versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774
J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.5 Rio de Janeiro set./out. 2019 Epub 11-Nov-2019
http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190051
O carcinoma de células escamosas (CCE) é uma neoplasia maligna que afeta as estruturas e os tecidos da cavidade oral(1). Essa patologia pode ter origem a partir de uma lesão primária pré-cancerizável que se originou na boca ou ser proveniente de uma metástase(2). Sua etiologia é multifatorial; tabagismo e etilismo são os hábitos que mais exercem influência sobre o câncer oral(1,3). Homens são frequentemente mais afetados do que as mulheres, pois se envolvem mais com os fatores de risco(4). De acordo com a literatura, o câncer oral é a oitava causa mais comum de mortalidade, sendo o carcinoma de células escamosas intraoral (CCEI) a neoplasia maligna mais comum nas membranas mucosas da boca e da orofaringe(5).
As interleucinas (IL) constituem um grupo de citocinas e são umas das principais moléculas que atuam no sistema imunológico, transmitindo sinais entre as células(6). A interleucina 1 (IL-1) e 6 (IL-6) são produzidas no CCE e desempenham papel fundamental para a progressão do processo de carcinogênese. A IL-1 é produzida com o intuito de mediar o sistema de defesa do hospedeiro quando há uma agressão, além de estimular células imunológicas e extravasar os fluidos. A produção de IL-6 ocorre por meio da ativação do fator nuclear kappa B (NF-kB), a partir do estímulo de células linfoides; age de maneira semelhante à IL-1, porém com atividades mais específicas, como em fatores de diferenciação e de crescimento para células T e B(7). A IL-10 também favorece a progressão tumoral; essa citocina regula a diferenciação e a proliferação das células imunes e contribui para evasão imune da imunidade antitumoral(8).
Citocinas sintetizadas a partir de um tumor podem modular uma reação em cascata que eventualmente atuará na progressão do processo de carcinogênese(7). Sabe-se que a produção de IL-6 em quantidades elevadas está presente em processos patológicos, constituindo um importante marcador biológico de diagnóstico(9). Assim, no CCEI, os níveis salivares de IL-1, IL-6 e IL-8 são parâmetros de alta sensibilidade para verificar a progressão da neoplasia(9,10). Além disso, a IL-37, membro da família da IL-1, possui propriedades inibitórias da imunidade inata, com potencial para influenciar os tumores inflamatórios, sendo sugerida como um novo biomarcador de diagnóstico(11).
Diante da ausência de indicações específicas sobre o papel geral das IL no processo de carcinogênese, a presente revisão sistemática tem o objetivo de investigar na literatura se as IL são mediadores que influenciam negativa ou positivamente o prognóstico de pacientes com CCEI.
Trata-se de um estudo de revisão sistemática, realizado segundo as instruções do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (www.prisma-statement.org). As bases de dados PubMed (incluindo MedLine), Scopus, Web of Science, SciELO e Latin American and Caribbean Health Sciences (LILACS) foram utilizadas como fontes de estudo primárias; OpenGrey e OpenThesis, utilizados para pesquisar a "literatura cinzenta". Informações adicionais com relação à estratégia de busca utilizada encontram-se disponíveis na Tabela 1.
