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Infant mortality: temporal trend and contribution of death surveillance

Infant mortality: temporal trend and contribution of death surveillance

Autores:

Conceição Maria de Oliveira,
Cristine Vieira do Bonfim,
Maria José Bezerra Guimarães,
Paulo Germano Frias,
Zulma Maria Medeiros

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.29 no.3 São Paulo mai./June 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201600040

Introdução

O óbito infantil é um importante indicador da saúde de mulheres e crianças, constituindo-se em um evento sentinela devido a sua evitabilidade.(1,2) Relaciona-se aos determinantes biossocioculturais e assistenciais, e a sua redução depende da melhoria efetiva nas condições de vida e de políticas públicas de saúde.(3) As falhas na atenção à gestante, ao parto e ao recém-nascido são particularmente relevantes na ocorrência dos óbitos no primeiro ano de vida.(4)

As mortes infantis permanecem como problema de saúde pública no mundo, principalmente em países e regiões mais pobres. Por esse motivo, a Organização das Nações Unidas considerou a redução da mortalidade na infância em 2/3 como um dos oito objetivos de desenvolvimento do milênio a ser alcançado até 2015.(5) No Brasil, os avanços foram expressivos, com o coeficiente de mortalidade infantil (CMI) decrescendo de 26,1, em 2000, para 14,0/1000 nascidos vivos em 2011, perfazendo uma redução de 41,5% nesse período.(6,7)

Porém, persistem problemas a superar, como diferenças regionais, estaduais e municipais, dadas as desigualdades sociais que excluem significativos contingentes populacionais do acesso a bens e serviços básicos,(3) com riscos mais elevados de morte nas populações das Regiões Norte e Nordeste. Essa última região alcançou a maior redução no CMI, 43,5%, passando de 35,9 óbitos por 1000 nascidos vivos em 2000 para 20,3 em 2010. Mas, continuou com índices acima da média nacional. No Estado de Pernambuco, o CMI no ano de 2000 era de 34,0 por 1.000 nascidos vivos passando para 18,1 em 2010, redução de 46,8%.(6)

O êxito brasileiro quanto à meta do milênio, sobre a mortalidade na infância, foi decorrente da inquestionável diminuição da pobreza observada nos últimos anos, fruto de políticas públicas compensatórias intersetoriais, a exemplo do Programa Bolsa Família.(3,8) No âmbito do setor saúde, a ampliação da Estratégia Saúde da Família (ESF) contribuiu para fortalecer as ações primárias de saúde, particularmente aquelas direcionadas às mulheres, planejamento familiar e pré-natal, e às crianças, por meio do incentivo ao aleitamento materno, imunização e atenção às doenças prevalentes na infância. Ademais, ocorreu uma significativa redução na fecundidade favorecendo o descenso da mortalidade infantil.(3,9)

Além de atividades coletivas e individuais relacionadas diretamente ao cuidado, o Brasil vem desenvolvendo ações de vigilância à saúde, tais como a investigação de óbitos, que podem contribuir para uma melhor compreensão da cadeia de determinantes das mortes, especialmente aquelas que são evitáveis.(10) Embora a vigilância do óbito seja apontada como um bom indicador de efetividade dos sistemas de saúde,(11) só em 2010 o Ministério da Saúde instituiu a sua obrigatoriedade com vistas à melhoria da qualidade das informações vitais e à promoção de reflexões para trabalhadores e gestores sobre a assistência prestada às mulheres e crianças.(2)

O objetivo deste estudo foi analisar a tendência temporal da mortalidade infantil na cidade de Recife, Pernambuco, Brasil e avaliar a contribuição da vigilância do óbito como instrumento para aprimoramento das estatísticas vitais e planejamento de ações.

