versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.21 no.4 Rio de Janeiro 2017 Epub 07-Ago-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0361
A diarreia configura-se em um dos principais agravos que acometem crianças na faixa etária de zero a cinco anos de idade. Isso ocorre devido às crianças serem mais suscetíveis a esta e a outras doenças em virtude da imaturidade no sistema imunológico, atingindo, sobretudo, aquelas com estado nutricional comprometido.1 Aliado a isto, a diarreia pode ser causada por diversos agentes infecciosos, sendo influenciada por determinantes de ordens biológicas, ambientais, econômicas e socioculturais.2
No Brasil, a mortalidade por diarreia evidenciou tendência de decréscimo tendo passado de 2.490 a 756 nos anos de 2005 e 2011, respectivamente.3 Somando-se a isto, no que diz respeito à hospitalização, houve tendência decrescente nas crianças menores de um ano e ascendência discreta entre aquelas de 1-4 anos de idade, demonstrando impacto na menor permanência dessas crianças no hospital e na redução do valor médio de internamento, independentemen te, da idade e da região do país. Registraram-se no Norte e Nordeste, os maiores coeficientes de mortalidade e maior porcentagem de internação nos menores de um ano relacionados à diarreia infantil.4
Apesar da taxa de mortalidade infantil ter diminuído em mais da metade, nos últimos 25 anos no mundo, ainda morrem cerca de 16 mil crianças todos os dias, por causas evitáveis, tais como a diarreia. A diarreia e outras doenças incluindo a pneumonia, malária, prematuridade, complicações nos partos, fazem parte dos principais agravos e causas de mortes em crianças menores de cinco anos de idade, em todo o mundo.5
Além disso, segundo os dados do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), no ano de 2015 foram notificados nacionalmente 511.893 crianças menores de dois anos de idade com diarreia, dentre esses casos, 71.113 foram registrados no Ceará.6
Destaca-se que muitos processos de morbidade e disfunções são evitados quando as mães dominam, cumprem e propiciam bons costumes higiênicos na família. Estudos mostram que as mães são as maiores responsáveis pela tomada de decisão em relação às condutas que devem ser realizadas no manejo da diarreia infantil, dentre estas merece destaque a procura por auxílio de profissionais do serviço de saúde durante o episódio diarreico antes que a saúde da criança se agrave.7 Nesse momento, é imprescindível que o profissional de saúde, sobretudo o enfermeiro, atue para promover saúde, visto que a educação para saúde vem sendo a intervenção de maior destaque para a prevenção de agravos evitáveis, como a diarreia infantil.
Destarte as mães possuírem informações, não é o suficiente, nem mesmo garante que elas colocarão em prática o que foi relatado nas palestras, em reuniões de sala de espera, ou em orientações individuais. Diante disso, revela-se a importância da autoeficácia, a qual consiste na confiança pessoal do indivíduo frente a um determinado evento ou situação.8 Esse conceito está diretamente relacionado à segurança que a pessoa possui ao executar determinada atividade, ou seja, em se sentir capaz de realizar uma tarefa com base em seus conhecimentos e habilidades.9
Assim, para que um indivíduo possa ter hábitos saudáveis, faz-se necessário que além de ter conhecimentos, possua autoeficácia para conseguir mantê-los como rotina. Então, para que haja sucesso no cuidado materno para prevenção da diarreia infantil, é oportuno aliar conhecimento, habilidade e autoeficácia materna, sendo impreterível ao profissional de enfermagem conhecer tais conceitos para que possa atuar de modo eficaz na promoção da saúde dessa população.
Diante do exposto, o objetivo do estudo foi verificar a associação entre condições socioeconômicas, condutas e conhecimentos maternos com a sua autoeficácia para prevenção de diarreia infantil.
Estudo transversal e analítico com abordagem quantitativa que se caracteriza por utilizar instrumentos de medida que permitem assegurar a confiabilidade dos achados, por meio da quantificação dos dados, principalmente, quando há a necessidade de comparação entre eventos.10
O estudo foi realizado em um hospital localizado no interior do Ceará, considerado de referência regional na área de saúde materno-infantil e obstetrícia, além de atender clínica médica, com 69 leitos no total, sendo 19 leitos de pediatria.
