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Inferência Bayesiana quanto ao Valor do Escore de Cálcio Zero como Filtro na Investigação da Dor Torácica Aguda em Unidade Coronariana

Inferência Bayesiana quanto ao Valor do Escore de Cálcio Zero como Filtro na Investigação da Dor Torácica Aguda em Unidade Coronariana

Autores:

Luis Cláudio Lemos Correia,
Fábio P. Esteves,
Manuela Carvalhal,
Thiago Menezes Barbosa de Souza,
Nicole de Sá,
Vitor Calixto de Almeida Correia,
Felipe Kalil Beirão Alexandre,
Fernanda Lopes,
Felipe Ferreira,
Márcia Noya-Rabelo

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.109 no.2 São Paulo ago. 2017 Epub 12-Jun-2017

https://doi.org/10.5935/abc.20170076

Resumo

Fundamento:

A acurácia do escore de cálcio coronário zero como um filtro nos pacientes com dor torácica aguda tem sido demonstrada na sala de emergência e nos ambulatórios, populações com baixa prevalência de doença arterial coronariana (DAC).

Objetivos:

Testar o papel do escore de cálcio zero como filtro nos pacientes com dor torácica admitidos numa unidade coronariana intensiva (UCI), na qual a probabilidade pré-teste de DAC é maior do que em outras populações.

Métodos:

Pacientes foram submetidos a tomografia computadorizada para quantificar o escore de cálcio, DAC obstrutiva foi definida por uma estenose mínima de 70% na cineangiocoronariografia invasiva. Um escore clínico para estimar a probabilidade pré-teste de DAC obstrutiva foi criado em amostra de 370 pacientes, usado para definir subgrupos na definição de valores preditivos negativos do escore zero.

Resultados:

Em 146 pacientes estudados, a prevalência de DAC foi 41% e o escore de cálcio zero foi demonstrado em 35% deles. A sensibilidade e a especificidade para escore de cálcio zero resultaram numa razão de verossimilhança negativa de 0,16. Após ajuste com um escore clínico com a regressão logística para a probabilidade pré-teste, o escore de cálcio zero foi preditor independente associado a baixa probabilidade de DAC (OR = 0,12, IC95% = 0,04-0,36), aumentando a área abaixo da curva ROC do modelo clínico de 0,76 para 0,82 (p = 0,006). Considerando a probabilidade de DAC < 10% como ponto de corte para alta precoce, o escore de cálcio aumentou a proporção de pacientes para alta precoce de 8,2% para 25% (NRI = 0,20; p = 0,0018). O escore de cálcio zero apresentou valor preditivo negativo de 90%. Em pacientes com probabilidade pré-teste < 50%, o valor preditivo negativo foi 95% (IC95% = 83%-99%).

Conclusão:

O escore de cálcio zero reduz substancialmente a probabilidade pré-teste de DAC obstrutiva em pacientes internados em UCI com dor torácica aguda. (Arq Bras Cardiol. 2017; [online].ahead print, PP.0-0)

Palavras-chave: Síndrome Coronariana Aguda / diagnóstico; Dor no Peito; Calcinose / diagnóstico; Valor Preditivo dos Testes; Serviços Médicos de Emergência

Abstract

Background:

The accuracy of zero coronary calcium score as a filter in patients with chest pain has been demonstrated at the emergency room and outpatient clinics, populations with low prevalence of coronary artery disease (CAD).

Objective:

To test the gatekeeping role of zero calcium score in patients with chest pain admitted to the coronary care unit (CCU), where the pretest probability of CAD is higher than that of other populations.

Methods:

Patients underwent computed tomography for calcium scoring, and obstructive CAD was defined by a minimum 70% stenosis on invasive angiography.

Results:

In 146 patients studied, the prevalence of CAD was 41%. A zero calcium score was present in 35% of the patients. The sensitivity and specificity of zero calcium score yielded a negative likelihood ratio of 0.16. After logistic regression adjustment for pretest probability, zero calcium score was independently associated with lower odds of CAD (OR = 0.12, 95%CI = 0.04-0.36), increasing the area under the ROC curve of the clinical model from 0.76 to 0.82 (p = 0.006). Zero calcium score provided a net reclassification improvement of 0.20 (p = 0.0018) over the clinical model when using a pretest probability threshold of 10% for discharging without further testing. In patients with pretest probability < 50%, zero calcium score had a negative predictive value of 95% (95%CI = 83%-99%), with a number needed to test of 2.1 for obtaining one additional discharge.

