versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.24 no.3 Rio de Janeiro 2020 Epub 30-Mar-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0341
Seleccionar indicadores clínicos para el diagnóstico de enfermería en desarrollo Síndrome del equilibrio fisiológico deteriorado en potenciales donantes de órganos con muerte encefálica.
Estudio de consenso de expertos, realizado por medio de la técnica Delphi, sobre los indicadores clínicos de un diagnóstico de enfermería en desarrollo. La muestra del estudio fue intencional por invitación y consistió en 37 enfermeros que cumplieron con los criterios de inclusión. Los indicadores clínicos que alcanzaron un consenso igual o superior al 70% se consideraron validados.
Los expertos recomendaron 25 de los 44 indicadores evaluados, de los cuales, ocho pertenecían al grupo Alteraciones endocrino-metabólicas, siete al grupo Alteraciones hemodinámicas y/o cardiovasculares, cinco al grupo Alteraciones respiratorias, dos al grupo Alteraciones nutricionales y tres al grupo Alteraciones de la coagulación, inflamatorias y/o inmunológicas.
Conclusion y implicaciones para la práctica: Este nuevo diagnóstico de enfermería puede colaborar con el desarrollo del conocimiento de la enfermería en el campo de donación de órganos, y así contribuir a la enseñanza y a la investigación, además de tener implicaciones para la práctica, al proporcionar exactitud diagnóstica y apoyar la implementación y evaluación de intervenciones que impactan en la mejora del de mantenimiento del posible donante de órganos.
Palabras clave: Diagnóstico de Enfermería; Obtención de Tejidos y Órganos; Trasplante de Órganos; Clasificación
A desproporção entre a alta demanda por transplantes e a baixa oferta de órgãos é uma realidade mundial.1,2 Estima-se que o número anual de transplantes representa menos de 10% da necessidade global. Dessa forma, a escassez de oferta de órgãos é considerada um grave problema de saúde pública.1
Em decorrência de vários motivos, o percentual de doadores de órgãos efetivos não é maior, como falha na identificação e notificação da morte encefálica, não autorização familiar à doação, critérios de exclusão, por exemplo, doenças contagiosas, tumores malignos, entre outros. Entre esses motivos também se destacam falhas na manutenção do potencial doador. Assim, a manutenção adequada do potencial doador através de cuidados específicos é fundamental, uma vez que qualquer disfunção é capaz de comprometer a viabilidade dos órgãos.2
Levando em consideração a importância de cuidados específicos para a manutenção adequada do potencial doador de órgãos, o Processo de enfermagem (PE) é uma metodologia que pode auxiliar nesse contexto. A enfermagem, por meio da utilização do PE, orienta as práticas de atenção à saúde de forma sistematizada, buscando qualificar a assistência na produção do cuidado. Nesse contexto, o uso de classificações com linguagem padronizada é importante para a aplicação do PE a partir de suas etapas, uma vez que oferecem uma estrutura para organizar os diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem.3
Os diagnósticos de enfermagem (DEs) mais utilizados no cenário da manutenção dos potenciais doadores de órgãos são: Hipotermia, Risco de volume de líquidos deficiente, Risco para débito cardíaco diminuído, Débito cardíaco diminuído, Troca de gases prejudicada, Risco de glicemia instável, Risco de sangramento, Risco de infecção e Capacidade adaptativa intracraniana diminuída.4,5
Observa-se que a maior parte dos DEs prevalentes para potenciais doadores de órgãos está relacionada as alterações fisiológicas. Devido a complexidade da morte encefálica, não raro, esses pacientes apresentam todos os DEs citados. Entretanto, acredita-se que um número muito grande de DEs elencados ao paciente dificulta a priorização do atendimento. Todavia, a classificação da NANDA International (NANDA-I) não possui um DE único que aborde esse quadro. Dessa forma, um DE de síndrome com as principais alterações fisiológicas em um só DE poderia tratá-las em conjunto e com resultados mais efetivos.
