Compartilhar

Incidence of bifid uvula and its relationship to submucous cleft palate and a family history of oral cleft in the Brazilian population

Incidence of bifid uvula and its relationship to submucous cleft palate and a family history of oral cleft in the Brazilian population

Autores:

Sizina Aguiar G. Sales,
Maria Luiza Santos,
Renato Assis Machado,
Verônica Oliveira Dias,
Jairo Evangelista Nascimento,
Mario Sérgio Oliveira Swerts,
Hercílio Martelli Júnior,
Daniella Reis Barbosa Martelli

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.84 no.6 São Paulo nov./dez. 2018

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.08.004

Introdução

A úvula bífida é uma anomalia frequentemente observada na população geral.1 Sua incidência varia de acordo com os grupos raciais.2 A incidência é maior em indianos e mongóis, relativamente frequente em brancos e menos frequente em negros.2,3 A úvula bífida é frequentemente considerada como marcador de fenda palatina submucosa, embora essa relação não tenha sido totalmente confirmada.1,4 A úvula bífida tem sido, assim, uma ferramenta para os médicos detectarem os primeiros sinais de fenda oral.4

A fenda palatina submucosa é uma malformação congênita com características clínicas específicas que foram descritas pela primeira vez por Calnan e são conhecidas como a "tríade de Calnan".5 Os sinais diagnósticos da tríade de Calnan são a úvula bífida, a separação do músculo do palato mole da linha média, com uma superfície mucosa íntegra e um defeito posterior da incisura palatal.6 Tem uma prevalência estimada de 1:1.250-1: 5.000.7 O banco de dados OMIM de distúrbios mendelianos lista a fenda palatina submucosa como um achado clínico em aproximadamente 40 síndromes distintas. No entanto, em aproximadamente 70% dos casos, a fenda palatina submucosa é um achado isolado.8

A fenda labial e/ou fenda palatina não sindrômica (FLNS/ P, OMIM nº 119530) é o defeito congênito orofacial mais comum, ocorre em um em 500-2.500 nascidos vivos em todo o mundo.9 No Brasil, a prevalência varia de 0,36 e 1,54 por 1.000 nascidos vivos.10,11 FLNS/P é causada por uma interação complexa entre exposições ambientais e fatores genéticos e epigenéticos. Embora na última década múltiplas variantes genéticas tenham sido associadas a fendas orais e fornecido informações valiosas sobre a sua etiologia genética, os genes de susceptibilidade à doença identificados até agora apenas representam uma pequena porcentagem de casos.9,12

Portanto, o objetivo do presente estudo foi determinar a frequência de úvula bífida e fenda palatina submucosa e sua relação com fendas orais em uma população brasileira.

Método

Após a aprovação adequada do Comitê de Ética (nº 957.462), Conselho de Revisão Institucional, fizemos um estudo transversal, descritivo e quantitativo de 1.206 crianças entre agosto de 2014 e dezembro de 2015. As crianças foram avaliadas em unidades de saúde primárias ou ambulatoriais. Todas as unidades eram da rede de saúde pública brasileira (SUS). Todos os sujeitos do estudo nasceram na mesma região do Estado de Minas Gerais, Brasil, e tiveram condições sociais semelhantes.

O exame clínico das crianças foi feito por meio da inspeção da cavidade oral com auxílio de um abaixador de língua e luz direcionada. O uso de luz de lanterna possibilitou uma visão direta na frente do examinador (SAGS). O exame da cavidade oral objetivou verificar a presença de uma úvula bífida ou fenda palatina submucosa.

Após o exame clínico nas crianças, os pais responderam a um questionário com perguntas sobre informações demográficas básicas e seus antecedentes de fendas orais em parentes de primeiro grau (mãe, pai, filho, filha e irmãos).13 Nenhum progenitor se recusou a responder o questionário. Os questionários foram aplicados em uma única sessão, sempre após o exame clínico de crianças. Crianças com anomalias congênitas ou síndromes foram excluídas do estudo. Isso foi inicialmente feito como um estudo-piloto.

