versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192
BrJP vol.1 no.3 São Paulo jul./set. 2018
http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20180041
A promoção e manutenção da saúde por meio de exercícios físicos é hoje fato inquestionável, contando com inúmeras pesquisas que relatam seus benefícios1-3. No entanto, os fatores comportamentais para a manutenção da prática de atividade física têm sido preocupação e objeto de trabalhos científicos4,5. Estudos demonstram que aproximadamente 50% das pessoas que iniciam um programa de exercícios desistem em menos de seis meses6. Inúmeras são as causas de abandono e entre elas a dor muscular pós-exercícios, que para alguns sujeitos é fator desmotivacional de continuidade nos programas de exercícios7.
A dor muscular pós-exercícios em atletas pode ser um fator limitante, prejudicando diretamente seu desempenho físico8. Ressaltando entre as dores musculoesqueléticas em indivíduos saudáveis, encontra-se a dor muscular de início tardio (DMIT).
A DMIT caracteriza-se como uma dor ou desconforto experimentado entre 12 e 24 horas após o exercício físico, podendo ter seu pico máximo entre 24 e 72 horas9. Há hipóteses que afirmam que seja decorrente de microlesões, onde ocorre uma migração inicial de leucócitos, iniciando um processo de reparo de lesão tecidual, enquanto histaminas, prostaglandinas, cininas e K+ produzidas por neutrófilos e macrófagos estimulam as terminações nervosas livres do músculo, instalando a DMIT10,11.
Entre as inúmeras pesquisas com acupuntura (ACP), os efeitos analgésicos são os mais estudados, sendo que algumas buscam respostas para explicar os mecanismos e vias analgésicas mediadas pela ACP12,13, enquanto outros avaliam o consenso dos efeitos terapêuticos in vivo14. Mesmo em áreas específicas como a desportiva, a grande maioria das pesquisas que demonstram os efeitos analgésicos da ACP direcionam para o alívio de dores musculoesqueléticas e/ou doenças osteomusculares15,16.
Na área desportiva, cada vez mais se utiliza a tecnologia em busca de medalhas, superando dia a dia os limites do corpo humano. Entretanto, em paralelo, cresce também o refino dos recursos de avaliação antidoping. As terapias ditas naturistas ou integrativas têm sido investigadas como possibilidades de medicina complementar às intervenções convencionais no âmbito desportivo17. Porém, são escassos os trabalhos que estudam a resposta analgésica aguda (imediata) de intervenções por ACP.
As pesquisas clínico-experimentais com atletas com o uso de ACP são complexas quanto à adesão da população por envolverem variáveis como o medo de que a técnica influencie negativamente o desempenho, e/ou promova mudanças nos padrões físicos e na estabilidade emocional.
Poderia a ACP em uma única aplicação ter uma influência no limiar de percepção dolorosa (LPD) em musculatura submetida a esforços repetitivos?
Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho foi avaliar o LPD imediato e tardio após o estímulo da ACP em uma única aplicação em sujeitos sadios, sedentários, submetidos a esforços repetitivos.
O estudo foi um ensaio clínico-experimental, com perfil de avaliação quantitativa e grupo controle.
Os voluntários foram recrutados por autosseleção (cartazes e convites), compondo inicialmente um grupo de 61 mulheres, sendo que no momento do estudo, as que foram elegíveis perfizeram um total de 47, com idade entre 18 e 55 anos (36,3±10,6).
Os critérios de inclusão foram sexo feminino, sedentárias, sadias, com idade entre 18 e 55 anos. Os critérios de exclusão foram: grávidas, ter ingerido fármaco analgésico, antiespasmódico, anti-inflamatório, miorrelaxantes e anestésicos nas 24 horas antes, durante e até a última coleta dos dados. Ter praticado exercícios físicos para fortalecimento de membros inferiores (MMII) nos últimos 5 dias antes da intervenção, não poderiam ter dores nos MMII, lombares e/ou ciáticos que pudessem interferir na execução do exercício de plantiflexão e dorsiflexão de tornozelo, não ter alteração na sensibilidade periférica e não ser fumante.
Antes da seleção da população do presente estudo, realizou-se um teste piloto com alguns voluntários homens, onde se concluiu que o sexo masculino, em função do alto LPD, seria inadequado à presente pesquisa. A tolerância à pressão do algômetro foi tão alta que dificultou operacionalmente as avaliações, pois foi necessário imprimir muita força sobre o aparelho e o avaliador não conseguia manter adequado o ângulo de leitura da ponteira do equipamento, o que provocou enormes instabilidades inviabilizando a correta leitura.
Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), as voluntárias foram divididas por alocação determinista por alternância sequencial em um dos três grupos, com as seguintes composições: GACP (n=16), Gsham (n=16) e GCRT (n=15). A coleta dos dados da ACP, algometria e exercício de plantiflexão e dorsiflexão, foi realizada nas dependências dos ambulatórios da clínica escola da Faculdade IBRATE de Curitiba.
Primeiramente foi realizada uma avaliação do LPD através do algômetro digital de marca Wagner® modelo FDI, de origem americana, que se constitui em um dinamômetro e que exerce uma pressão sobre uma ponteira de borracha quando tocada na pele em um ângulo de 90º. Todas as voluntárias participaram da avaliação do LPD com esse equipamento.
As voluntárias foram orientadas a informar imediatamente o avaliador quando a pressão fosse suficientemente forte a ponto de gerar desconforto doloroso. Esse valor ficou registrado instantaneamente no visor do algômetro digital, como sendo o LPD expresso em kgf/cm2. Esse procedimento foi realizado por um avaliador externo, profissional da saúde, treinado, que não teve conhecimento sobre a qual grupo cada voluntária pertencia.
Foram coletadas três leituras de cada perna. A partir desses dados, calculou-se a variação percentual do LPD de cada voluntária entre os diferentes momentos dentro de cada grupo e os demais tratamentos estatísticos.
Para a realização das leituras, as voluntárias permaneceram em decúbito ventral na maca para análise em um ponto localizado na panturrilha, no ventre do músculo gastrocnêmio. Na ACP sua localização corresponde ao acuponto B57 (Chengshan), segundo Lian et al.18, ilustrado na figura 1.
Figura 1 Leitura de algometria de pressão no acuponto B57 (Chengshan), no ventre do músculo gastrocnêmio
A primeira avaliação algométrica constituiu o momento pré-tratamento. Na sequência realizou-se o exercício de plantiflexão e dorsiflexão de tornozelo em decúbito dorsal. Utilizou-se o equipamento Reformer do método Pilates, com carga de 24,2kgf/cm². Os exercícios foram padronizados em números de repetições máximas em 1 minuto, ou até a exaustão dentro desse tempo máximo. Entendendo-se por exaustão a capacidade de não sustentar a continuidade do exercício.
Na sequência foi realizada a intervenção, objeto do presente estudo. No GACP, as voluntárias foram agulhadas bilateralmente no acuponto E36 (Zusanli) que se localiza 3 polegadas abaixo da patela, e 1 polegada lateral e distal do tubérculo anterior da tíbia18. Utilizaram-se agulhas filiformes descartáveis marca Arhondin® 0,25x40 mm.
A profundidade foi de 1,5 polegadas e estimulada inicialmente até a sensação “deqi” que corresponde a um formigamento, leve “choquinho” e/ou sensação de peso nas pernas. O tempo de permanência com as agulhas foi de 20 minutos para todos os grupos. Para o Gsham, foi escolhido um local distante medialmente 2 cm do ponto E36. O GCRT não recebeu nenhuma forma de intervenção, permanecendo em repouso na maca pelo mesmo tempo dos demais.
As voluntárias não souberam se estavam recebendo a ACP verdadeira ou sham. A orientação do exercício e as avaliações do número máximo de repetições em um minuto em todos os momentos foram realizadas por uma professora de Educação Física convidada, que não sabia qual o grupo que foi designado cada voluntário, sendo o estudo encoberto por parte do avaliador.
Todas as aplicações foram realizadas por uma fisioterapeuta especialista em ACP. Houve perda de duas voluntárias do Gsham,sendo uma decorrente do não comparecimento e outra pela alta sensibilidade dolorosa à pressão do algômetro na leitura do pós-imediato.
A sequência das coletas de dados e intervenção está resumida no desenho metodológico do estudo, conforme a figura 2.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Tecnologia - IBRATE, sob nº 225/2011.
A algometria de pressão foi realizada nos MMII com 3 leituras do LPD de cada lado, nos momentos antes, depois imediato e depois de 24 horas.
