versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.1 Rio de Janeiro jan. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014191.2048
The scope of this study was to evaluate the influence of the social determinants and the provision of primary care services in relation to the use of emergency dental care services in a medium-sized municipality. Data recorded for the 57,231 users of emergency care between 2007 and 2009, in accordance with age, gender, date and period of dental care, social exclusion indices of the suburb in which they live and the existence of a benchmark oral health team, were used to perform the analysis. Of the total population, 5.24% on average per year used the service during the period under scrutiny, with the 20-49 year age group (63.84%) showing the highest demand and equality between genders for such care. Surgical procedures (54.90%) were the most prevalent with an increasing trend for restorative procedures (62,8%). Users living in areas of greater social exclusion were 4.15 times more likely to seek dental care (p < 0.05). No statistically significant association was found between gender or the existence of an oral health team of the suburb in which they live and the demand for emergency dental care. In conclusion, there was greater recourse to emergency municipal dental care by individuals living in vulnerable areas, proving the importance of such care in diminishing oral health inequality.
Key words: Oral health; Emergencies; Epidemiology
O modelo hierarquizado de atenção à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) preconiza que as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e de Saúde da Família (USF) atuem como "porta de entrada" a todo sistema. Além disso, segundo as Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), o modelo de atenção que se propõe no país visa, entre outros objetivos, garantir o atendimento de urgência na atenção básica e assegurar cuidados complementares a esses casos em outras unidades de saúde (pronto atendimento, pronto socorro e hospital), a fim de se proporcionar a integralidade nas ações de saúde bucal1.
Apesar das urgências odontológicas destinarem-se principalmente ao alívio da dor, devolução da estética e restabelecimento da função mastigatória ao paciente2 verifica-se, na prática, que os serviços de pronto atendimento odontológico têm sido sobrecarregados pelo aporte volumoso de pacientes com casos de menor complexidade, que poderiam ser atendidos nos níveis básicos de atenção à saúde e, desta forma, transformam com frequência o pronto atendimento na principal "porta de entrada" do sistema3,4.
Além das necessidades percebidas pela população para alívio da dor ou desconforto, outro fator que pode contribuir para uma maior procura por estes serviços relaciona-se à falta de organização ou a precarização dos sistemas de atenção básica. Nestes casos, os serviços de urgência/emergência acabam por absorver as necessidades dessa população.
Em que pese esta temática ser de extrema importância para a organização dos serviços de saúde bucal, verifica-se na literatura nacional que as pesquisas neste campo foram realizadas majoritariamente em serviços de urgência ligados às faculdades de Odontologia5-10 e focadas principalmente nos tipos de procedimentos feitos em cada local.
Entretanto, essas instituições apresentam horários de funcionamento, lógica de organização e expectativas dos usuários distintas das encontradas nos serviços de pronto atendimento odontológico municipal, o que cria um viés de análise em relação à demanda e à equidade da organização do serviço11.
Desta forma, mesmo que vários municípios brasileiros apresentem serviços de pronto atendimento odontológico municipal, percebe-se na literatura e nos dados governamentais uma escassez de informações referentes à caracterização da demanda e de variáveis sociodemográficas associadas à procura por serviços públicos municipais, informações importantes para os gestores avaliarem a qualidade da atenção odontológica prestada pela rede de serviços.
A partir do exposto e considerando-se a escassez de estudos nacionais sobre o tema, o presente estudo objetivou avaliar, a partir de dados secundários de registro na unidade, a influência da organização da atenção básica e das características sociodemográficas da população na procura pelo serviço de pronto atendimento odontológico, em um município de médio porte, entre os anos de 2007 a 2009.
O estudo foi desenvolvido na cidade de Piracicaba (SP), a qual possui 364.872 habitantes12, distribuídos em 62 bairros na área urbana que compreende 97,3% da população13. A rede pública de saúde do município é formada por 34 Unidades de Saúde da Família e 23 Unidades Básicas de Saúde, 01 Centro de Especialidades Médicas, 02 Centros de Especialidades Odontológicas, 04 Unidades de Pronto Atendimento Médico, 01 Unidade de Pronto Atendimento de Ortopedia e Traumatologia, 01 Unidade de Pronto Atendimento Odontológico, 01 Policlínica e 02 Hospitais de referência. O serviço odontológico no município está inserido em 12 Unidades de Saúde da Família módulo I (cirurgião dentista e auxiliar) e em 17 Unidades Básicas de Saúde. O Pronto Atendimento Odontológico do município conta com dois consultórios, atendendo nos dias úteis das 8:00 às 21:00 horas e nos feriados e finais de semana das 8:00 às 18:00 horas. Os usuários são atendidos por ordem de chegada, sem avaliação do risco.