As fendas orais foram categorizadas, quando presentes, nos três grupos seguintes, com o forame incisivo como referência: 1) fenda labial (FL): inclui fendas completas ou incompletas pré-forame, unilaterais ou bilaterais; 2) fenda labial ou palatina (FLP): inclui fendas transforame unilaterais ou bilaterais e fendas pré ou pós-forame; e 3) fenda palatina (FP): inclui todas as fendas pós-forame, completas ou incompletas.14

Após a aplicação dos questionários, as informações coletadas foram arquivadas em um banco de dados e analisadas pelo programa estatístico SPSS® versão 19.0, aplicou-se o teste de qui-quadrado. Os valores com p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

Das 1.206 crianças incluídas neste estudo, 608 (50.40%) eram do sexo feminino e 598 (49,60%) do masculino (p = 0,773). A idade média foi de 3,75 anos (DP ± 3,78 anos). Houve prevalência de não brancos (764%-63,3%) versus brancos (442% 36,7%).

Das 1.206 crianças estudadas, seis (0,5%) apresentaram úvula bífida. A fenda palatina submucosa não foi encontrada. Quando as histórias familiares de crianças foram examinadas quanto à presença de FLNS/P, nenhum parente de primeiro grau apresentou a anomalia congênita.

Discussão e conclusão

A ancestralidade dos habitantes individuais do Estado de Minas Gerais com fendas orais já havia sido investigada.15,16 As contribuições de ascendência médias para pacientes com fendas orais foram estimadas em 87,5% em países europeus, 10,7% em África e 1,8% em ameríndios.15

O termo úvula bífida significa bifurcação parcial ou total da úvula. A ocorrência de úvula bífida despertou interesse devido à possibilidade de ser considerada uma forma leve de fenda palatina ou associada à fenda palatina submucosa.4,17 Contudo, a descoberta de uma bifidez da úvula pode não ser tão simples quanto parece. A viscosidade da mucosa pode conter uma úvula com uma incisura ou grosseiramente bífida em conjunto, torna a bifidez bastante difícil de identificar pelo exame orofaríngeo de rotina. A viscosidade da mucosa também pode impedir a identificação dessas anomalias no intraoperatório, mesmo após uma inspeção e palpação cuidadosa.4

A úvula bífida é aparente em 0,44%-3,3% dos indivíduos normais.1,18 De 1.206 crianças examinadas no presente estudo, seis (0,49%) apresentaram úvula bífida. Como vários estudos19-21 mostraram uma maior incidência de fenda palatina nas mulheres, seria possível supor uma maior prevalência de úvula bífida em mulheres também em nossa investigação. No entanto, em nossa pesquisa, entre os seis casos de úvula bífida identificados, a maioria ocorreu em homens (cinco vs. um). Estudos feitos por nosso grupo no mesmo estado (Minas Gerais, Brasil) mostraram predominância de fenda palatina em mulheres.21,22 Há outros estudos18,23,24 que apresentaram maior ocorrência de úvula bífida em homens, concordam com nosso estudo.

Semelhante a casos de fissura palatina, a fenda palatina submucosa apresenta mau posicionamento dos músculos do palato e pode resultar em insuficiência velofaríngea e hipernasalidade.6 No entanto, a fenda palatina submucosa é mais difícil de diagnosticar do que os casos de fenda palatina aparente, em parte porque os palatos moles e duros não apresentam espaço e apenas a úvula se encontra bífida.6 Isso está de acordo com os resultados já relatados de que a fenda palatina submucosa é frequentemente diagnosticada tardiamente.25,26 Um motivo para o diagnóstico tardio pode ser a falta de alerta para características anatômicas evidentes de uma fenda palatina subjacente invisível.25,26 Durante o exame intraoral, em mais de 90% dos pacientes que apresentaram uma úvula bífida ela foi associada a uma fenda palatina submucosa. Essa variação anatômica visual, no entanto, não foi detectada durante o exame de recém-nascidos após o nascimento.27 Embora a presença de úvula bífida seja uma constante para a ocorrência de fenda palatina submucosa, em nosso estudo de 1.206 crianças avaliadas não foram encontrados casos de fenda palatina submucosa.

