versão impressa ISSN 0021-7557
J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.4 Porto Alegre jul./ago. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2014.01.006
Tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, as doenças respiratórias contribuem para uma elevada proporção da morbimortalidade na infância. Estima-se que 25 a 33% do total das mortes observadas em menores de cinco anos de vida sejam causadas por infecções respiratórias agudas e suas complicações.1
No Brasil, a expectativa de casos novos de câncer na infância é de 9.300 casos ao ano, em menores de 15 anos. Dentre esses, o mais comum é a leucemia linfoide aguda (LLA), tumor de sistema nervoso central, seguidao por linfomas Hodgkin (LH) e não Hodgkin (LNH).2 A própria presença da doença pode ser um fator de imunossupressão, principalmente nas LLA e linfomas. Por outro lado, o tratamento com quimioterapia interfere na capacidade de resposta imunológica dos pacientes,3 e a infecção é a complicação mais frequentemente associada ao câncer e ao seu tratamento, sendo a principal causa de óbito que não a própria neoplasia.2
As infecções respiratórias agudas virais são as causas mais comuns de episódios febris em menores de cinco anos, mesmo nas crianças em tratamento com medicamentos antineoplásicos. 4 and 5
Muitas pesquisas, conceitos e condutas já estão bem estabelecidos para o manejo de episódios de febre em crianças com câncer. Porém, ainda há dúvidas a respeito da incidência e do verdadeiro papel dos agentes virais nas infecções respiratórias nestes pacientes.6 , 7 , 8 , 9 and 10 Poucos estudos têm sido publicados a este respeito nos últimos anos, e pouca atenção tem sido dada na literatura internacional aos novos vírus, como o coronavírus (CoVh) e o metapneumovírus (HMPV A/B) em pacientes pediátricos imunossuprimidos.10 and 11 Este estudo foi delineado com o objetivo de determinar a frequência da infecção causada pelos vírus respiratórios em menores de 21 anos portadores de câncer com infecção respiratória aguda (IRA) e identificar se há algum subgrupo que apresente infecção respiratória aguda grave.
Foi realizado um estudo observacional e transversal. Foram coletadas amostras de aspirado de nasofaringe de menores de 21 anos, portadores de câncer, com febre (aferida ou referida) e sintomas respiratórios de IRA, por meio de protocolo padronizado. Os registros clínicos foram coletados de prontuários médicos, por um dos autores.
Os pacientes foram atendidos nos hospitais Iinfantis do Grendacc (HG) e do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Jundiaí (HUJ), no município de Jundiaí, São Paulo, ambos conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS), no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2012. O HUJ é hospital maternoinfantil, centro de referência regional para oito cidades, que oferece assistência de nível secundário a uma população de aproximadamente 900.000 habitantes do conglomerado de Jundiaí. O HG é um hospital-dia e ambulatório de referência que oferece assistência para tratamento do câncer na infância.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Jundiaí (N°366/2009).
Sujeitos do estudo: Pacientes oncológicos menores de 21 anos, com infecção respiratória aguda. Foi considerado um novo episódio de IRA na mesma criança quando a ocorrência de IRA teve um intervalo superior a 15 dias entre os mesmos, durante o período de estudo.
IRA: História de pródromos respiratórios, com pelo menos um ou mais dos seguintes sintomas ou sinais: febre, coriza, tosse, dor de garganta e/ou sintomas gastrintestinais.
Febre: Pelo menos um episódio de febre, aferida ou referida, com temperatura axilar igual ou superior a 38 °C (com base em uma medida) ou 37,8 °C (com base em duas medidas com 1 hora de intervalo). Hipotermia: temperatura < 37,5 °C.
Aspectos clínicos: Bom estado geral, doente e toxemiado.12 Definiu-se como bom estado geral a criança que, no atendimento inicial, não constatou alteração na aparência geral, encontrando-se ativo, sem angústia ou dor; doente quando o paciente se apresentava irritado, ansioso, abatido ou com aparência de sofrimento; ou toxemiado, quando com dificuldade respiratória, toxemia, letargia ou obnubilado.