A seleção das mães, neste estudo, ocorreu por conveniência de acordo com a demanda de internações no hospital, perfazendo uma amostra de 238 mães, que estavam com seus filhos internados, por qualquer patologia, no referido hospital, de janeiro a abril de 2016. Foi adotado como critério de inclusão as mães terem pelo menos um filho (a) com idade inferior a cinco anos. Os critérios de exclusão adotados foram: mães com restrições que as impossibilitassem de compreender os instrumentos; mães cujos filhos estivessem com estado de saúde instável ou na emergência do hospital por serem situações que, possivelmente, causariam abalos emocionais nas mesmas.
A coleta de dados foi realizada no primeiro quadrimestre de 2016, as mães foram convidadas a participarem da pesquisa no momento em que estavam com seus filhos internados no hospital. Realizando entrevistas semiestruturadas em local reservado, sendo apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respeitando os princípios éticos envolvendo pesquisas com seres humanos. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: um formulário que abordava os dados de identificação da mãe/família referente ao perfil social, econômico e demográfico, envolvendo aspectos voltados para a idade, estado civil, escolaridade, ocupação, renda familiar, tipo de abastecimento hídrico, coleta de esgoto, de lixo, ocorrência de diarreia na criança, bem como questões de investigação acerca do conhecimento materno sobre prevenção e manejo da diarreia infantil; e um segundo instrumento que consistia na Escala de Autoeficácia Materna para prevenção da Diarreia Infantil (EAPDI), a qual foi construída e validada por Joventino et al. (2013a) possuindo alfa de Cronbach de 0,84 e Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCIC) de 0,45, demonstrando sua validade e confiabilidade para avaliar o referido construto.
A EAPDI trata-se de uma escala de Likert composta por 24 itens distribuídos em dois domínios (higiene da família com 15 itens; práticas alimentares/gerais, com nove itens), cujo padrão de resposta varia de um (discordo totalmente) a cinco (concordo totalmente). Cada mãe, ao responder a EAPDI, poderia escolher apenas uma das cinco opções referidas. Assim, os escores totais da escala podem variar de 24 a 120 pontos no somatório das respostas dos itens, sendo que quanto menor o somatório dos escores, menor a autoeficácia materna para prevenir diarreia infantil.11
Os dados coletados foram organizados e analisados por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences - SPSS (versão 20.0), procedendo-se a análise estatística comparativa, por meio dos testes Qui-quadrado de Pearson, associação linear por linear e teste de razão de verossimilhança, estabelecendo-se nível de significância inferior a 5%. Optou-se pelo uso da mediana como parâmetro de divisão entre os resultados a partir do teste Kolmogorov-Smirnov. Desse modo, as variáveis dependentes foram organizadas nos resultados da seguinte maneira: somatório dos escores na EAPDI inferiores à mediana (< 113); ou somatório dos escores na EAPDI igual ou superior à mediana (≥ 114).
O estudo respeitou os princípios éticos da pesquisa que envolve seres humanos de acordo com a Resolução nº 466/12 instituída pelo Conselho Nacional de Saúde, tendo obtido aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira via plataforma Brasil, sob parecer 1.378.638.
A faixa etária predominante entre as mães entrevistadas foi de 18 a 29 anos (n = 146; 61,3%), a maioria das mães tinha de 09 a 12 anos de estudo (n = 132; 55,5%) e vivia com companheiro (n = 168; 70,6), sendo a principal ocupação encontrada ser dona de casa (n = 98; 41,2%). A Tabela 1 mostra a associação entre os fatores socioeconômicos das mães entrevistadas com os níveis de autoeficácia materna para prevenção da diarreia apresentados. Percebeu-se que com relação a fatores socioeconômicos houve associação estatisticamente significante entre a renda familiar (p = 0,049), a idade da criança (p = 0,010) e os escores de autoeficácia materna para prevenir diarreia infantil.
Tabela 1 Associação entre fatores socioeconômicos familiares e os níveis de autoeficácia materna para prevenção de diarreia infantil. Ceará, 2016.