TABELA 1 Estratégia de pesquisa utilizada nas bases de dados
Base de dados | Estratégia de pesquisa | Total |
---|---|---|
Palavras-chave | ||
PubMed http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/ |
("mouth" [all fields] OR "mouth" [MeSH terms] OR "oral cavity" [all fields]) AND ("carcinoma, squamous cell" [all fields] OR "carcinoma, squamous cell" [MeSH Terms] OR "squamous cell carcinomas" [all fields] OR "squamous carcinoma" [all fields] OR "epidermoid carcinoma" [all fields] OR "planocellular carcinoma" [all fields]) AND ("interleukins" [all fields] OR "interleukin" [all fields] OR "interleukins" [all fields] OR "interleukin-1" [all fields] OR "interleukin-1" [MeSH terms] OR "IL-1" [all fields] OR "interleukin-6" [MeSH terms] OR "IL-6" [all fields] OR "interleukin-6" [all fields] OR "interleukin-8" [MeSH terms] OR "Interleukin-8" [all fields] OR "IL-8" [all fields]) | 288 |
Scopus http://www.scopus.com/ |
(("mouth" OR "oral cavity") AND ("carcinoma squamous cell" OR "squamous cell carcinomas" OR "squamous carcinoma" OR "epidermoid carcinoma" OR "planocellular carcinoma") AND ("interleukins" OR "interleukin")) | 525 |
Web of Science http://apps.webofknowledge.com/ |
(("mouth" OR "oral cavity") AND ("carcinoma, squamous cell" OR "squamous cell carcinomas" OR "squamous carcinoma" OR "epidermoid carcinoma" OR "planocellular carcinoma") AND ("interleukins" or "interleukin")) | 16 |
LILACS http://lilacs.bvsalud.org/ |
tw:(carcinoma squamous cell AND interleukin) AND (instance:"regional") AND (db:("LILACS")) | 10 |
tw:(epidermoid carcinoma AND interleukin) AND (instance:"regional") AND (db:("LILACS")) | 8 | |
tw:(planocellular carcinoma AND interleukin) AND (instance:"regional") AND (db:("LILACS")) | 8 | |
SciELO http://www.scielo.org/ |
carcinoma squamous cell AND interleukin | 3 |
epidermoid carcinoma AND interleukin | 0 | |
planocellular carcinoma AND interleukin | 0 | |
OpenGrey http://www.opengrey.eu/ |
("planocellular carcinoma" OR "carcinoma squamous cell" OR "epidermoid carcinoma") AND ("interleukin") | 0 |
OpenThesis http://www.openthesis.org/ |
("planocellular carcinoma" OR "carcinoma squamous cell" OR "epidermoid carcinoma") AND ("interleukin") | 82 |
Total | 940 |
O recurso Medical Subject Headings (MeSH) selecionou os descritores oral cavity, mouth, carcinoma squamous cell, carcinoma, oral cavity, squamous cell, squamous cell carcinoma, squamous carcinoma, epidermoid carcinoma, planocellular carcinoma, interleukin, interleukin-1, interleukin-6, interleukin-8, IL-1, IL-6 e IL-8, unidos pelos operadores booleanos and e or.
Foram incluídos: 1. estudos observacionais sem restrição do período, do idioma e do status de publicação; 2. estudos que identificaram a relação entre a(s) IL(s) analisadas e a influência delas no prognóstico do CCEI. Foram excluídos: 1. estudos que não apresentavam como conteúdo o objetivo da presente revisão sistemática; 2. estudos in vitro; 3. estudos realizados em animais; 4. relatos de caso, carta ao editor e/ou editoriais, revisão da literatura, livros e capítulos de livros, índices e resumos; 5. estudos que analisaram os níveis de IL, mas não avaliaram a relação com o prognóstico em pacientes com CCEI.
A coleta de dados foi realizada em duas fases: na primeira, os títulos e os resumos foram sistematicamente examinados pelo revisor, para conferir os critérios de elegibilidade (com acesso ao nome dos autores e das revistas). Aqueles que apresentaram título de acordo com os critérios de elegibilidade, mas os resumos não estavam disponíveis, também foram obtidos e analisados na íntegra; na segunda, os estudos elegíveis preliminarmente tiveram o texto completo avaliado com o objetivo de verificar se contemplavam os critérios de elegibilidade. Em casos específicos, quando o estudo com potencial de elegibilidade apresentasse dados incompletos, os autores eram contatados por e-mail para fornecerem mais informações. Após a triagem completa, os textos dos artigos selecionados foram reexaminados e seus dados extraídos de forma padronizada, contendo: autoria, ano de publicação e local do estudo, IL, tipo de estudo, amostra, métodos de evidenciação dos níveis da(s) IL(s) e desfecho principal.