Anemia: (Hb < 10 mg/dL)
Neutropenia: Valores absolutos de neutrófilo < 500/mm3.
Neutropenia grave: Valores de neutrófilo menor que 500/mm313.
Plaquetopenia: Contagem total de plaquetas menor que 150.000/uL13.
Infecção bacteriana invasiva suspeita: Se, na ausência de uma cultura negativa, houvesse os seguintes critérios clínicos: achados clínicos ou laboratoriais de sepse ou criança hemodinamicamente instável e com mau estado geral.
Infecção bacteriana invasiva comprovada: Ocorrência de bacteremia (uma ou mais hemoculturas positivas para o patógeno bacteriano). Para a sepse por Staphylococcus coagulase negativo eram necessárias duas ou mais hemoculturas positivas coletadas no mesmo dia; provável sepse se apresentase duas hemoculturas por Staphylococcus coagulase negativas no intervalo de quatro dias, ou três hemoculturas dentro do período de sete dias ou quatro hemoculturas dentro do período de dez dias para este patógeno.
O tamanho da amostra necessária para o estudo (n = 108 episódios de infecção respiratória) foi baseado na estimativa da prevalência dos vírus estudados obtida de levantamento de vários estudos (35%), assumindo-se um erro amostral de 9% em 95% das possíveis amostras.
Os pacientes foram selecionados consecutivamente da demanda do ambulatório do HG, de segunda a sexta-feira, das 8 h às 17 h, e da unidade de internação e emergência do Hospital Universitário nos demais dias e períodos. A figura 1 mostra o fluxograma da seleção, investigação e acompanhamento dos pacientes.
Uma amostra de cada narina proveniente de aspirado e outra de swab de nasofaringe foram obtidas em todos os pacientes admitidos no estudo, em posição supina e com a cabeça na linha média. No momento da coleta, na amostra de swab foi realizado o teste rápido para detecção de influenza A, H1N1 e B (Pandemic Test Bioseasy(r), Pajangdong Jangan-Ku, Coreia). O resultado era comunicado de imediato ao médico para decisão do tratamento. Dentro do período máximo de 4 horas após a coleta, as amostras foram misturadas e acrescidas a uma solução de Ringer lactato até completar 4 mL. Após a homogeneização, as amostras (cerca de 1 mL) foram separadas em alíquotas em criotubos, previamente identificadas e armazenadas em nitrogênio líquido e conservadas a -80° C. No Laboratório de Pesquisa de Infectologia Pediátrica da FMJ, os ácidos nucleicos DNA e RNA total foram extraídos das amostras com o kit de extração RTP(r) DNA/RNA Vírus Mini Kit (STRATEC Molecular, Berlin, Alemanha). A sensibilidade e especificidade foram monitoradas pelo padrão de controle de qualidade para diagnóstico molecular. A detecção qualitativa de 20 vírus respiratórios: influenza (Flu A, H1N1 e B); coronavírus (NL63; 229E; OC43 e HKU1); parainfluenza (PIV1,2,3,4); rinovírus (RVH); vírus sincicial respiratório (VSR A/B); metapneumovírus humano (MPVh A/B); adenovírus (ADV); enterovíirus; parechovírus e bocavírus (BoVh) foi realizada por reação de cadeia da polimerase em tempo real multiplex (qPCR), (FTD - Fast Track Diagnostics(r), Luxemburgo, Bélgica).
Avaliação bacteriológica: Todas as hemoculturas (amostras centrais e periféricas) foram realizadas por BACTEC/Alert (BioMérieux Inc., Durham, NC, EUA). Urina tipo I e urocultura foram obtidas na admissão, além de outras culturas de diferentes sítios, quando necessário.
A análise do sangue periférico foi realizada por equipamento automatizado (Sysmex(r), Modelo: KX 21N) em até 2 horas após a coleta.
Todos os exames de investigação laboratorial seguiram rigorosamente as especificações dos fabricantes.
