versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.4 São Paulo 2018 Epub 08-Nov-2018
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2018ao4380
A invenção do broncoscópio flexível pelo Dr. Ikeda, em 1968, revolucionou a endoscopia respiratória. Inicialmente, a broncoscopia era realizada por um instrumento rígido e apenas em centros altamente especializados.(1)A partir de 1970, como a broncoscopia flexível tornou-se mais simples que a rígida, houve aumento do número de exames realizados e dos locais de acesso, em centros hospitalares e ambulatoriais. É um procedimento essencial para o médico que trata de pacientes com doenças respiratórias, sendo versátil e altamente efetivo no diagnóstico e no tratamento.(1,2)A endoscopia respiratória das vias aéreas inferiores é realizada para avaliação anatômica, para fins diagnósticos e terapêuticos.
As indicações mais frequentes são relacionadas a infecções, como pneumonias, bronquites ou bronquiectasias. A broncoscopia tem o papel não somente de limpeza e eventual desobstrução por retirada das secreções, mas também de diagnóstico, com identificação do agente patogênico. O diagnóstico de doenças neoplásicas torácicas, hemoptises, manejo da via aérea para trocas de cânulas e intubações, retirada de corpo estranho, estenoses e transplantes também é motivo para a realização das endoscopias respiratórias.(1,3)
Houve a ampliação da atuação para a broncoscopia intervencionista, com desobstrução traqueal ou brônquicas, estadiamento mediastinal, dilatações, entre outros. A broncoscopia também evoluiu com novas tecnologias, como ressecção endoscópica com laser , colocação de órteses endobrônquicas, cateteres de braquiterapia, hemostasia ou ressecções com eletrocautério, crioterapia terapêutica e diagnóstica, ultrassom endoscópico (EBUS), navegação eletromagnética, entre outros.(2,4,5)
No Brasil, ainda existe importante restrição destas novas tecnologias, que não são disponíveis para a maioria dos pacientes. Além disto, temos poucos dados sobre a endoscopia respiratória nacional, bem como limitação do número de profissionais que realizam os exames.(3)
Descrever as principais indicações, os resultados e as complicações associadas às broncoscopia flexível.
Foi realizado estudo observacional descritivo em banco de dados prospectivo das broncoscopias realizadas no serviço de endoscopia do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo (SP). O período analisado foi de 36 meses (3 anos), de abril de 2013 a abril de 2016.
Os fatores de inclusão foram exames realizados no serviço de endoscopia do Hospital Albert Einstein, unidade Morumbi. Os fatores de exclusão foram dados incompletos no sistema e procedimentos intervencionistas, como ressecção de tumores, ultrassom endoscópico ou dilatações.
Foram pesquisadas informações demográficas, como idade, gênero e procedência, além de dados clínicos sobre a indicação do exame, resultados endoscópicos, e dos exames diagnósticos realizados, como biópsias, lavados, citologias e culturas.
Para este estudo, foi realizada apenas a análise descritiva, sem cálculo inferencial. O presente estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética do hospital, parecer 1.450.042; CAAE: 52243515.4.0000.0071.
No período de três anos, de 2013 a 2016, foram realizadas 1.949 broncoscopias no hospital pela equipe da endoscopia respiratória. Todos os exames foram realizados com anestesiologista, como parte do protocolo institucional. A técnica anestésica variou de sedação com ventilação espontânea à anestesia geral com intubação traqueal ou máscara laríngea. A média de idade dos pacientes foi de 57,7 anos, desvio padrão de 21,9 anos, mediana de 62 anos e variação de 3 dias a 99 anos de vida. Nesta amostra, obtivemos 1.100 (56,4%) pacientes do gênero masculino.
Quanto à procedência, 30,7% das broncoscopias foram realizadas na unidade de terapia intensiva. Os exames ambulatoriais (não internados) somaram 27,1% e os internados em leitos do hospital, 23,1%.
A maioria dos exames (86,3%) foi eletiva, e as urgências corresponderam a 13,7% das broncoscopias. Foram obtidos os dados referentes à indicação médica em mais de 80% dos exames realizados. A indicação frequente para realização da broncoscopia foi a suspeita de infecção ou secreção (42,4%), seguida de suspeita de neoplasia (10,8%). Em 5,7% dos pacientes, houve mais de uma indicação para realizar o exame ( Figura 1 ).
