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Influência da tireoidite linfocítica crônica sobre o risco de doença persistente e recorrente em pacientes com carcinoma papilífero de tireoide e anticorpos antitireoglobulina elevados após a terapia inicial

Influência da tireoidite linfocítica crônica sobre o risco de doença persistente e recorrente em pacientes com carcinoma papilífero de tireoide e anticorpos antitireoglobulina elevados após a terapia inicial

Autores:

Marina Carvalho S. Côrtes,
Pedro Weslley Rosario,
Gabriela Franco Mourão,
Maria Regina Calsolari

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.84 no.4 São Paulo jul./ago. 2018

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.05.005

Introdução

Em pacientes com carcinoma papilífero de tireoide (CPT) com tireoglobulina (Tg) sérica negativa após a terapia inicial, o risco de doença estrutural é significativamente maior entre aqueles com anticorpos antitiroglobulina (TgAb) elevados em comparação com os pacientes sem TgAb.1-3 Outros estudos sugerem que a presença de tireoidite linfocítica crônica (TLC) está associada a um menor risco de persistência/recorrência da CPT.4 Embora a associação desses achados (TgAb elevados e TLC) seja comum, muitos pacientes com TgAb elevados não apresentam TLC.1,2,5-7 Assim, é possível que, em pacientes com TgAb elevados, o risco de persistência/recorrência tumoral seja diferente entre aqueles com e sem TLC associada, com risco menor esperado para os primeiros.4 De fato, alguns estudos demonstraram esse efeito protetor da TLC especificamente em pacientes com TgAb elevados.5,7 Entretanto, outras séries não encontraram influência da TLC sobre a evolução desses pacientes.1,2 Em contraste, um estudo demonstrou maior risco de doença persistente/recorrente em pacientes com CPT e elevação de TgAb quando os últimos estavam associados à TLC (em comparação com TgAb não-específicos e não relacionados à TLC).6

Essa divergência nos resultados, juntamente com as limitações dos estudos, os quais foram retrospectivos e incluíram um número limitado de pacientes com TgAb elevados,1,2,5-7 mostram que a influência da TLC na persistência/recorrência tumoral em pacientes com TgAb permanece indefinida. Além disso, a persistência e a recorrência tumoral são desfechos distintos e portanto sua análise deveria ser realizada separadamente.3

Considerando a necessidade de outros estudos, idealmente prospectivos, que incluam um maior número de pacientes e sejam especificamente concebidos,6,7 realizamos esse estudo prospectivo para avaliar a influência da TLC sobre o risco de persistência e recorrência da CPT em pacientes com Tg negativa, mas TgAb elevados após a terapia inicial.

Método

Esse estudo prospectivo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de nossa Instituição (n° 411.326) e o consentimento informado foi obtido de cada paciente.

Foram selecionados pacientes atendidos consecutivamente que preenchessem os seguintes critérios: (i) diagnóstico de CPT; (ii) submetidos à tireoidectomia total seguida de ablação com 131I (1,1-5,5 GBq); (iii) ressecção tumoral aparentemente completa e Varredura de Corpo Inteiro (RXVCI) pós-terapia não demonstrando captação ectópica; e (iv) exame clínico sem anomalias, Tg basal < 1 ng/mL e TgAb elevados 8 a 12 meses após a ablação.8 Pacientes com microcarcinoma restrito à tireoide ou com a variante folicular encapsulada não invasiva da CPT não foram incluídos. A ablação também foi recomendada para pacientes com CPT de 1 a 4 cm confinado à tireoide (n = 36), mas com outras características (idade ≤ 18 anos ou > 45 anos, tumor multicêntrico, Tg elevada ou TgAb elevados após a tireoidectomia). Os pacientes foram divididos em dois grupos: Grupo A, apresentando TLC na histologia; Grupo B, histologicamente sem TLC.

