versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.42 no.4 São Paulo jul./go. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562015000000290
Os mecanismos fisiopatológicos associados à DPOC são largamente expiratórios e de natureza obstrutiva. Entretanto, suas consequências são inspiratórias e elásticas.1 Em outros termos, a limitação ao fluxo expiratório e o resultante aprisionamento aéreo e/ou hiperinsuflação pulmonar tendem a elevar os volumes pulmonares operantes, reduzindo assim as reservas volumétricas para a inspiração.2 Nos testes de função pulmonar, tais anormalidades frequentemente traduzem-se em reduções da fração inspiratória - menor razão da capacidade inspiratória (CI) pela CPT3,4 - e reserva inspiratória relativa menor - [1 − (volume pulmonar inspiratório final (VPIF)/CPT)]5 - comparativamente a indivíduos normais. Como a consequente redução da complacência dinâmica eleva os volumes pulmonares operantes, piorando a dissociação neuromecânica e a dispneia,6 entende-se a importância clínica das medidas de fração e de reserva inspiratórias em pacientes com DPOC.
Nesse contexto, a DPOC associa-se com diversas comorbidades capazes de influenciar os volumes pulmonares e suas complexas inter-relações. Entre elas, destaca-se, pela elevada prevalência e pelo impacto na morbidade e mortalidade, a insuficiência cardíaca crônica (ICC) com fração de ejeção reduzida.7-9 Diversos estudos demonstraram que congestão pulmonar crônica, espessamento septal, fraqueza muscular inspiratória e efeitos compressivos da cardiomegalia frequentemente reduzem a CI em pacientes com ICC.10-12 Entretanto, como tanto a CPT quanto o volume corrente (VC) podem modificar-se variavelmente,13-16 fração e reserva inspiratórias podem ser influenciadas de forma distinta entre pacientes. Assim, se tais consequências da ICC também forem observadas em pacientes com a sobreposição DPOC+ICC, assim como se o volume pulmonar expiratório final (VPEF) e VPIF permanecerem estáveis,17 a fração e a reserva inspiratórias seriam mais comprometidas nesses pacientes do que naqueles com DPOC isolada. Alternativamente, decréscimos do VPEF (por exemplo, induzidos por recrutamento da musculatura abdominal expiratória ou aumento da retração elástica) e/ou VPIF (menor VPEF com ou sem redução do VC)15 poderiam preservar a fração e a reserva inspiratórias a despeito de menor CPT em pacientes com DPOC+ICC. Como nenhum estudo prévio parece ter abordado tais questões, permanece uma substancial lacuna no conhecimento acerca das interações mecânicas entre DPOC e ICC e suas consequências nos volumes disponíveis para a expansão inspiratória na sobreposição de ambas as doenças.
Portanto, o objetivo do presente estudo foi comparar a fração e a reserva inspiratórias e seus determinantes entre um grupo cuidadosamente selecionado de pacientes com DPOC+ICC e outro com DPOC isolada. Raciocinou-se que a caracterização do efeito da ICC nesses marcadores fisiológicos chave da DPOC avançaria o entendimento das possíveis restrições mecânico-ventilatórias10 enfrentadas por pacientes com a sobreposição DPOC+ICC.
No presente estudo transversal com coleta consecutiva foram incluídos todos os pacientes consecutivos que realizaram pletismografia de corpo inteiro entre fevereiro de 2012 e março de 2014 no ambulatório de DPOC+ICC do Setor de Função Pulmonar e Fisiologia Clínica do Exercício da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em São Paulo (SP), e que eram caracterizados por VEF1/CVF < 0,7 e fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 45%. Os pacientes haviam sido previamente recrutados a partir do Ambulatório de Miocárdio da mesma instituição e do Ambulatório de Disfunção Ventricular Esquerda do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC), também em São Paulo (SP). O grupo DPOC (VEF1/CVF < 0,7 e FEVE > 45%) foi recrutado no Ambulatório de DPOC da UNIFESP. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idade superior a 45 anos e carga tabágica acima de 10 maços-ano. Todos os pacientes foram acompanhados pelo mesmo cardiologista e pneumologista, recebendo avaliação clínica padronizada e esquema terapêutico otimizado para ambas as doenças. Foram excluídos pacientes com presença de exacerbação da DPOC e/ou descompensação da ICC durante o mês anterior à seleção, assim como aqueles com angina instável. O estudo foi aprovado pelos Comitês de Éticas em Pesquisa da UNIFESP (n. 19595) e do IDPC (n. 68612).
