versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.5 Rio de Janeiro maio 2020 Epub 08-Maio-2020
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020255.04442018
A asma caracteriza-se por inflamação crônica, hiper-responsividade brônquica e limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com broncodilatadores. A sua determinação é marcada por uma miríade de fatores1,2.
No Brasil, mesmo com a queda no número de hospitalizações, a asma ocupa o terceiro maior custo financeiro do Sistema Único de Saúde (SUS) nesta categoria3. Apesar de estudos comprovarem redução das hospitalizações em Minas Gerais4 e Belo Horizonte (BH)5, a queda em BH tem sido menos impactante para populações residentes em áreas mais vulneráveis à saúde, caracterizadas como vilas e favelas6, remetendo ao caráter de iniquidade deste agravo em saúde.
De acordo com o Nacional Heart, Lung, and Blood Institute são vários os fatores que propiciam e interagem na exacerbação da asma. São fatores ligados às características dos indivíduos e estilos de vida e também relacionados ao ambiente, tais como infecções virais do trato respiratório inferior (IVTRI), contato com alérgenos indoor e outdoor e mudanças meteorológicas2,7,8. Ressalta-se que todos os fatores são potencialmente mediados pela condição socioeconômica2.
Os vírus respiratórios têm sido reconhecidos como importantes no crescimento acentuado dos episódios de sibilância e exacerbação por asma, principalmente em crianças com idade inferior a dois anos. O vírus sincicial respiratório (VSR) é reconhecido como um dos maiores responsáveis pelos episódios de sibilância nessas crianças9.
Outro importante fator relacionado ao disparo da crise asmática em pessoas suscetíveis é o efeito do clima. Estudos conduzidos em diferentes regiões do mundo, inclusive do Brasil, têm encontrado associação entre hospitalizações por asma e estações climáticas10-12. Entretanto, o papel dos fatores meteorológicos (temperatura, precipitação acumulada e umidade relativa) no mecanismo da indução e/ou agravamento da asma ainda não é claro em nosso meio.
No inverno, o aumento do ar frio pode comprometer a função pulmonar em pacientes com asma e induzir broncoespasmo13. Também, períodos com menos horas de sol e mais chuvosos propiciam o aumento da umidade intradomiciliar, a proliferação fúngica, a aglomeração dos residentes e a transmissibilidade viral14,15. Ainda, as emissões de gases de efeito estufa aceleram o aquecimento global e com isso elevam a temperatura no inverno e na primavera, causando antecipação e aumento do período de polinização das plantas. A concentração dos esporos alérgenos circulantes favorecem os níveis de poluentes, trabalhando em sinergismo na determinação da difusão e agregação dos gases na atmosfera7. Tudo isso pode ocasionar aumento da exposição humana a esses gases, podendo induzir a crise de asma e o aumento da suscetibilidade de indivíduos predispostos15.
Sabendo que a interação entre o clima e a saúde é específica em relação à localização geográfica, compreender os padrões sazonais locais e os gatilhos ambientais associados se faz importante, notadamente em áreas geográficas nas quais estudos desta natureza com um largo período de investigação, não foram encontrados.
Diante disso, os objetivos do estudo foram: a) avaliar a influência dos fatores climáticos (temperaturas máxima e mínima, precipitação acumulada e umidade relativa) nas hospitalizações por asma e por infecções virais do trato respiratório inferior em crianças e adolescentes residentes em BH, no período de 2002 a 2012, e estimar períodos epidêmicos para hospitalização por asma; b) comparar o padrão sazonal local das hospitalizações por asma e IVTRI em BH no mesmo período.
Os achados do presente estudo poderão contribuir no manejo da asma, nos programas de prevenção e de cuidados de saúde para este agravo, além da melhor alocação da atenção e recursos durante os períodos epidêmicos, com o intuito de mitigar o agravamento da doença e consequente hospitalização.
A inclusão da bronquiolite viral, neste estudo, permitirá a análise do comportamento desta doença associado às mudanças climáticas, nas crianças de 0-4 anos, entendendo que muitas vezes a criança apresenta sintomas comuns da asma. Observar o comportamento de ambas poderá trazer uma confirmação diagnóstica mesmo em crianças abaixo de 4 anos.
Foi realizado estudo observacional descritivo e de séries temporais, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, no período de 2002 a 2012.
