versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.3 São Paulo 2018 Epub 09-Ago-2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018ao4190
O câncer de colo uterino é responsável por altas taxas de morbimortalidade em países em desenvolvimento, apesar da perspectiva de cura com sua detecção precoce.1 Alguns fatores, associados à infecção pelo papilomavírus humano (HPV), são necessários para o desenvolvimento da carcinogênese cervical, como tipo de HPV, sistema imunológico e genética.2 Há evidências de que o estresse oxidativo é um evento importante neste processo, pois, por meio dele, espécies reativas geram danos irreversíveis a biomoléculas importantes, como os lipídeos de membrana, as proteínas e o DNA, o que colabora para danos e morte das células. Esta disfunção pode influenciar no desenvolvimento das lesões precursoras do câncer cervical, além da persistência do HPV.3
Acredita-se que ocorram dois tipos de mecanismos de cooperação entre o estresse oxidativo e o HPV: (1) a atividade genotóxica do estresse oxidativo e a instabilidade genômica induzidas pelo HPV influenciam de forma diferente na geração de danos moleculares necessários para o aparecimento de células neoplásicas; e (2) o estresse oxidativo interage com uma ou mais fases de iniciação e/ou progressão neoplásica induzidas pela infecção por HPV.2
Dentre os marcadores do estresse oxidativo, o malondialdeído (MDA), resultado da peroxidação das membranas celulares, tem sido considerado marcador relevante de gravidade do câncer, tendo sido identificados maiores níveis de MDA nos pacientes em estágios mais avançados do câncer, quando comparados aos estágios iniciais.4 O MDA também tem sido apontado como um candidato potencial para ser escolhido como biomarcador geral de lesão oxidativa em plasma.5
Outros marcadores, como a glutationa e as enzimas, que fazem parte de seu ciclo catalítico, têm sido associados a alterações da defesa antioxidante e ao aumento do estresse oxidativo. As consequências dessas alterações têm sido relacionadas com o favorecimento da carcinogênese. Assim, a quantificação dos níveis de glutationa pode apontar possível correlação entre a diminuição das enzimas antioxidantes, como a glutationa peroxidase (GSH-Px), e o aumento nos níveis de bases de DNA lesadas devido ao dano oxidativo.6
Mulheres com neoplasia intraepitelial cervical e câncer cervical invasivo apresentam atividade de GSH-Px e níveis plasmáticos de vitaminas antioxidantes mais baixos e concentrações de MDA mais elevadas, quando comparadas com mulheres de um Grupo Controle.7 Também foram encontrados níveis de MDA maiores em pacientes com câncer cervical, em comparação com um do Grupo Controle.8 Além disso, enzimas antioxidantes, superóxido dismutase (SOD), catalase (CAT) e GSH-Px mostraram-se diminuídos.
Nesta perspectiva, estudos que relacionem lesões precursoras do câncer de colo uterino e HPV com o estresse oxidativo em populações específicas podem trazer relevantes contribuições no combate ao câncer de colo de útero. Os povos ribeirinhos, por exemplo, dependem da pesca artesanal, tanto para o consumo familiar como para a comercialização, a fim de obtenção de renda, além de apresentarem grande dispersão e distribuição geográfica. Além disso, têm dificuldades socioeconômicas relacionadas à educação, moradia, alimentação e saúde. Admite-se que essa realidade possa influenciar nos altos índices de câncer de colo uterino registrados na região norte do Brasil, considerando que as comunidades ribeirinhas da Amazônia representam parcela importante da região, e que as características regionais têm sido pouco estudadas.
Avaliar as respostas oxidativas e antioxidantes associadas à infecção pelo HPV e às lesões precursoras do câncer de colo uterino, considerando a necessidade de conhecer o papel do estresse oxidativo na carcinogênese cervical em mulheres com características socioculturais peculiares.
Estudo observacional, transversal, desenvolvido nos anos de 2013 e 2014. Foram incluídas mulheres ribeirinhas da Amazônia que já tinham iniciado a vida sexual, inscritas no Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero (PNCCCU), com residência permanente na comunidade, na faixa etária de 14 a 60 anos, e que compareceram à unidade de saúde para a realização do teste Papanicolau. Foram excluídas mulheres impossibilitadas de fornecer as informações necessárias para a pesquisa.
Após a autorização para a participação no estudo por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a amostra não probabilística foi composta por 237 mulheres, das quais 126 eram oriundas de duas comunidades do município de Itaituba, 68 pertencentes a duas comunidades do município de Limoeiro do Ajuru e 43 residentes em uma comunidade da cidade de Bragança − todas cidades no Estado do Pará.