Os estudos selecionados foram avaliados quanto ao risco de viés e à qualidade individual, utilizando o checklist obtido por meio das ferramentas de avaliação crítica, do instituto Joanna Briggs, para uso em revisões sistemáticas(12). O revisor avaliou o risco de viés e a qualidade individual dos estudos, os quais foram classificados em alto, moderado ou baixo risco de viés. Nesse momento, a revisão foi cega para os autores e as revistas, evitando qualquer viés de seleção e possíveis conflitos de interesse. A busca foi realizada em agosto de 2017. Os resultados foram exportados para o software desktop Mendeley 1.13.3 (Mendeley TM Ltd, Londres, Reino Unido), no qual a duplicidade foi verificada.
Todos os estudos incluídos foram publicados em inglês. Um estudo foi realizado no Brasil(13); um, na China(14); dois, na Croácia(15,16); dois, na Índia(17,18); um, na Inglaterra(19); um, no Irã(20); três, no Japão(21-23); um, no Paquistão(24); um, no Reino Unido(25); e dois, em Taiwan(26,27). Um resumo das características descritivas dos artigos incluídos encontra-se na Tabela 2.
TABELA 2 Características gerais dos estudos
Interleucinas | Autores, ano de publicação e local do estudo | Tipo de estudo | Amostra | Método de evidenciação dos níveis da interleucina | Desfecho principal |
---|---|---|---|---|---|
IL-4 | Oliveira et al. (2009) Brasil |
Prospectivo | 35 pacientes com CCEI (26 M e 9 F) |
Biópsia tecidual e imuno-histoquímica |
Níveis elevados de IL-4 parecem não estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI |
Mojtahedi et al. (2012) Irã |
Transversal | 87 pacientes (grupo-controle: 53; grupo com CCEI: 34) |
ELISA em amostras de sangue |
Níveis elevados de IL-4 parecem não estar relacionados com o pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Aziz et al. (2015) Paquistão |
Transversal | 63 pacientes [51 M e 12 F (grupo-controle: 33; grupo com CCEI: 30) |
ELISA em amostras de saliva |
Níveis elevados de IL-4 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
IL-6 | Oliveira et al. (2009) Brasil |
Prospectivo | 35 pacientes com CCEI (26 M e 9 F) |
Biópsia tecidual e imuno-histoquímica |
Níveis elevados de IL-6 parecem não estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI |
Sato et al. (2010) Japão |
Prospectivo | 48 pacientes [27 M e 21 F (grupo-controle: 19; grupo com CCEI: 29)] |
ELISA em amostras de saliva |
Níveis elevados de IL-6 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Chang et al. (2013) Taiwan |
Transversal | 466 pacientes (grupo-controle: 125; grupo com lesões pré-malignas: 104; grupo com CCEI: 237) |
ELISA em amostras de sangue |
Níveis elevados de IL-6 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Juretic et al. (2013) Croácia |
Transversal | 57 pacientes [31 M e 26 F (grupo-controle: 19; grupo com lesões pré-malignas: 19; grupo com CCEI: 19)] |
ELISA em amostras de saliva |
Níveis elevados de IL-6 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Skrinjar et al. (2015) Croácia |
Prospectivo | 67 pacientes [49 M e 18 F (grupo-controle: 31; grupo com CCEI: 36)] |
ELISA em amostras de saliva |
Níveis elevados de IL-6 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Jinno et al. (2015) Japão |
Transversal | 78 pacientes com CCEI (52 M e 26 F) |
Biópsia tecidual e imuno-histoquímica |
Níveis elevados de IL-6 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Panneer e Sdaksharam (2015) India |
Transversal | 75 pacientes [63 M e 12 F (grupo-controle: 25; grupo com leucoplasia: 25; grupo com CCEI: 25)] |
ELISA em amostras de saliva |
Níveis elevados de IL-6 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
IL-8 | Oliveira et al. (2009) Brasil |
Prospectivo | 35 pacientes com CCEI (26 M e 9 F) |
Biópsia tecidual e imuno-histoquímica |
Níveis elevados de IL-8 parecem não estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI |
Fujita et al. (2014) Japão |
Transversal | 58 pacientes [37 M e 21 F (grupo-controle: 8; grupo com CCEI: 50)] |
ELISA em amostras de sangue |
Níveis elevados de IL-8 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Rajkumar et al. (2014) India |
Transversal | 300 pacientes [204 M e 96 F (grupo-controle: 100; grupo com leucoplasia: 50; grupo com fibrose submucosa: 50; grupo com CCEI: 100)] |
ELISA em amostras de saliva e de sangue |
Níveis elevados de IL-10 parecem não estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
IL-10 | Alhamarneh et al. (2011) Reino Unido |
Transversal | 61 pacientes (grupo-controle: 40; grupo com CCEI: 21) |
