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Incidência de ganho de peso em trabalhadores de um hospital: análise de sobrevivência

Incidência de ganho de peso em trabalhadores de um hospital: análise de sobrevivência

Autores:

Taissa Pereira de Araújo,
Odaleia Barbosa de Aguiar,
Maria de Jesus Mendes da Fonseca

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.10 Rio de Janeiro out. 2019 Epub 26-Set-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182410.03412018

Introdução

A maior frequência de ganho de peso tem sido descrita na literatura em fases de transição da vida, como por exemplo: da infância para adolescência, da adolescência para a fase adulta, principalmente na entrada no mercado do trabalho e, no caso das mulheres, nos estágios de pré e pós-menopausa, sendo associado, na maior parte dos estudos à incidência de doenças cardiovasculares (DCV)1,2. Além disso, sabe-se que existem diferentes padrões de ganho de peso corporal, que variam de acordo com o sexo e o nível de escolaridade1, entretanto, o tema ainda não está consolidado nos achados e diversos autores têm buscado melhor forma de compreendê-lo.

Na passagem da infância para adolescência e da adolescência para a fase adulta o ganho de peso tem sido apontado como preditor de risco cardiovascular, estando associado com o alto risco de hipertensão e diabetes mellitus tipo II2. O ganho de peso no início da fase adulta parece conferir um maior risco de doença cardíaca coronária do que quando ocorre mais tarde3.

A associação do ganho de peso, principalmente entre aqueles que se encontram inseridos no mercado de trabalho, com risco cardiovascular tem sido marcadamente explorada entre os trabalhadores de turnos e de turnos atípicos, como os noturnos4,5, com longas horas de trabalho6, entre aqueles que perderam o emprego7 e entre aposentados8.

Um aspecto importante nos estudos de ganho de peso é que as mudanças de peso não afetam todos os segmentos da sociedade de forma igual, as diferentes trajetórias de estado nutricional estão associadas a diferenças socioeconômicas1. Nos estudos considerando o aumento do IMC relacionado com a idade, foi mais acentuado no grupo de baixo nível socioeconômico9. Na classe trabalhadora de ambiente hospitalar essa situação não é diferente, o quadro de excesso de peso e obesidade segue a média da população brasileira entre os trabalhadores com fatores socioeconômicos atuais e pregressos desfavoráveis10. Um estudo com 780 trabalhadores homens norte-americanos, que utilizou as informações de exames de saúde ocupacional, observou o ganho de peso entre os trabalhadores mais jovens que eram mais inclinados ao consumo de alimentos com menor valor nutricional nas refeições11.

Os padrões mais frequentes de ganho de peso corporal durante a vida adulta, além da manutenção, são o aumento de peso gradual ao longo dos anos de vida e o aumento e perda de peso, intencional ou não, denominado peso cíclico, conhecido como efeito “sanfona” ou “iô iô”, que está associado à obesidade e podendo ter como consequência taxas de incidência mais elevadas de hipertensão, diabetes e alguns cânceres12-14.

É importante destacar que o aumento de peso e sua possível relação com o trabalho, revelam-se de forma lenta e insidiosa, podendo se arrastar por anos para sua manifestação, o que tem demonstrado ser um fator de dificuldade no estabelecimento da relação entre obesidade e o trabalho. Para o ganho de peso, as explicações têm sido pautadas, principalmente, nos hábitos alimentares e padrões de atividade física influenciados por um estilo de vida não saudável15,16. Entretanto, esses hábitos e comportamentos podem variar devido à rotina de trabalho. Trabalhadores de ambiente hospitalar, principalmente os que lidam com o cuidado direto, executam atividades de alta tensão, caracterizadas pela convivência frequente destes com o sofrimento físico e emocional de pacientes, sobrecarga de atividades no turno de trabalho, carga horária excessiva, remuneração não condizente e desvalorização profissional17,18. Essa rotina muitas vezes impacta a vida destes trabalhadores, como por exemplo, a diminuição de horários de alimentação, lazer, repouso, sono, trazendo consequências que podem levar ao ganho de peso19,20.