Belo Horizonte (BH), capital do estado de Minas Gerais, está situada na região Sudeste do Brasil e possui população de 2.375.151 habitantes, área de 331,4 km2, com densidade populacional de 7.167,02 habitantes/km2. Possui altitude média de 900 metros, latitude de 19,9ºS e longitude de 43,9ºW16.
Apresenta clima subtropical, com verão chuvoso e inverno seco. A temperatura média mensal é de 23ºC no verão (dezembro a março) e 19ºC no inverno (junho a setembro), sendo que durante o inverno ocorre o fenômeno de inversão térmica. A precipitação anual é de cerca de 1.450 mm e a direção predominante de vento é leste-nordeste16.
Foram obtidas por meio das guias de Autorização de Internação Hospitalar (AIH), emitidas pelos hospitais e fornecidas pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA/PBH). Para este estudo, todas as hospitalizações com diagnóstico principal de asma a partir da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) – J45 a J46 – em crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, que residiam em Belo Horizonte e internaram em hospitais públicos e/ou conveniados com o Sistema Único de Saúde de Belo Horizonte (SUS-BH) foram incluídas. As hospitalizações foram categorizadas nas seguintes faixas etárias: 0-4, 5-9 e 10-14 anos.
A fonte de informações utilizada para obter as taxas de hospitalizações por bronquiolite de crianças de 0 a 4 anos, que residiam em BH e internaram em hospitais conveniados ao SUS-BH, também foi a AIH. Abrangeu os códigos J21, J21.0, J21.8 e J21.9 como diagnóstico principal da CID-10, no mesmo período (1º de janeiro de 2002 a 31 de dezembro de 2012). A restrição à faixa etária de 0-4 anos deveu-se ao conhecimento prévio de que 98% das hospitalizações por bronquiolite registradas nas AIH ocorreram nesta faixa de idade, na cidade e no período estudado.
Para o cálculo da taxa de hospitalização anual, foi aplicada a correção da população considerando-se a necessidade de conciliação demográfica, tendo em vista a omissão na enumeração do total de pessoas no Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 201016. Essa omissão para menores de cinco anos foi da ordem de 15 a 16% para meninos e meninas, respectivamente, e de 13% para os grupos etários de cinco a nove anos. Foi então aplicado um fator de correção uniforme equivalente a 14,6% nessas faixas etárias.
Ademais, foi calculada a taxa média anual de crescimento com base nas modificações demográficas de acordo com áreas delimitadas, tais como cidade formal e vilas/favelas. Estimando-se a população-base de 2010, a partir da população de 2000, calculou-se a taxa de crescimento da coorte no período intercensitário para a cidade17, possibilitando o cálculo anual da população. As taxas de hospitalização foram calculadas a partir do número de hospitalizações por mês e por ano, tanto para a asma como para a bronquiolite de acordo com os estratos etários em estudo.
Os dados meteorológicos da temperatura máxima e mínima (ºC), umidade relativa (%) e precipitação acumulada (mm) foram disponibilizados pelo Laboratório de Climatologia da PUC Minas - TempoClima e Prefeitura de Belo Horizonte CMAR/COMDEC obtidos a partir da Estação Convencional de Belo Horizonte - MG (Organização Meteorológica Mundial - OMM:83587) e pertencente ao Instituto Nacional de Meteorologia (INMET)18.
As informações foram obtidas para todos os meses (132 meses) durante os 11 anos. O presente estudo utilizou a média mensal destes dados, para todos os anos.
Foram compostas pela descrição das taxas anuais de hospitalização por asma e bronquiolite estratificadas por faixa etária, além das médias mensais das variáveis meteorológicas e do número de hospitalizações por asma (0-14 anos) e bronquiolite (0-4 anos) ocorridas em BH, de 2002 a 2012.
Utilizou-se a correlação linear de Pearson para avaliar a relação das taxas de hospitalização por asma e bronquite com os dados meteorológicos. Os efeitos das variáveis meteorológicas foram analisados por modelos de regressão de Poisson utilizando como variáveis dependentes as taxas de hospitalizações por asma de 0-14 e de 0-4 anos e as taxas de hospitalização por bronquiolite de 0-4 anos. Para avaliar possível efeito tardio das variáveis meteorológicas nas taxas de hospitalizações no modelo de Poisson, as variáveis do clima foram regredidas de um e dois meses antes da data da hospitalização.