Nas alterações endoscópicas das broncoscopias realizadas, obtivemos os dados em 91,9% dos exames. Cerca de 6,9% dos pacientes apresentaram mais de uma alteração endoscópica. Em 5,5% dos exames, foram descritas alterações das vias aéreas superiores, como laringites (4,4%) e lesões tumorais, como pólipos, cistos ou nódulos (0,7%). A broncoscopia normal foi o resultado mais frequente encontrado (21,3%). A segunda alteração mais frequente foi a presença de secreção (17,4%) ( Tabela 1 ).
Tabela 1 Alterações endoscópicas nas broncoscopias analisadas
Alterações endoscópicas | n (%) |
---|---|
Resultados endoscópicos | 1.792 (91,9) |
Não informado/resultado não disponível | 157 (8,1) |
Ausência de alterações | 382 (21,3) |
Secreção | 312 (17,4) |
Controle para transplante | 159 (8,9) |
Troca de cânula | 132 (7,4) |
Lesão endobrônquica | 104 (5,8) |
Traqueobronquite | 95 (5,3) |
Hemoptise | 92 (5,1) |
Intubação | 91 (5,1) |
Bronquite | 73 (4,1) |
Rolha secreção | 61 (3,4) |
Bronquite purulenta | 48 (2,7) |
Corpo estranho | 37 (2,1) |
Colapso dinâmico da via aérea | 36 (2,0) |
Estenose | 32 (1,8) |
Via aérea difícil | 25 (1,4) |
Traqueomalácia | 25 (1,4) |
Coágulos | 21 (1,2) |
Compressão extrínseca | 20 (1,1) |
Malformação/ variação anatômica | 12 (0,7) |
Broncoaspiração | 10 (0,6) |
Laceração traqueal | 10 (0,6) |
Granuloma | 8 (0,4) |
Deiscência anastomose | 5 (0,3) |
Fístula broncopleural | 2 (0,1) |
Além da avaliação endoscópica, analisamos os exames complementares solicitados, como biópsias, lavados broncoalveolares (LBA), culturas e outros. Foram realizados lavados em 71,8% das broncoscopias (n=1.399), com positividade de 36,3% nas pesquisas diretas e 53,9% nas culturas. As biópsias foram feitas em 37,6% dos pacientes. O rendimento diagnóstico geral com os métodos complementares cumulativos (LBA e biópsia) foi de 72,6%. Os exames específicos estão descritos na tabela 2 .
Tabela 2 Exames realizados nas broncoscopias
Exame | Realizados (n) | Positividade dos LBA (n) | Positividade dos exames realizados, em relação ao método (%) |
---|---|---|---|
LBA | 1.399 | ||
Pesquisa direta − microrganismos | 932 | 338 | 36,3 |
Cultura para aeróbios | 923 | 482 | 52,2 |
Pesquisa de BK | 899 | 12 | 1,3 |
Cultura para BK | 849 | 23 | 2,7 |
Cultura para fungos | 1.159 | 242 | 20,9 |
Citologia oncótica | 425 | 64 | 15,1 |
Reação em cadeia da polimerase | 388 | 83 | 21,4 |
LBA: lavados broncoalveolares; BK: Bacilo de Koch.
A análise dos microrganismos mais frequentes de cada método do LBA está descrita na tabela 3 . Foram identificados 35 pacientes com infecção por microbactérias (2,5% dos 1.399 LBAS realizados) e 33 com vírus respiratórios (2,3%). Os vírus diagnosticados por pesquisa direta foram: seis H1N1, quatro rinovírus, dois Parainfluenzae e dois sinciciais tipo B. Pela técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR) foram cinco vírus sinciciais, cinco herpes vírus tipo 1, três rinovírus, três sinciciais tipo A, dois influenzae e um adenovírus.