O ganho de peso não saudável pode influenciar na capacidade de trabalho do indivíduo, assim como o trabalho pode influenciar no ganho de peso, já que trabalhadores permanecem, em média, um quarto de suas vidas nos locais de trabalho21.

O objetivo deste trabalho foi analisar o ganho de peso e fatores associados: sexo, faixa etária, escolaridade, tabagismo, diabetes, colesterol elevado, pressão arterial elevada; em trabalhadores de um hospital privado localizado no Rio de Janeiro.

Métodos: desenho, população, análise estatística e aspectos éticos

Trata-se de uma coorte retrospectiva dinâmica de uma população de trabalhadores de um hospital privado do Município do Rio de Janeiro, tendo como critério de inclusão ter realizado ao menos dois exames de saúde ocupacionais (admissional e periódico) entre os anos de 2010 e 2015. Do total de 818 trabalhadores elegíveis que apresentavam duas medidas ou mais de massa corporal foram excluídos: 74, por não ter registro completo das informações sobre sexo, faixa etária, escolaridade, tabagismo e doenças crônicas. As doenças que fazem parte do sistema de informação do hospital são autorreferidas, sendo disponibilizado: diabetes (sim ou não) considerando o último exame realizado e glicemia maior ou igual que 126mg/dl, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes; colesterol (sim ou não), considerando o último exame realizado e valor igual ou acima de 240mg/dl, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia.

As medidas de pressão arterial foram realizadas por profissional médico durante o exame periódico, através de esfigmomanômetro modelo aneroide marca Missouri, e classificadas como pressão arterial elevada, seguindo as premissas da Sociedade Brasileira de Hipertensão (2010), que considera hipertenso o indivíduo com pressão sistólica e/ou diastólica maior ou igual a 140 mmHg e 90 mmHg, respectivamente.

As medidas antropométricas foram registradas por técnico de enfermagem do setor de Medicina do Trabalho que realizavam as medidas de: massa corporal, realizada em balança digital da marca Filizola modelo Personal nº 9917-2008, capacidade máxima de 180kg e mínima de 2kg e precisão de 100g, e altura aferida através de estadiômetro acoplado à balança com altura máxima de 192 cm e precisão 0,1cm.

Além disso, os trabalhadores que perderam peso no período estudado (n = 58) foram excluídos, considerando que o objeto deste estudo foi o ganho de peso. Assim, fizeram parte desta análise 686 profissionais. As informações foram disponibilizadas em planilhas Excel®, sendo extraídas diretamente do sistema informatizado de dados utilizados no setor de medicina do trabalho da rede hospitalar.

As covariáveis foram: sexo (feminino e masculino); faixa etária (até 30 anos; 31 a 40 anos; 41 anos ou mais); escolaridade (até fundamental completo, médio completo, superior completo, não informado).

A covariável comorbidades foi elaborada a partir da confirmação do indivíduo, de ser portador de pelo menos uma das doenças (diabetes, colesterol e pressão arterial elevadas). A característica comportamental utilizada foi hábito de fumar (sim ou não).

Em 2000, Bianchi22, propôs a classificação para ambiente hospitalar em setores abertos e fechados. Os setores abertos são unidades de internação, emergência e comissão de controle de infecção hospitalar (CCIH) e os setores fechados são unidades de terapia intensiva (UTI), centro cirúrgico e central de material esterilizado (CME). Além desses setores têm os setores administrativos que reúnem os profissionais que atuam em gerência e supervisão, diretoria, logística, farmácia.

No nosso estudo categorizamos os setores do hospital conforme Bianchi22, considerando: aberto (unidade de internação, emergência, serviço de apoio à diagnose e terapia (SADT), comissão de controle de infecção hospitalar (CCIH), educação continuada, serviço social); fechado (semi-intensiva, unidade de terapia intensiva (UTI), centro cirúrgico, central de material esterilizado (CME)) e, administrativo (serviços de apoio, infraestrutura, diretoria e logística).

O tempo de acompanhamento dos trabalhadores no estudo foi definido como a diferença entre o ano do último exame médico realizado (periódico ou demissional) e o ano do primeiro exame médico realizado (admissional). A censura ocorreu quando houve demissão antes dos quatro anos de acompanhamento.