Estudos de sazonalidade requerem abordagem de séries temporais. Para isto, modelos estatísticos Auto-Regressive Integrated Moving Average (ARIMA)19 foram empregados para capturar o comportamento de cada variável ao logo do tempo, em função dos seus valores passados. O modelo utilizado faz parte da classe ARIMA (p,d,q) x (P,D,Q)[S], em que p é a ordem do processo auto-regressivo (AR), q é a ordem do processo média móvel (MA), d é o número de diferenças na série original, P é a ordem do processo AR- sazonal, Q é a ordem do processo MA - sazonal e D é o número de diferenças no processo sazonal19. Analisaram-se as tendências do número de hospitalizações para os anos de 2013, 2014 e 2015 e seus intervalos de confiança. As diferenças de ordem d e D são necessárias para eliminar tendências observadas na série temporal (simples e sazonal) transformando-as em séries estacionárias.
Foi também realizado um procedimento para validar o modelo, no qual previsões foram realizadas para os dados do número de hospitalizações por asma dos anos de 2011 e 2012 com o modelo estatístico ARIMA estimado sem essas observações. Para avaliação da capacidade preditiva do modelo utilizou-se o erro médio absoluto (EMA), que é a média dos erros absolutos de previsão, calculado através da equação:
em que yiobs é o número de hospitalizações observadas, ŷi é o número de hospitalizações previstas pelo modelo ARIMA ajustado e n é o número de observações previstas, que nesse caso especificamente corresponde a 24 observações.
Os dados foram processados e analisados no software R, pacote estatístico STATA e sendo o nível de significância de 5% utilizado para avaliar a significância estatística dos testes de hipóteses realizados.
O estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais.
No período do estudo ocorreram 32.978 hospitalizações por asma de crianças/adolescentes de 0-14 anos, sendo, 18.962 (57,5%) do sexo masculino e 14.016 (42,5%) do sexo feminino. As taxas de hospitalizações por faixa etária podem ser vistas na Tabela 1.
Tabela 1 Taxa anual de hospitalização por asma e bronquiolite estratificada por faixa etária no período de 2002 a 2012, em BH*.
Ano | Faixa Etária | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
0-4 | 5-9 | 10-14 | ||||||
Asma | Bronquiolite | Asma | Asma | |||||
Nº | Taxa | Nº | Taxa | Nº | Taxa | Nº | Taxa | |
2002 | 3.716 | 21,45 | 412 | 2,38 | 683 | 3,67 | 109 | 0,59 |
2003 | 3.326 | 19,31 | 456 | 2,68 | 611 | 3,32 | 142 | 0,77 |
2004 | 3.366 | 19,66 | 508 | 3,03 | 682 | 3,75 | 127 | 0,70 |
2005 | 2.699 | 15,85 | 374 | 2,27 | 613 | 3,40 | 130 | 0,72 |
2006 | 2.214 | 13,08 | 406 | 2,50 | 480 | 2,69 | 86 | 0,48 |
2007 | 2.148 | 12,76 | 395 | 2,47 | 525 | 2,98 | 111 | 0,63 |
2008 | 1.893 | 11,31 | 604 | 3,84 | 506 | 2,90 | 102 | 0,58 |
2009 | 1.699 | 10,20 | 423 | 2,73 | 423 | 2,45 | 105 | 0,61 |
2010 | 1.773 | 10,70 | 536 | 3,52 | 469 | 2,74 | 118 | 0,69 |
2011 | 1.612 | 9,73 | 583 | 3,83 | 408 | 2,40 | 98 | 0,58 |
2012 | 1.480 | 8,93 | 911 | 5,98 | 417 | 2,47 | 107 | 0,64 |
Total | 25.926 | 5.608 | 5.817 | 1.235 |
*Taxa de hospitalização por 1.000.
De acordo com a Tabela 1, a faixa etária que mais apresentou hospitalização por asma foi a de 0-4 anos (25.926), seguida da de 5-9 (5.817) e de 10-14 (1.235). Percebe-se também a redução da taxa de hospitalização, ao longo dos anos, para todos os estratos de faixa etária.
Já as taxas de hospitalizações por bronquiolite na faixa etária de 0-4 anos, diferentemente da asma, mostraram um aumento com o passar dos anos (Tabela 1).
