versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.7 Rio de Janeiro jul. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015207.10742014
Nas últimas décadas, o termo vulnerabilidade tem sido utilizado em estudos expressando a multidimensionalidade de um conceito em construção que é empregado em diversos campos de saber, podendo destacar áreas como as ciências da vida, as naturais e as sociais, em especial na área da geografia, demografia, economia, saúde e bioética. A diversidade de abordagens disciplinares e a polissemia de definição proporcionam uma ampla utilização do termo vulnerabilidade, que adquire delimitações específicas a depender da área em que é empregado, mas que corre o risco de perder significado pelo uso indiscriminado em amplo espectro de abordagens sem delimitação teórica e conceitual.
Acerca da diversidade de apropriações do termo vulnerabilidade, Gallopín 1 afirma que essa pluralidade de definições possivelmente ocorre em função das diferentes necessidades dos campos disciplinares, bem como pode ser um reflexo das diferentes tradições intelectuais, que terminam por não produzir interfaces de aplicação e comunicação em todas as disciplinas.
Os indicadores sintéticos são medidas-sínteses utilizadas para apreender uma determinada realidade social ou dimensões do mundo social e podem ser aplicados em relação às dinâmicas de desenvolvimento de populações, espaços e ambientes. Segundo Neto et al. 2 , essas medidas passaram a ganhar maior expressão no Brasil durante a década de 90, momento em que vários indicadores surgiram no país com o objetivo de compreender a realidade social por meio de uma medida única, alcançada pela combinação das múltiplas medições das suas dimensões analíticas quantificáveis. Progressivamente, indicadores de bem estar social, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, passaram a ser utilizados por pesquisadores e gestores públicos. Jannuzzi 3 relaciona um grupo de indicadores sintéticos, não necessariamente envolvidos com a temática da vulnerabilidade, mas que foram elaborados no Brasil por pesquisadores de universidades, órgãos públicos e centros de pesquisa, são eles: i) Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) e Índice de Condições de Vida Municipal (ICV), da Fundação João Pinheiro/MG; ii) Índice de Qualidade Municipal – verde, Índice de Qualidade Municipal – carências, Índice de Qualidade Municipal – necessidades habitacionais e Índice de Qualidade Municipal – sustentabilidade fiscal, da Fundação CIDE/RJ; iii) Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS), Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) e Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS), da Fundação SEADE/SP; iv) Índice Social Municipal Ampliado (ISMA), da Fundação Economia e Estatística/RS; v) Índice de Desenvolvimento Social (IDS) e Índice de Desenvolvimento Econômico (IDE), da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI/BA); vi) Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU) e Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte/PUC Minas/MG; e, vii) Indicador Municipal de Desenvolvimento Educacional (IMDE) do INEP, Cedeplar e NEPO.
Esses instrumentos são apresentados como facilitadores para o atendimento das demandas de informação para formulação de políticas, para a tomada de decisões nas esferas públicas, para a divulgação pelos meios de comunicação de resultados sintéticos, bem como para a disseminação da cultura de uso de indicadores nas pactuações das agendas de políticas públicas nacionais e globais.
Considerando o impulso dado à construção de indicadores sintéticos, a pergunta lançada por Neto et al. 2 expressa a possibilidade de se ampliar o uso dessas ferramentas: se o IDH, sintetizando apenas três dimensões da realidade social, parece aos olhos de boa parte da mídia e gestores uma medida incontestável para monitorar o progresso social dos países – ou melhor, o desenvolvimento humano dos países – e servir de instrumento para balizar a distribuição de recursos de ajuda internacional, por que não desenvolver um indicador composto de um conjunto maior de proxies do mundo social e potencializar seu uso como ferramenta de avaliação mais ampla da ação pública e como critério de alocação global do gasto público no país? 2
Entretanto, a despeito da intensificação do uso de indicadores sintéticos, alguns pesquisadores apresentam dúvidas quanto ao potencial desses instrumentos de mensuração quantitativa e às situações e momentos do processo decisório no âmbito do ciclo das políticas públicas em que eles devem ser aplicados. Enquanto há pesquisadores que entendem ser mais fácil tomar uma decisão utilizando uma medida-síntese do que considerando um conjunto amplo de indicadores que podem não apontar prioridades 2 , há aqueles que acreditam que um sistema de indicadores sintéticos seria mais útil para o estabelecimento de diagnósticos e planos de intervenção 2 .
