versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.102 no.2 São Paulo fev. 2014 Epub 09-Nov-2013
https://doi.org/10.5935/abc.20130232
A obesidade é um fator de risco para muitas complicações médicas; a pesquisa médica demonstrou que as alterações hemodinâmicas, morfológicas e funcionais estão correlacionadas com a duração e gravidade da obesidade.
O presente estudo determinou a influência do tempo de exposição à obesidade induzida por dieta com alto teor de gordura no colágenos tipo I e III miocárdico.
Ratos machos com trinta dias de idade, da raça Wistar, foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos: um grupo de controle (C) alimentado com ração padrão e um grupo de ratos obesos (Ob) alternadamente alimentados com uma de quatro dietas palatáveis ricas em gordura. Cada dieta foi mudada diariamente, e os ratos foram mantidos em suas respectivas dietas por 15 (C15 e Ob15) e 30 (C30 e Ob30) semanas consecutivas. A obesidade foi determinada pelo índice de adiposidade.
O grupo Ob15 foi similar ao grupo C15 em relação à expressão de colágeno miocárdico tipo I; contudo, a expressão no grupo Ob30 foi menor do que no grupo C30. O tempo de exposição à obesidade foi associado com uma redução de colágeno do tipo I no grupo Ob30, quando comparado com o Ob15. A obesidade não afetou a expressão do colágeno tipo III.
Este estudo mostrou que o tempo de exposição à obesidade por 30 semanas induzida por uma dieta rica em gordura insaturada causou uma redução na expressão do colágeno miocárdico tipo I em ratos obesos. No entanto, nenhum efeito foi observado em relação à expressão do colágeno miocárdico tipo III
Palavras-Chave: Obesidade; Dieta hiperlipídica / normas; Colágeno Tipo I; Colágeno Tipo III; Miocárdio
Obesity is a risk factor for many medical complications; medical research has shown that hemodynamic, morphological and functional abnormalities are correlated with the duration and severity of obesity.
Present study determined the influence of term of exposure to high-fat diet-induced obesity on myocardial collagen type I and III.
Thirty-day-old male Wistar rats were randomly distributed into two groups: a control (C) group fed a standard rat chow and an obese (Ob) group alternately fed one of four palatable high-fat diets. Each diet was changed daily, and the rats were maintained on their respective diets for 15 (C15 and Ob15) and 30 (C30 and Ob30) consecutive weeks. Obesity was determined by adiposity index.
The Ob15 group was similar to the C15 group regarding the expression of myocardial collagen type I; however, expression in the Ob30 group was less than C30 group. The time of exposure to obesity was associated with a reduction in collagen type I in Ob30 when compared with Ob15. Obesity did not affect collagen type III expression.
This study showed that the time of exposure to obesity for 30 weeks induced by unsaturated high-fat diet caused a reduction in myocardial collagen type I expression in the obese rats. However, no effect was seen on myocardial collagen type III expression.
Key words: Obesity; High-fat diet; Collagen Type I; Collagen Type III; Myocardium
A obesidade é uma doença metabólica crônica, caracterizada por um acúmulo excessivo de tecido adiposo em relação à massa magra. Atualmente, é uma epidemia global e um importante problema de saúde pública, que afeta tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento1 , 2. Comportamentos associados a uma sociedade industrializada moderna, incluindo um estilo de vida sedentário, hábitos alimentares inadequados ou uma combinação de ambos, levaram a um aumento da prevalência da obesidade3.
