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Indicadores de insegurança alimentar e nutricional associados à anemia ferropriva em crianças brasileiras: uma revisão sistemática

Indicadores de insegurança alimentar e nutricional associados à anemia ferropriva em crianças brasileiras: uma revisão sistemática

Autores:

Hercilio Paulino André,
Naiara Sperandio,
Renata Lopes de Siqueira,
Sylvia do Carmo Castro Franceschini,
Silvia Eloiza Priore

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.4 Rio de Janeiro abr. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018234.16012016

Introdução

A deficiência de micronutrientes é um importante problema de saúde pública, especialmente, em países em desenvolvimento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) aproximadamente 2 bilhões de pessoas no mundo sofrem de fome oculta, que é a deficiência subclínica de micronutrientes, sendo os principais vitamina A, ferro, zinco e iodo1.

A carência de ferro atinge todas as células do organismo humano e ocorre em três estágios, sendo o primeiro a depleção do estoque de ferro, seguido pela eritropoiese ferro deficiente até a ocorrência da anemia ferropriva, caracterizada pela redução dos níveis de hemoglobina. A deficiência de ferro e a anemia ferropriva resultam do desequilíbrio no balanço entre a quantidade de ferro biodisponível absorvido na dieta e a necessidade do mineral no organismo2.

A anemia ferropriva é um distúrbio nutricional que compromete o sistema imunológico prejudicando o crescimento e desenvolvimento da criança3. O público infantil constitui um grupo vulnerável a deficiência de ferro devido a demanda aumentada desse mineral em função da intensa velocidade de crescimento. Além disso, alguns fatores negativos da alimentação na infância podem aumentar essa vulnerabilidade, como por exemplo, consumo insuficiente de alimentos fontes de ferro (carne de boi, figado, frango, peixe e vegetais verdes escuros)2,3 e ingestão de leite de vaca e cabra antes dos primeiros seis meses de vida, que além dos baixos teores de ferro, podem ocasionar sangramento gastrointestinal e gerar perda de sangue nas fezes4.

A anemia no mundo acomete aproximadamente 1,620 milhões de indivíduos, sendo que a ocorrência por deficiência de ferro é 2,5 vezes maior5,6. No Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Mulher e da Criança7, a prevalência de anemia em menores de 5 anos foi de 20,9%, sendo que as maiores prevalências foram observadas nas regiões Sudeste e Nordeste do país (22,6% e 25,5%, respectivamente).

A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) refere-se à garantia do acesso a alimentação adequada e saudável. É um conceito multidimensional que perpassa o campo da produção, disponibilidade e acesso a alimentos, adequadas condições de saúde, educação, moradia e saneamento básico8. Sendo assim, indicadores de múltiplas vulnerabilidades, relacionados ao acesso, consumo e aproveitamento biológico dos alimentos, das condições sociais, econômicas e de estado nutricional são utilizados para caracterização de situações de violação desse direito, ou seja, da insegurança alimentar e nutricional8.

Alguns indicadores como a baixa renda familiar per capita, baixa escolaridade, principalmente materna, maior número de filhos, elevada densidade de morador por cômodo, precárias condições de acesso a serviços públicos, como saneamento básico e energia elétrica, consumo alimentar inadequado, quanti e qualitativamente, dentre outros, caracterizam situações de insegurança alimentar e nutricional que predispõem ao risco de desenvolvimento de doenças carenciais, dentre elas a anemia ferropriva9,10.

Apesar da anemia ferropriva ser um problema de saúde pública democraticamente distribuído entre as diferentes classes socioeconômicas, situações que caracterizam um quadro de insegurança alimentar e nutricional podem favorecer e contribuir para o surgimento dessa doença9.

Diante do exposto, o objetivo deste artigo foi revisar os indicadores de insegurança alimentar e nutricional associados a anemia ferropriva em crianças brasileiras menores de 5 anos de idade.

