versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol., ahead of print Epub 18-Maio-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0214
Com a progressão da doença renal crônica (DRC), a crescente incapacidade dos rins de manter a homeostasia e de excretar produtos do metabolismo expõe esses pacientes a elevado risco de morte por Doenças Cardiovasculares (DCV).1-3 Dentre os inúmeros fatores envolvidos na progressão da DRC e na patogênese da DCV, estão os elevados níveis plasmáticos de toxinas urêmicas, resultado de alterações no perfil e no comportamento da microbiota intestinal e da incapacidade dos rins de depurar adequadamente esses metabólitos.4-8
A disponibilidade de nutrientes é fator chave capaz de modular a heterogeneidade e a atividade microbiana, podendo comprometer o equilíbrio da microbiota intestinal e alterar o perfil de metabólitos bacterianos.6 Ademais, metabólitos da microbiota intestinal podem alterar o pH luminal, a integridade da barreira intestinal e interferir na homeostase do hospedeiro.5,9-10 Dentre os filos que habitam o intestino, os Firmicutes e Bacteroidetes são os predominantes; portanto o equilíbrio entre eles é essencial para manter a interação adequada entre a microbiota intestinal e o hospedeiro.2,11-12
As bactérias que compõem a microbiota intestinal têm diversas funções, como produzir energia, degradar polissacarídeos e aminoácidos extracelulares utilizando hidrolases, polissacaridases e desaminases, gerando produtos que atuam positiva ou negativamente sobre o organismo dos pacientes com DRC.2,10,13 Tais bactérias utilizam fibras dietéticas prebióticas como substrato para formação de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), os quais contribuem para a manutenção dos colonócitos e a regulação da resposta imune;14 por outro lado, a fermentação de proteínas provenientes da dieta gera metabólitos conhecidos como toxinas urêmicas.15-16
Ao chegar ao intestino grosso, proteínas e peptídeos da dieta sofrem despolimerização por proteases e peptidases de bactérias, gerando pequenos oligopeptídeos e aminoácidos que são disponibilizados para assimilação pela microbiota do cólon. Predominantemente na parte distal do cólon, os aminoácidos aromáticos tirosina (Tyr) e fenilalanina (Phe) são convertidos pela fermentação bacteriana em compostos como fenol e p-cresol, por meio de uma série de reações de desaminação, transaminação e descarboxilação. No fígado, o p-cresol é sulfatado e transformado em p-Cresil Sulfato (PCS).17 Importante papel metabólico vem sendo atribuído a essa toxina, e estudos mostram uma relação positiva entre os níveis séricos de PCS e eventos cardiovasculares em pacientes com DRC.10,18-19 Em virtude dos elevados níveis de PCS que têm sido observados em pacientes com DRC e de sua relação com desfechos negativos, emerge a necessidade de avaliar a ingestão alimentar de Tyr e Phe em pacientes com DRC no tratamento conservador e a sua influência sobre os níveis plasmáticos dessa toxina urêmica.
Foi conduzido um estudo transversal envolvendo 27 pacientes com DRC nos estágios 3 e 4 que procuraram atendimento no Ambulatório de Nutrição Renal da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal Fluminense (UFF) e que foram incluídos no estudo previamente publicado pelo nosso grupo de pesquisa.20
Foram excluídos pacientes com AIDS, câncer, doenças autoimunes, doenças inflamatórias, doenças hepáticas ou fumantes, além daqueles pacientes que utilizavam prebióticos, probióticos, simbióticos ou antibióticos nos últimos 3 meses. Foram incluídos pacientes com idade superior a 18 anos, estágios de DRC entre 3 e 4 e sem prévio aconselhamento nutricional. O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense sob número 26698914.7.0000.5243 e todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
A ingestão alimentar dos participantes foi estimada por uma nutricionista através do Recordatório Alimentar de 24 horas (R24h) de três dias diferentes, incluindo um dia do fim de semana. Para quantificar a ingestão dietética de proteínas, fibras totais, Tyr e Phe, os dados obtidos pelo R24h foram reunidos em uma planilha do software Microsoft Office Excel (2007) e as variáveis de interesse foram calculadas com base na Tabela de Composição de Alimentos da National Agricultural Library versão 3.9.5.121 e da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos.22 Além disso, a ingestão proteica também foi estimada através do Protein Nitrogen Appearance (PNA),23 corrigido pelo peso atual, de acordo com as fórmulas descritas no Quadro 1.23 Foi realizada a soma da ingestão de Tyr e Phe e o resultado foi normalizado pelo peso corporal para tornar possível a comparação com a recomendação do Institute of Medicine, que não traz os valores de ingestão isolados para cada um desses aminoácidos.24
Quadro 1 Equações para estimativa do PNA durante a fase não dialítica da DRC
Cálculo de nitrogênio ureico Urinário | Cálculo de proteína ingerida |
---|---|
1) NUU = VU x (UU ÷ 2,14) | 2) PNA (g ptn/dia) = [NUU + (0,0031g N x kg)] x 6,25 |
NUU: nitrogênio ureico urinário; VU: volume urinário de 24 h (L); UU: ureia urinária (g/L);
PNA: proteína ingerida g/dia; N: nitrogênio.