Variáveis | Escores de autoeficácia materna | p | |||
---|---|---|---|---|---|
Inferior à mediana (≤ 113) | Igual ou superior à mediana (≥ 114) | ||||
N | % | N | % | ||
Faixa Etária da Mãe (N = 238) | |||||
≤19 anos | 32 | 13,4 | 28 | 11,7 | 0,563a |
20-34 anos | 74 | 31,1 | 80 | 33,6 | |
≥ 35 anos | 14 | 5,9 | 10 | 4,2 | |
Anos de estudo da mãe (N = 238) | |||||
≤ 4 | 04 | 36,4 | 07 | 63,6 | |
5-8 | 27 | 55,1 | 22 | 44,9 | 0,497b |
9-12 | 69 | 52,3 | 63 | 47,7 | |
≥ 13 | 20 | 43,5 | 26 | 56,5 | |
Estado Civil da Mãe (N = 238) | |||||
Sem companheiro | 37 | 54,4 | 31 | 45,6 | 0,486a |
Com companheiro | 83 | 49,4 | 85 | 50,6 | |
Ocupação (N = 238) | |||||
Dona de casa | 54 | 55,1 | 44 | 44,9 | 0,203b |
Agricultora | 43 | 51,8 | 40 | 48,2 | |
Outros | 19 | 39,6 | 29 | 60,4 | |
Nº de pessoas na casa (N = 238) | |||||
2-3 | 34 | 47,2 | 38 | 52,8 | 0,389c |
4-5 | 51 | 50,0 | 51 | 50,0 | |
≥ 6 | 35 | 54,7 | 29 | 45,3 | |
Renda familiar (SM)* (N = 238) | |||||
0 – ¼ | 24 | 51,1 | 23 | 48,9 | 0,049a |
¼ SM – ½ | 23 | 50,0 | 23 | 50,0 | |
½ SM – 1 | 35 | 40,7 | 51 | 59,3 | |
≥ 1 | 38 | 64,4 | 21 | 35,6 | |
Número de Filhos (N = 238) | |||||
1 | 53 | 46,5 | 61 | 53,5 | 0,072b |
2 | 32 | 47,3 | 35 | 52,2 | |
≥ 3 | 34 | 60,7 | 22 | 39,3 | |
Idade da criança (N = 238) | |||||
≤ 11 meses | 70 | 44,6 | 87 | 55,4 | 0,010b |
12 - 35 meses | 25 | 58,1 | 18 | 41,9 | |
≥ 36 meses | 25 | 65,8 | 13 | 34,3 | |
Tipo de casa (N = 238) | |||||
Tijolo com reboco | 102 | 48,1 | 110 | 51,9 | 0,042a |
Outros | 18 | 69,2 | 08 | 30,8 | |
Tipo de piso (N = 238) | |||||
Cerâmica | 44 | 48,4 | 47 | 51,6 | 0,616a |
Outros | 76 | 51,7 | 71 | 48,3 | |
Destino do lixo (N = 238) | |||||
Coleta pública | 79 | 46,2 | 92 | 53,8 | 0,037a |
Outros | 41 | 61,2 | 26 | 38,8 | |
Tipo de esgoto (N = 238) | |||||
Rede pública | 12 | 35,1 | 22 | 64,7 | 0,016b |
Fossa | 93 | 50,8 | 90 | 49,2 | |
Outros | 15 | 71,4 | 06 | 28,6 | |
Tipo de sanitário (N = 233) | |||||
Com descarga | 68 | 43,9 | 87 | 56,1 | 0,006a |
Sem descarga | 49 | 62,8 | 29 | 37,2 | |
Água que abastece (N = 238) | |||||
Rede pública | 88 | 49,4 | 90 | 50,6 | 0,602a |
Outros | 32 | 53,3 | 28 | 46,7 |
*Salário Mínimo vigente durante o estudo: $880;
aQui-quadrado de Pearson;
bAssociação linear por linear;
cTeste de razão de verossimilhança.
Pode-se verificar ainda que, existem associações estatisticamente significantes entre condições sanitárias e nível de autoeficácia materna para prevenção de diarreia infantil no que diz respeito às seguintes variáveis: tipo de casa (p = 0,042), destino do lixo (p = 0,037), tipo de esgoto (p = 0,016) e tipo de sanitário (p = 0,006).
A Tabela 2 apresenta a relação entre cuidados maternos, condições de saúde das crianças e os níveis de autoeficácia, sendo as condutas de higiene da mamadeira (p = 0,037) e escaldar utensílios (p = 0,017) tiveram relação estatística significativa com os níveis de autoeficácia.