Espirometria, com manobras forçadas e lentas, e pletismografia de corpo inteiro foram realizadas com o pletismógrafo Platinum Elite(tm) (MGC Diagnostics Corp., St. Paul, MN, EUA), seguindo as recomendações vigentes.18,19 Foram obtidas as seguintes variáveis: VEF1; CVF; capacidade vital lenta (CVL); CPT; VR; volume de gás torácico, considerado aqui equivalente à capacidade residual funcional (CRF); VC (média de três respirações prévias à inspiração precedente à manobra de CVL); e CI. Todas as variáveis foram medidas em litros. A partir dessas variáveis, foram calculados o VPIF (CRF + VC), o volume de reserva inspiratória (VRI = CPT − VPIF) e o volume de reserva expiratória (VRE = CRF − VR).19 Os valores de referência foram aqueles obtidos em uma amostra da população brasileira adulta.20,21 Os valores registrados para análise no presente estudo foram aqueles obtidos 20 min após a administração de 400 µg de salbutamol por via inalatória.
O programa estatístico utilizado foi o IBM SPSS Statistics, versão 21.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). O teste utilizado para verificar a normalidade dos dados foi o teste de Kolmogorov-Smirnov. Os dados foram apresentados em média e desvio-padrão. Para contrastar os resultados entre os grupos, foi utilizado o teste t para amostras independentes. O teste do qui-quadrado foi utilizado para avaliar as diferenças entre os grupos para as variáveis qualitativas. O nível de significância estatística foi estabelecido em p < 0,05 para todos os testes.
Foram inicialmente considerados elegíveis para o presente estudo 86 pacientes (41 pacientes no grupo DPOC+ICC e 45 no grupo DPOC). Após a exclusão dos pacientes instáveis clinicamente e aqueles incapazes de realizar os testes de função pulmonar avançada ou com testes tecnicamente inadequados, 24 pacientes com DPOC+ICC (23 homens) e 32 pacientes com DPOC (28 homens) foram incluídos.
Os indivíduos dos grupos DPOC+ICC e DPOC apresentaram idade (66 ± 9 vs. 64 ± 6 anos), índice de massa corpórea (26,5 ± 3,7 vs. 24,9 ± 4,1 kg/m2) e carga tabágica (51,7 ± 26,4 vs. 54,3 ± 38,2 maços-ano) semelhantes. Como esperado, a FEVE foi significativamente menor no grupo DPOC+ICC em comparação ao grupo DPOC (33 ± 7% vs. 68 ± 4%; p < 0,01). A principal etiologia da ICC foi miocardiopatia isquêmica (n = 13) seguida por etiologia idiopática (n = 6). A maioria dos pacientes no grupo DPOC+ICC estava sob tratamento com inibidor da enzima conversora de angiotensina ou bloqueador do receptor de angiotensina (n = 21), diuréticos (n = 20) e betabloqueadores (n = 18). Não houve diferença significativa na frequência de uso de broncodilatador de longa duração e/ou de corticosteroide inalatório (p > 0,05).
Conforme demonstrado na Tabela 1, os pacientes no grupo DPOC+ICC apresentaram maior VEF1, mas CVF e CVL similares aos dos pacientes do grupo DPOC. Dessa forma, as razões VEF1/CVF e VEF1/CVL foram maiores no grupo DPOC+ICC (p < 0,05). Por outro lado, todos os principais volumes "estáticos" (VR, CRF e CPT) foram menores nesse grupo quando comparados aos do grupo DPOC. No grupo DPOC, a CRF apresentou uma redução maior do que o VR, determinando assim um menor VRE no grupo DPOC+ICC. Houve uma redução relativamente proporcional da CRF e da CPT; logo, a CI foi similar entre os grupos (p > 0,05; Tabela 1 e Figura 1A). A similaridade da CI frente a uma menor CPT determinou maior fração inspiratória (CI/CPT) no grupo DPOC+ICC (p < 0,05; Tabela 1 e Figura 1B). Interessantemente, os pacientes do grupo DPOC+ICC utilizaram apenas parte da maior fração inspiratória disponível. Assim, a despeito de uma maior razão VC/CI, o VRI e a reserva inspiratória relativa - [1 − (VPIF/CPT)] - foram similares entre os dois grupos (p < 0,05; Tabela 1 e Figura 1B).
