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Indicador de vulnerabilidade socioambiental na Amazônia Ocidental. O caso do município de Porto Velho, Rondônia, Brasil

Indicador de vulnerabilidade socioambiental na Amazônia Ocidental. O caso do município de Porto Velho, Rondônia, Brasil

Autores:

Karen dos Santos Gonçalves,
Alexandre San Pedro Siqueira,
Hermano Albuquerque de Castro,
Sandra de Souza Hacon

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.9 Rio de Janeiro set. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014199.14272013

ABSTRACT

The accelerated process of urbanization in the State of Amazônia associated with changes in the patterns of exploitation of natural resources have resulted in several types of environmental impacts, such as urban air pollution produced by forest fires which alters the relationship between urban and rural areas and establishes new vulnerabilities. The scope of this study is to analyze the socio-environmental vulnerability in relation to forest fires and health effects in the urban area of Porto Velho, located in the Brazilian Amazon region. Data was analyzed using a synthetic indicator combining income and education aspects, housing infrastructure, environmental exposure and health effects. The findings indicate that 51% of the resident population, i.e. around 157,000 inhabitants, is exposed to conditions of high and extreme environmental vulnerability. Analysis of the dimensions used to construct the synthetic indicator reveals an intense heterogeneity in terms of socio-environmental vulnerability in the urban area of the city of Porto Velho. These results highlight the need for integrated actions from different government departments in order to enhance health promotion, ecological sustainability and also reduce social inequalities in health.

Key words: Socio-environmental vulnerability; Air pollution; Respiratory diseases; Living conditions; Forest fires; Amazônia

Introdução

O processo de urbanização da Amazônia Brasileira é resultante de uma política nacional de desenvolvimento, associado à exploração dos recursos naturais. Os núcleos urbanos surgiram e cresceram em função de uma economia de fronteira1. Desde a década de 60, a região sofre as pressões de intervenção do Estado Brasileiro, a fim de atender as demandas do mercado internacional e às relacionadas à modernização da economia do Sul/Sudeste do país. Estas pressões geraram transformações importantes no padrão de exploração extrativista, uso do solo, organização espacial, desigualdades sociais, impactos socioambientais repercutindo no desenvolvimento da rede urbana existente2.

Segundo o Censo Demográfico do IBGE (2010), é possível observar a dimensão que o processo de urbanização da Amazônia adquiriu nas últimas décadas. Em 1960, a população que era de, aproximadamente três milhões de habitantes, alcançou cerca de 16 milhões no ano de 2010, sendo 76% da população localizada em núcleos urbanos, o que representou taxas de crescimento demográfico superiores às médias do restante do país3.

A dinâmica de urbanização na Amazônia teve um acelerado processo. Esta velocidade no processo de urbanização aliada às mudanças significativas do padrão de exploração dos recursos naturais trouxe diversos tipos de impactos ambientais, dentre eles: a perda de biodiversidade, redução do potencial produtivo dos solos, erosão, poluição de rios, desmatamentos e queimadas. Tais impactos alteraram a relação entre o espaço urbano-rural, resultando no surgimento de novas territorialidades com configurações positivas e/ou negativas2. A poluição atmosférica urbana produzida pelas queimadas é uma das configurações negativas que estas novas territorialidades podem assumir.

Caracterizada entre os principais contribuintes mundiais para a emissão de gases de efeito estufa, as queimadas são práticas recorrentes e em menor escala culturais e antigas no país. O uso do fogo expõe a cada ano, parcelas maiores da população, tornando-as socioambientalmente vulneráveis aos seus efeitos e com influências na saúde e na qualidade de vida. Dentre os efeitos conhecidos à saúde estão as doenças cardiorrespiratórias, responsáveis pelo aumento do adoecimento e morte, especialmente entre crianças, idosos, grupos mais suscetíveis à exposição em áreas com elevadas concentrações de poluentes atmosféricos4.

Reconhecer a importância dos efeitos das queimadas sobre as vulnerabilidades do espaço urbano amazônico, conjugando fatores sociais, econômicos, ambientais e de saúde é o objetivo central que se pretende abordar neste trabalho. Este estudo analisa as vulnerabilidades socioambientais de um município da região amazônica brasileira em relação à ocorrência de queimadas e seus efeitos a saúde, além de identificar as áreas mais vulneráveis a esta exposição e os principais determinantes de seus efeitos.