Embora tenha havido um progresso grande na identificação dos fatores de risco ambientais e genéticos associados às fendas orais, sua etiologia na maioria dos casos permanece obscura.9 Estudos têm procurado correlacionar várias alterações com fendas orais.28 A ocorrência de neoplasias malignas extraorais em parentes de pacientes com fendas orais,13,28 assim como anomalias dentárias nos pacientes portadores de fendas,29 tem sido relatada. No presente estudo, não foram identificados casos de fendas orais em parentes de crianças com úvula bífida.

Embora crianças com úvula bífida possam ter alterações na fala, audição e deglutição, nas seis crianças diagnosticadas com úvula bífida em nosso estudo, essas alterações não foram observadas. Todos os pais foram informados sobre a presença da úvula bífida em seus filhos. A cooperação entre médicos de várias especialidades, como pediatras e otorrinolaringologistas, que estão em contato constante com bebês e crianças pequenas, será vital para a identificação da úvula bífida. Crianças nas quais a úvula bífida é evidente após o exame oral ou durante consultas de saúde regulares devem ser examinadas por um especialista.6 Nesse contexto, as interações entre vários profissionais de saúde, inclusive médicos e dentistas, são claramente visíveis.

Este estudo revelou que 0,5% dos pacientes com fenda oral apresentaram úvula bífida em uma população brasileira. Nenhum paciente apresentou fenda palatina submucosa e nenhum parente de primeiro grau apresentou anomalia congênita. Nosso estudo sugere a necessidade de uma intensificação de novas revisões, com populações mais amplas e diversas, busca associar a ocorrência de úvula bífida, fenda palatina submucosa e fendas orais.