Metodologia

Para elaboração deste artigo realizou-se busca sistemática nas bases de dados eletrônicas SciELO, Lilacs, Medline. Foram incluídos estudos publicados nos últimos 11 anos – a partir do ano 2004 – uma vez que foi nesse ano que se iniciou a fortificação com composto de ferro e ácido fólico, com vistas a atender um dos objetivos presentes no Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que se refere a prevenção de carências nutricionais11. As palavras chaves usadas foram: aleitamento materno, indicadores nutricionais, carência de ferro, fome oculta, anemia materna, assim como seus respectivos vocábulos em inglês (breastfeeding, nutritional indicators, Iron deficiency, hidden hunger, maternal anemia).

Incluiu-se nesta revisão sistemática artigos orginais, conduzidos no Brasil, que relacionavam anemia ferropriva em crianças brasileiras, menores de cinco anos, a possíveis indicadores de insegurança alimentar e nutricional, categorizados em: econômicos, nutricionais sociodemográficos e de saúde. Foram excluidos artigos de revisão, monografias, dissertações, teses, capítulos de livros, além dos estudos realizados com crianças de outros países.

Os artigos foram sistematicamente revisados, sendo que, inicialmente, dois autores participaram da análise dos títulos e resumos. Nos casos em que não houve concordância entre os dois avaliadores, um terceiro autor analisou os artigos.

Para a elaboração da revisão sistemática, primeiramente realizou-se a busca por palavras chaves nas bases de dados descritas anteriormente, identificando 1023 estudos publicados no período de interesse. A etapa seguinte constou da seleção e revisão dos estudos, avaliando primeiramente os títulos, na qual foram excluidos 972 trabalhos, sendo que 569 fugiram do tema desta revisão: 81 por serem estudos repetidos e 322 por ter sido conduzido em população não brasileira.

A partir da leitura dos resumos dos 51 estudos restantes, excluíu-se 31 porque não analisaram associação com indicadores de insegurança alimentar e nutricional. Foram analisados na íntegra 20 artigos, sendo que, desses, 9 foram excluidos por tratarem de crianças maiores de 5 anos de idade. Portanto, 11 estudos contemplaram os critérios de inclusão e foram utilizados nesta revisão sistemática (Figura 1).

Figura 1 Etapas da elaboração da revisão sistemática. 

Resultados

Os 11 estudos selecionados refletem a relação dos indicadores de insegurança alimentar e nutricional com a ocorrência da anemia ferropriva, sendo que em todos eles a anemia ferropriva associou-se a algum indicador sociodemográfico e de saúde; em quatro observou-se associaçao com indicadores econômicos, e em sete com nutricionais.

Os indicadores sociodemográficos e de saúde, retratados pelos estudos, que apresentaram associação (p < 0,05) com a ocorrência da anemia ferropriva foram: idade inferior a 24 meses12-16, idade materna inferior a 20 anos17,18, criança do sexo masculino17,19, número de moradores no domicílio2,15,20, baixa escolaridade materna13,15,20, área geográfica13, ausência de casa própria19, presença de infecções respiratórias e diarreias2,19, condições de trabalho dos pais21, tempo de creche2, ausência de saneamento básico2,15, presença de anemia materna19 (Quadro 1).

Quadro 1 Resumo dos estudos referentes a indicadores de insegurança alimentar e nutricional associados a anemia ferropriva em crianças menores de 5 anos. 