Verificada a média mensal do número de hospitalizações por asma e bronquiolite, as mais altas para hospitalização por asma foram nos meses de março, abril e maio. Para a bronquiolite foram nos meses de maio, junho e julho (Tabela 2). A correlação de Pearson entre o número de hospitalizações por asma e bronquiolite, ambas para crianças de 0-4 anos, foi positiva e significativa a 5% de significância (0,30, p = 0,001).
Tabela 2 Médias mensais das variáveis meteorológicas e do número de hospitalizações por asma (0-14 anos) e bronquiolite (0-4 anos) ocorridas em BH, de 2002 a 2012.
Asma | Bronquiolite | Temperatura máxima | Temperatura mínima | Precipitação acumulada | Umidade | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Período Chuvoso | OUT | 188 | 24 | 29 | 19 | 109 | 59 |
NOV | 176 | 24 | 28 | 19 | 255 | 68 | |
DEZ | 165 | 22 | 28 | 20 | 403 | 71 | |
JAN | 160 | 28 | 28 | 20 | 358 | 71 | |
FEV | 270 | 25 | 29 | 20 | 176 | 66 | |
MAR | 431 | 45 | 28 | 20 | 209 | 69 | |
ABR | 338 | 44 | 28 | 20 | 184 | 67 | |
Média | 247 | 30 | 28 | 20 | 242 | 67 | |
Período Seco | MAI | 371 | 86 | 26 | 17 | 23 | 63 |
JUN | 260 | 71 | 25 | 16 | 11 | 62 | |
JUL | 184 | 55 | 25 | 15 | 6 | 57 | |
AGO | 194 | 32 | 27 | 16 | 10 | 53 | |
SET | 171 | 24 | 28 | 17 | 55 | 54 | |
Média | 236 | 54 | 26 | 16 | 21 | 58 |
Observam-se também, na Tabela 2, duas estações climáticas bem definidas na cidade: chuvosa, caracterizada por aumento da umidade e temperatura mínima; e seca, com umidade relativa mais baixa. A temperatura máxima sofre pouca variação entre os períodos.
Ao analisar a inter-relação entre as variáveis meteorológicas por meio da correlação de Pearson observou-se, como esperado, correlações significativas (5% de significância) entre temperatura máxima e temperatura mínima (r = 0,83, p < 0,01); umidade relativa e precipitação acumulada (r = 0,68, p < 0,01), precipitação acumulada e temperatura mínima (r = 0,55, p < 0,01), umidade relativa e temperatura mínima (r = 0,45, p < 0,01); precipitação acumulada e temperatura máxima (r = 0,28, p < 0,01) e, finalmente, correlação muito fraca, negativa e não significativa entre temperatura máxima e umidade relativa (-0,03, p = 0,76).
No modelo de regressão de Poisson das taxas de hospitalizações por asma e variáveis meteorológicas, observou-se que o incremento de 1mm na precipitação correspondeu a um decréscimo de 1% na taxa de hospitalização por mês e, cada incremento na unidade de umidade relativa correspondeu a um aumento de aproximadamente 5% na taxa de hospitalização por asma por mês. Os achados foram observados para ambos os estratos de faixa etária 0-14 e 0-4 anos (Tabela 3) e foram estatisticamente significativos a 5% de significância.
Tabela 3 Modelo final da associação das taxas de hospitalizações por asma e bronquiolite e variáveis climáticas, do período de 2002 a 2012 em BH.
Hospitalização | Coeficiente | DP | p-valor | IC (95%) | |
---|---|---|---|---|---|
Asma 0-14 anos | |||||
Precipitação | 0,99 | 0,0003 | <0,001 | 0,997 | 0,998 |
Umidade | 1,05 | 0,0060 | <0,001 | 1,037 | 1,063 |
Asma 0-4 anos | |||||
Precipitação | 0,99 | 0,0002 | <0,001 | 0,997 | 0,998 |
Umidade | 1,05 | 0,0042 | <0,001 | 1,040 | 1,057 |
Bronquiolite 0-4 anos | |||||
Temperatura máxima | 0,79 | 0,0486 | <0,001 | 0,701 | 0,892 |
Precipitação | 0,99 | 0,0005 | <0,001 | 0,997 | 0,999 |
Para as hospitalizações por bronquiolite, de 0 a 4 anos, o aumento de 1ºC na temperatura máxima correspondeu a um decréscimo de 21% na taxa de hospitalização por mês e, cada incremento de 1mm na unidade de precipitação correspondeu a um decréscimo de 1% na taxa de hospitalização por bronquiolite por mês (Tabela 3) sendo os resultados estatisticamente significativos a 5% de significância.