Medidas de tendência central e de dispersão foram usadas para descrever a amostra estudada. Foi estimada a prevalência de infecções virais com respectivo intervalo de 95% de confiança. Para comparar proporções, foram usados os testes do Qui-quadrado2 ou exato de Fisher. O software utilizado foi o SPSS, versão 17 (SPSS, Chicago, IL, EUA).
Um total de 48 pacientes com câncer em tratamento consentiu participar do estudo, totalizando 104 episódios com quadro de febre e/ou presença de sintomas respiratórios. A mediana para a idade foi de 12 ± 5,1 anos, sendo a menor idade de um ano. A amostra foi composta por 82 (78,8%) crianças do gênero masculino; 82 (78,8%) de cor branca, seguida de parda, com 17 (16,7%), e 32 (31%) dos pacientes eram procedentes da cidade de Jundiaí.
A LLA foi o câncer mais prevalente, com 53 (51,9%, p = 0,043) casos, sendo que a faixa etária entre cinco e oito anos foi a mais frequente 3 6(34,6%, p = 0,046) (tabela 1). A doença metastática foi observada em 23 casos, sendo que oito (7,7%) com recidiva da doença de base.
Tabela 1 Número total e porcentagem dos principais tipos de câncer em pacientes com IRA. Grendacc e HUJ/Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de Jundiaí, 2012
Diagnóstico oncológico | Frequência | % |
---|---|---|
LLA | 42 | 40,0 |
LLA AR | 9 | 8,6 |
LMA | 4 | 3,8 |
LNH | 4 | 3,8 |
LNH AR | 2 | 1,9 |
LH | 3 | 2,9 |
Sarcomas | 4 | 3,8 |
SNC | 1 | 1,0 |
Neuroblastoma | 1 | 1,0 |
Nefroblastoma | 3 | 2,9 |
HCL | 2 | 1,9 |
LMC | 3 | 2,9 |
Glioma | 3 | 2,9 |
Osteossarcoma | 17 | 16,2 |
Sd. Hemofagocitica | 3 | 2,9 |
Outros | 3 | 2,9 |
LLA, leucemia linfoide aguda
LLA AR, leucemia linfoide aguda de alto risco
LMA, leucemia mieloide aguda
LNH, Linfoma não Hodgkin
LNH AR, Linfoma não Hodgkin de alto risco
LH, Linfoma de Hodgkin
SNC, sistema nervoso central
HCL, histiocitose de células de Langerhans
LMC, leucemia mieloide crônica
sd., síndrome.
O patógeno viral respiratório foi obtido em 50% (52/104) dos casos analisados, para pelo menos um tipo de vírus respiratório. O RVH foi o patógeno mais frequente, presente em 23,1% (24/105) dos episódios infecciosos (tabela 2).
Tabela 2 Distribuição dos tipos de vírus respiratórios nos casos positivos em pacientes com IRA. Grendacc e HUJ/Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de Jundiaí, 2012
Tipo de vírus respiratório | % | N |
---|---|---|
Rinovírus | 23,1 | 24 |
Vírus sincicial A/B | 8,7 | 9 |
Metapneumovírus A/B | 2,9 | 3 |
Influenza B | 2,9 | 3 |
Coronavírus 229 | 2,9 | 3 |
Coronavírus 43 | 2,9 | 3 |
Influenza A | 1,9 | 2 |
Coronavírus 63 | 1,0 | 1 |
Parainfluenza 2 | 1,0 | 1 |
Parainfluenza 3 | 1,0 | 1 |
Parainfluenza 4 | 1,0 | 1 |
FLU A H1N1 | 1,0 | 1 |
Total | 100,0 | 104 |
FLU A H1N1, influenza A H1N1.
A análise das 104 amostras pelo teste rápido para IFA, IFAH1N1e IFB resultou em seis amostras positivas para os vírus influenza (4FluA e 2FluB).