Método

Área de estudo

A seleção do município de Porto Velho (Figura 1) se deu em função de sua importância no cenário socioambiental da região amazônica brasileira. Capital localizada ao norte do estado de Rondônia encontra-se em uma área de bioma amazônico, à margem direita do rio Madeira, afluente do rio Amazonas. Possui ciclos bem definidos de seca e chuva e situa-se no trajeto de dispersão dos poluentes gerados tanto em países vizinhos quanto na área do arco do desmatamento que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia, Amazonas, Pará e Acre5,6.

Figura 1 Localização geográfica do município de Porto Velho, estado de Rondônia, Brasil.Fonte: Elaborado a partir de dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia a Estatística – IBGE3. 

Com área de 34.096 km2, Porto Velho apresenta uma população residente de 428.527 habitantes3, destes 36% menores de 15 anos, o que representa aproximadamente 156.000 pessoas. É a terceira maior capital da região norte com 67 bairros em sua área urbana. A cidade de Porto Velho detém o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) de toda região norte em 2010 (aproximadamente 7,5 bilhões de reais), apresentando importante crescimento econômico decorrente de grandes investimentos oriundos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em especial a construção das usinas hidroelétricas de Jirau e Santo Antônio. Em 2010, o índice de desenvolvimento humano - IDH do município de Porto Velho foi classificado como médio (0,73), o PIB per capita foi acima de oito mil dólares, apesar do elevado índice de Gini (0,45). Apresenta elevada taxa de mortalidade infantil com 21,8 óbitos infantis por mil nascidos vivos.

Construção dos indicadores

Para obtenção do indicador sintético de vulnerabilidade socioambiental às queimadas foram utilizadas abordagens qualitativas, quantitativas e de geoprocessamento. Foram conjugadas informações sociais, de infraestrutura habitacional urbana, de saúde e exposição ambiental, que ao serem agregadas foram distribuídas espacialmente, possibilitando a identificação de áreas mais vulneráveis no município de Porto Velho.

Para o desenvolvimento deste estudo ecológico descritivo foi definida como unidade de análise, os 67 bairros da área urbana do município de Porto Velho, RO. Em seguida, optou-se pela seleção de variáveis provenientes de bases de dados secundários, que disponibilizassem informações para outros municípios brasileiros, a fim de permitir a reprodução deste indicador em diferentes localidades.

A Figura 2 apresenta a estrutura das dimensões analisadas e os critérios de classificação das áreas socioambientalmente vulneráveis.

Figura 2 Estrutura das dimensões analisadas e os critérios de classificação das áreas socioambientalmente vulneráveis. 

A construção do indicador social e de infraestrutura habitacional consistiu na seleção de variáveis relacionadas ao rendimento familiar, alfabetização, população residente, abastecimento de água, destino de esgoto, disponibilidade de iluminação pública, existência de lixo acumulado e presença de esgoto a céu aberto. Estas informações foram obtidas através do Censo Demográfico do ano de 2010, disponibilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pretende-se com a seleção dessas informações, identificar quais porções do território oferecem menor capacidade de resposta diante da poluição atmosférica proveniente das queimadas. Ainda que existam outros fatores que determinam a vulnerabilidade socioambiental, há uma forte relação entre esta e baixa condição socioeconômica. Apesar da importância de variáveis relacionadas à educação, até o momento da análise a única variável referente à escolaridade era a proporção de pessoas alfabetizadas, sendo excluída por variar muito pouco entre os bairros não permitindo desta forma uma maior diferenciação. No calculo do indicador social e de infraestrutura habitacional os bairros foram classificados em ordem crescente segundo os valores de cada variável, no qual se estabeleceu uma pontuação em que ao menor valor encontrado (Vmin) foi atribuído zero e ao maior valor (Vmax) foi atribuído um. Os valores intermediários foram obtidos pela interpolação para cada bairro utilizando-se a relação (Vobs - Vmin) / (Vmax - Vmin), tendo como base os critérios utilizados por Morato7. O cálculo final do indicador social/infraestrutura habitacional consistiu na média aritmética de todas as variáveis. Em seguida, foi realizada análise de cluster (K-means), classificando e distribuindo espacialmente os bairros em três grupos representativos, a saber: baixo, médio e alto. A cada estrato foi atribuída uma pontuação de 0 a 2 pontos, respectivamente.

Para o indicador de exposição ambiental, optou-se pela utilização dos focos de calor captado pelos sensores AVHRR a bordo dos satélites orbitais da série NOAA para os anos de 2008 a 2011. Sabe-se que as emissões de poluentes atmosféricos, especialmente as partículas finas e ultrafinas, são indicadores representativos de exposição ambiental. Entretanto, o monitoramento dessas emissões é oneroso e ainda não é realizado em todos os municípios brasileiros. Por este motivo e devido à facilidade de acesso, foi utilizada a base de dados online disponibilizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). As localizações geográficas dos focos de calor foram georreferenciadas, estimando-se uma área de influência de dois quilômetros de raio através de análise de buffer. Com base nesta área de influência foi definido o critério de classificação dos bairros do município que se encontravam fora, parcialmente ou dentro das áreas definidas. A cada critério foi atribuída uma pontuação de 0 a 2 pontos, respectivamente.