Referências Metodologia dos Estudos Resultados
Título Tipo de estudo Local Avaliação do EN de ferro Anemia Indicadores de insegurança alimentar e nutricional
Neves et al., 200512 Prevalência e fatores associados à deficiência de ferro em lactentes (n = 365) Transversal Belém-Pará Hemoglobina Ferritina Prevalência de anemia ferropriva e deficiência de ferro: 55,1 e 15,3% respectivamente A anemia ferropriva e deficiência de ferro apresentaram associação (p < 0,05) com indicadores sociodemográficos (lactentes de 6 a 24 meses) e económicos (renda per capita menor que ½ salário mínimo).
Spinelli et al., 200517 Fatores de risco para anemia em crianças (n = 2715) Transversal Estado do Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso (Multicêntrico). Hemoglobina Prevalência de anemia: 65,45%. Houve associação (p < 0,05) entre anemia e indicadores sociodemográficos (idade materna inferior a 20 anos, sexo masculino) e nutricionais (falta de aleitamento materno ou estar em aleitamento misto, peso ao nascer < 2500g).
Oliveira et al., 200613 Concentração de hemoglobina e anemia em crianças: fatores socioeconômicos e de consumo alimentar (n = 746) Transversal Recife-Pernambuco Hemoglobina Prevalência de anemia: 40,6%. Anemia apresentou associação (p < 0,05) com indicadores sociodemográficos (idade da criança, área geográfica, escolaridade materna), económicos (renda per capita menor que ½ salário mínimo) e nutricionais (ingestão de leite de vaca na dieta).
Netto et al., 200620 Prevalência e fatores associados à anemia e deficiência de ferro em crianças (n = 101) Transversal Viçosa-Minas Gerais Hemoglobina Ferritina Prevalências de anemia, deficiência de ferro:30,1 e 38,4 respectivamente. Os indicadores sociodemográficos (número de moradores no mesmo domicilio, escolaridade materna) e nutricionais (idade de introdução de sucos e/ou frutas, e tempo de aleitamento materno total, consumo de leite próximo das refeições) associaram-se (p < 0,05) aos baixos níveis de hemoglobina e deficiência de ferro.
Vieira et al., 200714 Avaliação do estado nutricional de ferro e anemia em crianças (n = 162) Transversal Recife-Pernambuco Hemoglobina Ferritina Prevalência de anemia: 55,6%; deficiência de ferro: 30,8%. Anemia e deficiência de ferro foram associados (p < 0,05), com indicadores sociodemográficos (idade inferior aos 24 meses).
Konstantyner et al., 200918 Riscos isolados e agregados de anemia em crianças frequentadoras de berçários de creches (n = 482). Transversal Creches públicas-São Paulo Hemoglobina Prevalência de anemia: 43,6%. Anemia ferropriva teve associação (p = < 0,05), com indicadores sociodemográficos (menor idade materna), econômicos (renda per capita menor que ½ salário mínimo) e nutricionais (aleitamento materno exclusivo inferior a 2 meses).
Netto et al., 201121 Fatores associados à anemia em lactentes nascidos a termo e sem baixo peso (n = 104) Transversal Viçosa-Minas Gerais Hemoglobina Ferritina Prevalência de anemia: 26% A anemia dos lactentes se associou (p < 0,05) com indicadores nutricionais (não uso de composto ferroso no pós-parto pela mãe ou pela criança, início tardio do pré-natal, aleitamento materno predominante) e sociodemográficos (condição de trabalho dos pais).
Rodrigues et al., 20112 Deficiência de ferro, prevalência de anemia e fatores associados em crianças (n = 256) Transversal Cascavel-Paraná Hemoglobina, volume corpuscular médio, ferro sérico e eosinófilos. Prevalência da anemia foi de 29,7%, sendo 77,3% da baixa concentração de ferro. A anemia e à deficiência de ferro associou-se (p < 0,05) a indicadores sociodemográficos (doenças frequentes na família, condições de moradia, tempo de creche, número de moradores no domicílio e falta de saneamento básico).
Leal et al., 201115 Prevalência da anemia e fatores associados em crianças (n = 1403) Transversal Recife-Pernambuco Hemoglobina Prevalência de anemia: 32,8% Indicadores sociodemográficos (escolaridade e anemia materna, número de crianças no mesmo domicílio, tratamento da água, idade da criança) tiveram associação (p < 0,05) com anemia.
Castro et al., 201119 Anemia e deficiência de ferro em pré-escolares da Amazónia (n = 624) Transversal Acre-Amazônia Hemoglobina ferritina e receptor solúvel de Transferrina plasmática. Prevalências de anemia, anemia ferropriva e deficiência de ferro: 30,6; 20,9 e 43,5% respectivamente. Anemia, anemia ferropriva e deficiência de ferro apresentaram associação (p < 0,05), com indicadores sociodemográficos (sexo masculino, não possuir casa própria, ocorrência de infeções respiratórias e diarreias) e nutricionais (baixo peso ao nascer).
Lisboa et al., 201516 Prevalência de anemia ferropriva em crianças (n = 725) Transversal Minas-Gerais Hemoglobina Prevalência de anemia:37,4%, crianças de 6 à 24 meses: 43%. Anemia associou-se (p < 0,05) com indicadores sociodemográficos (não frequentar creche, lactentes entre 6 a 24 meses).