Para investigar efeito tardio da mudança meteorológica e a taxa de hospitalização por asma foi analisado a correlação entre as taxas de hospitalizações por asma e as informações meteorológicas defasadas de um e de dois meses. Os resultados obtidos da correlação entre a umidade relativa ocorrida um e dois meses anteriores à hospitalização e as taxas de hospitalizações por asma, mostraram correlação significativa (a 5% de significância) para um e dois meses de defasagem (r = 0,41 e 0,50 respectivamente, p < 0,01) sugerindo um possível efeito em maior prazo. A temperatura mínima mais elevada também apresentou correlação positiva significativa (a 5% de significância) quando defasada em um e dois meses (r = 0,36 e 0,48 respectivamente, p < 0,00) com as taxas de hospitalizações por asma.
Para testar o efeito da exposição da variação climática ocorrida um e dois meses anteriores às hospitalizações utilizou-se também a regressão de Poisson. Foi possível observarassociação das taxas de hospitalizações e os valores médios de temperaturas máximas e mínimas, umidade relativa e precipitação acumulada medidos um e dois meses antes das hospitalizações. Considerando que a temperatura mínima é dependente da temperatura máxima, foi incluída no modelo uma nova variável, a amplitude, correspondente à diferença entre as médias de temperaturas máxima e mínima ocorridas no mês e, subsequentemente refeitas as análises com um e dois meses de defasagem.
Considerando a defasagem de um mês no modelo final, tanto para as hospitalizações por asma de 0-14 quanto de 0-4 anos, o aumento de 1mm na precipitação causou queda de 1% nas taxas de hospitalizações por asma e o aumento de 1% na umidade causou aumento de 4% nas taxas de hospitalizações por asma. Para as taxas de hospitalizações por bronquiolite, permaneceram no modelo final a amplitude da temperatura e a precipitação, sendo que o acréscimo de 1mm na precipitação levou a queda de 1% na taxa de hospitalização e o aumento de 1ºC na amplitude da temperatura levou a queda de 24% nas taxas de hospitalizações por bronquiolite (Tabela 4). As associações encontradas nos modelos de Poisson para asma e bronquiolite foram significativas a 5% de significância.
Tabela 4 Modelo final, da análise de regressão de Poisson, da variação climática ocorrida um e dois meses anteriores à data das hospitalizações por asma e bronquiolite registradas no período de 2002 a 2012, em BH.
Hospitalização | Defasagem de 1 mês | Defasagem de 2 meses | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Coef. | DP | p-valor | IC | Coef. | DP | p-valor | IC (95%) | |||
Asma 0-14 anos | ||||||||||
Precipitação | 0,99 | 0,0004 | <0,001 | 0,998 | 0,999 | - | - | - | - | - |
Umidade | 1,04 | 0,0009 | <0,001 | 1,031 | 1,057 | 1,04 | 0,001 | 0,000 | 1,034 | 1,038 |
Asma 0-4 anos | ||||||||||
Precipitação | 0,99 | 0,0002 | <0,001 | 0,998 | 0,999 | - | - | - | - | - |
Umidade | 1,04 | 0,0040 | <0,001 | 1,032 | 1,049 | 1,03 | 0,005 | 0,000 | 1,023 | 1,043 |
Bronquiolite 0-4 | ||||||||||
Precipitação | 0,99 | 0,0004 | <0,001 | 0,997 | 0,999 | - | - | - | - | - |
Amplitude | 0,76 | 0,0470 | <0,001 | 0,670 | 0,860 | 0,81 | 0,081 | 0,03 | 0,660 | 0,980 |
Na análise referente à defasagem de dois meses, apenas o aumento da umidade relativa mostrou-se significativamente associada (a 5% de significância) à queda de aproximadamente 3% na taxa de hospitalização por asma. Para as bronquiolites, o aumento da amplitude correlacionou com redução de 19% na taxa de hospitalização pela doença, ou seja, a queda da temperatura aumenta o risco da ocorrência do evento (Tabela 4), sendo esses resultados significativos a 5% de significância.
