versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.15 no.1 Porto Alegre jan./mar. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.008515
As doenças cardiovasculares (DCV) são bastante conhecidas e discutidas dentro da prática clínica, porém muito do que se sabe sobre essas doenças e seus fatores de risco é baseado nas dosagens dos marcadores do metabolismo lipídico em jejum. Apesar da importância dessas determinações, vivemos a maior parte do tempo em um estado fora do jejum, e, com isso, há uma variação contínua no grau de lipemia1.
Por sua vez, o metabolismo pós-prandial está ligado a aumento de inflamação e oxidação, interferindo na função do endotélio vascular e no risco para as DCV2. Contudo, a resposta pós-prandial a uma sobrecarga lipídica ainda não está muito bem estabelecida, para a qual os achados ainda são controversos.
Nesse contexto, os lipídios provenientes da dieta são fatores importantes na modulação da lipemia pós-prandial, sendo um possível marcador precoce de alterações no metabolismo não observadas em jejum2. Ao consumirmos quantidades excessivas de lipídios em uma refeição, o corpo se depara com excesso de triacilgliceróis (TAGs) e a remoção destes se torna ineficiente, resultando em um estado de lipemia pós-prandial3, que está associado com as DCVs4.
Entre os ácidos graxos (AGs), destacam-se os monoinsaturados (AGMIs), sendo o ácido oleico (AO) o principal representante. Tais ácidos são encontrados no azeite de oliva, no óleo de canola, na azeitona, no abacate e nas oleaginosas5. Contudo, o AO contido no azeite de oliva (de 55 a 85%) pode representar de 60 a 80% de toda a ingestão dietética diária desse AG6.
Diante do exposto, o presente trabalho teve como objetivo apresentar e discutir os achados mais recentes do efeito dos AGMI sobre marcadores plasmáticos do metabolismo lipídico em estudos pós-prandiais e de intervenção clínica nutricional.
Para a presente revisão, realizou-se uma busca nas bases de dados MEDLINE/PubMed, SciELO e Web of Science entre os anos 2010 e 2014, nos idiomas português, inglês e espanhol. Foram usados os seguintes termos de indexação para a busca dos artigos: MUFA, Lipemia, Lipid Metabolism, Triglycerides e Postprandial, bem como a associação desses termos e expressões. A busca foi feita utilizando os termos de indexação associados aos conectores booleanos AND, OR e NOT. Os títulos e resumos de todos os estudos identificados pela busca em plataformas eletrônicas foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: consumo de AGMI no período do estudo, estudos de intervenção ou pós-prandial, estudos com humanos adultos que avaliaram as mudanças no perfil lipídico plasmático após consumo de AGMI.
Excluíram-se todos os artigos com modelos animais e in vitro, bem como aqueles que não avaliaram o efeito do consumo de AGMI sobre o metabolismo lipídico após intervenção dietética. Além disso, foram excluídos editoriais, artigos sem dados suficientes, resumos de apresentações de reuniões e estudos que não consideraram a associação do consumo de fonte de AGMI com marcadores do metabolismo lipídico.
Os artigos potencialmente relevantes foram lidos na íntegra para avaliação de acordo com os critérios de inclusão. Ademais, outros artigos foram incluídos na presente revisão com objetivo de contextualização e justificativa do tema abordado, bem como enriquecimento da discussão.
No processo de busca e seleção (Figura 1), foram obtidos 21 artigos, que estão descritos detalhadamente nas Tabelas 1 e 2.
Tabela 1 Efeito agudo da ingestão de ácidos graxos monoinsaturados sobre marcadores do metabolismo lipídico.