A obesidade também é considerada um fator de risco para muitas complicações médicas, entre elas as doenças cardiovasculares4 , 5. Alterações hemodinâmicas associadas a alterações hormonais alteram a expressão gênica do miocárdio, promovendo o remodelamento da matriz extracelular miocárdica6. Estudos usando coelhos tornados obesos tanto através de uma dieta rica em gordura7 ou através de engenharia genética, ratos Zucker8, relataram um aumento no colágeno miocárdico tipo I e III ao longo de 12 e 24 semanas, respectivamente. Em contraste, Carroll e cols.9 não encontraram nenhuma mudança na fração de colágeno total em ratos obesos submetidos a uma dieta rica em gordura durante 12 semanas. Estudos anteriores realizados em nosso laboratório demonstraram que ratos Wistar tornados obesos por uma dieta de 15 semanas rica em gordura10 e ratos Wistar- Kyoto tornados obesos por uma dieta de 20 semanas com alto teor de gordura e carboidratos11 mostraram aumento de colágeno total miocárdico. Nesses estudos, no entanto, as frações de colágeno tipos I e II não foram avaliadas.
A pesquisa médica demonstrou que anormalidades hemodinâmicas, morfológicas e funcionais estão correlacionadas com a duração e a gravidade da obesidade12 - 14. Por causa da escassez de estudos que avaliaram o efeito do tempo de exposição à obesidade induzida por dieta rica em gordura nas frações de colágeno tipo I e III miocárdico, o presente estudo foi planejado para testar a hipótese de que o tempo de exposição à obesidade promove um aumento progressivo da quantidade de colágeno tipo I e tipo III miocárdico.
Depois de um período de 7 dias para aclimatação, ratos machos de 30 dias de idade da raça Wistar foram divididos aleatoriamente em dois grupos: controle (C) e obeso (Ob). O grupo C foi alimentado com uma ração padrão (RC Focus 1765, Agroceres®, Rio Claro, SP, Brasil), contendo 12,3% de quilocalorias de gordura, 57,9% de carboidratos e 29,8% de proteína, enquanto o grupo Ob foi alimentado com uma de quatro dietas alternadas, ricas em gordura (RC Focus 2413, 2414, 2415 e 2416, Agroceres ®, Rio Claro, SP, Brasil), contendo 49,2% de quilocalorias de gordura, 28,9% de carboidratos e 21,9 % de proteína. Cada dieta foi mudada diariamente, e os ratos foram mantidos em suas respectivas dietas por 15 (Ob15 e C15, n = 22) e 30 (C30 e Ob30, n = 25) semanas consecutivas. A dieta rica em gorduras foi caloricamente mais rica em comparação com a dieta padrão (3,65 kcal/g vs. 2,95 kcal/g) devido à composição mais elevada de gordura. A dieta rica em gorduras consistiu em ácidos graxos saturados e insaturados, que proporcionava 20% e 80% das calorias derivadas da gordura, respectivamente.
Os ratos foram alojados em gaiolas individuais em uma sala com ar limpo em ambiente controlado a 23 (± 3)ºC com ciclo de 12 horas de luz/escuridão e 60 (± 5)% de umidade relativa. Todos os experimentos e os procedimentos foram realizados de acordo com o Guia para o Cuidado e Uso de Animais de Laboratório, publicado pelo Conselho Nacional de Pesquisa (1996) e foram aprovados pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP, Botucatu, SP, Brasil).
Os perfis nutricionais e metabólicos incluíram o índice de adiposidade, peso corporal final (PCF) e tolerância à glicose; os perfis endócrinos incluíram as concentrações de leptina e insulina. Como a obesidade é definida como uma quantidade excessiva de gordura corporal em relação à massa magra15 foi utilizado um critério baseado no índice de adiposidade para determinar a obesidade, de acordo com dados de estudos anteriores9 , 16.
Após um jejum de 12 a 15 horas, os animais foram anestesiados (por via intraperitoneal com pentobarbital de sódio 50 mg/kg), decapitados, e toracotomizados; as depósitos de gordura de tecido adiposo foram dissecadas e pesadas. O índice de adiposidade foi calculado pela seguinte fórmula: índice de adiposidade = (gordura corporal [GC]/PCF) × 10017. A gordura corporal foi calculada como a soma do peso das depósitos de gordura individuais, conforme indicado a seguir: GC = gordura epididimal + gordura retroperitoneal + gordura visceral.