Este estudo tem como objetivo descrever, na literatura nacional e internacional, as propostas de indicadores sintéticos envolvidos com a temática da vulnerabilidade.
A revisão integrativa foi norteada pela pergunta “Quais e como são construídos os indicadores de vulnerabilidade relacionados com a temática social apresentados nos estudos científicos?”. Utilizando os descritores “Indicador de vulnerabilidade (Vulnerability indicator), “Índice de vulnerabilidade” (Vulnerability índex) e “Análise de Vulnerabilidade” (Vulnerability Analysis), no dia primeiro de abril de 2014, foram consultados os artigos disponíveis na literatura internacional e nacional indexados nas seguintes bases de dados: BioMed, Bireme, PubMed, Redalyc, SciELO e Web of Science.
Cada base de dados possui suas potencialidades de acesso. Diante disso, foi necessário adotar uma estratégia de busca dos artigos de acordo com a especificidade de cada base de dados. Como critérios de inclusão foram considerados apenas os artigos de acesso livre escritos nos idiomas português e inglês.
Na seleção dos dados foram encontrados 212 artigos, que foram reduzidos a 47 após a exclusão de 77 repetidos, de 80 que não mencionaram ou fizeram apenas uma breve citação acerca de um indicador sintético de vulnerabilidade sem descrevê-lo e 8 que não corresponderam aos critérios de inclusão. O detalhamento do processo de seleção dos artigos segundo cada base de dados é apresentado na Tabela 1.
Tabela 1 Detalhamento da seleção dos artigos segundo as bases de dados.
Base de dados | Artigos encontrados | Artigos excluídos | Artigos analisados | ||
---|---|---|---|---|---|
Repetição | Não apresentação de um índice de vulnerabilidade | Incompatibilidade filtros de seleção dos artigos | |||
Biomed | 23 | 0 | 16 | 2 | 5 |
Bireme | 41 | 12 | 10 | 0 | 19 |
PubMed | 50 | 25 | 23 | 2 | 0 |
Redalyc | 37 | 3 | 16 | 1 | 17 |
Scielo | 24 | 14 | 6 | 0 | 4 |
Web of Science | 37 | 23 | 9 | 3 | 2 |
Total | 212 | 77 | 80 | 8 | 47 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Um total de 47 artigos foi selecionado e 23 índices sintéticos foram identificados, são eles: i) Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (IVSO) 4 – Zanella et al., 2013; ii) Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paranaenses (IVFPR) 5 – Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social do Paraná (SEDS)/Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), 2012; iii) Social Vulnerability Index (SVI) 6 – Huang e London, 2012; iv) Índice de Vulnerabilidade Municipal (IVM) 7 – Fiocruz, 2011; v) Índice de Vulnerabilidade de Famílias a Incapacidades e Dependência (IVF-ID) 8,9 – Amendola et al., 2011; vi) Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (IVSA) 7,10 – Almeida, 2010; vii) Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) 11 – Amazônia – Ministério de Meio Ambiente/Cooperação Técnica Alemã (GTZ), 2010; viii) Heat Vulnerability Index (HVI) 12,13 – Reid et al., 2009; xix) Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência (IVJ-Violência) 14,15 – Fórum Brasileiro de Segurança Pública/Fundação SEADE, 2009; x) Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) 16 – Andrew et al., 2008; xi) Social Vulnerability Index (SVI) 17 – Fekete, 2008; xii) Índice de Vulnerabilidade Social Familiar (IVSF) 18,19 – Prefeitura Municipal de Curitiba/Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC)/Fundação Ação Social (FAZ), 2008; xiii) Índice de Vulnerabilidade Geral (IVG) 20 – Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)/Fiocruz, 2007; xiv) Índice de Desenvolvimento da Família (IDF) 21 – Barros et al./IPEA, 2003; xv) Índice de Vulnerabilidade Social Infanto-juvenil da Região da Grande Porto Alegre (IVS - IJ) 22 – Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2003; xvi) Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ) 23,24 – Unesco, 2003; xvii) Social Vulnerability Index (SoVI) 7,25,26 – Cutter et al., 2003; xviii) Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) 27,28 – Fundação Seade/SP, 2002; xix) Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) 7,10,29–35 – Fundação Seade/SP, 2000; xx) Índice de Vulnerabilidade Social do Amazonas (IVS-AM) 36 – Secretaria de Estado de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, 2000; xxi) Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) 37–45 – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte/PUC Minas, 1999; xxii) Chronic Vulnerability Index (CVI) 46 – Early Warning Working Group, 1999; e xxiii) Índice de Vulnerabilidade à Saúde (IVS) 47–52 – Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, 1998.