Conclusion:

Zero calcium score substantially reduces the pretest probability of obstructive CAD in patients admitted to the CCU with acute chest pain. (Arq Bras Cardiol. 2017; [online].ahead print, PP.0-0)

Keywords: Acute Coronary Syndrome / diagnosis; Chest Pain, Calcinosis / diagnosis; Predictive Value of Tests; Emergency Medical Services

Introdução

A maioria dos pacientes que chega ao hospital com dor torácica aguda não possui doença arterial coronariana (DAC) obstrutiva. Esses pacientes, frequentemente, são submetidos a exames de imagem antes da alta.1 A eficácia dessa estratégia é passível de questionamento devido à baixa frequência de resultados positivos.2 Além disso, muitos exames de imagem só estão disponíveis em horário comercial, são muito demorados e dispendiosos, têm muitas contraindicações e necessitam de interpretação de especialista. Por exemplo, deve-se evitar a angiotomografia coronária em pacientes com insuficiência renal ou conhecida alergia ao corante. Os testes funcionais necessitam de estresse farmacológico ou físico e, em geral, não estão disponíveis 24 horas por dia.

Um filtro é um teste simples, cujo resultado negativo evidencia a necessidade de outros mais complexos. Estudos anteriores sugeriram que o escore de cálcio zero apresenta razão de verossimilhança negativa suficientemente baixa para desempenhar papel de filtro em pacientes com dor torácica.3 Entretanto, tais estudos concentraram-se em pacientes do setor de emergência e do ambulatório, uma população com baixa prevalência de DAC.

Este estudo teve por objetivo avaliar o desempenho diagnóstico do escore de cálcio zero como filtro para outros exames de imagem em pacientes com dor torácica aguda admitidos na unidade coronariana intensiva (UCI) de um hospital terciário, em que se espera uma prevalência da doença pelo menos intermediária. Exploramos o valor preditivo negativo do escore de cálcio zero em todo o grupo e de acordo com os níveis de probabilidade pré-teste.

Métodos

Seleção da amostra

Entre setembro de 2011 e outubro de 2013, pacientes consecutivos admitidos na UCI de um hospital terciário foram convidados a participar do Registro de Dor Torácica, um estudo prospectivo e observacional. Dos 370 pacientes incluídos no Registro, calculou-se o escore de cálcio coronariano em um subgrupo de 146 com base nos seguintes critérios de entrada: idade mínima de 18 anos, nenhum stent coronariano implantado, nenhum enxerto em artéria coronária e disposição de assinar o termo de consentimento livre e informado. Entre aqueles cujo escore de cálcio não foi avaliado, 71 tinham stents coronarianos, 24 haviam se submetido a cirurgia de revascularização miocárdica anterior e 129 recusaram-se a se expor a radiação.

Escore de cálcio coronariano

Todos os pacientes foram submetidos a exame de imagem com um tomógrafo computadorizado de 64 canais multidetectores comercialmente disponível (Aquilion, Toshiba Medical Systems, Tochigi, Japão). Os scans foram obtidos com colimação de feixe 4 x 3,0 mm, 300 mA, 120 kV e tempo de rotação do gantry de 0,4 s. Avaliou-se o escore de cálcio pelo método de Agatston em estações de trabalho remotas (Vitrea2 Versão 3.0.9.1, Vital Images, Minnetonka, Minnesota, EUA). Apenas um radiologista que desconhecia as características dos pacientes ou a presença de DAC obstrutiva realizou os escores de todos os scans, e o fez em até uma semana após o outro exame de imagem não invasivo e a cineangiocoronariografia invasiva.

DAC obstrutiva

Os pacientes foram submetidos a cineangiocoronariografia invasiva ou a um exame provocativo não invasivo (ressonância magnética de perfusão ou tomografia computadorizada por emissão de fóton único) a critério do cardiologista. Realizou-se cineangiocoronariografia invasiva sempre que o tamanho do defeito isquêmico foi ≥ 5% do miocárdio ventricular esquerdo no exame de imagem não invasivo. Os leitores das imagens invasivas e não invasivas eram cegos quanto ao escore de cálcio. Definiu-se DAC obstrutiva como uma estenose luminal ≥ 70% na cineangiocoronariografia invasiva. Um exame não invasivo normal ou levemente anormal, definido como tamanho do defeito isquêmico < 5% do miocárdio ventricular esquerdo, foi interpretado como negativo para DAC obstrutiva, não sendo necessário nenhum exame adicional. Os pacientes foram classificados como não tendo DAC obstrutiva em caso de confirmação por imagem de um dos seguintes diagnósticos dominantes: pericardite, embolia pulmonar ou dissecção aórtica.