Autores | Tipo de estudo | Sujeitos | Duração da intervenção | Grupos teste | Quantidade de AGMI oferecida | Principais resultados (AGMI) |
---|---|---|---|---|---|---|
Jiménez-Gómez et al.7 | Aleatorizado | 130 indivíduos com SM IMC = NA Idade = NA |
8 horas | Grupo1: 38% de AGS Grupo2: 43% de AGMI Grupo3: hipolipídica (28%) + ômega 3 Grupo 4: hipolipídica (28%) |
43% do total de lipídios | ↑ acentuado de TAG retornando ao nível basal em menor tempo em relação aos outros grupos |
Hartwich et al.8 | Aleatorizado | 164 indivíduos com critérios de SM IMC = 20 a 40 kg/m2 Idade = 35 a 70 anos |
8 horas | Grupo1: 16% de AGS Grupo2: 20% de AGMI Grupo 3: hipolipídica + ômega 3 Grupo 4: hipolipídica |
20% VCT da refeição | ↑ acentuado de TAG retornando ao nível basal em menor tempo em relação aos outros grupos |
Bouwens et al.9 | Aleatorizado Simples-cego Crossover |
21 homens saudáveis IMC = 18 a 27 kg/m2 Idade 19 a 27 anos |
6 horas | Grupo1: 70% AGS Grupo 2: 80% AGMI Grupo 3: 65% AGPI |
55 g (80% do total de lipídios) | Maior declínio do colesterol após 6h em relação aos outros grupos |
Perez-Martinez et al.1 | Aleatorizado Crossover |
20 homens saudáveis IMC = 24,5±2,7 kg/m2 Idade = 22±1,8 anos |
11 horas | Grupo 1: 35% AGS Grupo 2: 36% AGMI Grupo 3: 55% CHO+ 8% AGPI |
36% do total de lipídios | ↓ número total e ↑ tamanho das TRL ↓ risco cardiovascular em relação aos outros grupos |
Lopez et al.10 | Crossover | 14 homens hipertrigliceridêmicos IMC = 24,2±5,1 kg/m2 Idade = 33±7 anos |
8 horas | Grupo1: 10 kcal/kg de peso corporal de AGMI Grupo2: 10 kcal/kg de peso corporal de AGS Grupo 3: Controle (sem lipídios) |
10 kcal/kg peso | ↑ TAG, ↑ AGNE, ↑ insulina (Grupos 1 e 2) |
Teng et al.11 | Aleatorizado Simples-cego Crossover |
10 homens saudáveis IMC = 21±1,6 kg/m2 Idade = 21,9±0,7 anos |
4 horas | Grupo 1: 50 g de AGMI Grupo 2: 50 g de AGS Grupo 3: 50 g de AGPI |
50 g | ↑ TAG foi maior em Grupo1 seguido de Grupo2 |
Lozano et al.12 | Aleatorizado Crossover |
21 homens saudáveis IMC > 26,18 kg/m2 e IMC < 26,18 kg/m2 Idade = 23±1,5 anos |
11 horas | Grupo 1: 38% de AGMI Grupo 2: 35% de AGS Grupo 3: 20% de AGS, 24% de AGMI e 16% de AGPI |
38% do VCT da refeição | ↓ TRL-TAG em relação aos outros grupos |
Van Dijk et al.13 | Aleatorizado Crossover |
42 homens (eutróficos, obesos e obesos diabéticos tipo 2) IMC = NA Idade = 50 a 70 anos |
4 horas | Grupo 1: 51 g de AGS Grupo 2: 79 g de AGMI Grupo 3: 38 g de AGPI |
79 g | ↓ Ácidos graxos livres ao longo do tempo (AGMI > AGS > AGPI) |
Lozano et al.2 | Aleatorizado Crossover |
21 homens IMC = NA Idade = 23±1,5 anos |
11 horas | Grupo 1: 38% de AGMI Grupo 2: 35% de AGS Grupo 3: 20% de AGS, 24% de AGMI e 16% de AGPI |
38% do VCT refeição | Sem diferença entre os grupos |
Raz et al.14 | Crossover | 54 indivíduos IMC = 25±0,9 kg/m2 Idade = 41,7±3,1 anos |
4 horas | Grupo 1: 51 g de AGMI Grupo 2: 51 g de AGS |
51 g | ↑ TAG menor após AGMI |
Pietraszek et al.15 | NA | 17 indivíduos saudáveis 17 indivíduos DM2 IMC= NA Idade = NA |
4 horas | Grupo 1: sem DM2 + AGMI Grupo 2: com DM2 + AGMI |
67 g | Indivíduos saudáveis responderam melhor ao tratamento |
Cabello-Moruno et al.16 | Aleatorizado Crossover |
10 homens saudáveis IMC = 23,7±2 kg/m2 Idade = 26±4,3 anos |
6 horas | Grupo 1: 70 g de resíduo do Azeite de Oliva (AGMI) Grupo 2: 70 g de azeite de Oliva (AGMI) |
70 g | Sem diferenças de TAG entre os grupos Partículas maiores de TRL no grupo do resíduo |
AGMI: ácidos graxos monoinsaturados; AGPI: ácidos graxos poli-insaturados; AGS: ácidos graxos saturados; DM2: diabetes melito tipo 2; TAG: triacilgliceróis; AGNE: ácidos graxos não esterificados; TRL: lipoproteínas ricas em triacilgliceróis; CHO: carboidratos; iAUC: área incremental abaixo da curva; ↑: aumento/alta quantidade; ↓: diminuição/baixa quantidade; SM: síndrome metabólica; NA: não apresentado.