Com relação ao número de vírus, 51 (49%) tinham um tipo. O número de casos de codetecção foi de 17% (18/104) entre dois e 3% (3/104) de três vírus respiratórios, sendo mais frequente entre rinovírus e coronavírus 43 (tabela 3).
Tabela 3 Casos de codetecção de mais de um vírus respiratório em um mesmo episódio
Caso | Vírus |
---|---|
2 | RVH + AdVH |
8 | PI 2 + CoV 229 + CoV 43 |
15 | RVH + HPMV A/B |
18 | PI 4 + VSR A/B |
21 | RVH + EV + CoV 43 |
29 | RVH + VSR A/B |
31 | RVH + AdVH |
RVH, rhinovírus
AdVH, adenovírus
PI 2, parainfluenza 2
PI 4, parainfluenza 4
CoV 229, coronavírus 229
CoV 43, coronavírus 43
EV, enterovírus
VSR A/B, vírus sincicial respiratório A/B
HPMV A/B, metapneumovirus humano A/B
A presença de febre e positividade para vírus respiratório foi observada em 17,6% dos episódios (p = 0,332), sendo que 41 (39,4%) com pelo menos um pico febril e sintomas respiratórios em 53 (54%) dos casos, no momento da consulta.
Houve significância estatística entre presença de febre e neutropenia grave nos episódios analisados (p < 0,001). Dentre os neutropênicos graves, 30,7% (4/13) apresentaram positividade para algum tipo de vírus respiratório, dois com vírus sincicial respiratório A e B, um com coronavírus 229 e um com rinovírus. Entretanto, quando foram consideras as neutropenias leves e moderadas não houve associação estatística 5,9% (p = 0,169).
Observamos que a maioria dos casos apresentava apenas sintomas respiratórios leves, com 38,4% (20/52) dos pacientes.
Das 33 hemoculturas coletadas, três (9,1%) resultaram positivas, sendo que os patógenos bacterianos associados ao episódio febril foram: uma klebsiella pneumoniae, uma klebsiella pneumoniae multiresistente e um bacilo gram negativo. Dentre os 104 episódios estudados, o uso de antibioticoterapia empírica foi feito em 36 (34,2%) casos. Dentre os pacientes com infecção viral respiratória, nenhum apresentou cultura de sangue ou urina positiva e 34,6% (18/52) fizeram uso de antibioticoterapia.
Foram analisados 102 episódios quanto às características hematológicas, tendo sido observado leucopenia em 23,5% (24/102) dos pacientes, neutropenia em 20,5% (21/102) e neutropenia grave em 16,7% (17/102), sendo que 52,9% destes pacientes apresentavam LLA. A linfopenia foi presente em 41% (42/102) dos casos. Observamos, ainda, que 30,6% (30/102) dos pacientes apresentavam anemia e 11,7% (12/102), plaquetopenia.
Apesar de ter sido observado que 99% (103/104) dos pacientes estavam em bom estado geral, a hipotermia foi observada em 15% (16/104) e anemia em 43% (44/104) da amostra. Somente um indivíduo apresentou quadro clínico de bacteremia, entretanto, nenhum óbito foi atribuído aos episódios estudados.
Quanto à epidemiologia do episódio de IRA, observamos que a maioria dos pacientes não tinha história de contato prévio referido com IRA (8/104). Embora sem significância estatística (p = 0,282), as correlações entre o número total de vírus positivos vs estação do ano foram 7,7% (8/104) verão; 18,3% (19/104) primavera; inverno 32,7% (34/104) e outono 41,3% (43/104).
Muitos conceitos sobre as doenças respiratórias virais em crianças saudáveis na primeira infância foram modificados recentemente.14 Nos pacientes com câncer, apesar dos estudos na última década mostrarem a importância das IRAs,4 , 5 and 6 o real papel destas infecções permanece obscuro.