Probabilidade pré-teste de DAC obstrutiva

Toda a coorte de 370 pacientes foi usada para gerar um modelo clínico multivariado para prever a probabilidade pré-teste de DAC com base nos dados de admissão. Três conjuntos de variáveis foram estudados como potenciais preditores de DAC obstrutiva: 13 variáveis da história médica, 14 características do desconforto precordial e 8 variáveis relacionadas ao exame físico e aos exames laboratoriais. Esses incluíram isquemia no eletrocardiograma, troponina positiva, sinais físicos e radiográficos de insuficiência ventricular esquerda, fragmento terminal do pró-peptídeo natriurético tipo B (NT-proBNP, Ensaio Imunoenzimático Fluorescente, Biomérieux, França), proteína C reativa ultrassensível (PCR-us, nefelometria, Dade-Behring, EUA), leucometria, glicemia e hemoglobina. Todos os espécimes séricos foram coletados quando da chegada ao setor de emergência. Todas as variáveis com distribuição normal foram apresentadas como média e desvio padrão, e aquelas de distribuição não normal foram apresentadas como mediana e intervalo interquartil. Através de análise de regressão logística multivariada, as seguintes variáveis permaneceram como preditores independentes: idade, sexo masculino, alívio de dor torácica com nitrato, sinais de insuficiência cardíaca, isquemia no eletrocardiograma e troponina positiva. Para discriminação de DAC obstrutiva, a área sob a curva desse modelo clínico foi de 0,80 [intervalo de confiança (IC) 95% = 0,75-0,84] e a calibração pelo teste de Hosmer-Lemeshow levou a χ2 = 1,95 (p = 0,98). Esse foi o modelo de referência usado para avaliar o valor incremental do escore de cálcio e para definir a probabilidade pré-teste para a análise de sensibilidade do valor preditivo do escore de cálcio.

Análise estatística

O tamanho da amostra foi calculado para um erro máximo de ± 12% para IC 95% de sensibilidade e especificidade. Considerando uma sensibilidade de 90% e uma especificidade de 50%, foram necessários 25 pacientes com DAC obstrutiva e 67 pacientes sem DAC obstrutiva para fornecer essa precisão de estimativa. Prevendo uma prevalência de DAC de 50%, pelo menos 134 pacientes tinham que ser arrolados no estudo.

Definiu-se escore de cálcio negativo como zero, enquanto um escore positivo seria qualquer outro valor diferente de zero. Com base nesse ponto de corte pré-definido, sensibilidade, especificidade e razões de verossimilhança positiva e negativa foram descritas como medidas de acurácia com IC95%. Testou-se o valor incremental preditivo do escore de cálcio zero em relação ao modelo de probabilidade pré-teste comparando-se a área sob a curva do modelo versus a área sob a curva de um segundo modelo contendo informação clínica e de escore de cálcio binário. Derivou-se esse segundo modelo da análise de regressão logística.

A acurácia do escore de cálcio zero para reclassificar a probabilidade pré-teste do modelo clínico <10% foi avaliada pelo método de Pencina de análise de reclassificação líquida (net reclassification improvement - NRI).4

Por fim, os valores preditivos negativos e o número necessário para testar a alta de um paciente adicional foram relatados no grupo inteiro e em subgrupos de probabilidade pré-teste <50% ou ≥50%. A mesma análise foi feita nos grupos de eletrocardiograma e troponina normais versus um ou outro desses exames anormal.

Usou-se o programa estatístico SPSS (versão 21.0, SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA) para a análise de dados, sendo a significância estatística final definida como p < 0,05 em todos os casos.