REFERÊNCIAS

1 Shprintzen RJ, Schwartz RH, Daniller A, Hoch L. Morphologic significance of bifid uvula. Pediatrics. 1985;75:553-61.
2 Meskin LH, Gorlin RJ, Isaacson RJ. Abnormal morphology of the soft palate: I. The prevalence of cleft uvula. Cleft Palate J. 1964;35:342-6.
3 Richardson ER. Cleft uvula incidence in Negroes. Cleft Palate J. 1970;7:669-72.
4 Suryadevara AC, Tatum SA. Floating the uvula: an intraoperative method for detecting bifidity. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2007;71:175-7.
5 Calnan J. Submucous cleft palate. Br J Plast Surg. 1954;6:264-82.
6 Oji T, Sakamoto Y, Ogata H, Tamada I, Kishi K. A 25-year review of cases with submucous cleft palate. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2013;77:1183-5.
7 Gosain AK, Conley SF, Marks S, Larson DL. Submucous cleft-palate: diagnostic methods and outcomes of surgical treatment. Plast Reconstr Surg. 1996;97:1497-509.
8 Reiter R, Brosch S, Goebel I, Ludwig KU, Pickhard A, Hogel J, et al. A post GWAS association study of SNPs associated with cleft lip with or without cleft palate in submucous cleft palate. Am J Med Genet Part A. 2015;167:670-3.
9 Dixon MJ, Marazita ML, Beaty TH, Murray JC. Cleft lip and palate: understanding genetic and environmental influences. Nat Rev Genet. 2011;12:167-78.
10 Martelli-Júnior H, Porto LV, Martelli DR, Bonan PR, Freitas AB, Coletta RD. Prevalence of nonsyndromic oral clefts in a reference hospital in the state of Minas Gerais, Brazil, between 2000-2005. Braz Oral Res. 2007;21:314-7.
11 Rodrigues K, Sena MF, Roncali AG, Ferreira MA. Prevalence of oral clefts and social factors in Brazil. Braz Oral Res. 2009;23:38-42.
12 Machado RA, Moreira HS, Aquino SN, Martelli-Júnior H, Almeida Reis SR, Persuhn DC, et al. Interactions between RAD51 rs1801321 and maternal cigarrete smoking as risk factor for nonsyndromic cleft lip with or without cleft palate. Am J Med Genet Part A. 2016;170A:536-9.
13 Martelli DR, Vieira AR, Fonseca AT, Coletta RD, Soares PB, Martelli-Júnior H. Risk of nonsyndromic cleft lip and palate in relatives of women with breast cancer. Am J Med Genet Part A. 2014;164A:270-1.
14 Spina V, Psillakis JM, Lapa FS, Ferreira MC. Classification of cleft lip and cleft palate. Suggested changes. Rev Hosp Clin Fac Med São Paulo. 1972;27:5-6.
15 Aquino SN, Messetti AC, Bagordakis E, Martelli-Júnior H, Swerts MS, Graner E, et al. Polymorphisms in FGF12, VCL CX43 and VAX1 in Brazilian patients with nonsyndromic cleft lip with or without cleft palate. BMC Med Genet. 2013;14:53.
16 Pena SD, Di Pietro G, Fuchshuber-Moraes M, Genro JP, Hutz MH, Kehdy SF, et al. The genomic ancestry of individuals from different geographical regions of Brazil is more uniform than expected. PLOS ONE. 2011;6:e17063.
17 Stal S, Hicks MJ. Classic and occult submucous cleft palates: a histopathologic analysis. Cleft Palate Craniofac J. 1997;35:351-8.
18 Chosack A, Eidelman E. Cleft uvula: prevalence and genetics. Cleft Palate J. 1978;15:163-7.
19 Gundlach KK, Maus C. Epidemiological studies on the frequency of clefts in Europe and world-wide. J Craniomaxillofac Surg. 2006;2:1-2.
20 Shapira Y, Lubit E, Kuftinec MM, Borell G. The distribution of clefts of the primary and secondary palates by sex, type and location. Angle Orthod. 1999;69:523-8.
21 Martelli DR, Bonan PR, Soares MC, Paranaíba LR, Martelli-Júnior H. Analysis of familial incidence of non-syndromic cleft lip and palate in a Brazilian population. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2010;15:898-901.
22 Martelli DR, Machado RA, Swerts MS, Rodrigues LA, Aquino SN, Martelli-Júnior H. Non syndromic cleft lip and palate: relationship between sex and clinical extension. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78:116-20.
23 Schwartz RH, Hayden GF, Rodriquez WJ, Shprintzen RJ, Cassidy JW. The bifid uvula: is it a marker for an otitis prone child? Laryngoscope. 1985;95:1100-2.
24 Rivron RP. Bifid uvula: prevalence and association in otitis media with effusion in children admitted for routine otolaryngological operations. J Laryngol Otol. 1989;103:249-52.
25 Reiter R, Haase S, Brosch S. Submucous cleft palate-an often late diagnosed malformation. Laryngorhinootologie. 2010;89:29-33.
26 Reiter R, Brosch S, Wefel H, Schlomer G, Haase S. Submucous cleft palate: diagnosis and therapy. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75:85-8.
27 Ten Dam E, van der Heijden P, Korsten-Meijer AG, Goorhuis-Brouwer SM, van der Laan BF. Age of diagnosis and evaluation of consequences of submucous cleft palate. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2013;77:1019-24.
28 Popoff DAV, Coelho MP, Martelli DRB, Saini R, Coletta RD, Martelli-Júnior H. Nonsyndromic oral clefts and risk of cancer: a systematic review. Dentistry. 2013;1:1-7.
29 Melo Filho MR, Nogueira dos Santos LA, Barbosa Martelli DR, Silveira MF, Esteves da Silva M, de Barros LM, et al. Taurodontism in patients with nonsyndromic cleft lip and palate in a Brazilian population: a case control evaluation with panoramic radiographs. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2015;120:744-50.