O desfecho, ganho de peso (sim ou não), foi verificado pela diferença entre o último peso aferido (exame médico periódico ou demissional) e o peso aferido no exame médico admissional. Consideramos ganho de peso positivo os indivíduos que apresentaram aumento de peso superior a 5% em relação ao peso registrado no exame admissional.

As análises descritivas foram realizadas para verificar as frequências das variáveis. A taxa de incidência foi calculada considerando o número de trabalhadores do hospital que ganharam peso no período estudado, divididos pelo somatório do tempo de acompanhamento dos trabalhadores no estudo (pessoa-tempo).

O método de Kaplan-Meier foi utilizado na análise exploratória das variáveis. Para comparar as curvas de sobrevivência foram realizados os testes de hipóteses de log-rank e Peto, verificando-se a diferença significativa no ganho de peso entre os grupos estudados23.

Na modelagem múltipla foi utilizado o modelo de regressão semi-paramétrico de riscos proporcionais de Cox23. Essa técnica foi utilizada, pois fornece as estimativas das razões de risco dos fatores estudados, podendo-se avaliar o impacto que alguns fatores de risco ou fatores prognósticos têm no tempo até a ocorrência do evento de interesse24. Nos modelos ajustados foram incluídas as variáveis com valor de p ≤ 0,2, exceto para sexo, que foi mantida devido ao seu significado epidemiológico.

A análise de resíduos foi realizada através do teste de Schoenfeld, que examina se o efeito estimado para cada variável é mantido ao longo de todo o tempo, ou seja, se a proporcionalidade pressuposta pelo modelo de fato existe24.

As análises foram realizadas no Software R Studio version 3.2.1 (RStudio) com auxílio do pacote survival para análise do modelo.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino em 28 de julho de 2015.

Resultados

A taxa de incidência de ganho de peso dos trabalhadores do hospital foi de 22 casos/100 pessoas-ano. A média de tempo de acompanhamento do estudo foi 2,3 anos, com desvio-padrão de 1,16, e a mediana foi de dois anos. A média de ganho de peso no período foi de três quilos (DP = 5,7692).

A maioria da população estudada era composta por mulheres (77,3%), de até 40 anos de idade (77,3%) e com ensino médio completo (52,2%). Os resultados da distribuição dos profissionais nos setores apontaram a presença de 37,8% nos setores abertos e 36,3% nos fechados do hospital.

Relataram uso de tabaco 2,8% da população estudada. Diabetes, colesterol e pressão arterial elevada estiveram presentes em 1,2%, 3,4% e 4,8% dos trabalhadores, respectivamente. Mais da metade da população estudada ganhou peso (51,8% - n = 355) (Tabela 1).

Tabela 1 Características sociodemográficas, de saúde, comportamental, setor hospitalar e ganho de peso dos trabalhadores de um hospital privado do Rio de Janeiro, no período de 2010 a 2015. 

Características n %
Sexo
Feminino 530 77,3
Masculino 156 22,7
Faixa etária
Até 30 anos 258 37,6
De 31 a 40 anos 272 39,7
41 anos ou mais 156 22,7
Escolaridade
Até fundamental completo 63 9,2
Médio completo 358 52,2
Superior completo 212 30,9
Não informado 53 7,7
Tabagismo
Não 667 97,2
Sim 19 2,8
Diabetesa
Não 678 98,8
Sim 8 1,2
Colesterol elevadoa
Não 663 96,6
Sim 23 3,4
Pressão arterial elevada
Não 653 95,2
Sim 33 4,8
Comorbidades
Não 631 92,0
Sim 55 8,0
Setor hospitalar
Abertos 259 37,8
Fechados 249 36,3
Administrativos 178 25,9
Ganho de peso
Não 331 48,2
Sim 355 51,8

aInformado pelo trabalhador.