Tabela 3 Microrganismos mais frequentes identificados em cada método no lavados broncoalveolares
Métodos e microrganismo encontrado | Números |
---|---|
Pesquisa direta | |
Gram positivo | 153 |
Gram negativo | 40 |
Aspergillus galactomannan | 36 |
Raras formas gemulantes de leveduras | 24 |
Vírus respiratórios | 14 |
Pesquisa de BK | 12 |
Legionella | 1 |
Cultura de aeróbios | |
Estreptococos viridans | 217 |
Pseudomonas aeruginosa | 65 |
Candida albicans | 36 |
Klebsiella pneumoniae | 27 |
Estafilococos aureus | 25 |
Cultura de BK | |
Mycobacterium tuberculosis | 16 |
Mycobacterium avium | 4 |
Mycobacterium kansasii | 3 |
Cultura fungos | |
Candida albicans | 167 |
Candidas glabrata | 20 |
Reação em cadeia da polimerase | |
Citomegalovírus | 53 |
Vírus respiratórios | 19 |
Pneumocystis jirovecii | 8 |
BK: Bacilo de Koch.
Em relação aos procedimentos adicionais realizados, foram 732 broncoscopias com biópsias que corresponderam à 37,2% dos 1.949 exames, 132 trocas de cânulas e 91 intubações por endoscopia. Dentre as biópsias, o rendimento diagnóstico foi de 49% (n=359), sendo 114 pacientes com neoplasia (15,6%) e a mais frequente adenocarcinoma de pulmão em 49 pacientes(6,7%) ( Tabela 4 ). Outros diagnósticos pelo anatomopatológico foram: ausência de rejeição em 67(9,1%); processo ou infiltrado crônico inflamatório em 31 (4,2%); rejeição aguda em 25 (3,4%); bronquiolite em 21 (2,9%); pneumonia em organização em 17 (2,3%); lesão pulmonar subaguda em 17 (2,3%) e processo granulomatoso em 15 (2,0%) das biopsias realizadas.
Tabela 4 Resultado somente das biópsias com neoplasias, total de 114 exames
Neoplasia | n (%) |
---|---|
Adenocarcinoma | 49 (43,0) |
Carcinoma de não pequenas células | 15 (13,2) |
Carcinoma epidermoide | 12 (10,5) |
Carcinoma de células pequenas | 11 (9,6) |
Tumor carcinoide | 10 (8,8) |
Carcinoma indiferenciado | 8 (7,0) |
Sarcoma | 2 (1,8) |
Hamartoma | 3 (2,6) |
Outros | 4 (3,5) |
Em relação às complicações, nos 1.949 exames ocorreram 141 eventos (7,2%). Os eventos adversos mais frequentes foram os leves ou moderados: hipoxemia (saturação de oxigênio menor que 85%) em 4,9% das broncoscopias e sangramentos em 2,1%. Os eventos adversos graves, nos quais foi necessária alguma intervenção adicional, foram dez: oito pneumotórax (0,4%) e dois pacientes com hemorragias graves com óbito (0,1%).
A broncoscopia é uma ferramenta essencial, estabelecida e continuamente em expansão na medicina respiratória. Sua realização precisa ser segura e efetiva para as corretas indicações clínicas, porém é um procedimento examinador-dependente. Os resultados variam de acordo com os métodos e as técnicas utilizadas.(2,4,6)Em situações especiais e peculiares, a participação de mais de um endoscopista é imprescindível.