Em relação ao indicador de saúde foram selecionados 6.184 registros ambulatoriais por doenças respiratórias em crianças e adolescentes menores de 15 anos e seus respectivos bairros de residência, entre os anos de 2008 e 2011. Estes dados foram disponibilizados pelo centro de referência pediátrica do município, responsável pelo atendimento de 70% da população infantil do estado. O critério de diagnóstico utilizado pelos profissionais do pronto socorro infantil seguiu a classificação das doenças, sinais e sintomas orientados pela International Classification of Primary Care, Second edition - ICPC-2, adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS)8. O cálculo do indicador de saúde foi obtido através de um coeficiente de atendimento ambulatorial que distribuiu o número de atendimentos realizados entre 2008 e 2011 pela população de menores de 15 anos de cada bairro por 100.000 habitantes. Devido à instabilidade decorrente de pequenas populações nos bairros do município, optou-se pelo cálculo de coeficientes corrigidos através do método Bayesiano empírico (por 10.000 habitantes) assumindo uma matriz de vizinhança por contiguidade9. Os novos coeficientes corrigidos foram distribuídos espacialmente segundo divisão por quartil, que assumiu as seguintes classificações: baixo, médio, alto e muito alto. A cada quartil foi atribuída uma pontuação de 0 a 3 pontos, respectivamente.

Após a obtenção, a classificação e a pontuação dos indicadores social/infraestrutura habitacional, saúde e exposição ambiental foi possível realizar um escore, que teve como base, o somatório dos valores atribuídos a cada indicador. Como resultado da conjugação destes três indicadores foi construído o indicador síntese de vulnerabilidade socioambiental às queimadas classificado em quatro categorias:

• Pouco crítico: todos os indicadores analisados apresentam baixa vulnerabilidade entre os bairros;

• Intermediário: a maior parte dos indicadores apresenta vulnerabilidade intermediária entre os bairros;

• Crítico: a maior parte dos indicadores aponta alta vulnerabilidade entre os bairros;

• Muito crítico: a maior parte dos indicadores apresenta extrema vulnerabilidade entre os bairros.

Após a obtenção dos indicadores social/infraestrutura habitacional, saúde e exposição ambiental e do indicador sintético de vulnerabilidade socioambiental às queimadas, estes foram mapeados com a finalidade de facilitar a comparação entre os bairros. Os mapas temáticos foram confeccionados utilizando-se o programa Terra-View 4.2.2.

Resultados

A Figura 3 apresenta a distribuição espacial segundo as quatro categorias do indicador síntese de vulnerabilidade socioambiental. Observou-se grande heterogeneidade entre os bairros da área urbana de Porto Velho. Dos 67 bairros analisados, 33 foram classificados como críticos (24 bairros) e muito críticos (9). Significa dizer que 51% da população total, aproximadamente 157 mil habitantes e 45% da população menor de 15 anos (~50 mil habitantes) estão sob condições de extrema e alta vulnerabilidade socioambiental.

Figura 3 Distribuição espacial dos bairros na área urbana do município de Porto Velho segundo as quatro categorias do indicador síntese de vulnerabilidade socioambiental. 

Este mapeamento permitiu perceber que tais disparidades demonstram claramente a existência de intensa segregação socioambiental na cidade. Verificou-se que os nove bairros considerados muito críticos (Triângulo, Militar, Areia Branca, Novo Horizonte, Tupi, Cidade do Lobo, Conceição e Caladinho) localizam-se na região Sudoeste, próxima à margem do Rio Madeira. À exceção foi o bairro Mato Grosso que se localiza na região central do município. A região Sudoeste possui as piores condições sociais, de infraestrutura habitacional, saúde e exposição ambiental do município.

Ainda que os bairros com maior percentual da população residente apresentem alta vulnerabilidade socioambiental, 49% apresentaram resultados de baixa e média vulnerabilidade. Estes resultados indicam que 34 bairros, aproximadamente 151 mil residentes no município, dos quais cerca de 60 mil são compostos por menores de 15 anos, possuem maior capacidade para oferecer respostas diante à exposição às queimadas no município. (Tabela 1)

Tabela 1 Frequência absoluta e relativa da população total e menores de 15 anos e o número de bairros segundo as categorias do indicador síntese de vulnerabilidade socioambiental. 