O DE é definido pela NANDA-I como: “um julgamento clínico sobre uma resposta humana a condições de saúde/processos da vida, ou uma vulnerabilidade a tal resposta, de um indivíduo, uma família, um grupo ou uma comunidade”.6:88 Um DE pode ser direcionado a um problema, um estado de promoção da saúde ou de risco potencial. Nessas categorias, pode-se encontrar o uso de síndromes. A NANDA-I define um DE de síndrome como: “um julgamento clínico relativo a um determinado agrupamento de diagnósticos de enfermagem que ocorrem juntos, sendo mais bem tratado por meio de intervenções similares”.6:82
Diante do exposto, o DE intitulado Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado está sendo desenvolvido. Na primeira parte do seu desenvolvimento, uma revisão integrativa da literatura identificou 44 possíveis características definidoras. O fator relacionado desse DE é morte encefálica.7 A definição do DE é:
Estado de equilíbrio fisiológico prejudicado que desencadeia um conjunto de sintomas endócrino-metabólicos, alterações hemodinâmicas, cardiovasculares, ventilatórias, nutricionais, de coagulação, inflamatórias e/ou imunológicas que comprometem a saúde e/ou as funções dos órgãos7:664
A fim de refinamento de novos DEs sugere-se realizar a seleção por consenso de especialistas dos seus indicadores clínicos. Ressalta-se que características definidoras são indicadores observáveis que se agrupam como manifestações de um DE (sinais ou sintomas). Na edição da NANDA-I 2018-2020 foram introduzidas duas novas categorias de indicadores: populações em risco e condições associadas. “As populações em risco são grupos de pessoas que partilham alguma característica que faz cada membro ser suscetível a determinada resposta humana...”. Enquanto “as condições associadas correspondem a diagnósticos médicos, lesões, procedimentos, dispositivos médicos ou agentes farmacêuticos”.6:65
Acredita-se que o desenvolvimento e a futura utilização do DE Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado, para potenciais doadores de órgãos em morte encefálica, proporcionarão acurácia diagnóstica favorecendo a implantação de intervenções adequadas a este quadro clínico específico com possibilidade de alcançar os melhores resultados; como a manutenção adequada do potencial doador contribuindo para a melhor viabilidade dos órgãos ofertados para transplantes. Ressalta-se que para utilizar este DE o enfermeiro necessitará utilizar o pensamento crítico e o raciocínio diagnóstico a fim de efetuar um julgamento apropriado, uma vez que nem todos os pacientes em morte encefálica possuem o DE proposto de síndrome.
Diante do exposto, a questão de pesquisa do estudo é: Quais os indicadores clínicos são adequados para o DE em desenvolvimento Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado para potenciais doadores de órgãos em morte encefálica? Assim, o objetivo deste estudo foi selecionar indicadores clínicos para o DE em desenvolvimento Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado para potenciais doadores de órgãos em morte encefálica.
A partir dessa investigação espera-se qualificar a aplicação do PE na área de manutenção do potencial doador de órgãos e fomentar a produção do conhecimento nesse campo de atuação. Além disso, a síntese desse conhecimento pode aumentar o nível de evidência desse DE na taxonomia.
Este estudo consistiu na seleção por consenso de especialistas dos indicadores clínicos do DE Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado através da técnica Delphi. O estudo de consenso é proposto como um método de pesquisa utilizado para desenvolver padrões de prática profissional, aprimorando o profissionalismo da área. Esse método possibilita que enfermeiros revisem um conteúdo de conhecimentos da sua área de expertise e identifiquem ou vinculem termos relevantes de taxonomias de enfermagem para populações e contextos clínicos específicos. Assim, os enfermeiros buscam alcançar consenso ou opinião coletiva sobre um fenômeno da prática através de um método de pesquisa no qual o poder de produzir conhecimento está nas contribuições dos participantes.8,9 Da mesma forma, a técnica Delphi pode ser usada como método de coleta de dados para atingir consenso sobre um assunto através de opiniões de especialistas. O objetivo dessa técnica visa obter um máximo de consenso de um grupo de especialistas sobre um determinado tema.10
A amostra do estudo foi intencional mediante convite e constituída por 37 enfermeiros que atenderam a critérios de inclusão: experiência clínica mínima de dois anos, atuando com potenciais doadores de órgãos em morte encefálica e conhecer o PE e a NANDA-I. Critérios de exclusão não foram estabelecidos. O cálculo da amostra utilizou um nível de confiança de 95%, 70% de proporção de especialistas para o consenso e um erro amostral aceitável de 15%.11 Esse cálculo estipulou um mínimo de 36 especialistas.