Resultados

Características da amostra

Este estudo avaliou 146 pacientes com dor torácica aguda (idade 59 ± 16 anos, 56% homens). Alterações eletrocardiográficas isquêmicas estavam presentes em 56% deles, 42% tinham troponina positiva e 71% apresentavam anormalidades em pelo menos um desses dois exames. Doença arterial coronariana estava presente em 60 pacientes (prevalência de 41%), sendo todos os casos confirmados por cineangiocoronariografia invasiva. Dos 86 pacientes sem DAC obstrutiva, 28 foram submetidos a cineangiocoronariografia invasiva e 58 foram considerados não portadores de DAC obstrutiva apenas por exame de imagem não invasivo. O diagnóstico final nos pacientes sem DAC foi pericardite (8), dispepsia (4), dor muscular, pneumonia e embolia pulmonar (um de cada). Os demais 71 pacientes tinham dor torácica de etiologia incerta. As características clínicas e laboratoriais são listadas na Tabela 1.

Tabela 1 Características clínicas e laboratoriais 

Tamanho da amostra 146
Idade (anos) 59 ± 16
Sexo masculino 82 (56%)
ECG isquêmico 81 (55%)
Troponina positiva 61 (42%)
História de DAC 35 (24%)
Diabetes 43 (29%)
Hipertensão sistêmica 108 (74%)
Tabagismo 19 (13%)
Colesterol total (mg/dL) 183 ± 59
LDL-colesterol (mg/dL) 112 ± 64
HDL-colesterol (mg/dL) 43 ± 15
Triglicerídeos (mg/dL) 165 ± 152
Creatinina (mg/dL) 1.08 ± 0.85
Escore de cálcio (Agatston) 66 (0 – 722)
Escore de cálcio zero 51 (35%)
DAC obstrutiva 60 (41%)

ECG: eletrocardiograma; DAC: doença arterial coronariana; ECG isquêmico: inversão de onda T ou desvio do segmento ST. Troponina positiva: alteração da troponina além do percentil 99. Escore de cálcio descrito como mediana e intervalo interquartil e as demais variáveis numéricas como média e desvio-padrão.

Acurácia diagnóstica do escore de cálcio zero

O escore de cálcio apresentou distribuição não normal, com mediana de 66 (intervalo interquartil = 0 - 722). Escore de cálcio zero foi observado em 35% dos pacientes. Dos 60 pacientes com DAC obstrutiva, 55 tiveram escore de cálcio > zero, resultando em uma sensibilidade de 92% (IC95% = 81%-97%). Dos 86 pacientes sem DAC obstrutiva, 46 tiveram escore de cálcio zero, com especificidade de 54% (IC95% = 43%-64%). A acurácia observada resultou em uma boa razão de verossimilhança negativa de 0,16 (IC95% = 0,07-0,37) e uma ruim razão de verossimilhança positiva de 1,97 (IC95% = 1,55-2,50).

Valor diagnóstico incremental do escore de cálcio zero

Após ajuste para probabilidade pré-teste com base no modelo clínico (OR = 1,04; IC95% = 1,02-1,06; p < 0,001), escore de cálcio zero associou-se de maneira independente à ausência de DAC (OR = 0,12; IC95% = 0,04-0,34; p < 0,001). A predição baseada no modelo clínico teve área sob a curva de 0,76 (IC95% = 0,67-0,83), que melhorou para 0,82 (IC95% = 0,75-0,88; p = 0,006) quando o escore de cálcio foi adicionado à curva (Figura 1)

Figura 1 Valor incremental do escore de cálcio zero adicionado ao modelo de referência de probabilidade pré-teste. A área sob a curva aumentou de 0,76 para 0,82 (p = 0,006). 

Análise de reclassificação líquida pelo escore de cálcio

A meta para alta teórica com base no modelo clínico sem nenhum exame adicional (probabilidade de DAC < 10%) foi observada em apenas 8,2% dos pacientes. Ao se incluir o escore de cálcio zero no modelo, 23% dos pacientes foram classificados como probabilidade de DAC < 10%. Dos 86 pacientes sem DAC obstrutiva, 26 foram corretamente reclassificados como probabilidade de DAC < 10%, sendo 3 incorretamente reclassificados para ≥ 10%. Logo, a NRI para indivíduos sem DAC foi 0,23 (p = 0,0001). Dos 60 pacientes com DAC, nenhum foi corretamente reclassificado para cima, sendo 2 incorretamente reclassificados para probabilidade < 10%.

A NRI dos pacientes com DAC foi -0,03 (p = 0,16). Como resultado, a NRI geral foi 0,20 (p = 0,0018), indicando uma razoável proporção de pacientes sem DAC reclassificada para probabilidade < 10% (Tabela 2).