Em nossa série de infecção respiratória e/ou febre observamos uma prevalência de vírus respiratórios de 50%, mostrando que estes patógenos foram os mais detectados nas IRAs de crianças em tratamento quimioterápico. Os achados deste estudo estão de acordo com os encontrados na literatura, quando comparados com pesquisas que utilizaram o mesmo método laboratorial pela técnica da qPCR. Koskenvuo et al.4 documentaram a presença de infecção respiratória em 44% dos casos analisados de crianças e adolescentes com leucemia e febre, e Srinivasan et al. 15 75% em outro estudo.
O RVH foi o patógeno viral mais frequente, seguido por cCoronavírus, VSR e metapneumovírus, demonstrando a importância destes patógenos na população estudada. A maioria dos estudos sobre RVH foram realizados em pacientes imunodeprimidos pós transplante de medula óssea, órgãos sólidos e portadores de HIV.16 Embora existam crescentes evidências da possível participação deste patógeno nas infecções do trato respiratório inferior neste grupo, a patogênese permanece incerta.
Em nossa pesquisa, os quadros foram leves e não observamos infecções respiratórias do trato inferior em pacientes acometidos por este tipo de vírus e pelos demais, muito embora possa ocorrer a permanência do RVH nas vias aéreas das crianças saudáveis após resolução dos sintomas agudos. Discute-se se ocorre dano viral direto ou se existe predisposição para invasão secundária com piora da gravidade e do prognóstico clínico.17 Outros autores encontraram uma maior frequência dos vírus respiratórios para o VSR, RVH, PIV e ADV, muito embora os aspectos clínicos tenham sido pouco explorados nas publicações.4 and 5 Torres et al. relataram a presença de 31% de VSR e 23% de RVH, apenas com episódios de neutropenia e febre. 18
Observamos que o PIV esteve presente em 3% dos episódios, com sorotipos 2, 3 e 4 com frequências semelhantes, contrariando os estudos em que o PIV3 tem sido o mais prevalente em crianças imunossuprimidas. A este patógeno tem-se atribuído, nos últimos anos, um enfoque na infecção de vias aéreas inferiores e aumento da morbimortalidade. Maeng et al.,19 em estudo retrospectivo com 1.554 pacientes pediátricos com câncer, encontraram positividade de 6,4% dos casos, sendo que 54% destes eram PIV com mortalidade de 18,5%, e Srinivasan et al.20 verificaram complicações do trato respiratório baixo em crianças jovens.
A epidemia de Flu A/H1N1 trouxe novos questionamentos sobre o início precoce do tratamento e o tempo de uso de fármacos antivirais a partir de critérios clínicos e presença de fatores de risco para complicação pela doença, como a imunodepressão. Em nossa casuística, as drogas antivirais foram pouco utilizadas pelos oncologistas pediátricos. Este fato pode ser explicado pela pouca experiência anterior no manuseio desse fármaco, por desconsiderar a importância deste patógeno viral e pelo acesso em tempo hábil ao medicamento para início do tratamento. É desconhecido o impacto dessa medida na resistência viral aos fármacos em crianças com câncer.
Outros aspectos relevantes, como o impacto da influenza sazonal ou suas variantes nas crianças com câncer, não estão bem compreendidos, uma vez que essas crianças podem eliminar vírus por semanas ou meses.21 Em um estudo envolvendo crianças com câncer ou submetidas a transplante de medula óssea, Tran et al.22 observaram infecção de vias aéreas inferiores em 10% dos casos de Flu A/H1N1, porém sem associação com aumento de mortalidade. Outras investigações com crianças com neoplasias hematológicas igualmente reforçam esta observação, apenas ocorrendo aumento do número de hospitalizações, atraso no tempo de quimioterapia e maior uso de antimicrobianos. Óbitos foram raros em todos os estudos.23 , 24 and 25
A infecção pelo RSV pode ocasionar a morte em cerca de 1,1% de pacientes transplantados, confirmando a impressão de piora dos casos nos últimos anos. No presente estudo, os pacientes evoluíram bem o não foi observado óbito ou complicações relacionadas ao RSV. Isso pode ser explicado, em parte, pelo acometimento em pacientes em faixa etária maior de dois anos, na qual essas infecções são menos graves.