A coleta de dados foi realizada entre abril e maio de 2018 através da técnica Delphi. Os especialistas foram convidados a participar do estudo por meio do correio eletrônico. Os enfermeiros com interesse em participar foram direcionados a um ambiente virtual no Google Forms, no qual tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A concordância do TCLE direcionava para o instrumento de coleta de dados.
O instrumento on-line contém duas seções. A primeira consta em um formulário para registro dos dados de caracterização da amostra. A segunda contém os indicadores clínicos, suas definições conceituais e um espaço para assinalar “recomendo” ou “não recomendo” para cada um deles, além de um espaço para observações abaixo de cada variável. Antes do início da primeira rodada de opiniões, um pré-teste do instrumento foi realizado com cinco juízes que não fizeram parte da amostra. O pré-teste teve a finalidade de verificar fragilidades e lacunas do instrumento para corrigi-las antes da coleta de dados definitiva.
As variáveis utilizadas no instrumento de coleta de dados foram 44 indicadores clínicos identificados em uma revisão integrativa da literatura para o DE em desenvolvimento Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado para potenciais doadores de órgãos em morte encefálica. Nesta revisão integrativa, os indicadores foram divididos em cinco grupos: Alterações endócrino-metabólicas, Alterações hemodinâmicas e/ou cardiovasculares, Alterações ventilatórias, Alterações nutricionais e Alterações de coagulação, inflamatórias e/ou imunológicas.7 Destaca-se que definições conceituais foram construídas para cada indicador embasadas em literatura científica, a fim de assegurar o entendimento de cada variável e possibilitar um adequado julgamento de cada indicador pelo painel de especialistas.
A coleta de dados aconteceu através de duas rodadas de envio do instrumento ao painel de especialistas que foram realizadas conforme necessidade para atingir consenso. Na primeira rodada de opiniões, o instrumento foi encaminhado via e-mail. A partir de seu retorno, as respostas foram contabilizadas e analisadas. Na segunda rodada de opiniões, o instrumento foi revisado e novamente enviado aos participantes com a informação dos resultados atingidos na primeira rodada. Desse modo, os especialistas foram convidados a realizar uma nova avaliação de seus julgamentos frente à previsão estatística de cada resposta do grupo, sendo possível manter a opinião ou modificá-la. Assim, os participantes preencheram o instrumento de coleta de dados destinado à seleção de indicadores clínicos aplicáveis para o DE em desenvolvimento Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado para potenciais doadores de órgãos em morte encefálica. Ao término da coleta, um relatório final com os resultados procedentes das rodadas foi encaminhado aos especialistas.
A análise dos dados foi descritiva. Os indicadores clínicos do DE que obtiveram um consenso igual ou maior que 70% entre os enfermeiros foram considerados validados.
Este estudo foi cadastrado na plataforma Brasil (CAEE 72793817.6.0000.5327) e aprovado pela Comissão de Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob o número 33688 e pelo Comitê de Ética em Saúde do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sob o número 170500.
Trinta e sete enfermeiros considerados especialistas para o estudo avaliaram o conteúdo diagnóstico do DE Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado para potenciais doadores de órgãos. Eles recomendaram 25 dos 44 indicadores clínicos avaliados. A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra.
Tabela 1 Caracterização da amostra de enfermeiros especialistas (n=37).