Tabela 2 Efeito de intervenção dietética contendo ácidos graxos monoinsaturados sobre marcadores do metabolismo lipídico.
Autores | Tipo de estudo | Sujeitos | Duração da intervenção | Grupos teste | Quantidade de AGMI oferecida | Principais resultados |
---|---|---|---|---|---|---|
Adams et al.17 | Crossover | 10 homens hipercolesterolêmicos IMC = 26,8±1,1 kg/m2 Idade = 49,3±8,6 anos |
5 semanas Washout de 3 semanas |
Grupo 1: 16,7 g de AGS Grupo 2: 20,2 g AGMI |
20,2 g | ↓ingestão calórica, ↑HDL-C, ↑ácido esteárico, oleico e linoleico Correlação positiva entre TAG e VLDL-C, ácido palmítico, palmitoleico e oleico Correlação negativa entre HDL-C com ácido palmítico e palmitoleico; diâmetro LDL-C com ácido palmítico, esteárico e oleico |
Gillingham et al.18 | Aleatorizado Controlado Crossover Simples-cego |
36 indivíduos hipercolesterolêmicos IMC =22 a 36 kg/m2 Idade = 18 a 65 anos |
28 dias Washout de 4 a 8 semanas |
Grupo 1: 70% de AGPI Grupo 2: 70% de AGMI Grupo 3: Dieta ocidental (35% de lipídios) |
70% do total de lipídios | ↑ AGMI e ↓ AGS totais no sangue ↓colesterol total e LDL-C |
Gilmore et al.19 | Aleatorizado Crossover |
27 homens normolipidêmicos; IMC = NA Idade 23 a 60 anos |
05 semanas Washout 4 semanas |
Grupo 1: 32±3 g/dia de AGMI Grupo 2: 31±4 g/dia de AGMI |
32±3 g/dia ou 31±4 g/dia | ↑HDL-C e ↓ a razão LDL: HDL-C positivamente correlacionado com insulina |
AlSaleh et al.20 | Desenho paralelo | 367 homens e mulheres IMC = NA Idade = 30 a 70 anos |
4 semanas 3 intervenções nutricionais |
Grupo 1: 18% de AGS Grupo 2: 20% de AGMI Grupo 3: hipolipídica (28% lipídios) |
18% VCT diário | ↓fosfolipídios, ↓ APO B ↓ Colesterol total e ↓ LDL-C |
Baxheinrich et al.21 | Desenho paralelo | 81 indivíduos com SM IMC = NA Idade = NA |
26 semanas | Grupo 1: 30 mL de óleo + 20g de margarina (AGPI) Grupo 2: 30 mL de óleo + 20g de margarina (AGMI) |
30 mL de óleo + 20 g de margarina | ↓ peso, colesterol total, LDL-C e insulina ↓índices da SM |
Bozzetto et al.22 | Controlado | 12 indivíduos com DM2 IMC = 28±1 kg/m2 Idade = 59±4 anos |
4 semanas | Grupo 1: 23% AGMI Grupo 2; 52% CHO de baixo IG |
23% VCT diário | ↓TRL (CHO/Baixo IG > AGMI) |
Phillips et al.23 | Aleatorizado Estudo de coorte |
486 homens e mulheres com SM IMC = 20 a 40 kg/m2 Idade = 35 a 70 anos |
12 semanas | Grupo 1: 12% de AGS Grupo 2: 20% de AGMI Grupo 3: ↑ CHO + AGMI Grupo 4: ↑ CHO + ω -3 |
20% do VCT diário | Sem mudanças no perfil lipídico entre os grupos eutróficos e obesos |
Nishi et al.24 | Aleatorizado Crossover |
27 indivíduos (LDL-C elevado) IMC = 25,7±3 kg/m2 Idade = 64±9 anos |
4 semanas | Grupo 1: 7,6% de AGMI Grupo 2: AGPI (%NA) Grupo 3: Controle (AGMI + AGPI - %NA) |
7,6% do VCT diário | ↑ ácido oleico, ↑ AGMI e ↓ ácido palmítico nos grupos AGMI e controle Correlações positivas entre concentrações de ácido palmítico e TAG e Colesterol e negativa com HDL-C |
Bozzetto et al.25 | Aleatorizado Paralelo |
45 indivíduos com DM2 Sobrepeso/obesidade IMC = NA Idade = NA |