Tabela 2 Associação entre cuidados maternos, condições de saúde das crianças e os níveis de autoeficácia materna para prevenção de diarreia infantil. Ceará, 2016
Variáveis | Escores de autoeficácia materna | p | |||
---|---|---|---|---|---|
Inferior à mediana (≤ 113) | Igual ou superior à mediana (≥ 114) | ||||
N | % | N | % | ||
Faz tratamento na água (N = 238) | |||||
Sim | 24 | 51,1 | 23 | 48,9 | 0,202a |
Não | 38 | 63,3 | 22 | 36,7 | |
Tipo de tratamento (N = 238) | |||||
Ferve | 01 | 25,0 | 03 | 75,0 | 0,471a |
Filtra | 08 | 38,1 | 13 | 61,9 | 0,653a |
Hipoclorito | 06 | 60,0 | 04 | 400 | 0,244a |
Côa | 10 | 58,8 | 07 | 41,2 | 0,144a |
Amamentação exclusiva (N = 238) | |||||
Sim | 119 | 50,4 | 117 | 49,6 | 0,990a |
Não | 01 | 50,0 | 01 | 50,0 | |
Tempo de amamentação (N = 238) | |||||
≤ 4 meses | 94 | 50,3 | 93 | 49,7 | 0,806a |
5 meses | 03 | 42,9 | 04 | 57,1 | |
6 meses | 15 | 48,4 | 16 | 51,6 | |
> 6 meses | 07 | 63,6 | 04 | 36,4 | |
Uso da mamadeira (N = 231) | |||||
Sim | 27 | 48,2 | 29 | 51,8 | 0,787a |
Não | 88 | 50,3 | 87 | 49,7 | |
Higiene da mamadeira (N = 58) | |||||
Com água | 01 | 33,3 | 02 | 66,7 | 0,595a |
Água e sabão | 23 | 57,5 | 17 | 42,5 | 0,037a |
Escalda o bico da mamadeira | 16 | 47,1 | 18 | 52,9 | 0.825a |
Escalda o bico e a mamadeira | 16 | 40,0 | 24 | 60,0 | 0,058b |
Lavagem das mãos (N = 238) | |||||
Água corrente e sabão | 96 | 47,5 | 106 | 52,5 | 0,057a |
Água parada e sabão | 21 | 65,6 | 11 | 34,4 | |
Escalda utensílios (N = 238) | |||||
Sim | 93 | 46,5 | 107 | 53,5 | 0,019a |
Não | 22 | 68,8 | 10 | 31,2 | |
Diarreia aguda ou crônica (N = 238) | |||||
≤ 13 | 39 | 53,4 | 34 | 46,6 | 0,360a |
≥ 14 | 05 | 71,4 | 02 | 28,6 | |
Internação no 1º mês de vida (N = 238) | |||||
Sim | 19 | 70,4 | 08 | 29,6 | 0,028a |
Não | 101 | 47,9 | 110 | 52,1 |
aQui-quadrado de Pearson;
bAssociação linear por linear.
Referente às condições de saúde das crianças, a ocorrência de internação no 1º mês de vida (p = 0,028) também apresentou uma associação com a autoeficácia materna para prevenção da diarreia.
A associação entre conhecimentos e crenças maternas com os níveis de autoeficácia das mesmas para prevenir a diarreia está representada pela Tabela 3. As crenças sobre os riscos e causas da diarreia que apresentaram relação significativa com os níveis de autoeficácia foram a quentura/calor (p = 0,021) e a dentição (p = 0,030).
Tabela 3 Associação entre conhecimentos e condutas maternas e níveis de autoeficácia materna para prevenir diarreia infantil. Ceará, 2016.