Na modelagem da série temporal do número de hospitalizações por asma (0-14 anos) o melhor modelo encontrado foi o ARIMA (0,1,2) (2,0,2) [12] que leva em consideração o padrão sazonal de 12 meses.
Para validar o modelo, o número de hospitalizações por asma nos anos de 2011 e 2012 foi excluído e as previsões para esses anos foram realizadas por meio do modelo ARIMA (0,1,2) (2,0,2) [12] ajustado sem essas observações. O valor do EMA foi igual ao número de 55,67 hospitalizações, sugerindo que o modelo proposto é adequado para predizer o número de eventos futuros tanto pontualmente quanto por intervalo de 95% de confiança para o número real de hospitalizações como pode ser visto na Figura 1. Esse valor de EMA é relativo ao período em que as previsões foram realizadas.
O referido modelo reafirma a sazonalidade do evento e o comportamento histórico da redução do número de hospitalização por asma nas crianças e adolescentes em BH para os próximos anos.
O clima exerce importante papel em diversas doenças atópicas e infecciosas que estão entre as principais causas de morbidade e mortalidade em países em desenvolvimento, afetando principalmente as crianças. Neste estudo, avaliando o efeito climático por período de 11 anos, considerando temperaturas máxima e mínima, umidade relativa e precipitação acumulada, verificou-se: (1) a taxa de hospitalização por asma é maior na faixa etária de 0-4 anos, no sexo masculino e vem apresentando queda no período do estudo. Em contraposição, a taxa de hospitalização por IVTRI (visto pela taxa de hospitalização por bronquiolite), entre crianças de 0-4 anos, vem aumentando no mesmo período; (2) o número médio de hospitalizações por asma foi maior nos meses de março, abril e maio e, para a bronquiolite, nos meses de maio, junho e julho; (3) os modelos de regressão de Poisson mostraram que a redução da precipitação e o aumento da umidade relativa estão associados (a 5% de significância) com o aumento das taxas de hospitalizações por asma e que a redução da temperatura máxima e precipitação estão associadas com as taxas de hospitalizações por IVTRI, incluindo seus efeitos em longo prazo; (4) por fim, o modelo preditivo demonstra a sazonalidade do evento e o comportamento histórico da redução do número de hospitalização por asma nas crianças e adolescentes em BH para os próximos anos.
Em Belo Horizonte, a asma é a segunda causa mais comum de hospitalização de crianças menores de 14 anos. Em estudo realizado de 1997 a 2000, já havia sido observado altas taxas de hospitalizações por asma com tendências descendentes em crianças menores de cinco anos20. De acordo com outro estudo, a redução das taxas de hospitalizações se manteve no período subsequente, de 2002 a 2012, sugerindo que ações do setor saúde e de outras origens podem estar impactando na queda das hospitalizações deste agravo na cidade6.
Entretanto, vale ressaltar que, apesar da queda das hospitalizações, o número ainda é elevado em comparação a países desenvolvidos21,22, induzindo a pensar que outros fatores podem estar concorrendo para a ocorrência do evento.
Outro achado interessante deste estudo é o incremento das hospitalizações por bronquiolite nessa mesma série histórica de 11 anos. Esta observação corrobora com os estudos que demonstram o aumento da circulação de múltiplos vírus nos últimos anos, afetando principalmente a saúde das crianças23. Sabe-se da importância da influência das condições meteorológicas propiciando a multiplicação e manutenção dos múltiplos vírus respiratórios no contexto urbano.
Entretanto, o ônus da condição meteorológica é geralmente subestimado pelas dificuldades da avaliação da exposição das variáveis meteorológicas no nível do indivíduo e pela negligência de informações nas anamneses, dificultando a mensuração dose-resposta. Conhecer a influência das variáveis meteorológicas e os períodos estimados de epidemia da asma grave, marcada por hospitalizações, possibilita intensificar a qualidade da atenção hospitalar e fortalecer os programas de promoção e controle desta enfermidade na atenção primária à saúde.
Alguns estudos têm mostrado a relação entre a variação sazonal e as proporções de ocorrência de asma no Brasil12,14,24,25, mas poucos tratam das hospitalizações por asma26. Ainda, nem todos os estudos chegaram às mesmas conclusões a respeito do papel das variáveis climáticas nas exacerbações respiratórias.