Em relação à sedação, em outros serviços, pode ser realizada pelo endoscopista habilitado. A evidência científica para participação do anestesiologista é limitada, baseada em estudos não analíticos, como relatos de casos, séries de casos ou opinião de especialistas.(2,4,7)No nosso protocolo institucional, todas as broncoscopias são realizadas, no mínimo, por dois médicos − o endoscopista respiratório e o anestesiologista. A anestesia tópica, com lidocaína 1%, é fundamental, reduz a tosse e diminui as doses dos medicamentos para sedação. Estudos randomizados de boa qualidade sugerem que a concentração mais baixa de lidocaína é tão eficaz quanto concentrações mais elevadas para obtenção de melhora da tosse durante a broncoscopia (nível de evidência 1). A anestesia tópica nasal é mais efetiva com gel de lidocaína a 2% (grau de recomendação A).(2)
O perfil demográfico dos nossos pacientes é compatível com o descrito na literatura consultada, com predomínio do gênero masculino, na faixa etária entre 50 e 60 anos.(2,4,5)A idade isolada não é fator de risco ou contraindicação para broncoscopia.(2)A maioria dos nossos pacientes (30,7%) estava na terapia intensiva. Segundo a literatura consultada, este é o setor dos hospitais que mais utilizam a endoscopia respiratória, 23% dos pacientes internados em terapia intensiva precisaram da broncoscopia.(6-8)
As indicações mais frequentes da broncoscopia em terapia intensiva foram relacionadas às infecções, obstruções por secreção e atelectasias.(2,6-8)A broncoscopia com LBA, para diagnóstico de infecções, em pacientes sob ventilação mecânica está associada a uma piora da oxigenação, com redução na relação entre pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2), independente do volume utilizado no LBA.(2)Portanto, o conhecimento das contraindicações do exame é imprescindível para minimizar a ocorrência de complicações graves, como instabilidade hemodinâmica, broncoespasmo, hipoxemias graves não responsivas ou hemorragias. De modo geral o exame é seguro, desde que respeitados todos os quesitos de segurança ao paciente.
A realização da broncoscopia na terapia intensiva requer cuidados específicos, especialmente naqueles pacientes que estão sob ventilação mecânica. O broncoscópio utilizado durante o exame deve ser escolhido de acordo com o calibre da sonda traqueal, para que não ocorra obstrução significativa ao fluxo de ar, com aumento na resistência das vias aéreas. O broncoscópio no paciente não intubado ocupa aproximadamente 10 a 15% da área de secção transversa da traqueia. Por outro lado, no paciente em ventilação mecânica, o broncoscópio pode ocupar de 30 a 81% da área de secção transversa da cânula. Deste modo, a escolha inadequada do aparelho pode acarretar prejuízo ventilatório ao paciente, limitação na aspiração de secreção e coleta de LBA. Desta forma, o conhecimento da relação entre o calibre do equipamento e o da sonda traqueal é fundamental, para garantir um exame seguro e de qualidade, sem prejuízo ao paciente e nem dano físico ao aparelho. A tabela 5 resume as proporções entre alguns tipos de broncoscópios e a obstrução da área de secção transversa das diferentes sondas traqueais utilizadas.(1,2,6)
Tabela 5 Diâmetros e áreas das cânulas traqueais, e proporção de obstrução
Cânula traqueal | |||||
---|---|---|---|---|---|
Diâmetro interno, mm | 7 | 7,5 | 8 | 8,5 | 9 |
Área, mm2 | 38,5 | 44,2 | 50,3 | 56,7 | 63,6 |
Proporção da área da cânula obstruída,% | |||||
BF-P160* | 49 | 43 | 38 | 33 | 30 |
BF-XT160† | 81 | 71 | 62 | 55 | 49 |
* diâmetro: 4,9mm; área: 18,8mm2;†diâmetro: 6,3mm; área 31,2mm2.
A maioria das broncoscopias analisadas apresentou alteração endoscópica, em 1.410 pacientes (78,7%, compatível com a literatura consultada.(1,3,5)Em 382 pacientes (21,3%) o exame foi normal porém, não significa sem alterações pulmonares, refere-se somente às características endoscópicas da árvore brônquica.
Há uma limitação mecânica pelo diâmetro do aparelho. Habitualmente, o broncoscópio utilizado tem 4,9mm de diâmetro. A divisão da árvore brônquica ocorre, em geral, de maneira dicotômica, ao redor de 20 vezes, com início na traqueia (20mm de diâmetro) até os bronquíolos terminais (1mm de diâmetro). Portanto, por meio do broncoscópio, visualizamos somente até a quarta ou quinta divisão brônquica. As alterações distais, além da sexta divisão brônquica, podem ser vistas de maneira indireta, somente por métodos adicionais endoscópicos, como ultrassom endobrônquico ou exames de imagem auxiliares, como radioscopia. Para exemplificar, os exames endoscópicos sem alterações em pacientes com infiltrados pulmonares ou pneumonias, que necessitaram de coleta de material ou biópsias de lesões pulmonares, sem lesões endobrônquicas.