Apesar de os coronavírus humanos (HCoV) serem reconhecidos como causa comum de infecções do trato respiratório superior e, em menor proporção, no trato inferior, em imunocompetentes é desconhecido o seu impacto em crianças imunodeprimidas26.
Não tivemos nenhum caso de bocavírus, contrariando os achados da literatura. Este fato talvez possa ser explicado pela não circulação deste patógeno no período de estudo, limitações dos métodos multiplex de identificação molecular ou pelas características da população de estudo. O real papel deste vírus em crianças com câncer é desconhecido.
O uso da técnica da qPCR27 permite codetecção de mais de um vírus numa mesma amostra. Entretanto, algumas questões necessitam maiores esclarecimentos. Trata-se de uma coinfecção, codetecção ou eliminação assintomática? Qual é o impacto da codetecção sobre a gravidade clínica nas doenças respiratórias dos pacientes com câncer?
A codetecção observada em nosso estudo foi de 17% entre RVH e CoVh. Taxas semelhantes foram observadas em estudos realizados em crianças sem imunossupressão, entre 14 a 44%, sendo o RVH o segundo ou terceiro vírus mais frequente.14 Em crianças com câncer, Koskenvuo et al.4 encontraram uma codetecção de 19,7%, especialmente entre rinovírus e RSV. Em nossa casuística, a codetecção não estava associada à gravidade dos casos, pois o quadro clínico inicial dos participantes era leve, a maioria das crianças se encontrava inicialmente em bom estado geral, com raras complicações nas vias aéreas inferiores, e não houve óbito. De Paulis et al.28 não observaram impacto na gravidade clínica com a coinfecção em lactentes hospitalizados. Diferentemente, outros estudos também realizados em lactentes hospitalizados sem imunossupressão mostram um aumento do número de codetecções, o que pode implicar em um aumento da gravidade clínica em crianças pequenas.14
Este fato talvez possa ser atribuído ao encontro fortuito destes vírus nos materiais, sem importante repercussão clínica na gravidade nos pacientes oncológicos que excretam vírus por longos períodos.
A infecção viral pode aumentar a susceptibilidade à coinfecção bacteriana. Em um estudo multicêntrico com crianças portadoras de leucemia e febre, Koskenvuo et al.4 encontraram 13% de sepse bacteriana em pacientes com IRA. Em um estudo de neutropenia febril, Avadhanula et al.29 verificaram a associação com infecção bacteriana em um terço dos casos, sugerindo que a infecção pelo VSR possa aumentar a expressão de receptores para Streptococcus pneumoniae e Haemophylus influenza nas células epiteliais brônquicas primárias, facilitando a colonização e a doença bacteriana.
Em nossa casuística, não pudemos constatar complicações bacterianas ao exame clínico, com evolução favorável semelhante àqueles pacientes sem câncer. Ressaltamos o achado de hipotermia em 15% das crianças, mas sem evolução para sepse. A hemocultura foi positiva somente em 9,1%, dado semelhante ao de outros estudos.18 and 30
Desta forma, a detecção de algum patógeno viral poderá propiciar ao médico uma abordagem terapêutica mais segura, com adequado uso de antimicrobiano, redução dos custos desnecessários impostos ao sistema de saúde e melhora direta nas taxas de morbi mortalidade da criança com câncer.
Embora a sazonalidade para os vírus respiratórios tenha sido mais frequente no outono e o inverno, notamos que este padrão não foi homogêneo para todos os vírus estudados, necessitando de um período maior de observação para que se possa estabelecer um padrão sazonal para este grupo de crianças.
Os vírus respiratórios foram os patógenos encontrados na maioria dos pacientes pediátricos com câncer em quimioterapia, mostrando que sua presença no episódio infeccioso pode ser um fator causal. As codetecções foram frequentes em pacientes com câncer e IRA, e não foi possível identificar se a infecção aguda grave esteve relacionada diretamente ao tipo de câncer ou ao patógeno viral.