Variáveis | Escores de autoeficácia materna | p | |||
---|---|---|---|---|---|
Inferior à mediana (≤ 113) | Igual ou superior à mediana (≥ 114) | ||||
N | % | N | % | ||
Conduta materna quanto à alimentação durante diarreia (N = 238) | |||||
Suspende alimentação normal | 36 | 51,4 | 34 | 48,6 | 0,290a |
Oferece a mesma alimentação | 08 | 72,7 | 03 | 27,3 | |
Melhora a alimentação e hidratação | 76 | 48,4 | 81 | 51,6 | |
Crenças de riscos/causas da diarreia (N = 238) | |||||
Comida malcozida | 108 | 49,3 | 111 | 50,7 | 0, 247a |
Água contaminada | 119 | 50,6 | 116 | 49,4 | 0,551a |
Comida gordurosa | 113 | 49,3 | 116 | 50,7 | 0,094a |
Quentura/calor | 82 | 46,1 | 96 | 53,9 | 0,021a |
Dentição | 109 | 48,7 | 115 | 51,3 | 0,030a |
Mãos/Objetos na boca | 108 | 49,8 | 109 | 50,2 | 0,519a |
Desmame precoce | 70 | 47,9 | 76 | 52,1 | 0,336a |
Susto ou mal olhado | 96 | 50,5 | 94 | 49,5 | 0,948a |
Gripe | 108 | 49,1 | 112 | 50,9 | 0,152a |
Medicamentos | 84 | 49,4 | 86 | 50,6 | 0,623a |
Verminoses | 107 | 49,1 | 111 | 50,9 | 0,173a |
Alimentos contaminados | 113 | 49,8 | 114 | 50,2 | 0,369a |
Informação anterior sobre prevenção de diarreia (N = 238) | |||||
Sim | 14 | 38,9 | 22 | 61,1 | 0,133a |
Não | 106 | 52,5 | 96 | 47,5 | |
Conhecimento das mães de ações para a prevenção de diarreia (N = 238) | |||||
Lavagem das mãos | 19 | 40,4 | 28 | 59,6 | 0,126a |
Mãos/objetos sujos na boca | 12 | 50,0 | 12 | 50,0 | 0,965a |
Ferver a água | 03 | 37,5 | 05 | 62,5 | 0,457a |
Higiene dos utensílios | 26 | 44,8 | 32 | 55,2 | 0,327a |
Higiene da casa | 11 | 32,4 | 23 | 67,6 | 0,023a |
Higiene dos alimentos | 30 | 42,3 | 41 | 57,7 | 0,100a |
Não andar descalços | 10 | 62,5 | 06 | 37,5 | 0,317a |
Oferecer alimentação de qualidade | 35 | 53,0 | 31 | 47,0 | 0,618a |
Não oferecer comida gordurosa | 12 | 63,2 | 07 | 36,8 | 0,247a |
Cobrir alimentos | 10 | 71,4 | 04 | 28,6 | 0,105a |
Não oferecer água contaminada | 06 | 50,0 | 06 | 50,0 | 0,976a |
Cozinhar bem os alimentos | 08 | 50,0 | 08 | 50,0 | 0,972a |
Oferecer água filtrada | 02 | 40,0 | 03 | 60,0 | 0,638a |
Oferecer aleitamento materno | 05 | 26,3 | 14 | 73,7 | 0,028a |
Não oferecer sobras de alimentos | 02 | 50,0 | 02 | 50,0 | 0,986a |
Hidratar a crianças | 02 | 28,6 | 05 | 71,4 | 0,241a |
Higienizar a mamadeira | 02 | 50,0 | 02 | 50,0 | 0,986a |
aQui-quadrado de Pearson.
Já os conhecimentos das mães sobre condutas preventivas da diarreia que tiveram relação com os níveis de autoeficácia foram a higiene do domicílio (p = 0,023) e a prática do aleitamento materno (p = 0,028).
Condições socioeconômicas são citadas na literatura como fator preventivo ou de risco para a ocorrência da diarreia e outros agravos. O mesmo acontece com autoeficácia, pois se acredita que as condições de vida de um indivíduo influenciem em sua autoeficácia, tendo em vista que esta se trata de um poderoso preditor para comportamentos promotores de saúde.12
Algumas variáveis do presente estudo relacionadas à idade materna, à escolaridade, ao estado civil, à ocupação não tiveram associação significativa com a autoeficácia materna para prevenção da diarreia na amostra investigada. Em contrapartida, um estudo realizado em Fortaleza, com 90 mães de crianças menores de 5 anos de idade constatou significância nos níveis de autoeficácia com essas mesmas variáveis. No entanto, tal estudo assemelha-se com este na medida em que a renda familiar foi determinante para a autoeficácia.13
Dessa forma, com relação à renda familiar, percebeu-se que quanto menor é a renda da família, menor também foi o somatório das mães na Escala de Autoeficácia para Prevenção de Diarreia Infantil, ficando menor ou igual à mediana dos escores de autoeficácia. Outra variável que teve associação com a autoeficácia para prevenção de diarreia foi à idade da criança que se apresentou como inversamente proporcional à autoeficácia, de modo que quanto menor a idade da criança maior o nível de autoeficácia materna para prevenir diarreia infantil.