Métodos

O estudo foi realizado na cidade de Recife, capital do Estado de Pernambuco, localizado na região Nordeste do Brasil, que tem uma área de 218,5 km2. Possui a quarta concentração urbana mais populosa do país, distribuídos em 94 bairros e seis Distritos Sanitários (DS), e uma população 1.617.183 habitantes.(12) Procedeu-se um estudo de tendência temporal do CMI e de seus componentes neonatal e pós-neonatal (por 1000 nascidos vivos) de 1980 a 2012. Para o cálculo dos coeficientes, o número dos óbitos foi proveniente do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) em todo o período. Os dados sobre os nascidos vivos foram obtidos de duas fontes: no período de 1992 a 2012, do Sistema de Informações sobre nascidos vivos (Sinasc) e nos anos anteriores (1980-1991), das estimativas oficiais do número de nascidos vivos em virtude da inexistência do Sinasc.

As tendências temporais do CMI e seus componentes foram analisadas usando o modelo de regressão exponencial (Y=β0eβ1X), onde Y é o coeficiente de mortalidade (variável dependente), X o ano correspondente (variável independente), β0 o coeficiente médio do período e β1 o valor do incremento exponencial médio anual na série estudada. Para minimizar a autocorrelação entre os pontos, adotou-se a variável X centralizada (ano calendário - ano médio da série), sendo 1996 o ponto médio do período. A tendência foi considerada significativa quando p<0,05 e se empregou o coeficiente de determinação (r2) para avaliar o poder explicativo do modelo (quanto mais próximo de 1 melhor). Foi utilizado o programa Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 21 na análise dos dados.

Adicionalmente, realizou-se um estudo transversal com os dados dos 275 óbitos infantis ocorridos em 2012. Foram analisadas todas as variáveis específicas dos menores de um ano constantes na Declaração de Óbito (DO), além das causas básicas, associadas e evitáveis de óbito. Este instrumento é composto por 59 variáveis distribuídas em nove blocos: identificação, endereço de residência, local de ocorrência do óbito, características do óbito fetal ou infantil, condições e causas do óbito, médico declarante, dados da causas externas, cartório e localidade sem médico.(1)

Para a definição das causas básicas, intermediária ou imediata do óbito, se seguiu as recomendações da 10a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID10), em que a parte I da DO destina-se à anotação da causa que provocou a morte (causa terminal - linha A), aos estados mórbidos que produziram a causa registrada na linha A (causas intermediárias - antecedentes ou consequenciais - linhas B e C), e a causa básica - linha D. A parte II é dedicada a outras condições mórbidas significativas que contribuíram para o evento fatal, porém, não fizeram parte da cadeia definida na Parte I.(13)

Na análise da evitabilidade adotou-se a Lista de Causas de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde (SUS), onde os óbitos são classificados em: evitáveis (reduzíveis pelas ações de imunização, pela adequada atenção à mulher na gestação e parto e ao recém-nascido, e por ações adequadas de diagnóstico e tratamento) não evitáveis e mal definidos.(14)

Cada variável foi coletada em dois momentos, antes e após a realização da vigilância do óbito infantil (VOI), que no Recife ocorre em quatro etapas: identificação dos óbitos infantis; investigação epidemiológica; discussão dos óbitos; encaminhamento das propostas de promoção, atenção à saúde e correção das estatísticas vitais. A VOI é composta por uma equipe multidisciplinar, cuja investigação é desempenhada por profissionais da atenção primária e/ou do DS que realizam consultas aos prontuários ambulatoriais e entrevistas domiciliares. As investigações hospitalares são conduzidas pela equipe do distrito e pelos Núcleos de Epidemiologia Hospitalar, e nos serviços de necropsia pela equipe do nível central.

Nesta etapa, utiliza-se uma ficha confidencial própria, que contempla todas as variáveis recomendadas pelo MS, e são relacionadas a: identificação da criança e da mãe; características da família; dados da gestação; do pré-natal; do nascimento; da puericultura; do atendimento ambulatorial e hospitalar da gestante e da criança e da ocorrência do óbito.(1,2) A discussão acontece com a participação dos profissionais da assistência, vigilância e gestão e as proposições são encaminhadas aos gestores de saúde para as devidas providências.