8 semanas | Grupo 1: CHO baixo IG e fibras (com e sem exercício) Grupo 2: 27±1% de AGMI (com e sem exercício) |
27±1% do VCT diário | Sem alterações nas concentrações de colesterol total e aumento de TAG em AGMI em relação ao CHO |
AGMI: ácidos graxos monoinsaturados; AGPI: ácidos graxos poli-insaturados; AGS: ácidos graxos saturados; ω-3: ácido graxo da série ômega 3; TAG: triacilgliceróis; AGNE: ácidos graxos não esterificados; TRL: lipoproteínas ricas em triacilgliceróis; CHO: carboidratos; IG: índice glicêmico; ↑: aumento/alta quantidade; ↓: diminuição/baixa quantidade; SM: síndrome metabólica; NA: não apresentado.
Ao discutir as DCV, é impossível não pensar na sua prevenção primária, nos tradicionais fatores de risco a ela associados (hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, dislipidemia, dentre outros) e ainda, nos marcadores de risco e diagnóstico para esses eventos, sendo os mais usados: colesterol total (CT) e frações, HDL colesterol (HDL-C) e LDL colesterol (LDL-C), TAG e pressão arterial26,27.
Entretanto, a busca por novos marcadores tem sido realizada com o objetivo de melhorar o diagnóstico precoce e o tratamento dos eventos cardiovasculares, entre os quais destacam-se as apolipoproteínas, o tamanho e o diâmetro das partículas de lipoproteínas, a quantidade de TAG presentes nessas partículas, bem como os AG livres no plasma.
Nesse contexto, as lipoproteínas são separadas em dois grupos: (1) as ricas em TAG, maiores e menos densas, sendo os quilomícrons, de origem intestinal, e as lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL-C), de origem hepática; e (2) as ricas em colesterol, incluindo as de baixa densidade (LDL-C) e as de alta densidade (HDL-C)27.
As lipoproteínas ricas em triglicerídeos (TRL) são formadas por proteínas e lipídios, sendo que sua composição sofre mudanças dinâmicas com a dieta e o metabolismo lipídico de um indivíduo. Essa composição, por sua vez, determina o seu tempo de circulação e a taxa de absorção e transporte através do endotélio, exercendo papel importante na aterogênese28. O tamanho e o número partículas de TRL podem ser melhores preditores de aterosclerose do que apenas a dosagem apenas dos TAG1, visto que os TAG são mensurados em jejum e a aterosclerose pode ser um fenômeno pós-prandial em que as TRL desempenham um papel dominante29.
As TRL consistem em quilomícrons, vindos do intestino delgado e que contêm apo B-48 como proteína estrutural, além das VLDL, que se originam no fígado e contêm apo B-100 como proteína estrutural16. Além disso, há evidências de que esse aumento pós-prandial das TRL pode conduzir à disfunção das células beta do pâncreas, sugerindo que as alterações em lipoproteínas do plasma observadas em paciente com síndrome metabólica (SM) associada à obesidade pode não ser apenas uma consequência, como também a causa da doença12. As TRL podem atravessar a barreira endotelial, entrar na parede vascular e facilitar a acumulação de lipídios nos macrófagos, formando células espumosas16.