Os dados obtidos foram sujeitos a uma análise exploratória, recorrendo aos métodos gráficos da caixa de bigodes (Box-and-Whiskers) e do caule e folhas(Stem e Leaf) para identificação e expurgo dos outliers que alteravam significativamente os parâmetros de tendência central19. A apreciação da simetria e achatamento das curvas de distribuição foi efetuada através dos valores de Skewness e Kurtosis, respectivamente. A normalidade das distribuições foi confirmada através do teste não paramétrico Kolmogorov-Smirnov, com a correção de Lilliefors.
Posteriormente, e recorrendo à estatística descritiva, foi calculada a média e o desvio padrão das variáveis em estudo para a amostra total e por grupo de estudo considerado. A comparação entre os valores médios obtidos por cada grupo em cada momento de avaliação foi efetuada através do teste One-Way ANOVA, com post-hoc LSD para a comparação das variáveis duas a duas, com nível de significância estabelecido em 5%.
Os resultados da análise estatística foram expressos pelos valores de p dos testes de hipóteses, poder do teste e tamanho do efeito na abordagem de Cohen seguindo as recomendações do estudo de Lindenau e Guimarães20. Os valores de poder do teste One-Way ANOVA foram obtidos a posteriori, considerando o número de sujeitos em cada grupo: no acupuntura (GACP n=16), Sham (Gsham n=16) e controle (GCRT n=15) um tamanho de efeito f de 1,29 e um nível de significância de 5%. O poder do teste foi calculado no software G*Power (G*Power, Version 3.0.10, Universität Kiel, German)21, enquanto que as demais análises foram realizadas utilizando o programa estatístico SPSS versão 20.0.
Na tabela 1 podem ser observados os valores médios (± DP) da idade e do LPD (kgf/cm2) relativos a cada grupo, em cada momento de avaliação.
Tabela 1 Valores médios (± desvio padrão) da idade e do limiar de percepção dolorosa (Kgf/cm2) por algometria nos três grupos em cada momento
Momentos de avaliação | |||||
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Grupos | n | Média de idade (anos) | Pré-tratamento | Pós-imediato | Após 24 horas |
GACP | 16 | 35,63±11,40 | 5,91±1,74 | 6,69±2,11 | 6,29±1,84 |
Gsham | 12 | 39,83±7,79 | 6,10±0,51 | 6,05±0,76 | 6,10±0,86 |
GCRT | 15 | 34,93±11,20 | 7,43±1,30 | 6,80±1,79 | 6,54±1,91 |
A comparação da variação percentual do LPD (kgf/cm2) revelou diferenças significativas entre os grupos, do momento pré-tratamento para o momento pós-imediato (F=8,123, p=0,001, poder do teste: 80,2%); e do momento pré-tratamento para o momento pós-24 horas (F=4,217, p=0,022, poder do teste: 75,3%) (Figura 3). Os resultados obtidos não evidenciaram diferenças significativas na idade entre os grupos estudados.
Figura 3 Variação percentual do limiar de percepção dolorosa (Kgf/cm2) de cada grupo ao longo dos três momentos de avaliaçãoGACP = acupuntura; Gsham = Sham; GCRT = controle.*p<0,05.
Ao comparar os grupos dois a dois com relação à variação percentual, o GACP apresentou aumento significativo do LPD no momento imediato quando comparado ao Gsham (p=0,021; tamanho do efeito: 0,87) e ao GCRT (p<0,001; tamanho do efeito: 1,29). Do momento pré-tratamento para o após 24 horas, o GACP apresentou aumento significativo em relação ao GCRT (p=0,006; tamanho do efeito: 0,94). O Gsham e o GCRT não apresentaram diferença significativa entre si em nenhum dos momentos.
Observando os resultados, constatou-se que uma única intervenção por ACP no ponto E36 realizada durante 20 minutos foi capaz de aumentar de maneira significativa o LPD, no momento imediato à aplicação, perdurando após 24 horas. Esses resultados vão ao encontro das pesquisas de Itoh, Minakawa e Kitakoji22, que utilizando o algômetro de pressão também concluíram que a ACP foi capaz de aumentar o LPD da fáscia muscular.
A ACP é reconhecida pela capacidade analgésica, que libera inúmeras substâncias neuroendógenas capazes de bloquear a condução do processo doloroso em seus diferentes níveis23,24. Como, para fins de pesquisa, induzir a dor em indivíduos saudáveis é antiético, uma alternativa, portanto, é avaliar o quanto a ACP pode bloquear a percepção a um determinado desconforto.