ELISA em amostras de sangue |
Níveis elevados de IL-10 parecem não estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI |
Green et al. (2012) Inglaterra |
Transversal | 61 pacientes (grupo-controle: 40; grupo com CCEI: 21) |
ELISA em amostras de sangue |
Níveis elevados de IL-10 parecem não estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Mojtahedi et al. (2012) Irã |
Transversal | 87 pacientes (grupo-controle: 53; grupo com CCEI: 34) |
ELISA em amostras de sangue |
Níveis elevados de IL-10 parecem não estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Chen et al. (2013) Taiwan |
Retrospectivo | 325 pacientes (252 M e 73 F) |
Biópsia tecidual e imuno-histoquímica |
Níveis elevados de IL-10 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Wang et al. (2014) China |
Transversal | Grupo com CCEI: 240 (152 M e 88 F) |
Biópsia tecidual e imuno-histoquímica |
Níveis elevados de IL-10 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
Aziz et al. (2015) Paquistão |
Transversal | 63 pacientes [51 M e 12 F (grupo-controle: 33; grupo com CCEI: 30)] |
ELISA em amostras de saliva |
Níveis elevados de IL-10 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
IL-12 | Oliveira et al. (2009) Brasil |
Prospectivo | 35 pacientes com CCEI (26 M e 9 F) |
Biópsia tecidual e imuno-histoquímica | Níveis elevados de IL-12 parecem não estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI |
Green et al. (2012) Inglaterra |
Transversal | 61 pacientes (grupo-controle: 40; grupo com CCEI: 21)] |
ELISA em amostras de sangue |
Níveis elevados de IL-12 parecem não estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI | |
IL-13 | Aziz et al. (2015) Paquistão |
Transversal | 63 pacientes [51 M e 12 F (grupo-controle: 33; grupo com CCEI: 30)] |
ELISA em amostras de saliva |
Níveis elevados de IL-13 parecem estar relacionados com pior prognóstico em pacientes com CCEI |
IL: interleucina; CCEI: carcinoma de células escamosas intraoral; M: masculino; F: feminino; ELISA: ensaio de imunoabsorção enzimática.
Entre os 15 estudos selecionados, oito apresentaram baixo risco de viés(14-19,25-27); quatro, moderado risco de viés (20,22-24); e três, alto risco de viés(13,16,21). Informações detalhas sobre a avaliação do risco de viés individual dos estudos encontram-se disponíveis na Tabela 3.
TABELA 3 Risco de viés individual específico para cada tipo de estudo
Autores e ano | Q.1 | Q.2 | Q.3 | Q.4 | Q.5 | Q.6 | Q.7 | Q.8 | % sim/risco | Risco de viés | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Alhamarneh et al. (2011) | √ | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 75% | + | |||
Green et al. (2012) | √ | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 75% | + | |||
Mojtahedi et al. (2012) | I | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 62,5% | ++ | |||
Chang et al. (2013) | √ | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 75% | + | |||
Chen et al. (2013) | √ | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 75% | + | |||
Juretic et al. (2013) | √ | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 75% | + | |||
Fujita et al. (2014) | I | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 62,5% | ++ | |||
Rajkumar et al. (2014) | √ | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 75% | + | |||
Wang et al. (2014) | √ | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 75% | + | |||
Aziz et al. (2015) | I | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 62,5% | ++ | |||
Jinno et al. (2015) | I | √ | √ | √ | I | I | √ | √ | 62,5% | ++ | |||
Panner and Sadaksharam (2015) | √ | √ | √ | √ | I | I | I | √ | 75% | + | |||
Autores e ano | Q.1 | Q.2 | Q.3 | Q.4 | Q.5 | Q.6 | Q.7 | Q.8 | Q.9 | Q.10 | Q.11 | % sim/risco | Risco de viés |
Oliveira et al. (2009) | √ | √ | √ | -- | -- | -- | √ | U | U | U | √ | 45,4% | +++ |
Sato et al. (2010) | -- | √ | √ | -- | -- | -- | √ | U | U | U | √ | 36,3% | +++ |
Skrinjar et al. (2015) | -- | √ | √ | -- | -- | -- | √ | √ | U | U | √ | 45,4% | +++ |
Estudos transversais - Q.1: os critérios de inclusão da amostra foram claramente definidos? Q.2: a estrutura metodológica dos estudos foi descrita em detalhes? Q.3: a exposição foi medida de forma válida e confiável? Q.4: os critérios utilizados para medir a condição foram objetivos? Q.5: os fatores de confusão foram identificados? Q.6: foram abordadas estratégias para lidar com fatores de confusão identificados? Q.7: os resultados foram medidos de forma válida e confiável? Q.8: foi utilizada análise estatística apropriada?