Indicador de vulnerabilidade socioambiental População total (%) População menor de 15 anos (%) Nº de bairros
Muito Crítico 29.831 9.7 5.358 4.9 9
Crítico 127.054 41.2 44.583 40.5 24
Intermediário 130.168 42.2 49.491 45.0 29
Pouco Crítico 21.041 6.9 10.571 9.6 5
Total 308.094 100 110.003 100 67

Fonte: Elaborado a partir de dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Censo 2010).

De maneira geral, verificou-se que as variáveis que compõem o indicador social/infraestrutura habitacional mostraram-se determinantes para apontar as áreas que apresentaram contextos mais vulneráveis. Observou-se que, entre os bairros classificados com baixa condição social e de infraestrutura habitacional, 21% dos moradores possuem renda mensal de até um salário mínimo, apenas 27% dos domicílios possuem rede geral de distribuição de água e 38% possuem esgotamento sanitário via fossa séptica ou rede de esgoto. Destaca-se que a variável referente à alfabetização foi excluída da análise por variar muito pouco entre os bairros não permitindo, desta forma, uma maior diferenciação. (Tabela 2)

Tabela 2 População residente e proporção de domicílios particulares segundo variáveis e categorias do indicador social/infraestrutura habitacional. 

Indicador social/infraestrutura habitacional Baixo Médio Alto
População residente 148.580 105.976 53.558
Domicílios particulares permanentes* 48.222 35.919 17.969
% de moradores com renda mensal de até um salário mínimo 21,0 18,2 12,4
% de domicílios abastecidos pela rede geral de distribuição de Água 27,5 44,0 71,6
% de domicílios com esgotamento sanitário via rede geral ou fossa séptica 38,2 48,9 68,6
% de domicílios com disponibilidade de Iluminação Pública 74,6 76,1 91,7
% de domicílios que não apresentam esgoto a céu aberto 57,9 80,3 89,7
% de domicílios sem presença de lixo acumulado 73,7 88,4 92,1

*De acordo com o IBGE, considera-se como Domicílio particular permanente aquele que na data de referência da Contagem, abrigava uma, duas ou, no máximo, cinco famílias ou até cinco pessoas sem laços de parentesco e/ou dependência doméstica e que foi construído com a finalidade exclusiva de servir de moradia.

Fonte: Elaborado a partir de dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Censo 2010).

Para o coeficiente de atendimento ambulatorial por doenças respiratórias em crianças menores de 15 anos, a análise apontou para a existência de um cluster espacial localizado na região Sudoeste do município. Constituídos pelos nove bairros já identificados como de extrema vulnerabilidade socioambiental somam-se os bairros Arigolândia, Caiari, Centro, Liberdade, Escola de Polícia e Teixeirão. Do total de 15 bairros que apresentaram altos coeficientes de atendimento ambulatorial por doenças respiratórias em crianças menores de 15 anos, apenas cinco estavam próximos a Unidades Básicas de Saúde (UBS). Em relação ao indicador de exposição ambiental, destacou-se a ocorrência de focos de calor dentro de bairros localizados em todo o quadrante Sul do perímetro urbano de Porto Velho, possivelmente decorrente da queima de lixo ou de vegetação natural. (Figura 3).

Discussão

A noção de vulnerabilidade, embora intrinsecamente associada, difere da concepção de risco. O entendimento de risco está relacionado à "ideia de incerteza", "exposição ao perigo", "perda e prejuízos materiais, econômicos e humanos". Enquanto, a palavra vulnerabilidade se relaciona à capacidade de reação/resposta e grau de adaptação diante de uma exposição ao risco12.

Os componentes relacionados à capacidade de reação a uma exposição de risco e a dificuldade de adaptação diante do mesmo estão associados a uma "gama de implicações sociais, econômicas, tecnológicas, culturais, ambientais e políticas que estão diretamente vinculadas à condição de pobreza de representativa parcela da sociedade moderna"13. Em outras palavras, os grupos mais pobres da sociedade são considerados mais vulneráveis, porque vivem em condições de extrema precariedade ambiental e social e carecem de fontes externas de apoio, incluindo a atuação do Estado, levando a um enfraquecimento na capacidade de resposta e adaptação destes grupos populacionais9.