O material cérvico-vaginal foi coletado por médico membro da equipe de pesquisa, utilizando escova endocervical e espátula de Ayre para realização do teste Papanicolau e para pesquisa DNA do HPV pela reação em cadeia da polimerase (PCR). O teste Papanicolau foi realizado por citopatologista, pesquisador da mesma equipe, na própria comunidade, e os resultados foram entregues no local. A pesquisa de DNA do HPV foi realizada por profissionais qualificados nesta área e seguiu a metodologia já descrita.9
Amostras de sangue foram obtidas para as provas de estresse oxidativo. Para a quantificação dos níveis de MDA, foram mensuradas as substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS - thiobarbituric acid reactive substances) das membranas celulares das amostras, realizadas também por método já descrito.10 Para a determinação da glutationa total (GSH total) e da glutationa oxidada (GSSG) foram coletados 3mL de sangue total por punção venosa. Em seguida, as amostras foram desproteinizadas por ação do ácido tricloroacético (TCA) 10% e éter. Após total evaporação do éter, as amostras foram submetidas à análise, de acordo com o método já estabelecido.11
Os resultados foram apresentados em tabelas. As variáveis quantitativas foram analisadas por meio de estatística descritiva, usando mediana e primeiro e terceiro quartis. Para comparar os teores de estresse oxidativo entre as mulheres com e sem lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LIEBG) e com e sem infecção por HPV, foi usado o teste não paramétrico Mann-Whitney.
As diferenças foram consideradas significativas quando p<0,05. As variáveis foram registradas no software Excel, versão 2010, para a construção do banco de dados, e, posteriormente, foram analisadas usando o programa BioEstat 5.0.
Este estudo seguiu os preceitos éticos estabelecidos pela resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) por meio do parecer 334.524, em julho de 2013, CAAE: 18447613.8.0000.5172.
Os níveis de MDA não mostraram diferença significativa entre mulheres com e sem LIEBG em todas as comunidades estudadas (p>0,05) (Tabela 1). Destacou-se o nível de MDA em Itaituba naquelas com lesão (4,52nmols/mL), o qual foi muito superior quando comparado a Limoeiro do Ajuru (0,23nmols/mL) e mais de três vezes o valor encontrado em Bragança (1,42nmols/mL).
Tabela 1 Níveis de malondialdeído, em mulheres com e sem lesão precursora do câncer de colo uterino
Lesão intraepitelial escamosa de baixo grau | Itaituba | Valor de p* | Limoeiro do Ajuru | Valor de p* | Bragança | Valor de p* |
---|---|---|---|---|---|---|
Mediana; Q1-Q3 | Mediana; Q1-Q3 | Mediana; Q1-Q3 | ||||
Com lesão | (n=11) | 0,120 | (n=3) | - | (n=4) | 0,116 |
4,52; 1,74-7,98 | 0,23; 0,21-0,26 | 1,42; 1,20-1,82 | ||||
Sem lesão | (n=115) | (n=65) | (n=39) | |||
1,71; 0,86-5,87 | 0,54; 0,28-1,40 | 2,50; 1,46-3,60 |
* p<0,05 difere estatisticamente (teste de Mann-Whitney).
Q1: primeiro quartil; Q3: terceiro quartil.
Não houve diferença estatística quanto aos teores de GSH total e GSSG em ribeirinhas com e sem LIEBG em todas as comunidades estudadas (p>0,05) (Tabela 2). Por outro lado, foi evidenciado que os valores da GSH total e GSSG foram superiores nas mulheres com LIEBG quando comparadas àquelas sem lesão em Limoeiro do Ajuru e Bragança, e não em Itaituba.
Tabela 2 Níveis de glutationa total e reduzida, em µg/mL, em mulheres com e sem lesão precursora do câncer de colo uterino
Lesão intraepitelial escamosa de baixo grau | Itaituba | Valor de p* | Limoeiro do Ajuru | Valor de p* | Bragança | Valor de p* |
---|---|---|---|---|---|---|
Mediana; Q1-Q3 | Mediana; Q1-Q3 | Mediana; Q1-Q3 | ||||
GSH total | ||||||
Com lesão | (n=11) | 0,869 | (n=3) | - | (n=4) | 0,403 |
2,03; 1,35-2,08 | 5,42; 4,12-5,91 | 2,97; 2,51-3,72 | ||||
Sem lesão | (n=115) | (n=65) | (n=39) | |||
1,81; 1,43-2,30 | 3,80; 2,95-6,80 | 1,60; 1,08-4,42 | ||||
GSSG | ||||||
Com lesão | 1,39; 1,36-2,49 | 0,729 | 2,71; 1,00-4,38 | - | 1,55; 1,30-1,90 | 0,464 |
Sem lesão | 1,53; 1,23-2,21 | 2,20; 1,72-2,92 | 1,30; 0,91-1,76 |
* p<0,05 difere estatisticamente (teste de Mann-Whitney).