Variáveis | n (%) |
---|---|
Titulação* | |
Especialização | 27 (73) |
Mestrado | 22 (59) |
Doutorado | 7 (19) |
Área titulação* | |
Terapia intensiva | 24 (65) |
Doação de órgãos e transplantes | 8 (22) |
Processo de enfermagem | 6 (16) |
Outros | 9 (24) |
Tempo de formação | |
2 - 5 anos | 2 (5) |
6 - 10 anos | 14 (38) |
11 - 15 anos | 14 (38) |
16 - 20 anos | 6 (16) |
Mais de 21 anos | 1 (3) |
Experiência profissional | |
Cuidados críticos – manutenção do potencial doador | 28 (76) |
CIHDOTT | 14 (38) |
Equipe retirada de múltiplos órgãos | 11 (30) |
OPO clínica | 4 (11) |
Central de transplantes | 2 (5) |
Tempo de experiência na área de manutenção do doador, doação e/ou transplante de órgãos | |
2 - 5 anos | 10 (27) |
6 - 10 anos | 15 (41) |
11 - 15 anos | 10 (27) |
16 - 20 anos | 2 (5) |
Utilização da NANDA-I | |
Experiência clínica | 29 (78) |
Ensino | 14 (38) |
Realização de pesquisas | 12 (32) |
Estado | |
RS | 24 (65) |
PR | 4 (11) |
RJ | 3 (8) |
SC | 2 (5) |
SP | 2 (5) |
MA | 1 (3) |
ES | 1 (3) |
Fonte: Autora (2018).
*Alguns especialistas possuem mais de uma titulação.
Na Tabela 2, são apresentados os indicadores clínicos recomendados pelos especialistas para o DE em questão, após duas rodadas de envio do instrumento. Um total de 25 indicadores foi recomendado por mais de 70% dos especialistas, portanto, considerados validados quanto ao conteúdo.
Tabela 2 Indicadores do DE Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado (n=37).
Indicadores clínicos | 1ª rodada | 2ª rodada |
---|---|---|
Alterações endócrino-metabólicas | f (%) | f (%) |
Validados | ||
Diabetes insipidus | 32 (86,5) | 32 (86,5) |
Diurese alterada | 31 (83,8) | 31 (83,8) |
Desequilíbrio eletrolítico | 31(83,8) | 31(83,8) |
Hipotermia (00006) | 30 (81,1) | 30 (81,1) |
Hipertermia (00007) | 29 (78,4) | 29 (78,4) |
Desequilíbrio ácido-básico | 28 (75,7) | 29 (78,4) |
Hiperglicemia | 27 (73) | 28 (75,7) |
Disfunção da regulação endócrina | 27 (73) | 26 (70,3) |
Não validados | ||
Creatinina sérica aumentada | 22 (59,5) | 22 (59,5) |
Alteração na função hepática | 22 (59,5) | 22 (59,5) |
Hiperosmolaridade | 21 (56,8) | 21 (56,8) |
Lactato sanguíneo elevado | 19 (51,4) | 19 (51,4) |
Acidose metabólica | 25 (67,6) | 0 (0) |
Alcalose respiratória | 25 (67,6) | 0 (0) |
Alterações hemodinâmicas e/ou cardiovasculares | ||
Validados | ||
Pressão sanguínea alterada | 34 (91,9) | 37 (100) |
Débito cardíaco diminuído (00029) | 28 (86,5) | 32 (86,5) |
Perfusão tissular periférica ineficaz (00204) | 28 (75,7) | 28 (75,7) |
Frequência cardíaca alterada | 27 (73) | 27 (73) |
Volume de líquidos deficiente (00027) | 27 (73) | 27 (73) |
Volume de líquidos excessivo (00026) | 26 (70,3) | 26 (70,3) |
Ritmo cardíaco alterado | 26 (70,3) | 26 (70,3) |
Não validados | ||
Variação de pressão de pulso alterada | 21 (56,8) | 21 (56,8) |
Índice cardíaco alterado | 19 (51,4) | 19 (51,4) |
Resistência vascular sistêmica e/ou periférica aumentada | 17 (45,9) | 17 (45,9) |
Resistência vascular sistêmica ou pulmonar 50% dos valores basais | 16 (43,2) | 16 (43,2) |
Depressão miocárdica | 14 (37,8) | 11 (29,7) |
Pressão venosa central (PVC) alterada | 11 (29,7) | 11 (29,7) |