Foram utilizados dados secundários, extraídos dos registros dos usuários que procuraram pelo Serviço de Pronto Atendimento Odontológico de Piracicaba, no período de 1 de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2009, perfazendo um total de 58.189 registros avaliados.
Como critério de inclusão avaliaram-se as fichas de todos os usuários que procuraram pelo serviço, sendo excluídas aquelas com dados incompletos ou indivíduos residentes na zona rural. Os dados foram obtidos por meio do Sistema de Informação sobre urgências odontológicas da prefeitura em planilha específica. Foram anotados os dados de todos os usuários, segundo a idade, o local de residência, o sexo, a data, o período da consulta (manhã, tarde ou noite) e o tipo de procedimento (cirúrgico, restaurador, protético, endodôntico ou outros).
Além disso, os usuários foram classificados segundo os bairros de procedência e respectivos índices de exclusão social, dados estes que foram disponibilizados pelo Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba (IPPLAP)13. O índice apresenta uma variação numérica de -1 a 1, que classifica os indivíduos em categorias variando de A (menor exclusão, valor igual a 1) a E (maior exclusão, valor igual a -1).
As associações entre a variável de desfecho (procura pelos serviços de urgência) e as variáveis independentes (sexo, iíndice de exclusão social do bairro, relação de equipes de saúde bucal na área de residência) foram avaliadas inicialmente pelo teste de Qui-quadrado e Odds ratio bruto com o respectivo intervalo de confiança de 95%. As variáveis com p>0,20 na análise bivariada foram testadas em uma análise de regressão logistica múltipla, permanecendo no modelo aquelas com p<=0,05. As análises foram realizadas no programa de estatística SAS (SAS Institute Icn., Cary, NC, USA, Release 9.2, 2008).
Das 58.189 fichas iniciais, foram analisados 57.231 registros, após as exclusões. A Tabela 1 apresenta o número de usuários atendidos no Pronto Atendimento Odontológico e a representatividade em relação à população estimada do município entre os anos de 2007 a 2009.
Verificou-se ao longo dos 3 anos avaliados que, na média, 5,24% da população estimada do município procurou pelo serviço. Apesar da taxa geométrica de crescimento anual da população prevista para o município pela Fundação SEADE indicar um aumento da ordem de 1,04% ao ano15, a procura pelo serviço não apresentou diferença estatisticamente significativa em relação à população estimada.
Em relação aos procedimentos executados no Pronto Atendimento Odontológico, os mesmos foram agrupados nas seguintes categorias: cirúrgicos (extrações, pequenas cirurgias e drenagens de abscessos); restauradores (restaurações provisórias e em alguns casos definitivas); terapia pulpar (procedimentos de acesso à polpa); e, outros procedimentos (periodontais e protéticos) como apresentados na Tabela 2.
Foram computados, no período, um total de 55.168 procedimentos agrupados em cirúrgicos (54,90%), restauradores (24,60%), endodônticos (17,10%) e periodontais, protéticos e outros (3,30%). Esses resultados (Tabela 2) representaram uma taxa de 96,50% de procedimentos realizados em relação ao total de usuários atendidos, sendo necessário esclarecer que, a diferença entre os 57.231 atendimentos e 55.168 procedimentos são relacionados à consulta odontológica tais como medicação, encaminhamentos ou orientações, os quais não foram computados. Observou-se também uma inversão durante o período 2007 a 2009 na porcentagem de procedimentos cirúrgicos em relação aos restauradores. Os procedimentos de terapia pulpar apresentaram pouca alteração.
A média de atendimentos realizados entre os anos de 2007 a 2009 em função da faixa etária e do sexo da população atendida é apresentada na Tabela 3.
Houve um equilíbrio entre a procura pelos serviços do pronto atendimento odontológico entre os sexos masculino (50,80%) e feminino (49,20%) nas diferentes faixas etárias. Em relação à essas, a maior procura concentrou-se entre as idades de 20-49 anos, com 63,85% do total. As outras faixas etárias representaram 36,15% dos atendimentos realizados (Tabela 3).