Tabela 2 Reclassificação líquida (NRI) em probabilidade baixa ou alta (ponto de corte de 10%) de acordo com o escore de cálcio zero 

Status da DAC Limite de probabilidade (10%) Reclassificação pelo escore de cálcio NRI Escore Z Valor de p
Presente = 60 Baixa Alta
Baixa = 0 -- -- - 0,03 1,41 0,16
Alta = 60 2 58
Ausente = 86
Baixa = 12 9 3 + 0,23 3,92 < 0,001
Alta = 74 23 51
NRI global + 0,20 3,12 0,002

DAC: doença arterial coronariana.

Análise de sensibilidade dos valores preditivos negativos através de probabilidade pré-teste

O valor preditivo negativo geral do escore de cálcio zero para DAC obstrutiva foi 90% (IC95% = 78%-96%). Noventa e dois pacientes (63%) tiveram uma probabilidade pré-teste < 50% com uma prevalência de doença de 27%. Nesse grupo, 43 pacientes tinham escore de cálcio zero, com um valor preditivo negativo de 95% (IC95% = 83%-99%). Como 47% dos pacientes tinham escore de cálcio zero, o número necessário para testar para obter uma alta adicional (probabilidade < 10%) foi 2,1. Nesse grupo, o escore de cálcio apresentou alto rendimento para um resultado negativo.

Por outro lado, 54 pacientes (37%) tiveram uma probabilidade pré-teste de DAC ≥ 50% com uma prevalência de doença de 65%. Nesse grupo, apenas 8 pacientes (15%) tinham um escore de cálcio zero, com um valor preditivo negativo de 63% (IC95% = 23%-90%). Nesse grupo de alta probabilidade pré-teste, o escore de cálcio zero apresentou baixo rendimento para um resultado negativo (Tabela 3).

Tabela 3 Valor preditivo negativo e número necessário para testar para uma alta adicional, de acordo com a probabilidade pré-teste e os resultados de eletrocardiograma (ECG) e troponina 

Amostra Prevalência de DAC Valor preditivo negativo Número necessário para testar
Probabilidade pré-teste < 50% 92 27% 95% 2.1
Probabilidade pré-teste ≥ 50% 54 65% 63% 6.6
ECG e troponina normais 42 21% 100% 2.0
ECG e troponina positivos 104 49% 83% 2.4

Número necessário para testar: para evitar um exame complexo adicional. DAC: doença arterial coronariana.

Quarenta e dois pacientes tinham eletrocardiograma e troponina normais com uma prevalência de DAC de 21%. Metade deles teve escore de cálcio zero (número necessário para testar = 2), fornecendo um valor preditivo negativo de 100%. Dos demais pacientes com alterações isquêmicas no eletrocardiograma ou com troponina positiva (prevalência de DAC de 49%), 41% tiveram escore de cálcio zero, mas o valor preditivo negativo foi de apenas 83% (IC95% = 70%-97%) (Tabela 3).

Discussão

O presente estudo estende a validação do escore de cálcio zero como filtro para teste diagnóstico adicional de pacientes com dor torácica aguda admitidos na UCI. É importante enfatizar que nossa população-alvo é constituída por indivíduos com uma probabilidade pré-teste intermediária de DAC, submetida a uma avaliação clínica inicial no setor de emergência. Em geral, tais pacientes são submetidos a testes provocativos de isquemia coronariana ou a angiotomografia coronária. Nesse contexto, o escore de cálcio poderia ser usado como filtro para a realização de testes mais complexos. A prevalência relativamente alta de DAC nesse contexto causa preocupação quanto ao valor preditivo negativo do teste. Encontramos 41% dos pacientes com DAC obstrutiva. Como a prevalência do escore de cálcio zero foi 35%, grosseiramente 3 pacientes tinham que ter o escore de cálcio quantificado para evitar exame diagnóstico adicional. Além disso, o escore de cálcio aumentou a acurácia do modelo clínico de probabilidade pré-teste ao melhorar a área sob a curva e a reclassificação líquida de 23% dos pacientes de alta para baixa probabilidade de doença.

Conduzimos uma análise de sensibilidade para identificar o subgrupo que melhor se adequasse ao escore de cálcio de acordo com a probabilidade pré-teste de DAC. Sugerimos que, em caso de probabilidade pré-teste menor do que 50%, o escore de cálcio zero tenha um valor preditivo negativo de 95%. Para cada dois pacientes testados, um receberia alta sem precisar de exames adicionais. No subgrupo com eletrocardiograma normal e troponina negativa, o valor preditivo negativo foi 100%. A despeito da baixa taxa caso-fatalidade geral, não houve nenhuma morte no grupo de escore de cálcio zero.