Índice de trabalho do curso ventricular esquerdo< 15 × g · m / m2 | 10 (27) | 10 (27) |
Pressão arterial média (PAM) alterada | 31 (83,8) | 0 (0) |
Fração de ejeção diminuída | 21 (56,8) | 0 (0) |
Alterações ventilatórias | ||
Validados | ||
Ventilação espontânea prejudicada (00033) | 29 (78,4) | 32 (86,5) |
Troca de gases prejudicada (00030) | 27 (73) | 27 (73) |
Saturação arterial de oxigênio (SaO2) diminuída | 26 (70,3) | 26 (70,3) |
Pressão arterial de oxigênio (PaO2) baixa | 26 (70,3) | 26 (70,3) |
Oxigenação prejudicada (PaO2/FiO2 < 300) | 26 (70,3) | 26 (70,3) |
Não validados | ||
Alteração no padrão respiratório | 28 (75,7) | 25 (67,6) |
Congestão pulmonar | 18 (48,6) | 18 (48,6) |
Taxa de extração de oxigênio (TeO2) reduzido | 13 (35,1) | 13 (35,1) |
Pressão de cunha capilar pulmonar >12 mmHg | 7 (18,9) | 7 (18,9) |
Alterações nutricionais | ||
Validados | ||
Nutrição desequilibrada: menor que necessidades corporais (00002) | 27 (73) | 27 (73) |
Anemia | 26 (70,3) | 26 (70,3) |
Alterações de coagulação, inflamatórias e/ou imunológicas | ||
Validados | ||
Alteração de coagulação | 23 (70,3) | 23 (70,3) |
Alterações inflamatórias | 23 (70,3) | 23 (70,3) |
Alterações imunológicas | 23 (70,3) | 23 (70,3) |
Fonte: Autora (2018).
Alguns especialistas modificaram suas recomendações na segunda rodada de envio do instrumento. Observa-se que Acidose metabólica e Alcalose respiratória obtiveram na primeira rodada 25 (67,6%) recomendações. No entanto, na segunda rodada nenhum especialista os recomendou, com a justificativa de que estes estão contemplados no Desequilíbrio ácido-básico. Da mesma forma, PAM alterada na primeira rodada obteve 31 (83,8%) recomendações e na segunda nenhuma, justificando-se que Pressão sanguínea alterada já contempla a PAM alterada. Assim, Pressão sanguínea alterada na primeira rodada foi recomendada por 34 (91,9%) dos especialistas e na segunda rodada obteve 100% de recomendação. Fração de ejeção diminuída obteve na primeira rodada 21 (56,8%) recomendações e na segunda nenhuma. Os especialistas apontaram que Débito cardíaco diminuído é mais amplo e contempla a alteração na fração de ejeção.
Este estudo possibilitou a seleção através de consenso por 37 especialistas de 25 indicadores clínicos para o DE em desenvolvimento Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado para potenciais doadores de órgãos em morte encefálica. Esses indicadores poderão na prática auxiliar os enfermeiros no processo de inferência diagnóstica, possibilitando maior segurança na escolha do diagnóstico. Além disso, os resultados e intervenções elencadas apresentarão maiores chances de direcionamento e eficácia. Destaca-se a originalidade deste estudo pioneiro no desenvolvimento de DE na temática da manutenção do potencial doador de órgãos.
Este estudo foi relevante uma vez que, mesmo o paciente estando em morte encefálica, existe a necessidade de um cuidado direcionado para a manutenção do potencial doador de órgãos, visando alcançar a melhor viabilidade dos órgãos ofertados para transplante. Nesse sentido, estudos dessa natureza contribuem para o aprimoramento das classificações de enfermagem, levando em consideração a população estudada.