Como a obesidade pode ser acompanhada por alterações metabólicas e endócrinas18, todos os animais foram submetidos a testes de tolerância à glicose, leptinemia e hiperinsulinemia. Depois de 15 e 30 semanas de tratamento, a tolerância à glicose e a resistência à insulina foram avaliadas em todos os animais com um teste de tolerância à glicose (TTG). Após 4 a 6 horas de jejum, uma amostra de sangue foi tirada a partir da ponta da cauda do animal e coletada em um tubo heparinizado. A concentração da glicose no sangue (como a condição basal) de cada animal foi imediatamente determinada usando um glicosímetro portátil (Accuchek Advantage; Roche Diagnostics Co., Indianapolis, IN, EUA). Subsequentemente, 2 g/kg de glicose (Sigma-Aldrich®, St. Louis, MO, EUA) foi administrada por via intravenosa, e as concentrações de glicose no sangue foram medidas após 15, 30, 60, 90, e 120 minutos19. A intolerância à glicose foi avaliada utilizando a área sob a curva (AUC) para a glicose.
Para análises hormonais, o sangue do tronco foi recolhido em tubos heparinizados e centrifugado a 3000 g por 15 minutos a 4ºC. As concentrações séricas de leptina e insulina foram determinadas por ensaio imunoenzimático (ELISA), utilizando kits disponíveis comercialmente (Linco Research Inc., St. Louis, MO, EUA).
Como a obesidade pode estar associada à comorbidades cardiovasculares, o perfil cardiovascular dos animais também foi avaliado, usando a pressão arterial sistólica, morfologia do tecido cardíaco e a expressão da proteína do colágeno tipo I e III do ventrículo esquerdo.
Ao final da experiência, a pressão arterial sistólica foi avaliada usando o método não invasivo de manguito de cauda, com um eletro-esfigmomanômetro Narco BioSystems® (International Biomédica, Austin, TX, EUA) 20. A média de duas leituras foi registrada para cada medição.
O coração foi removido e dissecado no momento da eutanásia. Os pesos do ventrículo esquerdo, bem como suas respectivas razões com a tíbia foram determinados como índice de remodelamento cardíaco.
O tecido ventricular esquerdo foi analisado por Western Blot7 para quantificar a expressão da proteína do colágeno tipo I e III. Resumidamente, os ventrículos isolados dos ratos controle (C15 e C30, n = 6 em cada grupo) e obesos (Ob15 e Ob30, n = 6 em cada grupo) foram congelados com nitrogênio líquido e homogeneizados em um buffer contendo 10 mM Tris (pH 7,4), 100 mM de NaCl, 1 mM de EDTA , 1 mM de EGTA, 1% de Triton X -100, glicerol a 10%, dodecilsulfato de sódio (SDS) a 0,1% e 0,5% de desoxicolato. O homogeneizado foi centrifugado a 4ºC por 20 minutos a 12000 rpm. O sobrenadante foi recolhido e o conteúdo total de proteína foi determinado pelo método de Bradford (Bradford, 1976). As amostras foram submetidas a eletroforese em gel de poliacrilamida-SDS (SDS-PAGE) em géis de poliacrilamida (6% ou 10%, dependendo do peso molecular de proteína). Após a eletroforese, as proteínas foram eletro-transferidas para a membrana de nitrocelulose (BioRad Biosciences; NJ, USC ). Os pesos das amostras (50 ug) e as transferências foram monitorados em relação à igualdade e eficiência, respectivamente, com a utilização de 0,5% de corante de Ponceau S na membrana de blot. A membrana de blot foi então bloqueada (usando 5% de leite em pó desnatado, 10 mmol/L Tris-HCl [pH 7,6], 150 mmol/L de NaCl, e 0,1% de Tween 20) por 2 horas à temperatura ambiente e incubada durante a noite com anticorpos específicos a 4ºC. A ligação do anticorpo primário foi detectado com a utilização de anticorpos secundários conjugados com peroxidase (anti-coelho ou anti-camundongo, dependendo da proteína a uma diluição de 1:10000 e incubados por 1,5 horas à temperatura ambiente), desenvolvidos por quimiluminescência aumentada (Amersham Biosciences, NJ, EUA) e detectados por autorradiografia. A análise de quantificação dos blots foi realizada com a utilização do software Scion Image (Scion, com base em imagem NIH). Anticorpos monoclonais de camundongos para colágeno tipo I e III (1:10000) e anticorpos monoclonais de camundongos para β-actina (1:1000) foram obtidos de Abcam (Reino Unido, Cambridge) e Santa Cruz Biotechnology (CA, EUA), respectivamente. Bandas alvo foram normalizadas para a expressão da β-actina cardíaca.