A Tabela 4 apresenta dados relativos à distribuição das consultas segundo os dias da semana e períodos do dia. Observou-se uma procura maior pelo serviço nos períodos da tarde, durante os dias úteis e, no período da manhã, nos finais de semana e feriados, com uma relativa estabilidade na procura pelo serviço segundo o período do dia no decorrer dos 3 anos.
Apesar de não constar na Tabela 4, o dia de maior procura foi a segunda-feira dentre os dias úteis e, os sábados, dentre os finais de semana. Importante ressaltar que em torno de 19% das consultas nos dias úteis ocorrem no período noturno.
Na Tabela 5 é apresentada a análise de associações entre o sexo, os níveis de exclusão social dos bairros onde os usuários residem e a existência de equipes de saúde bucal na área relacionando com a procura pelo serviço.
Verificou-se que os usuários atendidos no Pronto Atendimento Odontológico provenientes dos bairros classificados com piores índices de exclusão social (C, D e E) apresentaram 4,15 (IC95%:1,28-13,43) vezes mais chance de procurar pelo serviço de pronto atendimento que os usuários provenientes de bairros apresentando melhores condições sociais (A e B) (p = 0,0014).
A existência de equipe de saúde bucal (ESB) não apresentou significância estatística na procura pelo serviço (p = 0,0984), o mesmo acontecendo em relação à procura quanto ao sexo (p = 0,2517), considerando significância estatística para (p < 0,05).
Embora as urgências odontológicas possam ser tratadas por profissionais da atenção básica ou em Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), muitos municípios de médio e grande porte também organizam atendimentos de urgência em serviços denominados de Pronto Atendimento Odontológico (PAO), Serviço de Urgência Odontológica ou Plantões Odontológicos. Este tipo de organização é apoiado pelo Ministério da Saúde, por meio das Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal1, que propõe para o modelo de atenção à saúde bucal no país, entre outros objetivos, garantir o atendimento de urgência na atenção básica e assegurar cuidados complementares a esses casos em outras unidades de saúde (pronto atendimento, pronto socorro e hospital). Tudo isso com a finalidade de se proporcionar a integralidade nas ações de saúde bucal.
Apesar da importância do tema para o planejamento em serviços, o presente estudo é um dos poucos que avaliou o perfil dos usuários atendidos em um serviço de pronto atendimento odontológico municipal, embora existam muitos destes serviços no país. Geralmente, as pesquisas sobre esta temática são realizadas em instituições de ensino ou hospitais públicos6-9. Somando-a isso, é um dos primeiros estudos, senão o único, a avaliar associações entre o perfil dos usuários deste tipo de serviço, relacionar com a área de exclusão onde vivem e a presença de equipes de saúde bucal nas mesmas.
A análise dos dados do período estudado mostrou um coeficiente entre 517 e 529 atendimentos para cada 10.000 habitantes/ano, representando uma procura pelo pronto atendimento odontológico variando de 5,17% a 5,29% em relação à população estimada do município.
Apesar de não haver um parâmetro oficialmente estabelecido para se discutir o que seria razoável na proporção/organização da atenção básica, representada pelo número de equipes de saúde bucal implantadas e a vulnerabilidade do usuário na procura pelos serviços de pronto atendimento odontológico, é importante que o gestor utilize o sistema de informação disponível para estabelecer o perfil da população atendida e, a partir disso, melhorar as ferramentas que auxiliem no planejamento de ações em saúde bucal.
Essa reflexão é importante, pois, embora as principais razões que levam o paciente a buscar atendimento nos serviços de pronto atendimento estejam relacionadas ao alívio da dor, devolução da estética e restabelecimento da função mastigatória10,16-18, muitas vezes o usuário tende a utilizá-lo como sistema ou "porta de entrada" alternativa para obter assistência odontológica, gerando clientela própria e modificando o princípio pelo qual o sistema deve funcionar, qual seja, o pronto atendimento como serviço de referência2,19. Este fato ficou evidenciado no presente estudo, a partir da análise dos dados da Tabela 2. Enquanto houve uma tendência de queda na frequência de procedimentos cirúrgicos entre os anos de 2006 a 2009, na ordem de 20,7%, o inverso ocorreu em relação aos procedimentos restauradores, havendo um aumento na ordem de 62,8%. Por outro lado, o aumento no número de procedimentos restauradores, pode também refletir uma postura de tratamento mais conservadora e menos mutiladora, com a possibilidade de referenciar estes indivíduos para Centros de Especialidade Odontológica do município.
