versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.24 no.4 Rio de Janeiro out./dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201600040141
The Continuous Subcutaneous Insulin Infusion pump system (CSII) is an alternative to multiple daily administration of insulin in diabetic patients. Although it has many advantages, its availability in the public health system is still very low. This study aimed to identify practices and experiences of health departments and organizations on the use of CSII.
Questionnaires were applied to Brazilian Health Departments of the States (SES) and international organizations for health technologies evaluation.
Most of the SES (83%) have received lawsuits and the use of CSII has increased in the last 5 years. International organizations reported that in 47% of countries, the CSII is available to patients through the public health system.
The use of CSII brings several benefits, but also a high annual additional cost of approximately R$ 9,500 per patient. Therefore, there is an evident need to conduct studies assessing the incorporation of CSII, its budgetary impact in the Brazilian health system, and the definition of which circumstances this will be made available to the population.
Keywords: insulin infusion systems; diabetes mellitus; insulin; technology assessment, biomedical; judicial decisions
O sistema de bomba de infusão contínua de insulina (SIC) é uma alternativa à aplicação múltipla diária (MDI) de insulina1 e visa favorecer ao paciente diabético um perfil similar ao fisiológico2. Alguns ensaios clínicos e observacionais apontam como principais benefícios para o diabetes tipo 1 (T1DM): o melhor controle dos níveis de glicose e da hemoglobina glicada (HbA1c), a redução de eventos de hipoglicemia noturna, a diminuição na quantidade de insulina administrada e ganhos na qualidade de vida2-5. Ainda, existem, atualmente, vários estudos em andamento sobre a utilização dessa tecnologia em pacientes diabéticos tipo 2 e em casos de diabetes gestacional6-8.
No Brasil, a Lei nº 8.080/1990 determina o direito à assistência terapêutica integral9. Conforme previsto na Constituição Federal de 1988, Art. 196: “A saúde é um direito de todos e dever do Estado [...]”10. Para garantir esse direito, o Poder Judiciário tem determinado ações à administração pública para fornecimento de serviços ou tecnologias em saúde, quando estes não se encontram disponíveis. Em Minas Gerais, por exemplo, entre 1999 a 2009, 36,4% dos procedimentos demandados judicialmente se referiam à solicitação do SIC11. No Estado de São Paulo, as determinações judiciais em saúde passaram de 80 para 600 solicitações mensais, com um aumento de 650% no intervalo de seis anos12. As ações contra a União vêm crescendo paulatinamente: 10.486 casos novos em 2009, 11.203 em 2010, 12.811 em 2011 e 13.051 em 201213. Nesse período, o diabetes está presente entre as principais indicações das demandas judiciais12.
Dada a necessidade de se ampliar a discussão sobre a viabilidade do fornecimento do SIC pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, este trabalho busca apontar experiências das secretarias locais quanto à necessidade dessa tecnologia e as experiências de instituições internacionais que já introduziram o SIC em seus sistemas de saúde.
Para avaliar as experiências das secretarias nacionais e organizações internacionais de em relação ao SIC, foram utilizados dois questionários. O Questionário 1 foi aplicado aos membros de Secretarias Estaduais de Saúde (SES) por meio da Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (REBRATS) e do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS). O Questionário 2 (Quadro 1) foi enviado às organizações internacionais de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) para todos os países-membros da Rede Internacional de Avaliação de Tecnologias em Saúde (INAHTA) (Figura 1).
Quadro 1 Perguntas dos questionários aplicados
Questionário 1 |
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1. Estado e identificação da SES. |
2. Em algum momento a sua secretaria de saúde recebeu demanda para uso da bomba de infusão contínua de insulina (SIC)? |
3. Você tem notado um aumento da demanda por SIC nos últimos 5 anos? |
4. Já houve alguma demanda judicial? |
5. Você saberia nos informar o número de demandas judiciais nos últimos 5 anos? |
6. Está em análise na sua secretaria a incorporação dessa tecnologia para pacientes diabéticos tipo I? |
Questionário 2 |
1. Health Organization Name and Location. |
2. Are you involved with assessment for introduction in your health program the Incorporation of Insulin Pump Therapy (IPT) use for patients Type 1 diabetes? |
3. What would you highlight as the main indication for insulin pump therapy implementation? |
4. What would you say is the main benefit for the patient? |
5. How would you estimate the number of eligible patients? |
6. What is the type of the reimbursement? |
7. In which year was IPT introduced? |
8. Average rate of patients using IPT in the last three years. |
9. Have you adopted an user guide for IPT implementation? |
10. On a scale of 1-10 how helpful was the user guide? |
11. What would you list as IPT most frequent complication? |
12. How would you estimate the initial investment costs of IPT implementation? |
13. Have you adopted any communication strategy to provide information and diabetic services? |
Adicionalmente, dados de aquisições de SIC por via judicial foram solicitados ao Governo Federal brasileiro por meio da Lei de Acesso a Informações (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 201114). (Figura 2).