Todos os resultados foram apresentados como média ± desvio padrão e os grupos foram avaliados através da análise de variância (ANOVA) de dois fatores para amostras independentes. Quando encontradas diferenças significativas (p < 0,05), foi realizado o teste de Bonferroni post hoc para comparações múltiplas21. O nível de significância foi de 5% (α = 0,05).
A Figura 1 mostra as características gerais dos animais nos grupos C15, C30, Ob15 e Ob30. A dieta de alto teor de gordura causou um aumento no PCF e no índice de adiposidade em animais obesos em comparação com os respectivos controles em todos os tempos avaliados. A duração da exposição à obesidade não resultou em uma diferença significativa no PCF e índice de adiposidade entre os grupos C15 e C30 e entre os grupos Ob15 e Ob30. Não houve diferença na pressão arterial sistólica entre os grupos C e Ob nos dois períodos de estudo, e isso também não se alterou com o tempo de exposição à obesidade. A AUC para a glicose foi maior nos grupos Ob em comparação com os controles; o tempo de exposição não afetou os níveis de glicose. A obesidade promoveu um aumento nos níveis de insulina e leptina nos grupos Ob em relação aos respectivos controles. Os níveis de insulina não se alteraram com o tempo de exposição à obesidade; o nível de leptina foi maior no grupo Ob30 em comparação com os grupos Ob15.
Figura 1 Peso corporal final (A), índice de adiposidade (B), leptina (C), insulina (D), área sob a curva (AUC) do teste de tolerância à glicose intraperitoneal (E), pressão arterial sistólica (PAS) (F) em ratos controle (barras brancas) e obesos (barras pretas) após 15 e 30 semanas de tratamento. Os dados são apresentados em média ± DP, teste de Bonferroni post hoc e ANOVA de 2 fatores. *p < 0,05 vs. grupo controle; # p < 0,05 Ob15 vs Ob30.
Como mostrado na Figura 2, a presença de obesidade aumentou o peso do ventrículo esquerdo, assim como a razão VE/comprimento da tíbia no grupo Ob15, em comparação com o grupo C15. No entanto, a razão VE/comprimento da tíbia foi semelhante nos grupos Ob30 e C30, sugerindo que a exposição à obesidade não têm qualquer efeito sobre esta variável.
Figura 2 Dimensões do ventrículo esquerdo. Peso do ventrículo esquerdo (VE) (A), e razão peso do ventrículo esquerdo/tíbia (B) nos ratos controle (barras brancas) e obesos (barras pretas) após 15 e 30 semanas de tratamento. Os dados são apresentados em média ± DP, teste de Bonferroni post hoc e ANOVA de 2 fatores. *p < 0,05 vs. grupo de controle.
Não houve diferença na expressão do colágeno miocárdico tipo I entre os grupos Ob15 e C15 (Figura 3); no entanto, a expressão da proteína foi menor no grupo Ob30 comparada com o grupo C30. O tempo de exposição a obesidade também resultou em uma redução da expressão do colágeno tipo I no grupo Ob30 em comparação com o grupo Ob15. A obesidade não alterou a expressão do colágeno tipo III, e o tempo de exposição à obesidade não influenciou a expressão desse colágeno.