Em relação aos pacientes imunocompetentes com suspeita de infecção, a broncoscopia é indicada para pneumonias não resolutivas ou de resolução lenta, sobretudo em tabagistas ou ex-fumantes, com idade superior a 50 anos.(2)A indicação clínica mais frequente da broncoscopia é por infecção ou secreção, para estabelecer o diagnóstico etiológico.(2,4)Em 42,4% dos nossos pacientes, a indicação também foi por infecção ou secreção. A pesquisa direta foi positiva em 36,3% das pesquisas realizadas, e a cultura foi positiva em 53,9%. A sensibilidade de 10 a 40%, com base na microscopia, e sensibilidade de 52 a 95% na cultura do lavado.(2)Alguns microrganismos são considerados como flora comensal ( Candida spp., Estafilococos coagulase-negativos, Corynebacterium spp., Enterococos , Neisseria spp., grupo Streptococcus viridans e leveduras) e não são considerados patogênicos, não sendo caracterizados como culturas positivas.(9)Em pacientes imunocomprometidos, o LBA apresenta boa sensibilidade e especificidade para identificação dos agentes etiológicos.(2,4,5)Para cada microrganismo, existe um método mais adequado e capaz de garantir rendimento diagnóstico mais elevado. Por exemplo, para o Pneumocystis jirovecii , sem o uso prévio de antibiótico para tratamento ou profilaxia, o LBA tem sensibilidade entre 90% e 98%.(2)O uso prévio de antibiótico empírico reduz a sensibilidade para 64%. A amostra bilateral tem maior rendimento diagnóstico em relação ao LBA unilateral, devendo ser coletada nos lobos superiores, pois tem maior sensibilidade em comparação com os lobos inferiores ou médio.(2)A sensibilidade do LBA é comparável à biópsia transbrônquica, mas com menor risco inerente. Portanto, o LBA é considerado o método de investigação padrão-ouro na suspeita de infecção por P. jirovecii .(2,6)
Em pacientes imunocomprometidos, as técnicas de PCR são utilizadas no LBA, para diagnóstico rápido de tuberculose, com sensibilidade relatada de 85,7% e especificidade de 90,9%. O uso de PCR no LBA demonstrou ser útil na detecção de Legionella , micobactéria, fungos ( aspergillus ) e dos vírus respiratórios. A cultura de Legionella deve ser coletada com água destilada para que não haja prejuízo do crescimento do microrganismo; em todas as outras pesquisas e culturas, soro fisiológico.(2)O LBA, em pacientes imunocomprometidos com infecção pulmonar, muda o diagnóstico em 50% e modifica o esquema de antibióticos em 62% dos pacientes HIV positivos.(2,4,5)Em nosso estudo, não comparamos imunocompetentes e imunocomprometidos, mas acreditamos que estas informações sejam úteis para otimizar a realização do exame e seus resultados.
Outro aspecto interessante deste estudo é a prevalência de infecções por micobactérias, que somou 2,5%, e de vírus respiratórios, com 2,3%, dos 1.399 LBA realizados. Estes agentes, apesar de infrequentes neste estudo, apontam para outro cuidado adicional aos procedimentos de broncoscopia, no que diz respeito à necessidade sala especial ou ambiente que ofereça capacidade de isolamento respiratório antes e depois do exame. Estes cuidados são importantes para evitar infecções cruzadas entre pacientes e também para segurança do profissional de saúde que atua no caso.