A interpretação clínica dos nossos achados sugere a existência de um papel para o escore de cálcio como filtro para outros testes diagnósticos nos pacientes admitidos na UCI, uma vez que a probabilidade pré-teste para DAC não é alta. Entretanto, nosso estudo tem dados iniciais que necessitam ser melhor testados na prática. Um filtro bem estabelecido para uma condição potencialmente séria é o uso do dímero D em pacientes com probabilidade baixa a intermediária de embolia pulmonar. O dímero D tem razão de verossimilhança negativa de 0,13,5 que é muito similar àquela de pacientes com suspeita de DAC e escore de cálcio zero. Pacientes com probabilidade baixa a intermediária de embolia pulmonar e dímero D negativo constituem 24% daqueles com suspeita de embolia pulmonar.5 No nosso estudo, pacientes com probabilidade de DAC < 50% e escore de cálcio zero constituem 29% da amostra. As similaridades entre dímero D (como teste para descartar embolia pulmonar) e escore de cálcio (como teste para descartar DAC) reforçam o potencial dessa abordagem para pacientes com dor torácica aguda. Pode-se estar tentado a realizar diretamente a angiotomografia coronária, em lugar de filtrar usando-se o escore de cálcio. Enquanto a angiotomografia coronária é uma opção em alguns centros de imagem, alguns pontos devem ser considerados. Primeiro, a angiotomografia coronária não está disponível 24/7 na maioria dos hospitais, pois requer especialização médica para sua interpretação. A interpretação binária do cálcio coronariano na tomografia computadorizada é simples e requer treinamento mínimo.

Segundo, a angiotomografia coronária apresenta dificuldades técnicas e contraindicações, que, no Estudo ROMICAT, impediram a sua realização em 1.270 dos 1.869 (68%) pacientes com dor torácica aguda.6 Terceiro, a despeito da muito melhor razão de verossimilhança positiva da angiotomografia coronária, sua razão de verossimilhança negativa é muito similar à do escore de cálcio zero. No ensaio CORE-64, a razão de verossimilhança negativa da angiotomografia coronária foi 0,19.7 Uma abordagem razoável seria dar alta a pacientes com probabilidade pré-teste <50% e um escore de cálcio zero. Pacientes com escore de cálcio positivo seriam submetidos à angiotomografia coronária. Tal algoritmo reduziria não apenas o tempo de permanência no hospital para descartar DAC, mas também os custos e as complicações dos testes mais complexos.

O desempenho diagnóstico do escore de cálcio zero descrito no presente estudo está de acordo com artigos prévios que relataram boas razões de verossimilhança negativa e bons valores preditivos negativos em pacientes do setor de emergência.8-12 Entretanto, seus bons valores preditivos negativos resultaram em parte de uma baixa probabilidade pré-teste de doença. Nossa singularidade está no estudo de pacientes admitidos na UCI de um hospital terciário com uma prevalência de doença muito maior. Demonstramos um razoável valor preditivo negativo nessa população, estendendo os achados já relatados para os pacientes do setor de emergência àqueles da UCI. Escore de cálcio zero pode ser usado para excluir DAC obstrutiva em pacientes com probabilidade baixa a intermediária (< 50%) com base na análise de sensibilidade.

Limitação

A limitação do nosso estudo reside no tamanho relativamente pequeno da amostra, que forneceu precisão apenas moderada aos nossos intervalos de confiança. Estudos futuros são necessários para confirmar nossas estimativas pontuais de acurácia e valores preditivos. Do ponto de vista da confiabilidade dos dados científicos, idealmente todos os pacientes deveriam ter sido submetidos a cineangiocoronariografia invasiva. Todos aqueles identificados como tendo DAC obstrutiva tiveram confirmação por cineangiocoronariografia invasiva, mas a maioria daqueles identificados como sem DAC obstrutiva foi submetida apenas a exame de imagem não invasivo.

Conclusão

Nosso estudo sugere que o escore de cálcio zero reduza substancialmente a probabilidade pré-teste de DAC obstrutiva em pacientes admitidos na UCI com dor torácica aguda.

REFERÊNCIAS

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