Tabela 1 Características funcionais dos pacientes com DPOC isolada e aqueles com DPOC associada à insuficiência cardíaca crônica.a
Variáveis | Grupos | |
---|---|---|
DPOC | DPOC+ICC | |
(n = 32) | (n = 24) | |
Espirometria forçada e lenta | ||
VEF1, l | 1,33 ± 0,55 | 1,78 ± 0,53* |
VEF1, % previsto | 48,5 ± 18,2 | 58,4 ± 16,0* |
CVF, l | 2,81 ± 0,67 | 2,90 ± 0,57 |
VEF1/CVF | 0,46 ± 0,12 | 0,60 ± 0,10* |
CVL, l | 3,05 ± 0,70 | 3,12 ± 0,53 |
VEF1/CVL | 0,43 ± 0,14 | 0,57 ± 0,10* |
VC, l | 0,81 ± 0,20 | 1,04 ± 0,34* |
CI, l | 2,27 ± 0,52 | 2,34 ± 0,55 |
FEF25-75%, l/s | 0,61 ± 0,44 | 1,00 ± 0,51* |
Pletismografia corporal | ||
CPT, l | 6,71 ± 1,10 | 5,91 ± 0,84* |
CPT, % previsto | 108,9 ± 16,6 | 89,3 ± 15,5* |
CRF, l | 4,42 ± 1,10 | 3,45 ± 0,79* |
CRF, % previsto | 132,4 ± 28,5 | 104,4 ± 35,2* |
VR, l | 3,36 ± 0,80 | 2,78 ± 0,79* |
VR, % previsto | 165,4 ± 44,8 | 131,6 ± 42,6* |
VPIF, l | 5,13 ± 1,25 | 4,52 ± 0,99 |
VRI, l | 1,60 ± 0,61 | 1,43 ± 0,51 |
VRE, l | 0,99 ± 0,58 | 0,68 ± 0,43* |
sRaw, cmH2O/s | 19,17 ± 14,80 | 11,02 ± 10,52* |
Razões | ||
VPIF/CPT | 0,75 ± 0,10 | 0,75 ± 0,09 |
VC/CI | 0,35 ± 0,12 | 0,44 ± 0,14* |
CI/CPT | 0,36 ± 0,10 | 0,43 ± 0,10* |
VR/CPT | 0,50 ± 0,08 | 0,46 ± 0,08 |
FEF25-75%/CVF | 0,22 ± 0,11 | 0,34 ± 0,14* |
FEF25-75%/CPT | 0,11 ± 0,07 | 0,18 ± 0,07* |
ICC: insuficiência cardíaca crônica; CVL: capacidade vital lenta; VC: volume corrente; CI: capacidade inspiratória; CRF: capacidade residual funcional; VPIF: volume pulmonar inspiratório final; VRI: volume de reserva inspiratória; VRE: volume de reserva expiratória; sRaw: resistência específica de vias aéreas. aValores expressos em média ± dp. *p < 0,05 (teste t para amostras independentes).
Figura 1 Volumes e capacidades pulmonares expressos em valores absolutos (em A) e corrigidos para diferenças na CPT (em B) em pacientes com DPOC isolada e DPOC associada à insuficiência cardíaca crônica (ICC). VRE: volume de reserva expiratória; VC: volume corrente; VRI: volume de reserva inspiratória; CRF: capacidade residual funcional; VPIF: volume pulmonar inspiratório final; e CI: capacidade inspiratória. *p < 0,05 (teste t para amostras independentes).
Este parece ter sido o primeiro estudo transversal com coleta prospectiva comparando fração e reserva inspiratórias - CI/CPT e [1 − (VPIF/CPT)], respectivamente3-5 - e seus determinantes entre pacientes com DPOC+ICC e DPOC isolada. Nossos principais resultados indicam que, pacientes com DPOC+ICC, comparativamente àqueles com DPOC isolada: a) apresentaram maior redução relativa da CRF do que da CPT e do VR; b) consequentemente, a CI não diferiu entre os grupos, mas a fração inspiratória (CI/CPT) aumentou; c) pacientes com DPOC+ICC utilizaram apenas parte da maior fração inspiratória disponível, já que a reserva inspiratória relativa - [1 − (VPIF/CPT)] - foi similar entre os dois grupos. Portanto, nossos resultados indicam que, apesar dos efeitos restritivos da ICC, houve não somente uma elevação relativa dos limites inspiratórios (maior fração inspiratória),3,4 mas uma admirável utilização judiciosa desses limites já que um VRI "crítico" foi preservado,2,22 ou seja, uma mesma reserva inspiratória relativa.