Em relação aos resultados do estudo, a amostra de especialistas é considerada qualificada, uma vez que todos os enfermeiros são pós-graduados. Aliado a isto, o tempo de formação foi considerado expressivo (faixa 6-10 anos e 11-16 anos obtiveram 38% de predomínio, cada). Ressalta-se que todos os especialistas relataram experiência profissional na área de manutenção do doador, doação e/ou transplantes de órgãos. Além do mais, 78% da amostra referiu experiência clínica com o uso da NANDA-I, além de experiência no ensino e pesquisa.
Os nove indicadores clínicos que têm um código numérico ao lado são DEs já existentes na NANDA-I. Destaca-se a definição de síndrome para essa classificação: “julgamento clínico relativo a um determinado agrupamento de DEs que ocorrem juntos, sendo mais bem tratado por meio de intervenções similares”.6:82
No grupo Alterações endócrino-metabólicas foram recomendados os indicadores clínicos Desequilíbrio ácido-básico, Desequilíbrio eletrolítico, Diabetes insipidus, Diurese alterada, Disfunção reguladora endócrina, Hiperglicemia, Hipertemia e Hipotermia.
Desordens ácido-básicas prejudicam a função dos órgãos e podem ser graves nos potenciais doadores de órgãos. A acidose metabólica acarreta em hipotensão e vasodilatação. Ela é ocasionada por hipoperfusão tecidual e causa piora da contração cardíaca e redução da resposta endotelial às catecolaminas. Enquanto a alcalose respiratória é comumente decorrente da hiperventilação e do tratamento diurético administrado na tentativa de diminuir a pressão intracraniana.12-14
A literatura evidencia que entre as alterações fisiológicas decorrentes da morte encefálica no potencial doador de órgãos, a diabetes insipidus ocorre entre 46 a 78% dos casos.15,16 A diabetes insipidus sem intervenção causa poliúria e acarreta em hipernatremia e choque hipovolêmico.15 Estudos apontam que, entre as desordens metabólicas, a hipernatremia é frequente sendo uma falha na manutenção dos potenciais doadores de órgãos e subsidia a falência do enxerto. O desequilíbrio eletrolítico normalmente é resultado de grandes perdas urinárias. Destaca-se que os íons têm papéis importantes na fisiologia celular e também contribuem para a viabilidade dos órgãos ofertados para transplante.12,13
A gliconeogênese aumenta com a “tempestade simpática” acarretada pela morte encefálica em decorrência da maior resistência à insulina nos tecidos periféricos e redução da secreção de insulina pelo pâncreas, ocasionando hiperglicemia. A morte encefálica também provoca danos à hipófise, podendo gerar deficiências hormonais e também afeta a termorregulação central, podendo resultar tanto hipotermia quanto hipertermia.13-15,17,18
No grupo Alterações hemodinâmicas e/ou cardiovasculares foram recomendados os indicadores clínicos Débito cardíaco diminuído, Frequência cardíaca alterada, Perfusão tissular periférica ineficaz, Pressão sanguínea alterada, Ritmo cardíaco alterado, Volume de líquidos deficiente e Volume de líquidos excessivo.