No presente estudo, observou-se a associação do aumento da umidade relativa, após o período de chuvas, nas hospitalizações por asma, incluindo seu efeito em longo prazo. Em geral, a umidade relativa indica o grau de saturação do ar e é fortemente influenciada pela precipitação pluviométrica. Entretanto, nesta pesquisa, as hospitalizações por asma se associaram à alta umidade e às baixas precipitações sugerindo, que efeitos tardios da chuva podem favorecer o aumento da umidade, outdoor e indoor26. A menor exposição ao sol e menor arejamento dos espaços domiciliares, com consequente crescimento de mofo e fungos, são fatores sabidamente contribuintes para o aumento das doenças respiratórias.
O município de Belo Horizonte representa a maior concentração urbana do estado de Minas Gerais. Por ser uma grande metrópole com ritmo de crescimento acelerado, propiciou a ocupação desordenada, inclusive das encostas inclinadas ou beira de córregos, principalmente por populações de baixa renda, determinando as áreas de riscos. Degradação ambiental, pobreza e extrema condição de risco geológico podem estar contribuindo para o aumento do alagamento dos solos, favorecendo o aumento da umidade intradomiciliar. Esse fato vai de encontro ao estudo que constatou maior concentração das hospitalizações por asma em áreas mais vulneráveis da cidade, denominadas de vilas e favelas6.
Pesquisas realizadas em outros estados brasileiros confirmam a influência da umidade nas doenças respiratórias em áreas de clima tropical, onde a mudança sazonal da temperatura durante o ano não é de grande magnitude14,24,25.
Vale ressaltar que nos meses de chuva, em contraposição à problemática vivenciada nos meses de seca, a alta umidade relativa do ar aliada ao maior tempo de permanência das pessoas nos ambientes internos propicia que as pessoas estejam mais em contato com os alérgenos intradomiciliares, além do aumento do risco de disseminação viral entre as pessoas8,27,28. Como o estudo trata de hospitalizações, ou seja, casos graves de asma, a exposição por períodos prolongados a alérgenos intradomiciliares pode ter influenciando, por períodos mais longos (um e dois meses), a ocorrência dessas hospitalizações.
Quanto à influência das infecções virais do trato respiratório inferior (IVTRI) representado pelas hospitalizações por bronquiolite nas hospitalizações por asma, ambas na faixa etária de 0-4 anos, apesar de significativa (a 5% de significância) a correlação encontrada foi numericamente pequena (r = 30, p< 0,01), sugerindo que as IVTRI parecem ter pequena contribuição para o disparo da asma grave em BH uma vez que, não só os períodos epidêmicos foram distintos, mas também outras condições climáticas se associaram às taxas de hospitalização por esta causa.
Os resultados desse estudo mostram que o comportamento das hospitalizações por bronquiolite e por asma são diferentes, sendo a hospitalização por bronquiolite significativamente associada, no modelo de regressão de Poisson, à queda da temperatura máxima e a uma menor quantidade de chuvas na cidade, ou seja, coincidente com padrão do inverno na cidade. Neste período, autores têm demonstrado que a inalação de ar frio produz diminuição da temperatura na via aérea inferior, favorecendo a replicação do rinovírus29 e, a isto se soma o comportamento das pessoas nesse mesmo período, favorecendo a aglomeração e facilitando a transmissão viral, principalmente nas escolas, creches e residências8,28.
Outra contribuição do presente estudo foi a criação do modelo de séries temporais capaz de predizer, com boa precisão, futuros períodos epidêmicos das hospitalizações por asma na cidade, sendo isso de extrema relevância para a saúde pública. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimula a criação de modelos que possam prever aumento de doenças, pois poderão ser de valor incalculável para o combate e a prevenção de epidemias30.
Este estudo apresenta avanços na compreensão da asma, mas também apresenta limitações que merecem ser consideradas, apesar de não comprometerem os achados da pesquisa conforme descrições.
Não foi possível avaliar o papel da concentração dos poluentes. Em Belo Horizonte, a qualidade do ar é determinada principalmente pelo tráfego veicular, já que as indústrias estão localizadas, em sua maioria, nas regiões metropolitanas e o uso de aquecedores a gás, pela população, é limitado. Os poluentes exercem efeito tóxico não só para pessoas sabidamente alérgicas, mas também pelo seu possível efeito em pessoas suscetíveis31,32. Segundo a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM)33, a concentração dos poluentes atmosféricos na cidade está dentro dos limites permitidos em lei. Entretanto, não se deve desconsiderar o efeito dos mesmos em futuros estudos.