Ultrassonografia (US) cervical, Tg estimulada, e VCI diagnóstica (DxVCI) foram obtidas de todos os pacientes durante a avaliação inicial.8 Os pacientes com Tg estimulada >1 ng/mL sem doença na DxVCI e US foram avaliados por tomografia computadorizada de tórax, cintilografia com tecnécio-99m-metoxi-isobutil-isonitrila (99mTc-MIBI) e Tomografia por Emissão de Pósitron com Fluorodeoxiglucose (FDG-PET)/CT.8 No caso de pacientes sem doença nessa primeira avaliação, Tg, TgAb e US foram obtidos em intervalos de 6 meses. Além disso, a TC do tórax foi realizada anualmente em pacientes com tumores > 4 cm, extensão extra-tireoide ou metástases linfonodais e a cada 2 anos em pacientes com tumores ≤ 4 cm restritos à tireoide, enquanto a Tg permaneceu negativa e TgAb continuaram a ser positivos. Se a elevação dos TgAb ou a Tg positiva fossem observados em qualquer momento durante o seguimento, CT de tórax, 99mTc-MIBI e FDG-PET/CT foram realizados. O TSH foi mantido ≤ 0,5 mUI/L.

Oito a 12 meses após a ablação com 131I, a Tg sérica foi medida por ensaio radioimunométrico (ELSAhTG, CIS Bio International), com uma sensibilidade funcional de 1 ng/mL. TgAb foram determinados por um ensaio quimioluminescente (Immulite, Diagnostic Products Corp.), com um valor de referência de até 40 UI/mL.

A TLC foi definida quando a infiltração difusa de linfócitos estava presente na área do tecido tireoidiano normal.2 As médias foram comparadas entre os grupos pelo teste t de Student ou o teste U de Mann-Whitney não paramétrico. O teste exato de Fisher ou teste χ2 foi utilizado para detectar diferenças na proporção de casos. Um valor de p < 0,05 foi considerado significativo.

Resultados

Os grupos A e B foram semelhantes em relação à sexo, idade, metástases linfonodais, estágio TNM e categoria de risco,9 e as concentrações de TgAb após a ablação (tabela 1). O tempo de seguimento variou de 60 a 140 meses (mediana de 96 meses).

Tabela 1 Características dos pacientes dos Grupos A e B 

Grupo A (n = 45) Grupo B (n = 68)
Sexo
Feminino 42 (93,3%) 61 (89,7%)
Masculino 3 (6,6%) 7 (10,2%)
Idade [variação (mediana), anos] 13-72 (46) 18-74 (48)
Classificação de risco9
Baixo risco 18 (40%) 26 (38,2%)
Risco intermediário 27 (60%) 42 (61,7%)
Metástases linfonodais 20 (44,4%) 28 (41,2%)
Estadiamento9
I 24 (53,3%) 40 (58,8%)
II 4 (8,9%) 6 (8,8%)
III 9 (20%) 14 (20,6%)
IVA 8 (17,7%) 8 (11,7%)
TgAb [variação (mediana), UI/mL]a 65-2845 (556) 76-2567 (568)
Tempo de seguimento [variação (mediana), meses] 60-140 (96) 62-140 (96)

Grupo A, com Tireoidite Linfocítica Crônica (TLC) na histologia; Grupo B, sem TLC na histologia.TgAb, anticorpos antitiroglobulina.

a8-12 meses após a terapia inicial.

De 8 a 12 meses após a ablação, foi detectada doença persistente em 3 pacientes do Grupo A (6,6%) e em 6 do Grupo B (8,8%) (p = 1,0), incluindo metástases linfonodais em 2 pacientes do Grupo A (4,4 (p = 1,0) e em 4 pacientes do Grupo B (5,9%) (p = 1,0) e metástases distantes em 1 paciente do Grupo A (2,2%) e em 2 do Grupo B (2,9%) (p = 1,0). A US cervical mostrou metástases linfonodais em quatro pacientes. DxVCI revelou captação ectópica em dois pacientes e a TC mostrou linfonodos na topografia da captação ectópica. Em outro paciente, DxVCI mostrou metástases pulmonares, mas a TC do tórax foi normal. A DxVCI foi negativa em dois pacientes, mas as metástases pulmonares foram detectadas pela TC de tórax em um e metástases ósseas foram detectadas pela FDG-PET/CT no outro.