Predominantemente, os artigos apresentaram abordagem quantitativa, com o uso de técnicas estatísticas. Os estudos analisaram tanto dados primários, levantados por meio de pesquisas de campo, quanto dados secundários, provenientes de bases como a do IBGE, SIM, Sinasc e das prefeituras.
Em relação à origem das publicações, a maioria dos estudos foi publicada em revistas do país e apresentaram análises do território nacional. No entanto, também foram identificados artigos brasileiros em revistas internacionais e pesquisas sobre os processos de vulnerabilidade encontrados em outros países, como Canadá, Estados Unidos, Etiópia, Alemanha e Romênia.
Os Quadros de 1 a 4 apresentam o total de índices selecionados classificados em quatro categorias temáticas a depender da sua abordagem prevalecente: índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva dos determinantes sociais da saúde; socioambiental e das condições climáticas; da família e do curso da vida; e de um território e espaços geográficos específicos.
Quadro 1 Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva dos Determinantes Sociais da Saúde.
Categoria temática | Nome do índice-sintético | Autores/instituições | Dimensões/indicadores componentes | Data de referência |
---|---|---|---|---|
Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva dos Determinantes Sociais da Saúde | Social Vulnerability Index (SVI) | Huang e London 6 |
|
2012 |
Índice de Vulnerabilidade à Saúde (IVS) | Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte 35–37 |
|
1998 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 2 Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva socioambiental e das condições climáticas.
Categoria temática | Nome do índice-sintético | Autores/instituições | Dimensões/indicadores componentes | Data de referência |
---|---|---|---|---|
Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva socioambiental e das condições climáticas | Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (IVSO) | Zanella et al. 4 |
|
2013 |
Índice de Vulnerabilidade Municipal (IVM) | Fiocruz 7 | Índice de Vulnerabilidade Geral:
|
2011 | |
Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva socioambiental e das condições climáticas | Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (IVSA) | Almeida 10 |
|
2010 |
Heat Vulnerability Index (HVI) | Reid et al. 12,13 |
|
2009 | |
Índice de Vulnerabilidade Geral (IVG) | Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)/Fiocruz 20 |
|
2007 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 3 Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva da família e do curso da vida.
Categoria temática | Nome do índice-sintético | Autores/instituições | Dimensões/indicadores componentes | Data de referência |
---|---|---|---|---|
Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva da família e do curso da vida | Índice de Vulnerabilidade das Famílias Paranaenses (IVFPR) | Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social do Paraná (SEDS)/ Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) 5 |
|
2012 |
Índice de Vulnerabilidade de Famílias a Incapacidades e Dependência (IVF-ID) | Amendola et al. 8,9 |
|
2011 | |
Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência (IVJ-Violência) | Fórum Brasileiro de Segurança Pública/Fundação SEADE 14,15 |
|
2009 | |
Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva da família e do curso da vida | Índice de Vulnerabilidade Social Familiar (IVSF) | Prefeitura Municipal de Curitiba/Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC)/Fundação Ação Social (FAZ) 18,19 |
|
2008 |
Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) | Andrew et al. 16 |
|
2008 | |
Índice de Desenvolvimento da Família (IDF) | Barros et al./IPEA 21 |
|
2003 | |
Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva da família e do curso da vida | Índice de Vulnerabilidade Social Infantojuvenil da Região da Grande Porto Alegre (IVS - IJ) | Prefeitura Municipal de Porto Alegre 22 |
|
2003 |
Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ) | Unesco 23,24 |
|
2003 | |
Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) | Fundação Seade/SP 29–35 |
|
2002 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 4 Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva de um território e espaços geográficos específicos.