Q1: primeiro quartil; Q3: terceiro quartil; GSH total: glutationa total; GSSG: glutationa oxidada.
Houve diferença significativa somente em Itaituba (p<0,05), onde se constatou que mulheres com HPV tinham níveis de MDA (8,02nmols/mL) quase cinco vezes maior quando relacionadas àquelas sem o HPV (1,70nmols/mL) (Tabela 3). As outras comunidades não mostraram diferença estatística significativa entre as concentrações de MDA nas mulheres com e sem HPV (p>0,05).
Tabela 3 Níveis de malondialdeído, em mulheres com e sem papilomavírus humano
HPV | Itaituba | Valor de p* | Limoeiro do Ajuru | Valor de p* | Bragança | Valor de p* |
---|---|---|---|---|---|---|
Mediana; Q1-Q3 | Mediana; Q1-Q3 | Mediana; Q1-Q3 | ||||
HPV positivo | (n=17) | 0,003 | (n=8) | 0,313 | (n=5) | 0,161 |
8,02; 1,54-8,05 | 0,54; 0,13-0,88 | 3,90; 2,50-4,70 | ||||
HPV negativo | (n=109) | (n=60) | (n=38) | |||
1,70; 0,85-4,41 | 0,51; 0,27–1,40 | 2,42; 1,40-3,60 |
* p<0,05 difere estatisticamente Mann-Whitney.
Q1: primeiro quartil; Q3: terceiro quartil; HPV: papilomavírus humano.
Verificou-se diferença significativa (p<0,05) somente em Bragança quanto aos níveis de GSH total nas mulheres com (8,20µg/mL) e sem infecção pelo HPV (1,47µg/mL) (Tabela 4). No entanto, foram observados níveis superiores de GSH total e GSSG nas mulheres com o vírus em relação àquelas sem HPV somente em Limoeiro do Ajuru e Bragança, mas não em Itaituba.
Tabela 4 Níveis de glutationa total e reduzida, em mg/mL, em mulheres com e sem papilomavírus humano
GSH total | Itaituba | Valor de p* | Limoeiro do Ajuru | Valor de p* | Bragança | Valor de p* |
---|---|---|---|---|---|---|
Mediana; Q1-Q3 | Mediana; Q1-Q3 | Mediana; Q1-Q3 | ||||
HPV | ||||||
Positivo | (n=17) | 0,650 | (n=8) | 0,789 | (n=5) | 0,021 |
1,95; 1,43-2,32 | 3,80; 3,37-5,52 | 8,20; 3,20-8,60 | ||||
Negativo | (n=109) | (n=60) | (n=38) | |||
1,80; 1,43-2,25 | 3,77; 2,83-6,50 | 1,47; 1,04-4,07 | ||||
GSSG | ||||||
HPV positivo | 1,43; 1,36-1,87 | 0,599 | 4,10; 2,80-6,35 | 0,076 | 1,40; 1,21-1,60 | 0,690 |
HPV negativo | 1,55; 1,29-2,29 | 1,86; 0,99-3,46 | 1,30; 0,85-1,78 |
* p<0,05 difere estatisticamente Mann-Whitney.
Q1: primeiro quartil; Q3: terceiro quartil; HPV: papilomavírus humano; GSH total: glutationa total; GSSG: glutationa oxidada.
Não foi encontrada lesão intraepitelial escamosa de alto grau (LIEAG) nas mulheres estudadas.
Embora inúmeros pesquisadores tenham discutido a relação entre o estresse oxidativo e o câncer, como o de colo uterino,2,3,7,8 o estudo desta associação em populações ribeirinhas da Amazônia não tem sido relatado.