Nesse contexto, marcadores da lipemia pós-prandial têm ganhado interesse científico, visto que existem outros metabólitos do metabolismo lipídico que podem ser mais precocemente identificados e dosados após ingestão alimentar, podendo facilitar o diagnóstico de algumas doenças ou o risco de eventos cardiovasculares. Com base nos estudos encontrados, os marcadores clássicos para DCV, como CT e frações, de modo geral, não alteram suas concentrações após ingestão alimentar, podendo não ser bons marcadores para avaliação de efeito agudo1,7-9,12. Por outro lado, a concentração de TAG tem apresentado alterações após as refeições, podendo ser uma evidência mais plausível como preditor do risco de DCV7-12, bem como os TRL1,12,16.
Na presente revisão, foram encontrados 12 estudos que avaliaram a mudança no perfil lipídico pós-prandial após o consumo de uma refeição fonte de AGMI nos últimos 5 anos. Os pesquisadores avaliaram a resposta pós-prandial em homens eutróficos saudáveis1,2,9,11,12,14,16,30, indivíduos obesos ou eutróficos com diabetes melito tipo 2 (DM2)15,31, hiperlipoproteinemia10 e SM7,8. O índice de massa corporal (IMC) variou entre 20 e 40 kg/m2 e a idade dos participantes de 19 a 70 anos. Os alimentos testes fontes de AGMI incluíram bebidas e shakes, muffins e refeições acrescidas do lipídio estudado (fontes: azeite de oliva, óleo de girassol e/ou macadâmia), em que o conteúdo de AGMI variou entre 20 a 80% da quantidade de lipídios da refeição oferecida aos participantes.
Em relação ao tempo da lipemia pós-prandial, em adultos saudáveis, o ciclo se dá entre 6 e 8h32, diferindo dos resultados encontrados nos artigos selecionados, nos quais o ciclo variou entre 4 e 11h. Os marcadores mais utilizados para avaliar a resposta lipidêmica pós-prandial foram as concentrações de TAG1,2,7-12,14-16,31 e as concentrações e tamanho das TRL1,2,7,8,10,12,16,30.
A maioria desses estudos demonstrou que as refeições com alto conteúdo em ácidos graxos saturados (AGS), AGMI ou ácidos graxos poli-insaturados (AGPI) divergem nas respostas pós-prandiais encontradas. Nesse sentido, quatro estudos obtiveram um maior aumento das concentrações de TAG ao consumir uma refeição com alto conteúdo de AGMI em relação às outras fontes de AGS e AGPI ingeridas8,11,13. Uma explicação para esse efeito seria que as partículas de TRL provenientes da ingestão de AGMI teriam uma maior afinidade para o receptor hepático que está envolvido no metabolismo, induzindo uma depuração mais rápida e eficiente desses TRL em relação aos outros tipos de lipídios12. As concentrações de TAG poderiam ter o mesmo comportamento, quando o aumento pós-prandial fosse equilibrado por um clearance mais eficiente. De fato, ao avaliar indivíduos com SM e com sintomas de SM, Jiménez-Gómez et al.7 e Hartwich et al.8, respectivamente, mostraram que os indivíduos, ao consumirem uma refeição contendo AGMI (43% e 20% do total de lipídios da refeição, respectivamente), tiveram uma elevação mais rápida das concentrações de TAG (pico em 2 a 4h pós-prandiais, respectivamente) em relação ao consumo de outras fontes lipídicas; porém, a volta aos níveis basais ocorreu de maneira mais eficiente (em torno de 8h pós-prandiais)7,8.
Contudo, outros estudos com indivíduos saudáveis que avaliaram as concentrações de TAG foram semelhantes entre os tipos de gordura consumidos (AGMI, AGPI e AGS) no período pós-prandial2,14,16. Essa divergência entre os resultados pode ser explicada pelas diferentes quantidades das fontes de AGMI, horas pós-prandiais avaliadas, idade, número de indivíduos avaliados e estado nutricional prévio dos participantes (normopeso frente a sobrepeso), bem como o metabolismo dos AGMI frente às outras fontes lipídicas. Considerando que as fontes de lipídios oferecidas contêm não apenas AGS, AGMI e AGPI, bem como uma ampla variedade de nutrientes, tais como carboidratos, fibra, proteína, e outros compostos com atividade biológica, como polifenóis e esteróis, os efeitos pós-prandiais podem ter sido influenciados pela presença desses nutrientes2.