As curvas de sobrevivência de ganho de peso são apresentadas na Figura 1. Em relação à faixa etária, as curvas no primeiro ano de seguimento apresentaram comportamento semelhante. Até o segundo ano observou-se que as faixas de até 30 anos e de 31 a 40 anos apresentaram taxa de ganho de peso maior do que nos trabalhadores de 41 anos ou mais. No terceiro ano de seguimento, as curvas de sobrevivência das faixas etárias de 31 a 40 anos e 41 anos ou mais se aproximam e permanecem assim até o último ano, quando se apresentam sobrepostas, demonstrando uma taxa de ganho de peso menor do que nos trabalhadores de faixa etária até 30 anos (Figura 1). Os testes Log-rank (p < 0,001) e Peto (p < 0,001) confirmam a diferença no ganho de peso em relação à faixa etária.

Figura 1 Gráficos Kaplan-Meyer de ganho de peso de faixa etária, escolaridade e tipo de setor, em um hospital privado no Rio de Janeiro, de 2010 a 2015. 

As taxas de ganho de peso foram semelhantes, em todos os níveis de escolaridade até o segundo ano e começam a se diferenciar no terceiro ano; a classificação de escolaridade nível médio completo apresentou maior taxa de ganho de peso entre os trabalhadores, permanecendo assim até o fim do seguimento.

Na avaliação do ganho de peso por setores do hospital, a curva dos setores abertos foi a que apresentou menor taxa de ganho de peso entre os trabalhadores. Para escolaridade e setor hospitalar os testes confirmam a diferença de ganho de peso (p < 0,001) (Figura 1).

A Tabela 2 apresenta a associação bruta entre o ganho de peso e características sociodemográficas, de saúde, comportamentais, setores hospitalares. A faixa etária apresentou relação inversa com taxa de incidência de ganho de peso; trabalhadores de 31 anos ou mais têm uma taxa 35% menor comparados aos de até 30 anos. Na escolaridade observou-se que a taxa de ganho de peso nos trabalhadores é maior em todos os níveis quando comparados aos de nível superior completo, com magnitude de até 61% (p < 0,001). De acordo com os tipos de setores hospitalares observou-se que a taxa de incidência de ganho de peso foi 63% maior nos trabalhadores dos setores fechados e 44% maior nos setores administrativos, quando comparados aos dos setores abertos.

Tabela 2 Razão de taxa de incidência bruta entre ganho de peso e características sociodemográficas, de saúde, comportamental e setor hospitalar em trabalhadores de um hospital no período de 2010 a 2015. 

Variáveis Razão de taxa de incidência (IC 95%) P valor
Sexo
Masculino 1 -
Feminino 1.03 (0,80-1,32) 0.821
Faixa etária
Até 30 anos 1 -
De 31 a 40 anos 0.65 (0.52-0,83) 0.00044
41 anos ou mais 0.64 (0,49-0,85) 0.00214
Escolaridade
Superior completo 1 -
Até fundamental completo 1.32 (0,90-1,93) 0.1634
Médio completo 1.61 (1,26-2,05) 0.0001
Tabagismo
Não 1 -
Sim 1.04 (0,52- 2,10) 0.916
Diabetesa
Não 1 -
Sim 0.64 (0,27-1,57) 0.333
Colesterol elevadoa
Não 1 -
Sim 1.06 (0,57-2,00) 0.848
Pressão arterial elevada
Não 1 -
Sim 0.81 (0,48-1,39) 0.453
Comorbidades
Não 1 -
Sim 0.85 (0,57-1,28) 0.432
Setor hospitalar
Abertos 1 -
Fechados 1.63 (1,27-2,09) 0.000127
Administrativos 1.44 (1,10-1,89) 0.007505

aInformados pelo trabalhador.

A Tabela 3 apresenta três modelos ajustados. Nos modelos I e II as taxas de ganho de peso se mantêm menor para trabalhadores acima de 30 anos quando comparados aos de até 30 anos e os de nível médio completo apresentaram taxa de incidência de ganho de peso 55% maior quando comparados aos de ensino superior, ambas significativas estatisticamente. No modelo III, ajustado por faixa etária, sexo e escolaridade, o setor fechado apresenta magnitude de 61% como o setor de trabalhadores do hospital com maior taxa de incidência de ganho de peso, comparados aos trabalhadores de setor aberto (IC 1,24-2,09).