Categoria temática | Nome do índice-sintético | Autores/instituições | Dimensões/indicadores componentes | Data de referência |
---|---|---|---|---|
Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva de um território e espaços geográficos específicos | Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) - Amazônia | Ministério de Meio Ambiente/Cooperação Técnica Alemã (GTZ) 11 |
|
2010 |
Social Vulnerability Index (SVI) | Fekete 17 |
|
2008 | |
Social Vulnerability Index (SoVI) | Cutter et al. 25,26 |
|
2003 | |
Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) | Fundação Seade/SP 29–35 |
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2000 | |
Índices sintéticos de vulnerabilidade sob a perspectiva de um território e espaços geográficos específicos | Índice de Vulnerabilidade Social do Amazonas (IVS-AM) | Secretaria de Estado de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas 11 |
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2000 |
Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) | Prefeitura Municipal de Belo Horizonte/PUC Minas 37–45 |
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1999 | |
Chronic Vulnerability Index (CVI) | Early Warning Working Group 46 |
|
1999 |
Fonte: Elaborado pelo autor.
Em relação à categorização temática dos índices sintéticos descritos na literatura, conforme proposto no presente artigo, é importante mencionar que algumas das áreas apresentam certo nível de sobreposição. Todos os índices identificados trataram, em alguma medida, dos fatores relacionados à qualidade de vida das pessoas, dos determinantes sociais de vida e da interação com o ambiente. A divisão temática apresentada foi baseada no foco específico adotado, mas não pretende limitar o potencial de uso para as demais áreas e reconhece-se que população, espaço, território e territorialidades são dimensões indissociáveis.
A vulnerabilidade sob a perspectiva dos determinantes sociais da saúde foi representa por dois índices, o SVI e o IVS. O SVI visou descrever a sensibilidade da comunidade para os desafios da saúde e os recursos para mitigar os impactos negativos à saúde causados pelos riscos ambientais. Entre as variáveis abordadas nesse índice foi observado: localização das unidades de saúde, taxa de pobreza, educação, isolamento linguístico, raça/etnia e idade. Como fonte de dados, os pesquisadores utilizaram o site Cal-Atlas para buscar as informações dos locais com instalações para cuidados com a saúde. E, para o cálculo dos indicadores, foram consideras os dados das pessoas localizadas num raio de uma milha da unidade de saúde.
O IVS é um indicador composto que, por meio de variáveis socioeconômicas e de saneamento, analisa as características de grupos populacionais que vivem em setores censitários. Baseando-se nos dados do Censo, o índice avaliou os percentuais de domicílios particulares permanentes com abastecimento de água, esgotamento sanitário e destino do lixo inadequados ou ausentes; a razão de moradores por domicílio; o percentual de pessoas analfabetas; o percentual de domicílios particulares com rendimento per capita até 1/2 salário mínimo; o rendimento nominal mensal médio das pessoas responsáveis; e o percentual de pessoas de raça/cor parda, preta ou indígena.
O IVS foi utilizado em muitos estudos como subsídio para a identificação das pessoas que se encontram em processos de vulnerabilidade. Analisou diversos grupos populacionais, como pessoas que contraíram dengue 47 , idosos 48 , pessoas com limitação funcional 49 , pessoas com problemas de sobrepeso ou obesidade 50 e casos de mortalidade perinatal 51 .
A vulnerabilidade sob a abordagem socioambiental e das condições climáticas foi composta por cinco índices. Os índices IVSO, IVSA e HVI enfatizam as condições socioambientais. Após a construção do IVSA e do IVSO foi feita a espacialização dos valores encontrados, originando os mapas social e ambiental. O cruzamento tanto desses dois mapas, quanto dos valores de cada um dos índices por meio de uma matriz, permitiu uma melhor compreensão da situação de uma determinada localidade.