As concentrações de MDA em mulheres com LIEBG, bem como naquelas com a infecção por HPV, nas comunidades investigadas, foram superiores em Itaituba em relação às mulheres de outras comunidades, o que pode estar associado à exposição delas a substâncias nocivas, como o mercúrio, fato relacionado à histórica atividade garimpeira local. Estudos têm mostrado que esta população vem sendo submetida à exposição ao mercúrio por meio do consumo de pescados contaminados por metilmercúrio. Esta substância é tóxica ao organismo humano, sendo capaz de acarretar alterações neurológicas,12 genotoxicidade13e aumento do estresse oxidativo.14
Por outro lado, o método de determinação da concentração de MDA, por meio das TBARS, é um teste inespecífico, o qual pode sofrer interferências de inúmeras substâncias, como açúcares, aminoácidos e bilirrubina. No entanto, é um método de baixo custo e fácil execução, sendo, por este motivo, amplamente utilizado. Ainda, tem sido considerado um marcador importante para a avaliação da lipoperoxidação de membranas celulares diante do estresse oxidativo.4,15
Menores concentrações de MDA em ribeirinhas com LIEBG, em relação àquelas sem lesão, foram observadas na localidade de Limoeiro do Ajuru e Bragança, resultados que são contrários aos achados na literatura, que registra que a neoplasia maligna é capaz de liberar radicais livres na circulação.8,16 Em Itaituba, foram encontrados maiores níveis nas mulheres com lesão. No entanto, não houve diferença estatística entre as mulheres com e sem lesão nessas comunidades.
Nesse seguimento, Valentini et al.,17 destacam que as concentrações sanguíneas de metais essenciais, carotenoides e vitamina E, e de alguns outros nutrientes divergem durante os períodos do ano, em virtude da frequência alimentar e da disponibilidade dos alimentos, o que podem influenciar nos marcadores de estresse oxidativo. Outrossim, a localização da comunidade, o sexo, o tabagismo e os hábitos de consumo também parecem influenciar nos níveis de micronutrientes no organismo humano.
Nota-se que “os valores de referência para os níveis de MDA total relatados na literatura apresentam grande variabilidade, estando relacionados com as condições experimentais utilizadas nos diferentes ensaios”.18
Ainda, a unidade de medida de marcadores do estresse oxidativo usada por outros autores divergiu da usada neste estudo, o que dificultou mais comparações das concentrações dos marcadores oxidativos e antioxidantes.
Gonçalves et al.,19 ao avaliarem o estresse oxidativo na evolução do câncer de colo uterino, encontraram concentrações duas a três vezes maior dos níveis de TBARS nos eritrócitos tanto de pacientes com LIEBG e LIEAG como naqueles com câncer cervical, tal qual os níveis de MDA encontrados em Itaituba nas mulheres com LIEBG em relação àquelas sem lesão, os quais foram quase três vezes maior. Grace Nirmala et al.,20 encontraram níveis médios de MDA mais elevados nos pacientes com câncer cervical, em relação ao grupo sem câncer.
Estudos envolvendo pacientes com diferentes tipos de câncer, incluindo o colorretal e de orofaringe, observaram níveis elevados de MDA, quando comparados com aqueles sem câncer.4,21
A respeito dos níveis de MDA nas mulheres com e sem infecção por HPV, foram identificadas concentrações mais elevadas naquelas com o vírus em todas as comunidades estudadas, tendo diferença significativa entre aquelas com e sem o HPV somente em Itaituba, o que pode ter ocorrido em virtude de a amostra ter sido maior nessa região. A concentração superior de MDA pode ter ocorrido em virtude de o HPV ser capaz de suscitar o desbalanço das espécies reativas de oxigênio (EROs), induzindo o estresse oxidativo. Além disso, evidências epidemiológicas, clínicas e dados bioquímicos iniciais apontam que a infecção viral e o estabelecimento da persistência da infecção são potencializados pelas espécies reativas.2
Cokluk et al.,22 encontraram níveis significativamente maiores de MDA no soro sanguíneo de mulheres com verrugas genitais causadas por HPV, similar aos resultados encontrados neste estudo − apesar de este não ter relacionado com verrugas genitais, apenas com a presença de HPV genital. Williams et al.,23 constataram em sua pesquisa que a expressão do oncogene viral E6 aumentou os níveis de EROs tanto nas células HPV positivas como nas negativas. Este aumento, por sua vez, levou a maiores danos no DNA da célula hospedeira. Acredita-se que tal aumento das EROs possa ser devido a uma diminuição das defesas antioxidantes, já que a expressão de E6 levou à diminuição das concentrações de SOD e GSH-Px. O estudo deles, porém, não contemplou nenhum dos marcadores de estresse oxidativo usados neste trabalho.