Os dados sobre as causas do óbito foram obtidos no SIM e as demais variáveis foram coletadas consultando às DO. Obteve-se a proporção de óbitos com variáveis ignoradas ou em branco antes e após a realização da VOI e a proporção de variáveis retificadas com este procedimento. As categorias de causas evitáveis dos óbitos foram comparadas antes e após a VOI pelo teste do qui-quadrado de Pearson (p<0,05).

O estudo foi registrado na Plataforma Brasil sob o numero do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAEE) 07336313.6.0000.5190.

Resultados

O CMI e de seus componentes etários, neonatal e pós-neonatal, apresentaram tendência temporal decrescente (p<0,05), com coeficiente de determinação variando entre 0,93 e 0,96. O coeficiente de mortalidade pós-neonatal (CMPN) exibiu tendência exponencial decrescente mais acentuada que os demais coeficientes analisados (Figura 1).

Figura 1 Coeficiente de mortalidade infantil e modelos de regressão exponencial segundo componente etário e ano de ocorrência 

Na primeira década estudada, verificou-se uma queda no CMI de 26,8%, que variou de 77,6 em 1980 para 56,8/1000 nascidos vivos em 1989, com declínio mais evidente no componente pós-neonatal. Para o segundo decênio (1990 a 1999), a redução no CMI foi mais acentuada (52,4%). O componente pós-neonatal passou de 21,5 (1990) para 6,4/1000 nascidos vivos (1999), com decréscimo de 70,2%. Entre 2001 e 2012, houve declínio semelhante nos CMI, coeficiente de mortalidade neonatal (CMN) e CMPN na ordem de 33,0%, 34,6% e 30,0%, respectivamente (Figura 1).

A média de incompletitude das variáveis das DO de menores de um ano antes da realização da investigação era de 11,1%, após a investigação constatou-se inexistência de variáveis com preenchimento ignorado ou em branco. Chama-se atenção para as variáveis da DO “recebeu assistência médica”, “necropsia”, “número da Declaração de Nascido Vivo (DNV)” e de “semanas de gestação” que passaram de 32,7%, 30,5%, 27,3% e 19,6% de incompletitude, respectivamente, para 0%, um total preenchimento. Além disso, constatou-se um importante percentual de retificação no preenchimento de todas as variáveis analisadas, após a VOI, destacando-se o número de nascidos vivos (48,7%), número de semanas de gestação (41,8%) e o endereço de residência (37,5%) (Tabela 1).

Tabela 1 Completitude e retificação das variáveis da declaração de óbito, antes e após a realização da vigilância do óbito infantil 

Variáveis da DO Completitude da DO Retificação da DO após a VOI Retificada n(%)
Antes da VOI Ignorado/Branco n(%) Após a VOI Ignorado/Branco n(%)
Características da mãe
Idade 23(8,4) - 36(13,1)
Escolaridade 25(9,1) 1(0,4) 41(14,9)
Ocupação 29(10,5) 1(0,4) 51(18,5)
Características da gestação e parto
Nº de nascidos vivos 22(8,0) - 134(48,7)
Nº de perdas fetais/abortos 33(12,0) - 47(17,1)
Nº de semanas de gestação 54(19,6) - 115(41,8)
Tipo de gravidez 19(6,9) - 22(8,0)
Tipo de parto 20(7,3) - 21(7,6)
Características da criança
Idade 3(1,1) - 9(3,3)
Sexo 1(0,4) 1(0,4) 2(0,7)
Raça/cor 7(2,5) 14(5,1) 7(2,5)
Peso ao nascer 29(10,5) - 39(14,2)
Endereço 6(2,2) 1(0,4) 103(37,5)
Nº DNV 75(27,3) - 85(30,9)
Características do óbito
Estabelecimento 1(0,4) - 15(5,5)
Recebeu assistência médica 90(32,7) - 90(32,7)
Necropsia 84(30,5) - 84(30,5)