Em relação às condições climáticas são apresentados o IVM e o IVG. O IVM é o resultado da agregação de dois outros índices: o ICC e o IVG. O ICC aborda as anomalias climáticas projetadas e o IVG, que se difere do segundo índice dessa dimensão, é formado por componentes da saúde, ambientais e sociofamiliares. Já o IVG, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e da Fiocruz, agrega por meio da média aritmética os resultados de três outros índices: o socioeconômico (IVSE), o epidemiológico (IVE) e o climatológico (IVC). Diante disso, temos que o IVG se constitui como um índice composto que reúne diferentes variáveis e associa a cada lugar uma medida comparativa em relação a sua vulnerabilidade frente às mudanças climáticas aguardadas nas próximas décadas 20 .
A vulnerabilidade sob a perspectiva familiar e do curso da vida foi representada por nove índices, IVFPR, IVF-ID, IVJ-Violência, IVSF, IVS, IDF, IVS – IJ, IDJ e IVJ. Analisando as quatro medidas voltadas para a família, é perceptível a preocupação dos pesquisadores em não limitar a avaliação da vulnerabilidade à análise da renda. O IVFPR é representado por 19 indicadores componentes, distribuídos em quatro dimensões: adequação do domicílio; perfil e composição familiar; acesso ao trabalho e renda; e condições de escolaridade. O IDF foi construído a partir de seis aspectos: i) ausência de vulnerabilidade; ii) acesso ao conhecimento; iii) acesso ao trabalho; iv) disponibilidade de recursos; v) desenvolvimento infantil; e vi) condições habitacionais. O IDF-ID, que é uma adaptação do IDF, acrescentou duas outras di mensões: relações sociais e condições de saúde. E o IVSF retrata as características do domicílio, a escolaridade, a ocupação, a renda per capita e a quantidade de crianças, adolescentes e idosos. Os demais índices dessa categoria temática estão direcionados a dois grupos populacionais específicos, quatro verificam a condição de vulnerabilidade infanto-juvenil e um analisa a situação dos idosos. Para o primeiro grupo destacam-se o IVJ-Violência, o IVS – IJ, o IDJ e o IVJ. Para o grupo dos idosos temos o IVS.
Entre os principais indicadores associados ao grupo infanto-juvenil temos a taxa de mortalidade por homicídio da população masculina entre 15 e 19 anos; taxa de mortalidade por acidentes; participação de mães adolescentes, de 14 a 17 anos, no total de nascidos vivos; percentual de jovens entre 15 e 17 anos que não frequentam a escola; percentual de jovens de 18 a 24 anos que não estudam e não trabalham; e percentual de pessoas com menos de 1/2 salário mínimo de renda familiar per capita.
Em contrapartida, no índice associado aos idosos a vulnerabilidade é operacionalizada de acordo com a abordagem de acumulação de déficit, comparando-a com a fragilidade. Nesse sentido, as variáveis avaliadas nesse índice abordam dimensões diferenciadas em comparação aos demais índices selecionados, como a existência de um suporte social, a participação em atividades de cunho social e a realização de atividades de lazer.
A última categoria temática apresentou a vulnerabilidade sob a perspectiva de um território e foi representada por sete índices sintéticos. As variáveis mais usuais nessa categoria foram relacionadas à escolaridade, à ocupação, à renda, às características demográficas e ao saneamento.
O uso dessas medidas resumo requer uma análise de suas limitações e potencialidades. Segundo Guimarães e Jannuzzi 53 , deve-se admitir que “a cultura de uso de indicadores sociais certamente se fortaleceu no país, conferindo legitimidade de diversas naturezas aos Indicadores Sintéticos”. A motivação para a aplicação dessas medidas se apoia na oportunidade de resumir questões multidimensionais e complexas, na possibilidade de interpretar resultados de maneira comparada com a análise de tendência de uma realidade social e de monitoramento da evolução da situação e da unidade de referência escolhida, como acompanhamento de dimensões do curso de vida do indivíduo, das condições de vida nos domicílios e arranjos domiciliares, bem como dos indicadores sociais dos territórios e das condições do ambiente.