Tabela 3 Modelos de riscos proporcionais de Cox ajustados para ganho de peso em trabalhadores de um hospital no período de 2010 a 2015. 

Variáveis Razão de taxa de incidência
(IC 95%)
Modelo I
Faixa etária (31 a 40 anos) 0.66 (0,52-0,83)
Faixa etária (41 anos ou mais) 0.64 (0,48-0,85)
Sexo feminino 1.05 (0,81-1,35)
Modelo II
Faixa etária (31 a 40 anos) 0.66 (0,52-0,85)
Faixa etária (41 anos ou mais) 0.63 (0,47-0,86)
Sexo feminino 1.07 (0,82-1,39)
Escolaridade (até fund compl) 1.47 (0,98-2,21)
Escolaridade (médio compl) 1.55 (1,21-1,97)
Modelo III
Faixa etária (31 a 40 anos) 0.64 (0,50-0,82)
Faixa etária (41 anos ou mais) 0.63 (0,46-0,86)
Sexo feminino 1.03 (0,80-1,34)
Escolaridade (até fund compl) 1.46 (0,93-2,29)
Escolaridade (médio compl) 1.48 (1,15-1,91)
Setor (fechado) 1.61 (1,24-2,09)
Setor (administrativo) 1.21 (0,90-1,65)

Modelo I: ajustado por faixa etária e sexo. Modelo II: ajustado por faixa etária, sexo e escolaridade. Modelo III: ajustado por faixa etária, sexo, escolaridade e setor.

A análise de resíduos de Schoenfelder foi realizada com o modelo III, sendo aceita a hipótese nula de igualdade de riscos ao longo do tempo, comprovando a proporcionalidade do risco de ganho de peso, e que, portanto, as variáveis não são tempos dependentes (p = 0,08).

Discussão

Os achados do presente estudo apontam associação significativa, nos anos de seguimento, do ganho de peso com faixa etária, escolaridade e trabalhar no setor hospitalar fechado (semi-intensiva, UTI, centro cirúrgico, central de material esterilizado) e, a taxa de incidência de ganho de peso nos trabalhadores do hospital foi de 22 casos/100 pessoas-ano. Nosso achado foi maior do que a encontrada no estudo de Veloso et al.25 de 17 casos/100 pessoas-ano, que investigaram trabalhadores da Bahia avaliados no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, atendido pelo Serviço Social da Indústria (SESI), sugerindo o efeito independente dos programas alimentares oferecidos pelas empresas no ganho de peso entre os estratos com menor rendimento. O efeito não desejável de ganho de peso pode ser atribuído ao excessivo valor energético da refeição oferecida e, os trabalhadores de menor nível socioeconômico terem preferência pelos alimentos considerados “mais fortes”, com maior concentração calórica.

A associação entre ganho de peso e sexo não foi significativa estatisticamente no presente estudo. Scherr et al.26 também não encontraram associação significativa entre ganho de peso e sexo entre 654 trabalhadores de hospital e indústria farmacêutica na Suíça. Em revisão sistemática para avaliação de ganho de peso em mulheres, Wane et al.27 concluíram que muito embora as mulheres na idade adulta jovem sejam mais vulneráveis ao ganho de peso, nos estudos que examinaram os determinantes específicos de ganho de peso as causas não foram claramente identificadas.

Com relação à associação com a faixa etária, em todas as faixas presentes no estudo houve associação significativa estatisticamente com ganho de peso, entretanto trabalhadores adultos mais jovens apresentaram maior taxa de ganho de peso quando comparados aos adultos de maior idade. Um estudo prospectivo realizado com 17.294 finlandeses adultos que foram examinados duas vezes após um intervalo de 4 a 7 (média 5,7) anos, demonstrou que o peso médio aumentou naqueles que tinham idade menor de 50 anos, pouco mudou nos homens de 50-70 anos e nas mulheres de 50-60 anos e, declinou rapidamente em idades posteriores. Cerca de 9% dos homens e quatro por cento das mulheres ganharam 10 kg ou mais, sendo que o ganho de peso foi mais comum entre os jovens28.