Segundo Freitas et al.14, as condições de vulnerabilidade resultam de processos sociais e mudanças ambientais denominadas de vulnerabilidade socioambiental. A combinação dos processos sociais relacionados à precariedade das condições de vida e proteção social (renda, saúde, educação, saneamento), aliados às mudanças ambientais resultantes da degradação ambiental (a exemplo, a poluição atmosférica), tornam determinados grupos populacionais (crianças, mulheres e idosos) e áreas mais vulneráveis. Ou seja, a vulnerabilidade socioambiental "resulta de estruturas socioeconômicas que produzem simultaneamente condições de vida precárias e ambientes deteriorados, se expressando também como menor capacidade de redução de riscos e baixa resiliência".

Alguns estudos vêm apontando para a relação entre os efeitos de material particulado atmosférico sobre a saúde humana e fatores socioeconômicos. Pesquisa realizada por Martins et al.15 na cidade de São Paulo sugere que áreas com perfil socioeconômico mais baixo apresentaram os maiores efeitos da poluição do ar sobre a mortalidade por doenças do aparelho respiratório em idosos. A análise geográfica de risco à saúde devido à poluição atmosférica produzida pela Companhia Siderúrgica Nacional, no município de Volta Redonda (RJ), apontou que todos os bairros com nível de poluição elevado apresentaram condições de vida desfavoráveis ou muito desfavoráveis16. Outro estudo realizado na Região de Conceição (Chile) apontou que a mortalidade por doença cardiorrespiratória devido ao aumento de material particulado atmosférico é desproporcionalmente experimentada por pessoas idosas com baixo nível de escolaridade17. Em estudo multicêntrico sobre a poluição do ar e mortalidade em cidades da América Latina, Romieu et al.18 sugerem que as condições socioeconômicas estão relacionadas à suscetibilidade da população a poluição do ar e que pessoas com baixas condições socioeconômicas podem apresentar um risco aumentado de morte por causas respiratórias, em especial por doença pulmonar obstrutiva crônica.

Os achados do presente estudo corroboram com os trabalhos acima mencionados, ao destacar através de uma abordagem integrada das dimensões sociais, de infraestrutura habitacional, saúde e exposição ambiental a heterogeneidade socioambiental presente na área urbana de Porto Velho. Esta heterogeneidade socioambiental resulta, em ultima análise, no acometimento diferenciado de grupos populacionais por doenças respiratórias em virtude da capacidade de resposta a exposição às queimadas.

A aplicação do método proposto permitiu a identificação de bairros com extrema e alta vulnerabilidade socioambiental às queimadas dando maior subsidio ao setor público para desenvolvimento de estratégias que auxiliem no planejamento urbano e na definição de ações prioritárias por parte das Secretarias de Saúde e Meio Ambiente do município e do estado.

No Brasil, desde a década de 70, o desmatamento e a queima de vegetação primária são importantes questões ambientais discutidas no cenário político nacional e internacional. Apesar da crescente preocupação quanto à degradação das florestas nacionais, os incentivos fiscais por parte dos bancos de financiamento e a conivência de agências ambientais para o desenvolvimento de atividades agropastoris figurou como importante condutor do desmatamento nas últimas décadas19.

No caso especifico da capital Porto Velho e o estado de Rondônia, a ocupação humana se intensificou a partir da década de 70 e 80, resultante da implantação dos projetos de assentamento agropecuários sob responsabilidade do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). O modelo de ocupação do território na região centrado na atividade agropecuária e na escassez de implementação de políticas públicas de infraestrutura habitacional proporcionou um significativo passivo socioambiental em função do desmatamento sem planejamento e da precária condição de vida a que estão submetidos determinados grupos populacionais20,21.

Compreende-se que desafios de redução de riscos e construção da resiliência às queimadas na região amazônica brasileira exigem mudanças no padrão de desenvolvimento social, econômicos e ambiental. De acordo com Freitas et al.14, o rápido crescimento econômico de muitos países, inclusive o Brasil, tem contribuído para reduzir a pobreza e melhorar as condições de vida de milhões de pessoas. Paradoxalmente crescem os riscos e os impactos socioambientais, pois a capacidade de governança, a redução de riscos e a resiliência não se desenvolvem com a mesma rapidez que o crescimento econômico. Ressaltam ainda que há um longo percurso para que a vulnerabilidade possa avançar no sentido de ser controlada, sendo necessário um compartilhamento das ações governamentais, estratégias integradas e ações compartilhadas entre diversos setores como a saúde, o econômico, o social, a infraestrutura, o ambiente, dentre outros. São necessárias mudanças e ações compartilhadas que atuem nos determinantes da vulnerabilidade socioambiental de forma a potencializar a promoção da saúde, a sustentabilidade ecológica e a redução das iniquidades sociais em saúde.

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