Nossa segunda indicação clínica mais frequente foi a suspeita de neoplasia (10,8%). A endoscopia respiratória é reconhecidamente útil para o diagnóstico e o estadiamento das neoplasias pulmonares. As lesões endobrônquicas visíveis tem um rendimento maior para diagnóstico do que as lesões periféricas.(2,5,10)Com base em evidências recentes, é razoável esperar um rendimento diagnóstico de 90% quando o tumor é visível na broncoscopia com biópsia brônquica. Pelo menos cinco amostras são necessárias para alcançar uma probabilidade ao redor de 90% para uma biópsia de tumor visível.(1,2,4)As lesões periféricas são geralmente abordadas pela combinação de técnicas broncoscópicas, como LBA, biópsias e aspiração por agulha. O principal determinante para o rendimento diagnóstico para lesões periféricas é o tamanho da lesão e se é visível pelo método de fluoroscopia durante o exame. A positividade da biópsia é entre 14% a 50% para nódulos pulmonares (≤3cm) e entre 46% a 80% para massas pulmonares (>3cm).(1,2,11)Técnicas avançadas de ultrassonografia endobrônquica com probe radial (EBUS radial) têm melhorado de maneira significativa o rendimento diagnóstico das lesões pulmonares periféricas durante a broncoscopia, com rendimento diagnóstico alcançando 74% para nódulos e 92% para massas pulmonares.(12)Nosso rendimento geral das biópsias por broncoscopia nesta série foi de 49%, ou seja, está de acordo com o descrito a literatura, que prediz um resultado <50%.(2,4)O rendimento cumulativo dos métodos diagnósticos pela broncoscopia na nossa série foi de 72,6%, considerando LBA e biópsias. Conforme a indicação médica e a característica de cada paciente e sua doença, observamos a importância da associação de técnicas broncoscópicas para aumentar o rendimento do procedimento.
Os efeitos adversos leves relacionados à broncoscopia são frequentes, como taquicardia, bradicardia, sangramentos discretos, broncoespasmo, laringoespasmo, tosse, dispneia, dor de garganta e hipoxemia. Destes, o mais frequente é a tosse.(2)Os efeitos adversos graves são incomuns, como: arritmia cardíaca que necessita de tratamento, hemorragia grave, infarto do miocárdio, edema pulmonar, pneumotórax e óbito. As hemorragias podem ser classificadas em com traços de sangue (sem necessidade de sucção contínua e com parada espontânea); leve (sucção contínua de sangue das vias aéreas com hemostasia espontânea); moderada (intubação do segmento biopsiado com o broncoscópio; e uso de adrenalina e solução salina fria para hemostasia); e grave (colocação de bloqueador de brônquio ou cateter, aplicação de selante de fibrina; reanimação, transfusão de sangue, admissão na unidade de cuidados intensivos ou óbito).
A taxa de eventos adversos relatada na literatura variou de 5 a 35%. Complicações graves são esperadas em menos de 1% dos pacientes.(2,4,5,11)Em nossa série, a taxa de eventos adversos foi de 7,2%, e tivemos dois óbitos (0,1%). Os óbitos são motivo de revisão e reflexão. A indicação em situações críticas deve ser debatida entre a equipe clínica e o broncoscopista − ambos cientes dos limites, riscos e benefícios do procedimento. Os óbitos ocorreram em pacientes com situação clínica grave. Uma paciente estava na unidade semi-intensiva, com endocartite, choque séptico, insuficiência renal dialítica e infiltrado pulmonar difuso. Foram solicitados biópsia e lavado para diagnóstico. Após discussão com a equipe clínica, foi realizada a broncoscopia com biópsia. No primeiro fragmento, houve hemorragia importante, de difícil controle, seguida de hipóxia grave. Após o controle da hemorragia e a estabilização do quadro, a paciente foi encaminhada para terapia intensiva, mas, posteriormente, apresentou parada cardíaca e faleceu. O segundo paciente tinha leucemia grave com distúrbio de coagulação e hemoptise. A broncoscopia foi indicada para controle da hemorragia, mas houve piora da hipóxia durante o exame. A hemoptise foi controlada momentaneamente, porém o paciente permaneceu em hipóxia e, algumas horas depois, faleceu.
A ocorrência de eventos adversos graves foi de 0,5%, com mortalidade de 0,1%. Assim, a broncoscopia é um procedimento seguro, desde que respeitadas as adequações técnicas do método endoscópico e suas contraindicações.
A endoscopia das vias aéreas inferiores é uma ferramenta útil, e imprescindível para avaliação, diagnóstico e tratamento de uma série de doenças respiratórias. A broncoscopia flexível deve ser amplamente disponível para uso, devido ao bom rendimento diagnóstico e ao risco mínimo associado, quando realizada por profissionais capacitados.