Ainda não está totalmente elucidada a resposta lipidêmica pós-prandial de indivíduos com excesso de peso e, ou, outras doenças crônicas frente ao consumo de diferentes fontes lipídicas. No entanto, o consumo de refeição com alto conteúdo de AGMI tem demonstrado efeito benéfico na resposta lipidêmica pós-prandial nesses indivíduos. Nesse contexto, indivíduos com sobrepeso, que consumiram uma refeição contendo 1g de azeite/kg de peso corporal, tiveram menores concentrações de TRL em relação ao consumo de refeição rica em manteiga (AGS) ou em nozes (AGPI), enquanto que, no grupo eutróficos, não houve diferenças entre as fontes lipídicas12.
Sendo assim, os resultados apresentados indicam um efeito benéfico do AGMI no metabolismo lipídico pós-prandial, podendo ser esse um importante mecanismo de ação cardioprotetora desse AG. Ademais, esses achados sugerem que as concentrações e o tamanho das TRL pós-prandiais podem ser promissores biomarcadores do metabolismo lipídico como preditores de desordens metabólicas e risco cardiovascular. No entanto, a recomendação para seu uso na prática clínica deve ser cautelosa, visto que os resultados até o momento não são conclusivos em relação à dose suficiente para estabelecer a resposta.
Foram selecionados nove trabalhos que avaliaram marcadores do metabolismo lipídico após o seguimento de intervenção nutricional, baseada em uma dieta com alto conteúdo de AGMI, variando entre 7,6% e 28% do valor calórico total (VCT) ou 20,2g e 32g de AGMI. O tempo de intervenção variou de 4 a 26 semanas. Os voluntários foram homens e mulheres, em sua maioria com excesso de peso, ou DM2 ou alterações nos marcadores do metabolismo lipídico (TAG, CT e LDL-C alterados). A idade dos participantes variou de 18 a 70 anos. Os marcadores mais avaliados foram TAG, CT e frações, além de lipídios totais. As dietas foram calculadas acrescentando ou substituindo as gorduras da alimentação por AGMI. Os alimentos testes, como fontes de AGMI, mais oferecidos foram muffins à base de azeite de oliva, castanhas, carnes enriquecidas e ainda o próprio azeite de oliva extra virgem.
Os estudos mostraram redução de CT18,20,21,24, LDL-C17,18,20,21, TAG17,21 e aumento de HDL-C17,19. De modo geral, após a intervenção com AGMI, os fatores de risco cardiovascular diminuíram (CT, LDL-C e TAG), além da melhora no perfil lipídico em relação às outras dietas testadas. Esses resultados parecem estar relacionados com o perfil de AG encontrados na corrente sanguínea.
De fato, Gilmore et al.19 observaram que a intervenção nutricional com alto conteúdo em AGMI durante 5 semanas aumentou a concentração de HDL-C e diminuiu a razão LDL-C:HDL-C19. A concentração de TAG no plasma foi positivamente correlacionada com a concentração de insulina no plasma e negativamente correlacionada com níveis de HDL-C e de ácido esteárico. Esses efeitos sugerem que a atividade da Stearoyl-CoA Desaturase 1 (SCD1) hepática pode regular as concentrações de TAG no plasma19.
A proporção de ácido palmítico (AP) também foi positivamente associada com as concentrações de TAG no plasma e da razão CT:HDL-C e inversamente associada com concentrações de HDL-C em indivíduos hiperlipidêmicos (altas concentrações plasmáticas de LDL-C)24. Por sua vez, o risco de DCV em 10 anos foi inversamente associado com as proporções de AO. As proporções de AGS foram negativamente associadas às concentrações de HDL-C e positivamente associadas ao risco de DCV em 10 anos24.
Adams et al.17 encontraram que o ácido palmitoleico (APT) foi o AG com maior correlação com as mudanças nos TAG, VLDL-C e HDL-C, seguido de AP. A concentração de APT no plasma mais elevado foi observada no final da fase do consumo de AGS e a mais baixa após a concentração de AGMI. Tais resultados sugerem que a alta concentração de APT após consumo de AGS se deu por um maior estímulo da atividade SCD1 hepática ao contrário do consumo de AGMI17.