A algometria de pressão (dolorimetria) é capaz de quantificar a percepção dolorosa do sujeito a partir da sensibilização dos nociceptores25, sendo uma referência indireta de avaliação da dor26. No caso do presente estudo, o desconforto avaliado foi a pressão mecânica exercida pela ponteira do algômetro.
Estudos de Erthal et al.27 demonstraram os efeitos antinociceptivos do mesmo ponto de ACP estudado neste trabalho, só que com o uso do laser em cobaias, com dor induzida por fármacos. O resultado encontrado na presente pesquisa está em concordância com o referido estudo, embora com circunstâncias diferentes.
Nos resultados, observou-se que as voluntárias que não receberam agulhamento (GCRT) apresentaram variações negativas da diferença média entre o LPD ocorrida no pré-tratamento quando comparado ao pós-tratamento (imediato e pós-24 horas), indicando que estavam menos tolerantes à pressão depois do exercício, o que não ocorreu no GACP.
A justificativa encontrada para esse resultado sugere que além da exigência da musculatura envolvida pelo exercício proposto somam-se o estresse mecânico sobre as terminações nervosas e nociceptores, pertinente à sensibilização dos receptores de pressão existentes na superfície dos tecidos25. É conveniente lembrar que houve transferência de carga da ponteira de borracha do algômetro sobre a pele, por várias vezes no mesmo ponto. Considerando que essas variáveis foram iguais entre todos os sujeitos, sugere-se que alguma substância antinociceptiva, de efeito e/ou liberação imediata, tenha sido produzida em maior quantidade no GACP do que nos demais grupos.
A seleção de voluntárias mulheres mostrou-se adequada neste estudo e vem ao encontro de Chesterton et al.28, que pesquisando o comportamento de percepção dolorosa com algômetro em diferentes gêneros concluiu que as mulheres têm menor LPD que os homens.
O local escolhido para a avaliação do LPD coincide com o ponto B57 de ACP. Ele foi selecionado por coincidir com um ponto gatilho, tornando-o altamente sensível à pressão12,29, além de possuir um músculo amplamente requisitado no exercício e cargas propostos. Bonfim et al.30 utilizaram também essa região para a avaliação do LPD com o algômetro após exercícios envolvendo a mesma musculatura, porém em posição ortostática.
Os resultados encontrados na presente pesquisa sugerem que o acuponto B57 é adequado para estudos de LPD com algômetro de pressão, em especial para exercícios envolvendo a musculatura de panturrilha.
Quanto à aplicabilidade dos resultados encontrados no presente estudo é possível recomendar a ACP em dores musculoesqueléticas decorrentes de traumas mecânicos, esforço repetitivo e fadiga muscular, onde o indivíduo precisa voltar a exercitar-se em curto período. Lembrando que a liberação de opioides endógenos faz uma consequente diminuição na percepção dolorosa31, bem como outras substâncias já estudadas que têm prováveis efeitos ergogênicos32.
Essa recomendação corrobora também os estudos relatados na literatura que abordaram especificamente o uso da ACP em melhoras de sintomas dolorosos em musculatura submetida à exaustão física17. Seguindo essa linha de pensamento, autores como Zhu, Arsovska e Kozovska15, com um trabalho de natureza clínica, demonstraram que a ACP promoveu analgesia além de efeitos relaxantes da tensão muscular em atletas profissionais.
Na área de acupuntura, a qualidade estatística ainda é incipiente pois a grande maioria dos estudos carece de aprofundamentos estatísticos, razão que dificulta comparações com outros estudos. Os melhores resultados deste estudo foram quando se comparou o grupo que recebeu acupuntura com aquele que não recebeu nenhum estímulo (controle), com um especial e representativo ganho na avaliação do pós-imediato, cujo poder do teste ultrapassou 80%, mínimo desejável na área de saúde.
Como limitações deste estudo, tem-se o fato de ter sido realizado em uma população exclusivamente feminina por questões de limites metodológicos, bem como não poder estender os resultados para benefícios na DMIT, uma vez que ela atinge seu pico de 24 a 72 horas, e a avaliação do presente estudo foi somente até 24 horas.
Diante dos resultados, este estudo concluiu que uma única intervenção por ACP no ponto E36 realizada durante 20 minutos foi capaz de aumentar de maneira significativa o LPD no momento imediato após sua aplicação, perdurando após 24 horas, em mulheres sadias, sedentárias, submetidas a exercício de plantiflexão e dorsiflexão de tornozelo.