Estudos de coorte - Q.1: os dois grupos foram similares e recrutados na mesma população? Q.2: as exposições foram medidas de forma semelhante para atribuir pessoas a grupos expostos e não expostos? Q.3: a exposição foi medida de forma válida e confiável? Q.4: os fatores de confusão foram identificados? Q.5: foram abordadas estratégias para lidar com fatores de confusão identificados? Q.6: os grupos/participantes foram livres do resultado no início do estudo (ou no momento da exposição)? Q.7: os resultados foram medidos de forma válida e confiável? Q.8: o tempo de acompanhamento foi relatado e suficiente para que os resultados ocorram? Q.9: o acompanhamento foi completo e, caso contrário, os motivos da perda de seguimento foram descritos e explorados? Q.10: foram implementadas estratégias para abordar o acompanhamento incompleto? Q.11: foi utilizada análise estatística apropriada? √: sim; --: não; I: incerto; NA: não aplicável; +++: alto; ++: moderado; +: baixo.
Houve certo grau de heterogeneidade entre os estudos incluídos, os quais mostraram diferenças quanto ao tipo de estudo, aos tipos de IL avaliadas, aos métodos de evidenciação das IL e ao desfecho principal. Portanto, não foi possível a realização de uma meta-análise.
A IL-4 foi avaliada em três estudos(13,20,24). Somente os resultados de um deles(24) mostrou que níveis elevados de IL-4 em pacientes com CCEI parecem estar relacionados com pior prognóstico. A IL-6 foi avaliada em sete estudos(13,15,16,18,21,23,26). Exceto em um estudo(13), os resultados dos demais mostraram que níveis elevados de IL-6 em pacientes com CCEI parecem estar relacionados com pior prognóstico. A IL-8 foi avaliada em três estudos(13,17,22). Com exceção de um estudo(13), os resultados dos demais mostraram que níveis elevados de IL-8 em pacientes com CCEI parecem estar relacionados com pior prognóstico. A IL-10 foi avaliada em seis estudos(14,19,20,24,25,27). De acordo com os resultados da metade deles(14,24,27), níveis elevados de IL-10 em pacientes com CCEI parecem estar relacionados com pior prognóstico. A IL-12 foi avaliada em dois estudos(13,19). Os resultados dessas pesquisas mostraram que níveis elevados de IL-12 em pacientes com CCEI parecem não estar relacionados com pior prognóstico. A IL-13 foi avaliada em um estudo(24). Os resultados mostraram que níveis elevados de IL-13 em pacientes com CCEI parecem estar relacionados com pior prognóstico.
Queríamos verificar o papel geral das IL diante do processo da carcinogênese, correlacionando suas ações com o prognóstico de pacientes com CCEI. De acordo com os resultados dos estudos incluídos na presente revisão, foi perceptível que a maioria das IL analisadas vincula-se a um pior prognóstico em pacientes com CCEI.