De modo interessante, não só as concentrações de marcadores do metabolismo lipídico, mas o tamanho das partículas também foi modificado. Diâmetros das partículas de LDL-C foram reduzidos pela intervenção dietética de alto valor de AGS, e permaneceram assim, mesmo após o período de washout de 3 semanas, bem como após o consumo da dieta rica em AGMI17.
Da mesma forma, o AP do plasma foi elevado pela dieta de alto AGS e em seguida manteve-se elevada. As diferenças de diâmetro da partícula de LDL-C representam alterações metabólicas específicas que aumentam a aterogenicidade do LDL-C. Essas pequenas partículas de LDL-C são um fator de risco para DCV, pois são mais suscetíveis aos danos oxidativos, além de promoverem a inflamação vascular. A presença de AP também em concentrações elevadas pode estar associada à permanência do diâmetro reduzido da LDL-C, sendo encontrada uma correlação negativa entre o AP e o diâmetro das partículas de LDL-C17.
No entanto, quatro estudos não acharam efeito nos marcadores19,22,23,25, sendo que esses resultados podem estar relacionados ao fato desses estudos não terem comparado a ingestão de uma dieta rica em AGMI com outras fontes lipídicas25 ou ainda a divergência entre os participantes do estudo (idade, sexo, IMC, valores basais dos marcadores do metabolismo lipídico).
Contudo, a redução desses fatores de risco cardiovascular e dos componentes da SM observada nos estudos pode ter sido resultante não apenas do consumo de diferentes fontes lipídicas, mas também estar associado à redução de peso encontrada em alguns estudos17,21, o que pode ser considerado fator de confusão, visto que a perda de peso por si leva a uma melhora no perfil lipídico.
Muito do interesse no papel dos AGMI na prevenção de DCV surge a partir dos efeitos benéficos observados no padrão de dieta mediterrânea, elevado em azeite (14-40% de energia diária) e consequentemente alta em AGMI24. A ação protetora da ingestão regular de AO nos parâmetros relacionados com as DCV é relatada principalmente na área do Mediterrâneo, onde a dieta da população está associada à ingestão elevada AGMI devido ao maior consumo de azeite. A diminuição dos riscos cardiovasculares pode ser associada a uma melhora do perfil de lipoproteínas (aumento de HDL-C e diminuição de LDL-C), além da melhora na função endotelial devido a um aumento no fluxo associado à vasodilatação nesses indivíduos e à redução da inflamação e do estresse oxidativo33.
Por outro lado, a investigação dos possíveis efeitos positivos dos AGMI em indivíduos com DM2 é importante, visto que o DM2 é um fator de risco independente para DCV. A busca de estratégias para gerir a dislipidemia pós-prandial é, portanto, uma questão clinicamente relevante. Nesse sentido, as modificações dietéticas de um plano alimentar são capazes de influenciar a resposta lipídica pós-prandial em pacientes com risco cardiometabólico.
Os estudos de intervenção indicam efeitos benéficos do consumo habitual dos AGMI (12-28% do valor calórico total), proveniente de alimentos como o azeite de oliva e as castanhas, sobre os marcadores do metabolismo lipídico, frente a dietas hipolipídicas ou ao consumo de outras fontes lipídicas. De fato, as doses de ingestão com resultados positivos ultrapassam a recomendação para a saúde cardiovascular, que é em torno de 15% de AGMI em relação ao VCT26. Os mecanismos de ação dos AGMI parecem estar relacionados com seu efeito sobre as concentrações e o tamanho das partículas de lipoproteínas e, consequentemente sobre seu metabolismo em nível celular.
Diante dos achados discutidos nesta revisão, a ingestão dos AGMI mediante o consumo habitual de azeite de oliva e castanhas é corroborado na literatura científica mais atual. Nesse sentido, o efeito dos AGMI pode ser benéfico em curto prazo (lipemia pós-prandial), principalmente quando associado ao metabolismo dos TAG e, em longo prazo, com a melhora do perfil lipídico plasmático, seja nas concentrações, seja no tamanho das partículas de HDL-C e LDL-C, amplamente conhecidos como fatores de proteção e risco, respectivamente, para as DCV. Destaca-se ainda o conhecimento das concentrações dos AG no plasma e o tamanho das lipoproteínas como biomarcadores do metabolismo lipídico, bem como a relevância do estudo pós-prandial para maior conhecimento dos mecanismos envolvidos.