maioria dos casos, a ressonância permite o diagnóstico presuntivo de PC. O clínico deve valorizar, além do espessamento, outras caraterísticas que o método permite aferir, tais como movimentação atípica do septo interventricular e dilatação da veia cava inferior.
Em apenas 4% o diagnóstico foi complementado com cateterismo e tomografia de tórax. Dessa forma, mesmo com suspeita clínica importante e ausência de confirmação por métodos complementares, indicamos a toracotomia exploradora, pois, se o diagnóstico não é feito, existe grande probabilidade de má evolução.
Outro achado interessante em nossa casuística são níveis baixos de BNP (mediana de 157 pg/mL), a despeito de classe funcional avançada e sintomática. A explicação para tal fato seria a restrição diastólica e menor tensão parietal, ocasionando menor estímulo para a liberação de BNP. Em estudos prévios, a PC apresentou níveis menores de BNP quando comparada a outras síndromes restritivas, como miocardiopatia restritiva, podendo ser útil no diagnóstico diferencial com outras síndromes restritivas.17-19 Dessa forma, em pacientes com IC predominantemente direita e valores normais ou pouco elevados BNP, devemos considerar a PC como um dos possíveis diagnósticos diferenciais.
Nos pacientes assintomáticos, avaliações periódicas devem ser realizadas de função hepática, capacidade funcional e pressões venosas jugulares. O tratamento clínico é feito com anti-inflamatórios, corticosteroides, diuréticos e antibióticos. Para tuberculose, deve ser realizado antes da cirurgia e continuado depois dela. Os diuréticos devem ser utilizados com o objetivo de reduzir, mas não eliminar, a pressão venosa jugular, a ascite e o edema, pois esses pacientes precisam de pré-carga para manter o débito cardíaco.
A pericardiectomia é o tratamento definitivo para a constrição pericárdica nos casos sintomáticos. A presença de aumento da pressão venosa jugular, a necessidade de diuréticos, a evidência de insuficiência hepática e a redução da capacidade funcional são indicativos de cirurgia. Todos os nossos pacientes eram sintomáticos com tempo tardio de evolução, tendo, portanto, indicação cirúrgica.
Nove pacientes (10,7%) faleceram, seis no período pós-operatório precoce (em 30 dias) e três, tardiamente. A maior parte dos óbitos ocorreu pelo baixo débito após pericardiectomia, sendo, em dois casos, secundário a choque cardiogênico e séptico. Em nossa casuística, encontramos marcadores laboratoriais (anemia, níveis aumentados de atividade inflamatória: PCR e BNP), clínicos (FA) e de imagem (hipertensão arterial pulmonar) como fatores relacionados ao óbito.
O possível mecanismo que explica o aumento da mortalidade relacionado ao BNP ainda não é totalmente esclarecido. Podemos supor que elevações desse biomarcador reflitam fatores que influenciam a sobrevida, tais como: disfunção miocárdica, isquemia e elevações das pressões de enchimento.
A despeito da mortalidade de 10,7%, observamos um EuroScore baixo. No entanto, o estudo EuroScore não contemplava pacientes submetidos a pericardiectomia. Dessa forma, acreditamos que outros escores de risco peri-operatório devam ser utilizados em pacientes submetidos a pericardiectomia.
A PC é uma doença com prognóstico variável com mortalidade intra-hospitalar de 5% a 16%.20,21
Tokuda et al.,22 avaliaram 346 pacientes submetidos a pericardiectomia e tiveram mortalidade de 10%, sendo os preditores de pior prognóstico: classe funcional IV, insuficiência renal, cirurgia cardíaca prévia e uso de circulação extracorpórea. Peset et al.,21 observaram mortalidade de 16%, sendo 80% decorrente de IC direita e baixo débito. Por outro lado, Bashi et al.,23 observaram declínio na mortalidade de 16%, no período de 1954-73, para 11%, no período de 1974-86, decorrente da melhora nos cuidados pós-operatórios. No entanto, no último período, os pacientes estavam em estágio mais avançado da doença.
No estudo da Mayo Clinic, em 135 pacientes, houve 39 óbitos (29%), sendo que desses, 26 ocorreram após a alta hospitalar. A sobrevida em 5 e 10 anos foi respectivamente de 71% e 52%. Os determinantes de sobrevida foram: idade, radioterapia prévia, classe funcional e concentração de sódio. Cerca de 31% dos pacientes ainda apresentavam sinais e sintomas de IC classe funcional II-IV em algum momento da evolução, com média de 7 meses após o procedimento cirúrgico. Os preditores de IC tardios foram idade, radiação e ascite.6
À semelhança de nossos resultados, Bertog et al.20 encontraram aumento da pressão pulmonar como fator adverso, o que foi atribuído a severidade da constrição pericárdica concomitante, disfunção miocárdica ou patologias pulmonares associadas.
A fração de ejeção pode se reduzir no pós-operatório e levar meses para se normalizar; nesse ínterim, o uso de digoxina, diuréticos e vasodilatadores pode ser de utilidade clínica. Outros fatores que determinam o prognóstico dependem do grau de atrofia e fibrose miocárdica, assim como do grau de calcificação e adesão entre epicárdico e miocárdico, que dificulta o desbridamento cirúrgico.
A PC é uma afecção curável quando diagnosticada precocemente e tem boa evolução pós-operatória. Com o maior conhecimento e principalmente reconhecimento dessa afecção, poderemos diminuir as elevadas taxas de morbimortalidade ainda presentes no nosso meio.
A PC manifesta-se com sinais e sintomas de IC biventricular com predomínio à direita e níveis de BNP pouco elevados.
O diagnóstico é tardio, com mediana de 24 meses entre os sintomas e o correto diagnóstico.
A ressonância magnética apresenta melhor sensibilidade para diagnóstico quando comparada ao ecocardiograma.
Marcadores clínicos (FA), laboratoriais (hemoglobina < 13 g/dL, PCR ≥ 7,4 mg/dL, BNP ≥ 157 pg/mL) e de imagem (PSAP > 55 mmHg) estiveram associados com mortalidade.
A amostra foi composta predominantemente por casos com etiologia idiopática, provenientes de um único centro terciário de cardiologia, o que pode representar viés de seleção e limitar a validade externa dos resultados.
O ecocardiograma foi realizado por um mesmo examinador, não sendo possível avaliar a reprodutibilidade de resultados, ou seja, a variabilidade intra- e inter-observador. No entanto, foi realizado por examinador experiente e que estava cego para os resultados das demais avaliações.