EN-Estado nutricional.

Em relação aos indicadores econômicos associados com a ocorrência de anemia ferropriva, em menores de cincos anos, foi unânime entre os estudos a baixa renda per capita17,20,21 (Quadro 1).

Quanto aos indicadores nutricionais destacase ausência ou baixo tempo de aleitamento materno total17,20,21 e de aleitamento materno exclusivo18, o baixo peso ao nascer17,19, introdução precoce dos alimentos20, consumo de leite próximo das refeições13,20, o não uso de sulfato ferroso pela mãe e/ou criança e o início tardio do pré-natal21 (Quadro 1)

Discussão

A ocorrência da anemia por deficiência de ferro é um dos maiores problemas de saúde pública no mundo, e destaca-se como a principal carência nutricional em função dos efeitos negativos à saúde. As crianças menores de 5 anos estão entre os grupos vulneráveis, devido a demandas aumentadas para o crescimento e desenvolvimento, característicos dessa fase16,17. Dentre as principais consequências da anemia ferropriva destacam-se déficit no desenvolvimento psicomotor, na função congnitiva e maior suscetibilidade à infeccções7,16,17.

Em relação aos fatores sociodemográficos, citados pelos estudos desta revisão, destacam-se idade inferior a 24 meses, o número elevado de moradores nos domicílios e a escolaridade materna2,12-15,20. Outros estudos9,22 encontraram, além desses fatores sociodemográficos, a associação da anemia ferropriva a menor idade e escolaridade materna.

Situações de múltiplas vulnerabilidades, como o número elevado de moradores no domicílio, menor escolaridade materna, menor renda mensal per capita e menor poder aquisitivo, influenciam e dificultam as condições de acesso a alimentação adequada e saudável o que pode favorecer a ocorrência de carências nutricionais, como a anemia ferropriva23.

A associação da anemia ferropriva com a menor idade materna, especialmente em relação a gestantes adolescentes, pode ser atribuída ao fato da menor experiência para cuidado com os filhos (vínculo mãe-filho), reflexo, na maioria dos casos, da falta de conhecimento ou orientação adequada durante o pré-natal, que em algumas situações nem é realizado adequadamente9,22.

O baixo rendimento monetário per capita, foi o indicador econômico mais citado pelos estudos que associou-se a presença da anemia12,13,18. Além de possibilitar o acesso à alimentação, a renda está relacionada a presença de condições de moradia e saneamento básico, importantes para o aproveitamento biológico dos nutrientes presentes nos alimentos. Sendo assim, situações de baixo rendimento estão diretamente relacionadas a dois importantes determinantes da SAN: o acesso e o aproveitamento dos alimentos pelo organismo, que podem condicionar a situações de insegurança, especialmente nos casos que a baixa renda está presente conjuntamente com outros indicadores citados nesta revisão.

Em relação a asssociação observada da anemia com a idade menor que 24 meses acredita-se que o risco de desenvolver anemia ferropriva nesse grupo etário seja devido ao crescimento acelerado característico dessa fase, acompanhado de indicadores nutricionais, como à dieta de transição, que geralmente é composta por alimentos com baixa biodisponibilidade de ferro, baixa prevalência do aleitamento materno, além de ocorrência de infecções respiratórias e diarreias9,12,24.

Os indicadores nutricionais de insegurança alimentar e nutricional, retratados nesta revisão, resumiram-se nas condições de nascimento (baixo peso ao nascer), ao aleitamento materno e introdução precoce de alimentos complementares.

Em estudo nacional referente a fatores associados a anemia em crianças brasileiras de 6 a 12 meses, os autores retratam prevalência de anemia de 65,45%, e associação (p < 0,05) dessa com o baixo peso ao nascer e prematuridade12. Uma das possíveis explicações dessa associação foi em relação às baixas reservas de ferro ao nascer, devido principalmente a prematuridade e baixo peso, e à maior demanda desse mineral para o crescimento21.