Ainda que estes serviços respeitem as legítimas demandas populares por cuidado20, o controle de usuários que buscam os serviços de urgência como "porta de entrada" é desejável para não sobrecarregar o sistema, além do fato deste serviço não proporcionar, na maioria dos casos, ações de prevenção, tais como detecção e tratamento precoce de agravos bucais. Assim, as tentativas de comparação com outros estudos foram dificultadas pelo fato destes terem sido desenvolvidos em serviços universitários, que geralmente se utilizam de uma divisão didático-acadêmica de procedimentos por especialidade ou por diagnóstico.
A faixa etária da maioria dos usuários que procuraram pelo serviço esteve entre os 20 e 49 anos, conforme observado na Tabela 3. Esses resultados coincidem com as pesquisas desenvolvidas em instituições de ensino5,8,9 e com os poucos estudos realizados em pronto socorros e unidades de saúde do país11,21. A elevada procura pelo pronto atendimento por indivíduos na idade adulta, no período produtivo, indica a necessidade de uma análise mais cuidadosa do gestor, pois poderia ser explicada pelo não acolhimento nas Unidades Básicas de Saúde, quer pela falta de equipes de saúde bucal ou limitação de horário ou, ainda, pela tentativa de "entrada" no serviço por outra "porta". Este fato é corroborado no documento da PNSB, quando afirma que os adultos, em especial os trabalhadores, têm dificuldades no acesso às unidades de saúde nos horários de trabalho convencionais destes serviços. Estas situações conduzem a um agravamento dos problemas existentes, transformando-os em urgência e motivo de falta ao trabalho, além das consequentes perdas dentárias. Sugere-se disponibilizar horários de atendimento compatíveis às necessidades de atenção a este grupo. Sabe-se que a dor de dente em trabalhadores diminui a produtividade e aumenta a incidência de absenteísmos, resultando em perdas financeiras para o indivíduo e o empregador22,23. Dessa forma, um dado muito importante foi verificar que 19% das consultas nos dias úteis foram oferecidas no período noturno, reiterando a premissa de que o horário comercial torna difícil o acesso aos trabalhadores.
Em relação à proporção de homens e mulheres que procuram por esse tipo de serviços, a literatura é controversa. Enquanto alguns estudos demonstraram uma maior procura por indivíduos do sexo feminino2,5-8,11,24,25, outros não demonstraram diferenças significativas, como no caso do presente estudo21,25-27. Diferentes resultados encontrados entre os estudos podem ser atribuídos à heterogeneidade dos locais onde os dados foram coletados (clínicas de faculdades, hospitais universitários, pronto socorro municipal) com seus horários e rotinas, da forma de coleta dos dados (dados primários e secundários), do período das coletas (dias, meses) e das características socioeconômicas do município. Apesar dessas variáveis, cabe ressaltar que a não diferença também pode ser explicada pelas mudanças no mercado de trabalho a partir dos anos 90, que redefiniram um aumento do papel da mulher, seja participando na renda como cônjuge ou como chefe de família28,29.
Sobre a demanda relacionada aos dias da semana, verificou-se que os dias úteis e o período diurno, principalmente o da tarde, foram os que apresentaram as maiores demandas. Aos finais de semana, o número de atendimentos praticamente caiu pela metade21. É importante que o gestor tenha noção desta previsibilidade da demanda, pois possibilita a estruturação de um planejamento estratégico para a oferta de serviços21.
Os índices de exclusão social dos locais de residência apresentaram relação estatisticamente significativa em relação à procura pelo serviço de pronto atendimento odontológico. Os usuários de regiões com maior exclusão social apresentaram 4,15 vezes mais chances de procura, quando comparado aos usuários de áreas com melhores condições sociais, refletindo o papel das características sociopolíticas e culturais dos espaços geográficos como importante fator determinante de acúmulo de sequelas bucais.
Estudos têm demonstrado que a procura e o acesso a serviços de saúde apresenta um gradiente social, sendo que a proporção de indivíduos que nunca procuraram uma consulta odontológica é maior entre os mais desfavorecidos. Além disso, quando o fazem, geralmente é motivada por problemas de dor e problemas de saúde bucal autopercebidos. Por outro lado, os grupos com melhores níveis socioeconômico apresentam maior frequência de visitas ao consultório odontológico público e privado para consultas preventivas, de acompanhamentos ou tratamentos restauradores30-33.