As mulheres de Itaituba com LIEBG apresentaram maiores níveis de GSH total em relação àquelas sem lesão, e menores níveis da forma oxidada da glutationa, a GSSG, o que pode estar relacionado à ação das defesas antioxidantes, como a glutationa reduzida (GSH), a fim de combater a neoplasia. A GSH é parte da GSH total, assim como a GSSG, considerada o maior antioxidante celular do organismo, e pode ser regulada pela dieta.24,25 Dentre os hábitos alimentares das populações dessas regiões está o peixe, no qual podem ser encontrado minerais com potencial antioxidante, como o selênio.17Este nutriente é capaz de mitigar efeitos de metais tóxicos, como o mercúrio, por meio de mecanismos oxidantes e antioxidantes, contribuindo para as defesas celulares, diante dos radicais livres.26
Estudo de Valentini et al.,17 identificou que ribeirinhos da região do Tapajós, onde ficam localizadas as comunidades de Itaituba, têm mostrado níveis relevantes de selênio. Cerca de 67,1% e 31,7% dos participantes do estudo tinham níveis normais e acima de normais de selênio, respectivamente.
Nessa lógica, Maldonado et al.,16 encontraram concentrações de antioxidantes CAT e GSH mais elevados nas mulheres com LIEAG que não tinham iniciado tratamento em relação àquelas que já tinham começado.
Quanto aos níveis de GSH total e GSSG em Limoeiro do Ajuru e Bragança, as concentrações superiores nas ribeirinhas com LIEBG, quando relacionadas àquelas sem lesão escamosa, parecem expressar uma resposta oxidativa, pela elevada concentração de GSSG. Sabe-se que a GSSG, gerada pela oxidação da GSH com o apoio da enzima GSH-Px, é uma manifestação tóxica do estresse oxidativo, sendo sua concentração um indicador importante de funcionalidade celular, e estando sua alteração associada a diversas patologias.27
Os níveis superiores de GSH total e GSSG nas mulheres de Limoeiro do Ajuru e Bragança estão de acordo com a literatura, a qual descreve aumento das substâncias oxidantes na circulação dos pacientes com neoplasia maligna,4,8,16,21 apesar das mulheres deste estudo apresentarem lesões precursoras ou pré-malignas.
Foram identificados nas mulheres com HPV em Itaituba maiores níveis de GSH total em relação às ribeirinhas sem o vírus, bem como menores teores de GSSG nestas mulheres. Semelhante aos resultados encontrados sobre esses marcadores nas mulheres com LIEBG nessa mesma região, tal resultado pode demonstrar a atuação de antioxidantes no organismo para combater o vírus. Também foram notados maiores concentrações de GSH total em mulheres com a infecção quando comparadas àquelas sem o HPV em Limoeiro do Ajuru e Bragança, com diferença estatística nas de Bragança. A GSH total pode estar expressando uma resposta oxidativa, em virtude dos maiores teores de GSSG. Este resultado pode ser justificado pela indução do estresse oxidativo, a partir do HPV.2 Além disso, a geração do estresse oxidativo durante a resposta inflamatória em uma infecção viral é uma ocorrência comum, pois há liberação de EROs, a partir de neutrófilos e macrófagos.23
Boisio et al.,28 constataram que as pacientes com a infecção por HPV apresentam menores teores de GSH e maiores de GSSG, o que está de acordo com os nossos achados. Kwaśniewska et al.,29 verificaram resultados parecidos, tendo sido identificados menores níveis de GSH e maiores concentrações de GSSG no plasma de mulheres com infecção pelo HPV, displasias do colo do útero e câncer de colo uterino.
O tamanho amostral foi a principal limitação deste estudo, fato relacionado à dificuldade de alcance às comunidades ribeirinhas estudadas, já que o principal meio de acesso a essas comunidades é o transporte fluvial. Durante os primeiros meses do ano, essas regiões apresentam fortes chuvas e temporais frequentes, dificultando ainda mais a circulação dos pesquisadores até as comunidades, bem como a dos ribeirinhos até os postos de saúde.
Os achados deste estudo fornecem base para futuras pesquisas que busquem esclarecer condições que influenciem nos marcadores de estresse oxidativo, e a atuação de oxidantes e antioxidantes, bem como de outros elementos, na carcinogênese cervical e na infecção pelo HPV em populações vulneráveis, como os ribeirinhos.
Os resultados mostraram associação significativa da resposta oxidativa do malondialdeído e da glutationa total com a infecção pelo papilomavírus humano, porém não houve diferença quando associada à lesão escamosa, sugerindo que o estresse oxidativo isoladamente não explica a relação com a carcinogênese do colo uterino, que deve ser influenciada ainda por outros fatores.