Em contrapartida, entre as limitações 2,3,53,54 apontadas para o uso de indicadores sintéticos, destacou-se: i) a dificuldade de reunir variáveis de diversas naturezas e com diferentes escalas de mensuração na construção de um modelo nunca antes formalizado; ii) a possibilidade de priorizar decisões errôneas baseadas em um modelo equivocado e incorretamente delineado, que favoreça viés de interpretação, ou que seja construído sem referencial teórico. Vale ressaltar que os resultados apresentados por esses modelos equivocados podem proporcionar compreensões simplistas e unidirecionais que ocultem desigualdades importantes; iii) Escassez de clareza metodológica das etapas necessárias para a construção de um indicador sintético; e, iv) risco de substituição do conceito que se deseja medir pela medida, a “reificação” do indicador sintético.
A análise da literatura acerca dos indicadores e metodologias adotados para a construção dos índices sintéticos evidencia a existência de limitações para se retratar teoricamente a vulnerabilidade.
Um obstáculo inicial enfrentado na construção desses instrumentos se encontra na dificuldade de representar processos dinâmicos por meio de medidas quantitativas e pontuais. É essencial que o índice a ser elaborado seja fundamentado por base teórico-conceitual, para que haja uma delimitação adequada do que se pretende medir e quais as evidências que foram usadas para amparar as escolhas das dimensões e de seus componentes e indicadores. No caso da vulnerabilidade, diante das suas múltiplas abordagens e características de processo e não de produto, essa é uma tarefa complexa.
Outra barreira nesse processo de construção do índice é a indisponibilidade de informações necessárias. Muitos estudos acabam trabalhando com variáveis alternativas por não dispor de informações fidedignas que alcancem o nível de detalhamento almejado. Há situações em que os dados não existem, ou não podem ser acessados, e ainda há casos em que apesar da disponibilidade dos dados, existe a dificuldade de se realizar o seu geoprocessamento e desagregação em unidades municipais. Considerando a opção de se usar dados primários, também existe a dificuldade em relação ao custo operacional e orçamentário da pesquisa, o que pode impedir uma busca pormenorizada. Além disso, as pesquisas utilizam instrumentos de coleta de dados próprios que dificultam a comparabilidade de resultados em outras regiões.
Essas limitações não inviabilizam o uso dos índices, mas sinalizam o cuidado que o pesquisador deve ter ao propor uma medida que é capaz de auxiliar a avaliação de processos de vulnerabilidade de uma determinada região ou grupo de pessoas. Entre as vantagens do uso de índices de vulnerabilidade observa-se a capacidade de análise sistêmica. Quando é possível a utilização de dados que caracterizam os setores censitários, por exemplo, a pesquisa é beneficiada por favorecer a análise do nível mais desagregado de dados populacionais e socioeconômicos já coletados de forma padronizada, sistemática e periódica, e que possuem abrangência nacional, realidade encontrada entre os dados do IBGE, como o Censo e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Além disso, esse nível de detalhamento possibilita a análise dos dados em diferentes níveis de agregação, de acordo com o planejado para a pesquisa, e facilita a implementação de ações específicas para determinados grupos populacionais.
A possibilidade de utilizar técnicas estatísticas para a seleção das variáveis que formam o índice sintético também se constitui em um ponto favorável nesse processo. No entanto, deve-se ressaltar que o conhecimento empírico do pesquisador e das demais pessoas envolvidas com a pesquisa acerca da realidade a ser retratada não deve ser descartado nesse procedimento, mas sim deve ser agregado com as evidências no momento da escolha dos fatores que compõem o índice, o que garantirá uma maior credibilidade ao instrumento.
A elaboração de mapas, baseados nos resultados estimados pelo índice, também se constitui em um ponto positivo, uma vez que a cartografia favorece a visualização de aspectos importantes dos processos de vulnerabilidade, enfatizando as áreas de prioridade de articulação intersetorial de políticas e favorecendo o acompanhamento longitudinal e o monitoramento do ciclo de políticas específicas no desenvolvimento das territorialidades.
Por fim, os índices sintéticos podem ser importantes ferramentas na gestão ativa dos territórios e na saúde pública. Eles facilitam a avaliação de políticas públicas implementadas, principalmente se for possível a sua atualização periódica. Possibilitam ainda a proposição e o direcionamento mais adequado de ações e programas voltados às populações que se encontram em processos de vulnerabilidades e com suas capacidades de resposta reduzidas para a promoção, a proteção e a manutenção da saúde.