Figura 3 Análise Western blot do colágeno tipo I e III no coração de ratos controle (barras brancas) e obesos (barras pretas) após 15 e 30 semanas de tratamento. Blots foram escaneados. Apresentação histográfica das razões colágeno I/β-actina (A) e colágeno III/β-actina. (B) Dados são apresentados em médias ± DP de seis animais diferentes por grupo; ANOVA de 2 fatores e teste de Bonferroni post hoc. *p < 0,05 vs. Grupo controle; # p < 0,05 Ob15 vs Ob30
O principal achado desse estudo foi que o tempo de exposição à obesidade induzida por uma dieta rica em gordura insaturada afetou a expressão do colágeno tipo I no miocárdio, mas não teve efeito sobre o colágeno miocárdico tipo III. A obesidade induzida experimentalmente pela dieta é a que mais se assemelha à obesidade encontrada na população humana, e tem sido frequentemente utilizada para reproduzir as possíveis alterações morfológicas, moleculares, bioquímicas e funcionais em diferentes órgãos do corpo humano9 , 16 , 22.
A dieta de alto teor calórico usada nessa experiência continha uma quantidade suficiente de calorias e sua duração foi suficiente para promover a obesidade em ratos; isso provavelmente ocorreu devido ao alto teor de gorduras insaturadas da dieta, que contêm uma densidade energética mais elevada e uma maior capacidade de armazenagem no corpo.
Esse estudo mostrou que o peso corporal final e o índice de adiposidade de animais obesos estavam aumentados em comparação com os respectivos controles em todos os momentos avaliados, e esses dados são consistentes com a literatura22. No entanto, o tempo de exposição à dieta não alterou essas duas variáveis, que foram semelhantes nos dois períodos de tempo estudados - 15 e 30 semanas.
A carga de glicose nos grupos obesos resultou em intolerância à glicose durante os dois períodos de tratamento, 15 e 30 semanas. Outro aspecto importante é que o tempo de exposição à obesidade não influenciou o perfil da glicemia entre os animais obesos, pois a intolerância à glicose vista nas primeiras 15 semanas manteve-se estável até a 30ª semana do protocolo experimental. A diminuição da tolerância à glicose, uma fase intermediária entre a homeostase normal da glicose e diabetes mellitus23 tipo 2 pode estar relacionada com o desenvolvimento de resistência à insulina nos animais obesos. Em apoio a essa hipótese, os nossos dados mostram que a obesidade levou à hiperinsulinemia em ambas as avaliações. Os resultados desse estudo estão de acordo com os autores que observaram que a obesidade induzida por uma dieta rica em gordura insaturada promove a intolerância à glicose, hiperinsulinemia e resistência à insulina em um curto período de tempo24 - 27 e que esses efeitos são prolongados28.
Um aumento das concentrações séricas de leptina após 15 e 30 semanas foi observado em animais obesos em comparação com os respectivos controles. O tempo de exposição à obesidade influenciou o nível desse hormônio, com aumentos observados a partir de 15 semanas. As concentrações de leptina estão correlacionadas com a gordura corporal, influenciando tanto a lipogênese quanto a lipólise29. Nesse estudo, embora o índice de adiposidade permanecesse o mesmo nos grupos Ob15 e Ob30, as concentrações de leptina foram mais elevadas no grupo Ob30 comparado com o Ob15. Esse fato provavelmente ocorreu devido ao surgimento da resistência à ação desse hormônio após a 30ª semana. Outros estudos têm mostrado que longos períodos de obesidade promovem a resistência à leptina, o que consequentemente conduz ao aumento desse hormônio14 , 24 , 30.