Assim, percebe-se a renda familiar como relevante determinante social de saúde e que este repercute sobre o estado de saúde dos indivíduos. Corroborando com tais achados, um estudo realizado na zona rural da Tanzânia, África, mostrou que crianças advindas de famílias com melhor poder aquisitivo eram menos propensas a receberem cuidado domiciliar, em comparação com crianças que viviam com famílias mais pobres. Já com relação à idade das mesmas, crianças menores de 1 ano de idade eram mais propensas a adoecerem com febre, diarreia e infecção respiratória aguda, em comparação com crianças entre 2 e 5 anos de idade, o que contrapõe os achados do presente estudo. Da mesma forma, filhos mais velhos (com idade entre 2 a 5 anos) com diarreia foram mais propensos a receber cuidados em casa, em vez de cuidados em estabelecimentos de saúde, em comparação com crianças pequenas (< 1 ano de idade).14
Estudo realizado em uma cidade chinesa investigou a associação entre renda, depressão, autoeficácia e variáveis de saúde e as tensões associadas com a população, tendo sido verificado que a pobreza é a principal causa das tensões, pois exerce efeitos mediadores da depressão, baixa auteficácia e status de saúde.15
Constatou-se no presente estudo associação entre tipo de casa, destino do lixo, tipo de esgoto e tipo de sanitário e a mediana dos escores de autoeficácia materna para prevenção de diarreia infantil. Dessa forma, a casa ser feita de tijolos constitui-se em fator positivo para autoeficácia materna, fato que pode ser justificado na medida em que casas que não são feitas de tijolos, sobretudo sem acabamentos de alvenaria, representam fator de risco para a ocorrência de diarreia infantil, uma vez que não é possível realizar uma higiene adequada e completa nas mesmas,16 podendo, como demonstrado, comprometer a autoeficácia materna para prevenir a diarreia em seu filho.
Destaca-se que fatores socioeconômicos tiveram relação com a confiança das mães para prevenir a diarreia, visto que a autoeficácia baseia-se na crença de alcançar objetivos por meio de recursos próprios, uma vez que tais recursos são limitados, a chance de êxito é diminuída e ainda influencia negativamente nos cuidados com a saúde, sabendo que autoeficácia pode depender de experiências pessoais e de elementos ambientais.8
Em relação às condutas maternas, verificou-se associação estatisticamente significante na higiene da mamadeira com água e sabão, e a prática de escaldar os utensílios com a autoeficácia materna, demonstrando que estas se sentem mais confiantes para prevenir diarreia em seu filho. As práticas de higiene, em geral, são consideradas fator protetor para a diarreia.17 Apesar de ser uma medida preventiva para doenças diarreicas, o processo de escaldar os utensílios, deve ser utilizado quando o produto for adequado para tal ação. Estudos constataram que há um aumento na migração do Bisfenol A, através de processos térmicos de aquecimento dos alimentos diretamente no recipiente plástico de policarbonato. Tal substância, utilizada em embalagens, fora proibido, no Brasil, na fabricação de mamadeiras para diminuir a exposição a lactentes, uma vez que, interfere na função endócrina, possui efeitos hepatotóxicos, mutagênicos e carcinogênicos.18
Observou-se que o nível de autoeficácia materna para prevenção da diarreia foi elevada quando a criança não teve internação no primeiro mês de vida. Esse achado assemelha-se ao encontrado em um estudo que apresentou relação estatisticamente significante com a autoeficácia materna para prevenir diarreia, tendo sido a autoeficácia da mãe mais elevada entre as famílias cujos filhos nunca apresentaram nenhum episódio diarreico, nenhuma patologia, bem como naquelas crianças que não foram internadas no primeiro mês de vida.19 Dessa forma, verifica-se que a autoeficácia materna para prevenir diarreia infantil esteve relacionada com comportamentos de saúde entre as crianças, inferindo-se que estas mães se sentem mais confiantes para cuidar adequadamente de seus filhos.