Para identificar as experiências com relação ao SIC, o Questionário 1 foi submetido a todas as SES do Brasil. Seis delas responderam (Tocantins, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Amapá), das quais cinco já haviam recebido demandas judiciais para o SIC. Além disso, todas, exceto Tocantins, têm notado aumento na demanda judicial nos últimos cinco anos (Figura 3). Dentre as secretarias que participaram, apenas Amapá e São Paulo informaram que estão avaliando a tecnologia baseando-se em evidências científicas.
Figura 3 Secretarias de Saúde: número de ações judiciais em saúde de bomba de infusão contínua de insulina nos últimos cinco anos
O Ministério da Saúde (MS) informou que, de 2011 até 2014, foram adquiridos 88 SIC por via judicial diretamente da União, ou seja, não foram contabilizados Estados e municípios, ao preço de R$12.500,00 cada (Figura 4).
Para analisar as experiências de organizações internacionais, foi aplicado o Questionário 2 (Quadro 1). Das 31 organizações da INAHTA, 15 responderam às perguntas (Figura 1). Alguns países como Uruguai, Argentina, Itália, Austrália, Reino Unido, Espanha, Lituânia e Finlândia não responderam ao questionário, pois não estiveram envolvidos no processo de avaliação/incorporação do SIC nos respectivos países/organizações, e, portanto, foram excluídos das análises.
As principais indicações do SIC foram para T1DM, estratificados em 47% para adultos, 23% para crianças até 12 anos, 18% para mulheres grávidas e 12% para crianças entre 13 e 18 anos.
Os principais benefícios elencados pelas organizações foram: redução das taxas de hipoglicemia (30%), menores variações das taxas de glicose do sangue (18%), baixa HbA1c (17,5%), redução da concentração de glicose no sangue (17,5%) e melhoria na qualidade de vida e satisfação do tratamento (6%).
A estimativa do número de pessoas autorizadas a utilizar o SIC foi de 0 a 250 mil pessoas para 50% dos países pesquisados, seguida pela faixa de 250 mil a 500 mil (6%) e acima de 500 mil pessoas (6%).
O preço de aquisição do SIC pode variar de R$12 a 15 mil, excetuando-se gastos mensais com consumíveis. Dos países que participaram, 47% reembolsam completamente, 29%, parcialmente, 12%, não, e 6% reembolsam os pacientes via organizações privadas de saúde. Apenas o Canadá não respondeu a essa questão.
De acordo com a literatura, a MDI pode provocar algumas complicações, por exemplo, incidentes técnicos ou metabólicos, hipoglicemia e cetonúria15. Nesse sentido, foi solicitado aos países participantes que classificassem as complicações mais recorrentes com o uso do SIC. Dos 13 países que responderam, a hipoglicemia severa foi a mais recorrente (33,3%), seguida de infecções na pele (27%) e, em menor grau, da cetoacidose diabética (7%).
No Reino Unido, o SIC já foi incorporado e, até 2010, era utilizado em 1% dos pacientes com T1DM − muito menos quando comparado aos 10-20% de outros países da Europa e da América do Norte no mesmo período5. A taxa dos pacientes que utilizaram o SIC nos últimos três anos no Chile, Espanha e França foi de 5 a 10%, enquanto na Suécia foi acima dos 30%.
Os dados da presente pesquisa apontam que as organizações questionadas relatam benefícios para os pacientes que utilizam o SIC. No entanto, os benefícios estão vinculados a um custo adicional de aproximadamente R$9.500,00, quando comparado à MDI. Para que o país possa sustentar esse financiamento, é necessário realizar análises de custo levando em consideração a situação e a população local. Nos poucos estudos existentes, é possível identificar que o SIC em T1DM é custo-efetiva se a redução do nível de HbA1c for igual ou superior a 0,9%.
Foi constatado neste estudo que os países entrevistados que já disponibilizam o SIC para a população por meio do sistema público de saúde consideram relevantes os ganhos na melhoria da qualidade de vida e na autoestima dos pacientes. Apesar da pequena participação das SES brasileiras na pesquisa, é possível perceber a crescente demanda pelo SIC e a evidente necessidade de avaliar sua possível incorporação ao SUS, levando em consideração ganhos na manutenção terapêutica e na qualidade de vida do paciente diabético.