Sabe-se que a precipitação tem a capacidade de dissipar os poluentes, promover a remoção do ar impuro e retirar uma parcela significativa de materiais particulados suspensos, além de incorporar água da chuva. Além disso, o solo úmido evita a resuspensão das partículas para a atmosfera. No presente estudo a ocorrência do evento foi maior no período de baixa precipitação diminuindo assim seus efeitos benéficos na diminuição da concentração de poluentes.
Somando a isso, os ventos dificultam esta dispersão quando há aumento da rugosidade da superfície. Assim, cidades que apresentam tipografia mais heterogênea podem sofrer a influência da diminuição da velocidade e, decorrentemente, dificuldade da dispersão destes poluentes e, até mesmo, do calor.
O presente estudo também não avaliou a influência da insolação na ocorrência das hospitalizações, para testar condição contrária ao aumento da umidade. Entretanto, por estar altamente correlacionado com a temperatura máxima, o estudo optou por utilizar a temperatura como um possível proxy desta variável, o que não demonstrou correção entre as variáveis.
Outra limitação refere-se à utilização de dados secundados de hospitalização por asma e bronquiolite, sem confirmação diagnóstica em ambos e sem detecção do tipo viral da bronquiolite. A dificuldade, principalmente em crianças abaixo de 2 anos, da diferenciação diagnóstica de asma com doenças viróticas é sabida, principalmente por apresentarem características clínicas comuns. Entretanto, é importante salientar que a ocorrência da bronquiolite viral, que gera a hospitalização, é aguda e seu diagnóstico é eminentemente clínico, podendo ter evolução de sinais e sintomas diferentes da asma e tratamento diferenciado principalmente quanto à resposta ao uso do beta agonista. Ainda, a asma, em menores de 4 anos, teve um comportamento parecido com o das crianças de 10 a 14 anos. Porém estes achados não descartam erro diagnóstico.
Vale ressaltar que as informações dos Sistemas de Informação em Saúde do Sistema Único de Saúde Brasileiro e, em especial do Sistema de Informação Hospitalar (SIH-SUS) vem apresentando melhoria na qualidade dos dados ao longo do tempo e alta concordância com o Código Internacional de Doenças (CID). Estudos nesta área consideram que a utilização do SIH-SUS é valiosa para as análises epidemiológicas, devendo ser estimulada sua utilização, ainda modesta frente à potencialidade do sistema, sendo que ampla divulgação dos resultados pode estimular ao uso deste sistema34. A divulgação destes estudos é importante também para que os gestores dos sistemas tomem conhecimento dos resultados alcançados, podendo sugerir onde devem ser priorizados os esforços para o aprimoramento da qualidade dos dados e destacar as melhorias alcançadas com os esforços realizados. Os resultados do presente estudo foram ao encontro dos conhecimentos atuais, reforçando a consistência das informações.
Por fim, a inclusão de apenas hospitalizações públicas no estudo implica que uma parte da população foi excluída das análises. No entanto, de acordo com o Inquérito Nacional de Saúde de 2013, ⅔ da população brasileira foi admitida em hospitais públicos, especialmente pessoas com idade inferior a 17 anos35, portanto, o estudo foi capaz de inferir suas descobertas para uma parcela expressiva da população.
Embora estes resultados devam ser interpretados com cautela devido às suas características metodológicas e limitações, eles podem promover importantes informações no campo da saúde pública com implicações nas políticas em saúde, sociais e ambientais.
O clima exerce importante papel em diversas doenças respiratórias afetando principalmente a condição de saúde das crianças. Conhecer a influência das variáveis meteorológicas e os períodos estimados de epidemia da asma grave, marcada por hospitalizações, possibilita intensificar a qualidade da atenção hospitalar e fortalecer os programas de promoção e controle desta enfermidade na atenção primária à saúde.
Intervenções preventivas, como educação, correta abordagem dos sinais e sintomas, e monitoramento de casos graves em períodos epidêmicos; combinadas com intervenções em saúde, como acesso a medicamento a tempo, e Fisioterapia Respiratória; e juntamente com outras intervenções, como controle ambiental da residência e de seu entorno, e melhoria da condição social; são estratégias que poderão impactar na redução das crises e, consequentemente, das hospitalizações.