O Plano de Reorganização das Ações de Saúde Bucal tem como um de seus objetivos a melhoria das condições de saúde bucal da população por meio da incorporação das ESB nas ESF34. Todavia, no presente estudo, a presença de ESB na área de abrangência onde o indivíduo residia não foi um fator que impactou na diminuição da demanda pelos serviços do pronto atendimento odontológico municipal (p = 0,0984). Segundo Antunes e Narvai35 a expansão da oferta dos serviços públicos odontológicos para além dos grupos prioritários de crianças, gestantes e urgências odontológicas tem sido um desafio para a atenção básica. Entretanto, quando serviços de saúde são planejados de forma inapropriada, dificultando a acessibilidade daqueles com maiores necessidades de saúde, favorece-se o fenômeno conhecido como "lei da atenção inversa" (inverse care law)36.
Estudos nacionais têm verificado persistentes desigualdades no acesso a cuidados odontológicos, mesmo em áreas com presença de ESB. Em avaliação do modelo assistencial em municípios do Estado do Rio Grande do Norte que incorporaram ESB, Souza e Roncalli36 verificaram que a maioria dos municípios apresentou pouco ou nenhum avanço no modelo assistencial em saúde bucal. Em outro estudo, que comparou áreas cobertas e não cobertas por equipes de saúde da família em Campina Grande (PB) não foi evidenciada associação estatística entre melhor acesso aos serviços de saúde bucal e residir em uma área coberta ou não por equipe de saúde da família37. Da mesma forma, apesar das ESB implantadas terem como objetivo melhorar o acesso da população aos serviços de saúde bucal, o uso recente dos serviços foi mais frequente entre os indivíduos pertencentes a grupos de melhor nível socioeconômico33. Verificou-se também que as principais razões para a não utilização dos serviços odontológicos das ESB citadas pela maioria dos entrevistados foram dificuldades em conseguir uma vaga ou agendamento de uma consulta com a ESB e incompatibilidade com os horários de funcionamento do serviço.
No caso do presente estudo, várias hipóteses podem ser levantadas para a procura pelos serviços de urgência, mesmo havendo ESB nas localidades onde os mesmos residem, tais como a insatisfação com qualidade dos serviços prestados na atenção básica, insatisfação com a relação estabelecida com a ESB ou a falta de confiança na mesma4,38,39.
Fica claro que o problema a ser enfrentado está no aprimoramento do processo de trabalho. Percebe-se, portanto, que a expansão da rede de atenção básica, por meio da estratégia de saúde da família, é importante para se melhorar a equidade em saúde, porém, como mostrado neste estudo, insuficiente. Assim, são necessárias reavaliações periódicas das ações desenvolvidas pelas ESB, a fim de estabelecerem linhas de cuidado universais e equitativas em saúde bucal, e melhorias na relação equipe-comunidade, com o objetivo de atingir usuários com o perfil apresentado, especialmente adultos, os quais historicamente são excluídos dos grupos prioritários, independente do modelo de gestão (e talvez esteja nesse dado a principal explicação para a não diferença estatística). Além disso, ações intersetoriais voltadas a aprimorar as oportunidades e as condições de vida das coletividades devem ser pensadas pelas equipes, possibilitando um melhor planejamento e a organização da rede local de assistência odontológica e assim auxiliar o gestor na organização do serviço.
O pronto atendimento odontológico municipal apresentou importante papel na rede de atenção, permitindo que populações de elevado nível de vulnerabilidade social e que não conseguem tratamento via ESB, tenham acesso a tratamento odontológico restaurador.
Houve uma maior procura pelo pronto atendimento odontológico de usuários na faixa etária entre os 20 e os 49 anos, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os sexos. Os procedimentos cirúrgicos foram os mais executados, sendo que os restauradores foram os que apresentaram um crescimento durante o período do estudo. A associação entre a existência de equipes de saúde bucal na área de residência do usuário e a procura pelo serviço de pronto atendimento não apresentou significância estatística, porém é de valor relevante para o gestor no planejamento de ações e na organização do serviço.
DAV Fonseca trabalhou na concepção, pesquisa e redação do artigo; FL Mialhe trabalhou na interpretação dos dados, redação final e revisão crítica; GMB Ambrosiano trabalhou na análise, interpretação dos dados e revisão crítica; AC Pereira trabalhou na interpretação dos dados e revisão crítica; MC Meneghim trabalhou na concepção, delineamento, análise e interpretação dos dados e redação final do artigo.