Em um estudo referente a presença da anemia e deficiência de ferro em pré-escolares da Amazônia Ocidental brasileira os autores observaram prevalências de anemia, anemia ferropriva e deficiência de ferro de 30,6%, 20,9% e 43,5% respectivamente, e associação (p < 0,05) com o baixo peso ao nascer e o sexo masculino19. A associação entre anemia ferropriva e sexo masculino está relacionada ao maior ganho do peso, ao aumento da atividade da eritropoiese na vida fetal, às menores reservas, maiores perdas intestinais e menor absorção do ferro, observado nos meninos em relação às meninas25.

Estudos20,26-29 referentes a fatores associados à anemia e deficiência de ferro em crianças, retrataram associação (p < 0,05) com outros indicadores nutricionais como, por exemplo, idade da introdução de sucos e/ou frutas, consumo de leite próximo das refeições e tempo de aleitamento materno total, sendo que as maiores prevalências foram em crianças menores de 24 meses de idade. É necessário destacar que é difícil o estabelecimento de valores críticos de hemoglobina como ponto de corte em crianças menores de 6 meses de vida, devido as rápidas mudanças de concentração desse indicador bioquímico nessa fase da vida30.

O consumo de leite de vaca fluido foi um dos principais determinantes da anemia no primeiro ano de vida; a caseína e as proteínas do soro do leite de vaca, que constituem a fração proteica da maioria das fórmulas lácteas, e os alimentos infantis industrializados têm influência negativa sobre a absorção do ferro, que se agravam pelas necessidades nutricionais aumentadas em função do crescimento acelerado da criança24. O leite e seus derivados, como iogurte e queijo, possuem cálcio e ao serem consumidos durante ou proximo das refeições inibem a absorção do ferro31.

Acredita-se que a situação de insegurança alimentar e nutricional, analisada sob a perspectiva de diferentes indicadores que abarquem a multideterminação envolvida com o conceito brasileiro de SAN, é influenciada pelas desigualdades relativas ao sistema social e econômico excludente32, sendo a pobreza e as iniquidades sociais fatores determinantes desse fenômeno33,34.

A maioria dos estudos, analisados nesta revisão sistemática, que avaliaram indicadores de insegurança alimentar e nutricional, associados a anemia ferropriva em crianças brasileiras menores de cinco anos, são observacionais transversais. Esse tipo de delineamento epidemiológico inviabiliza o estabelecimento de relações causais, o que constitui uma limitação desta revisão sistemática e ressalta a importância de realização de estudos longitudinais envolvendo os determinantes da anemia ferropriva em crianças brasileiras.

Conclusão

A presença da insegurança alimentar e nutricional, analisada sob a óptica de diferentes indicadores, está relacionada com a ocorrência da anemia ferropriva em crianças brasileiras menores de 5 anos. As condições de insegurança avaliada segundo os indicadores supracitados indicam a necessidade de investimentos em melhorias das condições de vida, assim como a necessidade de estímulo ao aleitamento materno e introdução adequada da alimentação complementar.

Nesta revisão observou-se que a anemia ferropriva associou-se aos indicadores sociodemográficos e de saúde (sexo masculino, idade inferior aos 24 meses, não frequentar creche, filhos de mães adolescentes, número elevados de moradores no mesmo domicílio, infecções respiratórias, diarreias, baixa escolaridade materna), nutricionais (baixo peso ao nascer, características da dieta, “hábito de ingerir leite próximo dos horários das refeições” e introdução precoce de alimentação complementar) e econômicos (baixa renda per capita) que refletem a determinação social dessa carência.

Para garantia da SAN se faz necessário a adoção de medidas intersetoriais que incidam sobre os múltiplos determinantes envolvidos com esse direito, especialmente aqueles relacionados ao acesso a alimentação adequada e saudável e ao aproveitamento biológico dos alimentos, que diretamente relacionam-se com as carências de micronutrientes, que acometem parcela significativa da população, especialmente as crianças.

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