Embora o aumento no tecido adiposo tenha levado a alterações metabólicas e hormonais, a obesidade não resultou em aumento na pressão arterial após 15 e 30 semanas, que se manteve estável durante os dois períodos de estudo. Os mecanismos responsáveis pela alteração da pressão arterial incluem a hiperatividade do sistema nervoso simpático31, aumento da atividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona (RAAS)16 , 32 , 33 e estresse oxidativo31, que pode resultar em vasoconstrição periférica e aumento da reabsorção renal de sódio. A ausência de efeito sobre a pressão arterial sugere que a obesidade não altera os fatores envolvidos no controle da pressão arterial. Esses resultados estão de acordo com alguns autores que não observaram alterações na pressão arterial em animais obesos9; mas diferem dos estudos que mostraram níveis elevados da mesma32 - 34. No entanto, apesar de a obesidade não ter alterado a pressão arterial, houve uma ligeira remodelação do ventrículo esquerdo, provavelmente devido a um aumento dos fatores neuro-hormonais mencionados acima.
O achado mais importante desse estudo foi que o tempo de exposição à obesidade provocou uma redução na expressão do colágeno miocárdico tipo I no grupo Ob30 comparado com o grupo Ob15 e, em contraste, não alterou a expressão do colágeno miocárdio tipo III. Não encontramos estudos que tenham investigado a associação entre a duração da obesidade e a expressão do colágeno miocárdico tipo I e III. O(s) mecanismo(s) responsável(eis) pela diminuição da expressão do colágeno tipo I permanecem obscuros. Uma possível explicação para essa redução pode ser a diminuição da síntese e/ou um aumento da degradação do colágeno. O tecido adiposo secreta várias substâncias que estão envolvidas na regulação do colágeno miocárdico, incluindo o hormônio leptina, que é produzido principalmente nos adipócitos e também é sintetizado por vários tecidos, incluindo o coração35. Os efeitos da leptina no coração não foram completamente elucidados, mas acredita-se que influenciam a hipertrofia de cardiomiócitos e a regulação da produção de vários componentes da matriz extracelular do miocárdio que agem sobre os fibroblastos cardíacos35. Embora haja controvérsia sobre a associação entre a leptina e o colágeno miocárdico tipo I tais como o aumento da expressão de procolágeno35 - 37 e a diminuição da síntese38, há um consenso entre os autores de que a leptina aumenta a atividade das metaloproteinases (MMP) 235 - 38 e a expressão do mRNA do MMP-939 , 40, participantes da degradação do colágeno do tipo I. Portanto, é possível que o aumento da atividade tanto de MMP -2 e MMP-9 seja responsável pela redução do colágeno tipo I no miocárdio. Como referido acima, o colágeno miocárdico tipo III não se alterou na obesidade. Nenhuma informação foi encontrada na literatura como uma possível explicação para esse achado.
É importante mencionar que o nosso achado pode ter relevância clínica, uma vez que demonstra que a obesidade de longa duração, comum em pacientes, não acompanhada de hipertensão arterial, pode causar uma diminuição na complacência ventricular devido à redução do colágeno tipo I. Esse fenômeno pode resultar em uma melhor adaptação do coração à obesidade, devido ao fato dessa patologia estar associada ao aumento do volume de sangue.
Como conclusão, o presente estudo mostra que o tempo de exposição à obesidade induzida por uma dieta rica em gordura insaturada provoca uma redução na expressão do colágeno miocárdico tipo I após 30 semanas, mas não se verificaram alterações no colágeno miocárdico tipo III. Estudos futuros são necessários para determinar o mecanismo responsável pela diminuição do colágeno miocárdico tipo I e a ausência de efeito sobre o colágeno tipo III.
FAPESP - processo nº 07/53267-3 e 08/50172-4.
Concepção e desenho da pesquisa: da Silva DCT, Padovani CR, Cicogna AC; Obtenção de dados: da Silva DCT, Lima-Leopoldo AP, Leopoldo AS, de Campos DHS; Análise e interpretação dos dados: da Silva DCT, Lima-Leopoldo AP, Leopoldo AS, de Campos DHS, Nascimento AF, Oliveira Junior SA, Padovani CR, Cicogna AC; Análise estatística: da Silva DCT, Padovani CR; Obtenção de financiamento: Cicogna AC; Redação do manuscrito: da Silva DCT; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: da Silva DCT, Lima-Leopoldo AP, Nascimento AF, Oliveira Junior SA, Cicogna AC.