DO-Declaração de Óbito; VOI-vigilância do óbito infantil; DNV-Declaração de Nascido Vivo

Após a realização da VOI, foram observados retificações em todos os itens das causas básica e associada registradas nas partes I e II da DO, com mudança da causa básica em 52% dos óbitos. Na parte I, as retificações foram na ordem de 41,7% (Linha A), 61,9% (Linha B), 71,9% (Linha C) e 77,0% (Linha D), e 91,1% na parte II da DO.

Os óbitos em menores de um ano, classificados como evitáveis antes (78,2%) e após a realização da VOI (77,1%) mantiveram-se com percentual semelhante. Após a investigação as causas mal definidas foram totalmente esclarecidas. Entre os óbitos do grupo de causas evitáveis, as alterações foram mais expressivas em algumas categorias, a exemplo dos óbitos reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação e ao recém-nascido, passando de 39,3% para 51,3% e de 16,0% para 5,5%, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2 Comparação da classificação de evitabilidade dos óbitos menores de um ano, antes e após a realização da Vigilância do Óbito Infantil 

Evitabilidade Causa original n(%) Causa após VOI n(%)
Causas evitáveis (p=0,001)* 215(78,2) 212(77,1)
1. Reduzíveis por atenção à mulher na gestação (p<0,001)* 108(39,3) 141(51,3)
Sífilis congênita (A50.0, A50.2) 1(0,4) 3(1,1)
Afecções maternas não obrigatoriamente relacionadas com a gravidez atual
Transtornos hipertensivos (P00.0) 20(7,2) 36(13,1)
Infecção das vias urinárias (P00.1) 16(5,8) 32(11,6)
Outras afecções (P00.2, P00.3, P00.8, P00.9, P04.1, P04.4) 4(1,5) 14(5,1)
Complicações maternas da gravidez
Incompetência do colo uterino (P01.0) 6(2,2) 13(4,7)
Ruptura prematura das membranas (P01.1) 12(4,4) 17(16,2)
Outras complicações (P01.2-P01.9) 5(1,8) 9(3,3)
Complicações da placenta e membranas (P02.2, P02.3, P02.7) 14(5,1) 5(1,8)
Transtornos relacionados com a gestação de curta duração e peso baixo ao nascer (P07.1, P07.2) 16(5,8) 1(0,4)
Outras causas (P05.9, P22.0, P26.9, P77) 14(5,1) 11(4,0)
2. Reduzíveis por adequada atenção à mulher no parto (p=0,254)* 22(8,0) 19(6,9)
Placenta prévia e descolamento prematuro de placenta (P02.0, P02.1) 5(1,8) 8(2,9)
Hipóxia/asfixia perinatal (P20.1, P20.9, P21.0, P21.1, P21.9) 11(4,0) 5(1,8)
Outras causas (P02.5, P03.0, P24.0, P24.9) 6(2,2) 6(2,2)
3. Reduzíveis por adequada atenção ao recém-nascido (p=0,012)* 44(16,0) 15(5,5)
Transtornos respiratórios específicos do período neonatal (P22.9, P23.9, P25.1, P25.2, P27.1, P28.0, P28.5) 27(9,8) 6(2,2)
Infecções do período neonatal (P36.9, P37.8, P39.9) 15(5,5) 4(1,5)
Outras causas (P59.3, P70.0, P78.8, P96.4) 2(0,7) 5(1,8)
4. Reduzíveis por ações de diagnóstico e tratamento adequado (p=0,525)* 20(7,2) 20(7,2)
Infecções respiratórias (J18.0, J18.1, J18.9, J21.9) 12(4,3) 10(3,6)
Outras causas (A41.8, A41.9, G00.1, Q90.9) 8(2,9) 10(3,6)
5. Reduzíveis por ações de promoção à saúde (p=0,906)* 21(7,7) 17(6,2)
Diarréia de provável origem infecciosa (A09) 5(1,8) 5(1,8)
Causas externas (W78.0, W78.9, W80.0, X91.9, X95.9, Y21.0, Y21.9, Y34.9) 15(5,5) 11(4,0)
Síndrome da morte súbita na infância (R95) 1(0,4) 1(0,4)
Causas mal definidas 2(0,7) -
Demais causas (não claramente evitáveis) (p<0,001)* 58(21,1) 63(22,9)
Total de óbitos infantis 275(100,0) 275(100,0)