Durante o seguimento dos 104 pacientes sem doença persistente, recidivas foram diagnosticadas em 2 pacientes do Grupo A (4,7%) e em 5 do Grupo B (8%) (p = 0,7), incluindo metástases linfonodais em 2 pacientes do Grupo A (4,7%) e em 4 do Grupo B (6,4%) (p = 1,0) e metástases distantes em nenhum dos pacientes do Grupo A e em 1 paciente do Grupo B (1,6%) (p = 1,0). A US mostrou metástases linfonodais em 5 pacientes, a TC revelou metástases pulmonares em um, e a FDG-PET/TC foi positiva em outro paciente.

Considerando ambas, doenças persistente e recorrente após a terapia inicial, a doença estrutural foi detectada em 5 pacientes do Grupo A (11,1%) e em 11 do Grupo B (16,1%) (p = 0,58), incluindo metástases linfonodais em 4 pacientes do Grupo A (8,8%) e em 8 do grupo B (11,7%) (p = 0,76) e metástases distantes em 1 paciente do grupo A (2,2%) e em 3 do grupo B (4,4%) (p = 1,0).

Analisamos separadamente os desfechos para pacientes de baixo e médio risco classificados de acordo com ATA.9 Em pacientes com risco intermediário, a doença persistente foi diagnosticada em 3 pacientes do Grupo A (11,1%) e em 6 do Grupo B (14,3%) (p = 1,0)] e recidivas ocorreram em 2 pacientes do Grupo A (8,3%) e 3 do Grupo B (8,3%) (p = 1,0), totalizando 5 pacientes no Grupo A (11,1%) e 9 no Grupo B (13,2%) (p = 1,0). No grupo de baixo risco, 9 dos pacientes apresentaram doença persistente e não foram diagnosticadas recidivas em nenhum dos pacientes do Grupo A e em 2 pacientes do Grupo B (7,7%) (p = 0,51). Não houve mortes relacionadas à doença.

Discussão

Primeiramente, deve-se ressaltar que, ao contrário de estudos anteriores,1,2,5-7 esse foi um estudo prospectivo. Que seja de nosso conhecimento, esse é o maior estudo avaliando a influência da TLC especificamente em pacientes com TgAb elevados. O tempo mínimo de seguimento foi de 5 anos e sabe-se que 80% das recidivas ocorrem nesses primeiros anos.2 Como são desfechos distintos, as doenças persistente e recorrente foram analisadas separadamente e combinadas.

Sabe-se que muitos pacientes com CPT e TgAb persistentemente elevados após a terapia inicial não têm TLC; 60% na presente série e 30%,7 60%,2,5 e 65%1,6 nos estudos anteriores. Pode-se deduzir que a persistência de TgAb elevados após tratamento do CPT na ausência de TLC subjacente irá indicar doença residual. Além disso, a TLC tem sido associada à melhor evolução do CPT.4 Isso apoia a hipótese de que a TLC está associada a um menor risco de doença persistente/recorrente em pacientes com TgAb elevados após o tratamento do CPT.

Ao avaliar especificamente pacientes com TgAb elevados após a terapia inicial, esse efeito protetor da TLC foi demonstrado em duas séries,5,7 mas não foi confirmado por outros autores.1,2,6 Nossos resultados também não mostraram influência da TLC na taxa de doença persistente ou recorrente em pacientes com TgAb elevados. Além disso, um estudo mostrou uma evolução pior dos pacientes com TgAb elevados quando associados com TLC.6 Considerando os resultados divergentes1,2,5-7 do presente estudo, é possível que diferenças nos epítopos de TgAb6 e na subpopulação celular do infiltrado de linfócitos10 expliquem a heterogeneidade da influência da TLC na evolução do CPT. Como no presente estudo, a falta de influência da TLC na doença recorrente foi recentemente relatada em pacientes sem TgAb.11

Finalmente, embora estudos anteriores não tenham encontrado diferenças na taxa de doença persistente/recorrente, eles relataram menor agressividade tumoral na apresentação inicial em pacientes com TLC.12-14 Embora não tenha sido o objetivo do presente estudo, não houve diferença na presença de metástases linfonodais, categoria de risco ou estágio tumoral entre pacientes com e sem TLC.

Conclusão

Em conclusão, nossos resultados não apoiam a hipótese de que a TLC na histologia esteja associada a um menor risco de doença persistente ou recorrente, pelo menos em pacientes com TgAb persistentemente elevados após a terapia inicial para CPT.

REFERÊNCIAS

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