As últimas duas décadas trouxeram notáveis avanços no entendimento do papel crucial da regulação precisa dos volumes pulmonares operantes com o objetivo de reduzir as demandas metabólicas da ventilação e a sensação de dispneia em pacientes com DPOC.2 O presente estudo adiciona um elemento original a essa linha de raciocínio: mesmo na presença de comorbidades associadas com redução dos volumes pulmonares estáticos (ICC),13-16 nossos achados indicam que permanece aparentemente intacta a regulação precisa de uma "reserva teleinspiratória segura" da capacidade máxima de operação mecânica do sistema, ou seja, a CPT. 23,24 Embora nossos pacientes não tenham sido avaliados durante o exercício, tal estratégia sugere que ambos os grupos apresentavam as mesmas reservas inspiratórias a serem consumidas, ou exauridas, caso expostos a maiores demandas ventilatórias.2,23,24 A ausência de medidas diretas de trabalho respiratório não nos permite assegurar, entretanto, que os menores volumes pulmonares operantes na DPOC+ICC seriam suficientes para suplantar a provável elevação do trabalho elástico associada com a ICC.10
Os mecanismos fisiológicos subjacentes ao ajuste preciso da reserva inspiratória em pacientes com DPOC permanecem largamente desconhecidos. Chama a atenção, entretanto, a notável natureza relativa (isto é, fracional) desse ajuste, ou seja, o VC expande-se somente até o ponto exato em que ainda seja mantida uma reserva inspiratória "crítica"2,23,24 - mesmo que ainda exista espaço para elevações adicionais. De fato, Faisal et al. recentemente demonstraram que tal ajuste permanece preciso em doenças fisiológica e estruturalmente opostas (DPOC e doença intersticial pulmonar).25 Como o sistema respiratório define com precisão esse limiar parece envolver alguma noção (adquirida por experiência? inata?) da capacidade máxima disponível. Claramente, evita-se o preço de um excessivo trabalho elástico.24 Apesar de desconhecermos o quanto a combinação entre DPOC e ICC efetivamente aumenta o volume do espaço morto (VEM), essa é uma hipótese plausível, já que poderia haver uma redução da perfusão pulmonar em áreas com ventilação relativamente preservada.26 Logo, com o intuito de reduzir a fração desperdiçada no espaço morto, faz sentido que o VC seja algo maior nesses pacientes. Assim, é possível que os limites para elevação do VC (com concomitante redução da razão VEM/VC) também sejam humoralmente determinados, ou seja, o VC apropriado para reduzir a razão VEM/VC, permitindo assim variações mínimas da PaCO2 próximas ao seu ponto de ajuste central (set-point ).27 De fato, como a PaCO2 pode ser regulada em valores discretamente menores na DPOC+ICC, a regulação dinâmica da razão VEM/VC parece ser de particular relevância para esses pacientes.
Um ajuste de crucial relevância para o entendimento de nossos achados foi a redução da CRF. De fato, como a redução da CRF sobrepujou os decrementos do VR, houve uma diminuição significativa do VRE. Confirma-se assim a premissa de que, no intuito de manutenção do VC e da reserva inspiratória, pacientes com DPOC optam por pagar o preço de aproximar-se dos volumes expiratórios máximos - ainda que isso potencialmente piore a eficiência da troca gasosa pulmonar e reduza as reservas de fluxo. Deve-se atentar, entretanto, para o fato de que a ICC provavelmente eleva a retração elástica pulmonar e, particularmente no exercício, o fluxo expiratório médio.10 Logo, pelo menos em pacientes estáveis, é possível que as menores reservas de fluxo não se associem necessariamente com uma maior limitação ao fluxo expiratório em pacientes com DPOC+ICC. As razões subjacentes à redução relativamente maior da CRF permanecem obscuras, podendo incluir: a) atividade tônica aumentada da musculatura abdominal expiratória28,29; b) menor obstrução de pequenas vias aéreas, que podem ser particularmente relevantes para determinar o volume de equilíbrio em pacientes com DPOC28; e c) efeito da maior taxa de fluxo expiratório, assim como da cardiomegalia,30 em aumentar a taxa de esvaziamento das unidades com constantes de tempo maiores, ou seja, aquelas que afetam particularmente os volumes pulmonares "inferiores" (próximos ao VR). Como o índice de massa corpórea não diferiu entre os grupos (e nenhum paciente apresentava ascite), não parece aplicável a hipótese de que a menor CPT tenha refletido maior sobrepeso e/ou obesidade no grupo DPOC+ICC.31 Deve-se, ainda, observar que o grupo DPOC+ICC apresentou volumes pulmonares próximos da normalidade, enquanto o grupo DPOC apresentou, como esperado, valores aumentados. Assim, assumindo-se que a ICC seja mais comumente um evento incidente (do que prevalente),32) é provável que a ICC leve a uma "pseudonormalização" dos volumes estáticos na DPOC. Entretanto, estudos longitudinais são necessários para testar essa hipótese.