A imunossupressão em pacientes com câncer é um fenômeno bem estabelecido e pode incluir alterações nas citocinas e no equilíbrio das populações de células imunes(28). Os linfócitos T auxiliares desempenham papel fundamental no controle da resposta imune e subdividem-se nas células T-helper 1 (Th1) e T-helper 2 (Th2). Suas diferenças encontram-se nos mediadores sintetizados e nas respostas induzidas. A linhagem Th1 é responsável pela promoção da imunidade mediada por células e atua em vias anticancerígenas, secretando mediadores como interferon-γ (IFN-γ), que ativa macrófagos, linfócitos T citotóxicos e células natural killer (NK). A linhagem Th2 induz resposta humoral e é responsável pela secreção de IL, como a IL-4, que favorece a progressão do tumor por meio da inibição dos mediadores secretados pelas células Th1(29,30). O desequilíbrio funcional entre os mediadores secretados pelas células Th1 e Th2, que favorecem as IL secretadas pelas linhagens de células Th2, foi responsável pela progressão do CCE de cabeça e pescoço(31).
A IL-4 apresenta propriedades antiangiogênicas que podem inibir a progressão tumoral(32). Porém, essa mesma IL possui propriedade antiapoptótica, que pode auxiliar na proteção imune do tumor, além de favorecer o crescimento tumoral(33). Essa dupla atuação da IL-4 tem influenciado a elevação de seus níveis e o pior prognóstico dos pacientes portadores do CCEI(24).
De acordo com os resultados da presente revisão, níveis elevados de IL-6 parecem estar relacionados com prognóstico desfavorável em pacientes com CCEI. A relação das metástases linfáticas com a IL-6 ocorre através da estimulação da proliferação de vasos linfáticos por meio da sinalização da expressão de fator de crescimento endotelial vascular C (VEGF-C), que é regulada pela via PI3K-Akt e estimulada pela sinalização na IL-6R. A ligação da IL-6 com a IL-6R inicia a homodimerização de gp130 e aciona cascatas de sinalização através dos caminhos JAK-STAT, Ras-MAPK e PI3K-Akt; esta é essencial para a regulação da expressão de ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) de VEGF-C por IL-6 nas células tumorais, favorecendo tanto o desenvolvimento de metástases linfáticas quanto o pior prognóstico da doença(34). A homodimerização de gp130 e a ativação de cascatas de sinalização, em um estudo da amostra, foram relacionadas com a ativação constitutiva de signal transducers and activators of transcription (STAT3) como fator contribuinte para o processo de carcinogênese em uma variedade de malignidades. Os autores também observaram a associação com a IL-6, evidenciando que a ativação da STAT3 ocorreu entre IL-6 e IL-6R no microambiente tumoral, mostrando-nos que a elevada expressão da citocina foi positivamente correlacionada com a progressão do tumor e o pior prognóstico(23).
Um estudo(35) avaliou a expressão de polimorfismos da metaloproteinase da matriz-1 (MMP-1) e da IL-8 no CCE de língua; os dados dessa pesquisa sugerem que essas proteínas não estão fortemente associadas ao processo de carcinogênese da referida patologia, apesar de poderem contribuir durante a progressão dessa lesão neoplásica por meio da regulação positiva do gene para MMP-1 e para IL-8. As metaloproteinases atuam como meio de suporte para o crescimento tumoral, seja modulando a matriz extracelular, seja regulando a liberação de fatores de crescimento e/ou induzindo a angiogênese(36). A MMP-1 esteve vinculada ao processo de degradação do colágeno tipo I, favorecendo a invasão tumoral e o processo de metástase(37).
Um estudo verificou a presença de dois receptores (IL-8A e IL-8B) para IL-8 em CCE de cabeça e pescoço, estando o receptor A relacionado com pior prognóstico(38). Esse receptor é específico para IL-8, ao passo que diversas citocinas também possuem afinidade com o receptor tipo B(35). Consequentemente, os autores sugerem relação positiva entre a IL-8 e a progressão da lesão tumoral em conjunto com o processo de metástase.