2 de Pearson; VOI-Vigilância do óbito infantil

A investigação definiu com maior precisão as causas reduzíveis por atenção à mulher na gestação, com aumento das afecções maternas e complicações da gravidez, ampliando de 14,5% para 29,8% e de 8,4% para 14,2%, respectivamente, em detrimento de causas intermediárias ou imediatas de óbito, anteriormente classificadas como causas básicas. Entre as afecções maternas os transtornos hipertensivos maternos, infecção das vias urinárias maternas e incompetência do colo uterino, praticamente dobraram as proporções ampliando de 7,2% para 13,1%, 5,8% para 11,6% e 2,2% para 4,7%, respectivamente, após a investigação (Tabela 2).

As causas intermediárias foram reduzidas em relação às causas mais específicas, a exemplo de complicações da placenta e membranas, de 5,1% para 1,8%; transtornos relacionados com a gestação de curta duração e peso baixo ao nascer, de 5,8% para 0,4%; hipóxia/asfixia perinatal, de 4,0% para 1,8%, e infecções do período neonatal de 5,5% para 1,5% (Tabela 2).

Discussão

O declínio da mortalidade infantil no Recife ocorreu de forma expressiva no período de 1980 a 2012. Entretanto, com a redução dos óbitos evitáveis, os níveis da mortalidade infantil passaram a cair mais lentamente nos últimos anos da série(14) exigindo melhoria da qualidade da atenção prestada pelos serviços de saúde, além da diminuição dos contrastes sociais existentes no Brasil.

Entre os principais fatores contribuintes para a redução da mortalidade na década 1980-1989 destacam-se: o avanço das tecnologias médicas (especialmente a imunização e terapia de reidratação oral); o aumento no aleitamento materno; a expansão do saneamento básico; a queda na fecundidade; a ampliação das coberturas da atenção pré-natal e parto hospitalar. No decênio seguinte, somou-se aos fatores citados a melhoria geral nas condições de vida, segurança alimentar e nutricional e do grau de instrução das mulheres; a ampliação da cobertura da atenção primária e um maior acesso aos serviços de saúde.(3,9,15)

Para o último período (2001 a 2012) manteve-se o declínio semelhante nos coeficientes de mortalidade. Entretanto, o CMN prevaleceu diferente do que ocorreu na maioria dos municípios e estados brasileiros, onde o decréscimo anual, no período de 2000 a 2008, da mortalidade neonatal foi de 3,2%, menor do que CMPN (8,1%).(3,5) No Nordeste, neste mesmo período, a redução do CMN foi de 34,8%, enquanto do CMPN 59,4%. Este comportamento se repete em todos os estados da Região.(12) A manutenção da tendência de descenso na mortalidade pode estar relacionada à melhoria da qualidade da atenção primária, ampliação da cobertura da ESF e qualificação da assistência ao parto e nascimento.(3,9,15,16) Apesar dos significativos avanços, persistem iniquidades no acesso e na qualidade da assistência entre grupos populacionais e territórios do país.(7,16)