Esse resultado corrobora o estudo de Kwon et al.29, que encontraram associação entre ganho de peso e faixa etária de 20 a 30 anos em 1.605 trabalhadores na Coreia. Em estudos realizados na Índia, Vellore Birth Cohort2 e nos Estados Unidos, Behavioral Risk Factor Surveillance System3, os autores verificaram maior ganho de peso relativo entre 15 e 28 anos de idade e 18 e 29 anos, respectivamente. Entretanto, esses achados ainda são controversos, como nas investigações de Boyce et al.30 com empregados de call center e Scherr et al.26 com trabalhadores de hospital e indústria farmacêutica, em que os achados demonstraram associação positiva entre ganho de peso e aumento de idade. No estudo de Montzel et al.31, os autores não encontraram diferença significativa na análise de três décadas de trabalhadores de um hospital público de atenção terciária de Porto Alegre entre idade e estado nutricional.

Mozaffarian et al.32 relatam que o ganho de peso ocorre de forma gradual, aproximadamente 0,5 kg por ano. A entrada no mercado de trabalho traz mudanças à rotina alimentar do jovem trabalhador, como por exemplo, a oferta de alimentação nos locais de trabalho sem se deslocar por longas distâncias, equipamentos distribuídos pelo ambiente de trabalho com venda ou oferta de “guloseimas”, dificuldades com estabelecimento de horários para as refeições, que podem influenciar no ganho de peso desses trabalhadores33.

Observamos uma associação inversa entre o nível de escolaridade e o ganho de peso; os trabalhadores de nível médio completo foram os que apresentaram maior taxa de ganho de peso, enquanto que os trabalhadores de nível superior foram os que apresentaram menores taxas. De acordo com Fonseca et al.34, esses resultados corroboram as evidências apresentadas em estudos internacionais no sentido da existência de associação entre escolaridade e os padrões de ganho de peso12,35.

A associação do ganho de peso analisado com os tipos de setores hospitalares apresentou uma taxa maior em trabalhadores de setores fechados, quando comparados aos de setores abertos. O fato dos trabalhadores permanecerem em ambientes reclusos, realizando as refeições internamente, sob um nível de estresse maior, pode ter contribuído para uma maior taxa de ganho de peso entre estes trabalhadores36. O levantamento bibliográfico realizado não encontrou estudos na literatura que associaram ganho de peso aos setores do hospital.

Entre as limitações do estudo podemos citar o uso de dados retrospectivos do sistema de registro de exames periódicos dos trabalhadores do hospital, o que dificultou o uso de informações padronizadas. Além disso, dados incompletos, indisponíveis e autorreferidos limitaram as análises e podem ter exercido influência nos resultados observados. Apesar de ser uma limitação, queremos destacar que a utilização de dados secundários informatizados e padronizados de exames periódicos podem viabilizar estudos robustos de coorte, dado que este tipo de desenho epidemiológico é de alto custo de investimento. Estudo longitudinal que avalia ganho de peso em trabalhadores pode ser um marcador importante de mudança de peso ao longo dos ciclos da vida dos trabalhadores, podendo ajudar na compreensão do perfil de saúde da classe trabalhadora e contribuir para o planejamento de estratégias de promoção da saúde e prevenção de ganho de peso voltado para os ambientes de trabalho.

O ponto forte do estudo foi de apontar a importância dos setores de trabalho no ganho de peso, pois mesmo com uma única variável relacionada ao trabalho foi observada associação forte e significativa.

Conclusão

Este estudo evidenciou o ganho de peso nos trabalhadores do hospital durante os quatro anos de seguimento. Fatores que influenciam o ganho de peso são multifacetados e complexos, entretanto os setores de trabalho podem contribuir fortemente para ocorrência do evento. Outro fato importante que corrobora com a literatura é o ganho de peso maior nos trabalhadores jovens, o que evidencia que é necessária uma atenção para este grupo etário. O aumento de estudos de ganho de peso pode ampliar o conhecimento dessa temática, os quais devem respaldar estratégias para assegurar ao trabalhador de saúde qualidade de vida no trabalho, o que pressupõe, dentre outros, intervenções para prevenir o ganho de peso.

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