Das condutas maternas com a alimentação da criança durante o episódio diarreico, nenhuma das variáveis apresentou relação significativa com a autoeficácia materna para a prevenção da diarreia. É conhecido e difundido na literatura, que as recomendações para o manejo da diarreia e prevenção da desidratação são aumentar a ingestão de líquidos durante episódios de diarreia, incluindo a solução de reidratação oral (SRO) e manutenção da dieta adequada para idade.20
Com relação ao conhecimento e às crenças sobre os riscos e causas da diarreia, as variáveis quentura/calor e dentição apresentaram relação significativa com a autoeficácia. Essas duas variáveis são consideradas de risco para a diarreia, destarte foram observados elevados níveis de autoeficácia para prevenir a diarreia. Apesar de o calor ter um efeito adicional sobre a diarreia infantil, e esse efeito aumentar com a intensidade e duração das ondas de calor,21 não há evidências que a erupção dentária primária tenha associação sobre a diarreia, entretanto, crianças com baixo peso ao nascer tiveram mais manifestações relacionadas à dentição, e tiveram 2,9 vezes mais chances de desenvolver diarreia comparadas às crianças nascidas com peso adequado.22
O conhecimento e crenças maternas configuram-se como preditores relevantes para a prevenção de diarreia infantil, uma vez que estes aumentam a confiança das mães em promover cuidados que reduzam a incidência desta.23
As práticas preventivas apontadas pelas mães entrevistadas que tiveram relação com autoeficácia foram o aleitamento materno e a higiene do domicílio, sendo considerado um importante achado. Como já citado, tanto as práticas de higiene quanto o aleitamento materno são variáveis referidas na literatura como condutas de prevenção da diarreia.24,25 Esse achado sugere que o conhecimento de práticas eficazes contra a diarreia pode elevar os escores de autoeficácia de mães, ou seja, sua confiança pessoal para prevenir tal agravo em seus filhos. Entretanto, percebeu-se que o número de mães que menciona essas condutas como efetivas no combate desse agravo foi pequeno, reafirmando a carência de conhecimentos sobre práticas preventivas de diarreia.
Como limitações do presente estudo, apontam-se a análise univariada e a amostragem por conveniência, devido à ausência de cálculo de tamanho amostral.
Foi possível observar com o presente estudo que as condições socioeconômicas e ambientais apresentaram associação significante com os níveis de autoeficácia materna para a prevenção da diarreia infantil. Sendo a renda familiar, idade da criança, tipo de casa de tijolo com reboco, destino de lixo, tipo de esgoto e tipo de sanitário serem variáveis que estão envolvidas com a ocorrência de episódios de diarreia quando estas se apresentam precárias, da mesma forma ocorreu com a autoeficácia.
Faz-se necessária a interferência nas condições socioeconômicas e sanitárias como medidas ambientais para prevenção da diarreia, bem como a implementação de estratégias que atuem na autoeficácia de mães para estas tenham sucesso na prevenção da diarreia em seus filhos.
Com relação às condutas e às práticas maternas, as variáveis de higiene da mamadeira com água de sabão e escaldar, os utensílios apresentaram-se como fatores positivos para autoeficácia materna. Da mesma forma, os conhecimentos sobre riscos e causas da diarreia como o calor e a dentição, bem como sobre práticas preventivas da diarreia como higiene do domicílio e a oferta do aleitamento materno foram significativas para os níveis elevados da autoeficácia.
A combinação de conhecimentos sobre o manejo e prevenção da diarreia são fortes aliados para elevados índices de autoeficácia materna para a prevenção da diarreia, tendo em vista que uma mãe que possui conhecimento e apresenta autoeficácia elevada, terá maior probabilidade de colocar em prática os cuidados diários com seu filho para a prevenção da diarreia. Salienta-se ainda a necessidade de intervenções frequentes com as mães de crianças com idade inferior cinco anos, já que tanto a autoeficácia quanto o conhecimento são variáveis modificáveis mediante estratégias direcionadas para esse fim.
Os profissionais de saúde, sobretudo os enfermeiros devem atuar por meio de práticas de educação em saúde para difundir o conhecimento sobre o manejo e prevenção diarreia infantil, bem como devem encorajar as mães a executarem no seu cotidiano tais conhecimentos.