Para a redução da mortalidade infantil além de políticas públicas intersetoriais e ações e programas de saúde, novas estratégias vêm sendo propostas,(17) a exemplo da VOI. Essa iniciativa tem favorecido a compreensão das circunstâncias em que o evento ocorreu. Entretanto, nem sempre isso tem contribuído para corrigir as falhas retratadas nas estatísticas vitais, embora muitos dados tenham sido produzidos.(11,18) Estudos relacionados à qualidade e ao preenchimento de variáveis sociodemográficas, reprodutivas e assistenciais, bem como das causas do óbito, apontam elevada proporção de incompletude e insuficiente nível de definição das causas registradas nas DO.(6,19-22) A qualidade dos dados registrados na DO depende do acesso a serviços de saúde, de tecnologias para diagnósticos e da capacidade do médico para reconhecer a dinâmica dos eventos que participaram da cadeia causal do óbito, bem como de seu comprometimento com a produção de estatísticas confiáveis. O treinamento destes profissionais, que tem responsabilidade ética e jurídica pelo preenchimento da DO, é uma importante estratégia para a melhoria dos dados do SIM.(6,20,21)

A VOI contribuiu para a melhoria do preenchimento das DO, validando as informações sobre as variáveis e reduzindo a proporção de dados em branco e ignorado, além de melhorar a especificação das causas básicas e associadas dos óbitos infantis. Nos diversos estudos sobre a completitude das DO, as variáveis sexo, idade, endereço de residência e local de ocorrência do óbito apresentaram o melhor preenchimento.(19,23,24) Após a realização da VOI em Recife, as variáveis passaram a ser integralmente preenchidas, contribuindo para o correto diagnóstico da situação de saúde, melhor planejamento e tomada de decisões baseadas em evidências.(14,19,22)

Quanto as recomendações relacionadas a promoção e atenção à saúde para evitar novas mortes, e às correções no preenchimento da DNV e DO, identificadas na investigação e discussão dos óbitos são realizadas e direcionadas aos diversos interessados.(1,2)

A retificação das causas básicas em mais da metade dos óbitos infantis ocorridos foi igualmente importante, e permitiu um melhor enquadramento na classificação de evitabilidade, com uma repercussão importante sobre as ações a serem recomendas para superar a elevada taxa de mortalidade infantil. Um exemplo dessa situação foi a contribuição da VOI para mudanças nos óbitos reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação e ao recém-nascido indicando a necessidade de investimentos na assistência ao pré-natal, não só com ampliação do acesso, mas com melhoria da sua qualidade.(14)

O aumento na identificação das proporções de afecções maternas e complicações da gravidez, que se relacionam aos transtornos hipertensivos maternos, infecção das vias urinárias maternas e incompetência do colo uterino, foi praticamente o dobro após a investigação, reduzindo as causas intermediárias. As afecções maternas e complicações da gravidez estão frequentemente associadas à qualidade dos serviços de pré-natal, que se adequadamente identificadas e assistidas aumentam a probabilidade de sobrevivência do neonato e reduz riscos e danos à saúde materno-infantil.(4,14,25-27)

Em contraposição à identificação do óbito relacionado às afecções maternas, os óbitos reduzíveis por adequada atenção ao recém-nascido por causas intermediárias decresceram após a investigação em relação às causas mais específicas, tais como, transtornos relacionados com a gestação de curta duração e peso baixo ao nascer e hipóxia/asfixia perinatal. Causas como a asfixia ao nascer e hipóxia intrauterina são manifestações sindrômicas decorrentes de outras afecções que precisam ser identificadas para prevenção e tratamento oportuno.(28)

Conclusão

Os coeficientes de mortalidade infantil, neonatal e pós-neonatal mostraram uma tendência decrescente no período de 1980 a 2012 em Recife. A VOI se mostrou como importante instrumento através da contribuição para o aprimoramento das estatísticas vitais, redução da incompletitude das variáveis da DO, retificando os dados e melhor definindo as causas básicas e associadas, com consequentes alterações na classificação de evitabilidade do óbito. A correção desses indicadores é imprescindível para o aperfeiçoamento das políticas e programas de saúde voltados para a redução da mortalidade infantil.

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