Qual a aplicabilidade clínica dos nossos resultados? A notável manutenção da reserva inspiratória nos pacientes com DPOC+ICC demonstra que se torna particularmente crítica a manutenção de uma adequada CI que se inicie de um menor VPEF nesses pacientes. Logo, mesmo que menos hiperinsuflados (menor CPT) do que seus congêneres com DPOC isolada, a redução do aprisionamento aéreo parece ser fundamental para o infradeslocamento dos volumes pulmonares operantes. Em outras palavras, torna-se mister para esses pacientes a otimização da terapia broncodilatadora para que esta seja efetivamente capaz de aumentar a CI e reduzir a razão VPEF/CPT. Adicionalmente, parece evidente que mecanismos suplementares de redução da CPT (derrame pleural, congestão, fraqueza muscular inspiratória e obesidade mórbida)10-12 devem, se possível, ser minorados, restaurando assim limites inspiratórios máximos já comprometidos.
O presente estudo tem algumas importantes limitações que devem ser consideradas. O número total de pacientes avaliados foi relativamente pequeno se comparado com grandes estudos retrospectivos epidemiológicos. Entretanto, deve-se atentar para as particularidades da presente investigação: os pacientes foram cuidadosamente otimizados do ponto de vista clínico antes dos testes de função pulmonar por meio de atividade coordenada e consensual entre o cardiologista e o pneumologista. Assim, diversos fatores de confusão foram evitados, incluindo obstrução e aprisionamento aéreo, secundários ao edema pulmonar e à compressão de pequenas vias aéreas em pacientes instáveis com ICC. Adicionalmente, os resultados aqui apresentados referem-se à pletismografia pós-broncodilatador. Assim, nossos resultados provavelmente fornecem um retrato da melhor função pulmonar possível desses pacientes. Uma crítica adicional poderia se referir aos maiores valores de VEF1 e VEF1/CVF no grupo DPOC+ICC, isto é, tais pacientes seriam menos "obstruídos" do que aqueles do grupo DPOC. De fato, não podemos afastar a possibilidade de um viés de seleção a favor dos pacientes menos graves que foram capazes de realizar adequadamente a pletismografia corporal. Entretanto, o pareamento pelo VEF1 é extremamente complexo nesses pacientes. Guder et al. argumentaram que a ICC tende a superestimar a gravidade da DPOC (como determinada pelo VEF1) devido aos menores volumes pulmonares.17 Por outro lado, a elevação dos fluxos aéreos devido ao aumento da retração elástica induzida pela ICC33-35 tenderia a elevar o VEF1. Como complicador adicional, os efeitos funcionais da ICC podem ser influenciados pela predominância relativa de enfisema ou de doença das vias aéreas (bronquite crônica). No presente estudo, a razão VR/CPT não diferiu entre os grupos, sugerindo algum grau de comparabilidade entre os mesmos apesar das diferenças de VEF1. Trabalhos adicionais são necessários para definir a melhor conduta relativa ao pareamento funcional de pacientes com DPOC+ICC e aqueles com DPOC isolada.
Em conclusão, apesar dos importantes efeitos restritivos da ICC (menor CPT), reduções da CRF e do VRE preservaram a CI e elevaram a fração inspiratória (CI/CPT) em pacientes com DPOC+ICC. Entretanto, os pacientes utilizam apenas parte dessa maior fração inspiratória com o intuito de preservar um VRI "crítico", possivelmente com o intuito de minorar o trabalho elástico e, consequentemente, a sensação de dispneia. O presente estudo lança as bases para futuras investigações, cotejando esses achados funcionais de repouso com as respostas mecânico-ventilatórias e sensoriais no exercício de pacientes com DPOC+ICC.