A “tempestade simpática” nos doadores com morte encefálica libera catecolaminas que produz vasoconstrição e acarreta, inicialmente, em hipertensão e taquicardia e pode originar arritmia cardíaca. Transcorrida a mesma, o resultado é perda do tônussimpático, com profunda vasodilatação o que induz a hipotensão, a bradicardia e a hipovolemia, que são os principais problemas durante a manutenção do potencial doador. A hipotensão deve ser evitada uma vez que resulta em hipoperfusão, que contribui para a rápida deterioração da função dos órgãos. Em decorrência da pressão intracraniana elevada ocorre a instabilidade cardiovascular que pode levar a lesão miocárdica. A PVC e a PAM devem ser monitoradas. O monitoramento da PVC auxilia no controle da infusão excessiva de líquidos que pode ocasionar edema pulmonar.13,15,17
No grupo Alterações ventilatórias foram recomendados os indicadores clínicos Oxigenação prejudicada, Pressão arterial de oxigênio (PaO2) alterada, Saturação arterial de oxigênio (SaO2) diminuída, Troca de gases prejudicada e Ventilação espontânea prejudicada. A morte encefálica desencadeia uma série de alterações fisiopatológicas (hipotensão arterial, hipotermia, diabetes insípido, hiperglicemia, lesão miocárdica, coagulopatia) das quais a literatura destaca com incidência de 62% a disfunção respiratória de moderada a grave nos potencias doadores de órgãos.16 Assim, a morte encefálica pode ocasionar uma série de alterações ventilatórias, como: edema pulmonar neurogênico, aumento do risco de aspiração, lesão pulmonar associada ao ventilador, entre outras. Embora todos os órgãos sólidos sejam atingidos, os pulmões são particularmente sensíveis a esses eventos. Dessa forma, para viabilidade dos órgãos, em especial do pulmão, é importante o controle da PaO2, SaO2 e oxigenação (PaO2/FiO2), além da troca gasosa.12,13,19
No grupo Alterações nutricionais foram recomendados os indicadores clínicos Anemia e Nutrição desequilibrada: menor do que as necessidades corporais. A literatura aponta que a coagulopatia, a administração de líquidos e sangramentos podem causar anemia no potencial doador de órgãos.20 Além disso, as diretrizes para manutenção do potencial doador recomendam o uso de suporte nutricional21 para prover combustível exógeno, a fim de manter a massa magra e função imune, assim como evitar complicações metabólicas. A nutrição entérica deve ser continuada, pois aumenta a oferta de glicogênio e tem o potencial de otimizar a função do enxerto.12,22
No grupo Alterações de coagulação, inflamatórias e/ou imunológicas foram recomendados os indicadores clínicos Alteração de coagulação, Alterações inflamatórias e Alterações imunológicas. A lesão cerebral libera o ativador do plasminogênio que pode trazer consequências na coagulação (trombocitopenia, tempo de tromboplastina e protrombina ativada) e pode acarretar em complicações hemorrágicas.15 Além disso, uma resposta inflamatória sistêmica e local também ocorre em consequência da morte encefálica. Essa resposta constitui-se na ativação do complemento e do endotélio, na liberação de citocinas e quimiocinas e no fluxo de leucócitos para os órgãos, podendo causar dano tecidual e lesões por isquemia nos órgãos colaborando na rejeição de enxerto.23 O dano cerebral também pode provocar alterações imunológicas. Os leucócitos podem estar elevados em consequência do estado inflamatório sistêmico ou infecção nosocomial.15
A literatura destaca que a morte encefálica (fator relacionado desse DE) ocasiona efeitos deletérios sobre os potenciais doadores, ocasionando diversas alterações fisiológicas. Essas alterações quando não tratadas adequadamente são as principais causas da não efetivação do potencial doador, além de repercutir na qualidade dos órgãos transplantados.13,16
Assim, a manutenção do potencial doador de órgãos inclui o pleno conhecimento e manuseio imediato das principais complicações advindas da morte encefálica, além da assistência da equipe multidisciplinar. A enfermagem desenvolve um papel importante nesse cenário, uma vez que a assistência adequada é imprescindível para efetivação da doação. Por fim, considera-se que o uso do DE é importante, uma vez que através dele o enfermeiro prescreve intervenções que farão diferença na manutenção do paciente e consequentemente na viabilidade dos órgãos.4
As taxonomias Nursing Outcomes Classification (NOC) e Nursing Interventions Classification (NIC) possuem resultados e intervenções que podem ser aplicados para essa população com o DE proposto neste estudo. Destaca-se que realizar ligações do DE com resultados da NOC podem sugerir aspectos do problema ou do estado do paciente que se espera que sejam melhorados ou resolvidos por meio de uma intervenção, enquanto que as intervenções da NIC sugerem a relação existente entre o problema e as ações de enfermagem que poderão resolver ou amenizar este problema. Desta forma, na prática o enfermeiro pode com auxílio da NOC controlar a eficácia das intervenções da NIC.24,25
Os 25 indicadores clínicos recomendados neste estudo necessitam de maior direcionamento das intervenções de enfermagem na manutenção do potencial doador de órgãos em pacientes com o DE de síndrome proposto. Entretanto, isso não significa que os indicadores não validados receberão menos atenção. Ressalta-se a importância do trabalho multidisciplinar e interdisciplinar para focar esses indicadores não recomendados e que são menos sensíveis às intervenções de enfermagem, mas também importantes para a melhor viabilidade dos órgãos ofertados para transplantes. Portanto, os enfermeiros podem intervir com solicitações de consultorias, encaminhamentos, como também solicitar avaliações e apoio de outros profissionais quando julgar necessário.