Na pesquisa de um dos estudos selecionados para esta revisão(22), 27 entre 50 componentes da amostra estavam em estado inicial (estágio I/II) do CCEI, apresentaram níveis séricos mais baixos de IL-8 e tendiam a sobreviver por mais tempo quando comparados com os indivíduos em estágios mais avançados (estágio III/IV) e com níveis séricos mais elevados dessa IL. É possível que a presença de elevados níveis de IL-8 leve a um fraco prognóstico por meio da geração e da ativação de macrófagos M2, os quais também secretam a IL-8 e o VEGF-C - proteínas que intensificam a angiogênese no ambiente tumoral e favorecem a expansão do tumor(39). Além disso, os autores dessa pesquisa(22), por meio de resultados in vitro, supõem que o aumento na geração de macrófagos M2 pode causar um desfecho clínico desfavorável por meio da secreção de IL-10, uma citocina imunossupressora.
A IL-10 tem como principal fonte os macrófagos teciduais, além de poder ter sua síntese por meio de linfócitos T, linfócitos B, mastócitos, eosinófilos e queratinócitos(40). Essa interleucina regula a diferenciação e a proliferação das células imunes, assim como contribui para evasão imune da imunidade antitumoral, por interferência na regulação da expressão do complexo de histocompatibilidade principal (MHC) classe I ou inibição da ativação e da função das células T(7). De acordo com resultados de dois estudos(14,27), elevados níveis de IL-10 parecem estar relacionados com piores prognósticos em relação ao CCEI. A IL-10 induz um fenótipo M2 polarizado e inibe a síntese de citocinas pró-inflamatórias, como o IFN-γ e o fator necrótico tumoral alfa (TNF-α), que favorecem o surgimento de imunossupressão local e permitem a progressão tumoral(41).
Apesar de evidências reforçarem o papel da IL-10 na progressão tumoral, estudos realizados(19,25) apresentaram resultados contrários a essa afirmativa. Segundo dados desses estudos, não houve diferença significativa quanto aos níveis da IL-10 entre os pacientes com CCEI e o grupo-controle nem influência no prognóstico e no tempo de sobrevida. Esses resultados foram inversos quando o sítio do carcinoma esteve localizado em outra região da cabeça e do pescoço. Dessa forma, alguns autores sugerem que é possível haver individualidade no perfil da resposta imune tumoral correlacionada com o sítio primário do desenvolvimento do CCE(19).
Geralmente, o crescimento tumoral associa-se à capacidade de evasão do ataque instituído pelo sistema imunológico do hospedeiro. No processo de carciogênese ocorre alteração da função imune entre as células Th1 e Th2, o que favorece a resposta imunossupressiva mediada pelas células Th2 e estimula a progressão do tumor(30). Um dos possíveis determinantes para a desregulação funcional entre essas duas linhagens celulares envolve o desequilíbrio de IL participantes da integração de suas funções(42). Um estudo verificou que, após a administração de IL-12 na região intratumoral, houve maior expressão da resposta imune via células Th1(43). Ademais, outro estudo constatou maior sobrevida em pacientes que apresentaram maior expressão de IL-12 no tecido tumoral(44). Assim, supõe-se que a atuação dessa IL em ambiente tumoral pode elevar a sobrevida(19).
Entre os estudos incluídos na presente revisão, apenas um avaliou a atuação da IL-13 no processo de carcinogênese, a qual se associou ao pior prognóstico em pacientes com CCEI(24). A IL-13 pode inibir a secreção de IFN-γ e a atividade de linfócitos T citotóxicos, dificultando, dessa forma, a atuação da resposta imune antitumoral(45). A IL-13 auxilia a defesa das células tumorais diante da resposta imune, também atua como fator de crescimento autócrino e estimula a progressão tumoral, a metástase e a resposta antiapoptótica em algumas neoplasias malignas(24).
De acordo com os resultados dos estudos selecionados para esta revisão sistemática, IL-4, IL-6, IL-8, IL-10 e IL-13 tendem a apresentar uma resposta relacionada com a intensificação do processo de carcinogênese, ao passo que níveis elevados de IL-12 não estiveram associados ao prognóstico desfavorável em pacientes portadores do CCEI.