Assim, acredita-se que não utilizar o PE e linguagens padronizadas na prática assistencial, como também a carência de ferramentas e instrumentos para direcionar a manutenção do potencial doador de órgãos dificulta o raciocínio clínico sendo capaz de afetar a qualidade da assistência em razão de sua complexidade.7 Dessa forma, o DE Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado pode auxiliar o enfermeiro na escolha de intervenções que possibilitem o alcance dos melhores resultados.
Este estudo possibilitou selecionar por consenso de especialistas os principais indicadores clínicos do DE em desenvolvimento Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado. A fim de aumentar o nível de evidência do DE sugere-se realizar análise de conceito e validação clínica, a fim de definir quais os indicadores dão mais suporte e precisão ao DE. Além disso, diante das mudanças publicadas na NANDA-I 2018-2020, será preciso revisar quais indicadores serão conceituados como características definidoras ou condições associadas ou populações de risco. O DE também deve ser estruturado dentro dos sete eixos da NANDA-I, incluindo domínio e classe. Também é relevante desenvolver estudos com ligações entre o DE proposto e as taxonomias NOC e NIC. Destaca-se que o DE Síndrome do equilíbrio fisiológico prejudicado será encaminhado para a apreciação da NANDA-I para publicação, a fim de colaborar com a qualificação da taxonomia.
Sugere-se a replicação desta pesquisa com outros fatores relacionados como morte circulatória (prevista na legislação de alguns países), por exemplo, como também com outras possíveis populações de pacientes que possa ser aplicada esta nova proposta de DE. Uma vez que utilizar apenas a morte encefálica como fator relacionado e somente no panorama da manutenção do potencial doador de órgãos foi considerado uma limitação deste estudo.
Destaca-se que os resultados desta investigação retratam um avanço na prática assistencial, ensino e pesquisa de enfermagem. Na prática assistencial, o uso desse novo DE proporcionará acurácia diagnóstica, embasando a implementação e a avaliação de intervenções que impactam na melhora da manutenção do potencial doador de órgãos. No ensino, o uso de elementos desse DE poderá contribuir para a construção de conhecimento acerca da temática, principalmente, no que tange às alterações fisiológicas acarretadas pela morte encefálica e os cuidados prestados para manutenção do potencial doador. Além disso, pode se explorar este DE em pesquisas futuras aplicando o DE em ambiente real. Também, o desenvolvimento desse DE pode colaborar com a qualificação da taxonomia da NANDA-I, e contribuir na construção de conhecimento da enfermagem na área de manutenção do potencial doador de órgãos.
Assim, a enfermagem tem investigado as melhores práticas clínicas e ferramentas inovadoras para apoiar o plano de cuidados. O uso deste DE pode proporcionar melhor sistematização do cuidado, auxiliando na manutenção adequada do potencial doador, e consequentemente contribuir na melhor viabilidade dos órgãos ofertados para transplantes, refletindo no quantitativo de órgãos utilizados, além de melhora da sobrevida pós-transplante.