Fonte: National Kidney Foundation.23
O estado nutricional dos pacientes foi avaliado utilizando-se os seguintes parâmetros antropométricos: peso corporal (kg), aferida em balança FILIZOLA® calibrada, com capacidade máxima de 150 kg e precisão de 0,1 kg. Os indivíduos foram orientados a se posicionar no centro da base da balança, com pés juntos, descalços, com roupas leves e braços unidos às laterais do corpo; a estatura (m) foi mensurada com auxílio de estadiômetro acoplado à balança referida anteriormente, com o indivíduo em pé, com corpo ereto, descalço, com os braços juntos às laterais do corpo e com os olhos fixos na linha do horizonte. Após a obtenção dessas informações, o índice de massa corporal (IMC) foi obtido pela razão entre o peso corporal atual (kg) e a estatura (m) elevada ao quadrado (kg/m2) e a determinação do estado nutricional baseou-se nas definições propostas pela World Health Organization.25
O percentual de gordura corporal total (% gordura) e de massa magra corporal total (% massa magra) foram mensurados por absorciometria com raios X de dupla energia - DXA, modelo Lunar Prodigy Advance Plus, da marca General Electric Madison, Wisconsin, USA. As análises foram realizadas no Laboratório de Avaliação Nutricional da UFF (LANUFF) e os valores obtidos foram comparados com os parâmetros de Lohman et al.26
Os parâmetros bioquímicos de rotina, como glicemia, creatinina, ureia, ácido úrico, colesterol total, HDL, triglicerídeos, albumina, sódio, potássio e fósforo foram medidos por kits Bioclin® (Bioclin BS-120 Chemistry Analyzer) no Laboratório de Nutrição Experimental da UFF (LABNE). Os valores para LDL-c foram obtidos pela equação de Friedewald et al.27A taxa de filtração glomerular (TFG) foi estimada pela equação CKD-Epi.28 Todos os parâmetros bioquímicos foram classificados de acordo com os referenciais da Merck Sharp & Dohme Corp29 e da Sociedade Brasileira de Cardiologia.30
A avaliação dos níveis plasmáticos de PCS total foi realizada por Cromatografia Líquida de Fase Reversa (Reverse Phase High Performance Liquid Chromatography -RP-HPLC, Shimadzu, Zellik, Bélgica) conectada ao detector de fluorescência, conforme descrito por Borges et al.31 Os níveis plasmáticos médios de PCS obtidos foram comparados com as referências do European Uremic Solutes Database (EuTox).32
O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para testar a distribuição das variáveis. Os resultados foram expressos como média ± desvio-padrão (DP) ou mediana (intervalo interquartílico). As correlações entre as variáveis foram avaliadas por meio da correlação de Spearman Rho ou do coeficiente de Pearson, dependendo da distribuição da amostra. Foi realizada uma análise multivariada para avaliar os fatores associados aos níveis de toxina urêmica. A significância estatística foi aceita como p ≤ 0,05 e as análises foram realizadas por meio do software SPSS Statistics for Windows, versão 23.0 (SPSS, Inc., Chicago, IL).
A idade dos pacientes estudados variou entre 29 a 77 anos e 48% eram do gênero masculino. Segundo a TFG, 63% dos pacientes encontravam-se no estágio 3 da DRC, sendo 29,6% no estágio 3a e 33,4% no estágio 3b, enquanto 37% foram classificados no estágio 4 da doença. As principais comorbidades foram hipertensão (96,3%), seguida de dislipidemias (37%) e diabetes mellitus (29,6%). As características antropométricas e demográficas dos pacientes estão apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1 Características antropométricas e demográficas de pacientes nos estágios 3 e 4 da DRC
Variáveis | Valores |
---|---|
Idade (anos) | 54,2 ± 14,3 |
Peso (kg) | 78,2 ± 18,2 |
Estatura (m) | 1,6 ± 0,1 |
Índice de Massa Corporal (kg/m2) | 29,3 ± 6,1 |
% Gordura corporal | 36,3 ± 8,0 |
% Massa magra | 59,0 ± 9,0 |
Resultados apresentados como Média ± DP.
De acordo com o IMC, 44% dos pacientes estavam obesos (IMC > 30 kg/m2), 26% apresentavam sobrepeso, 26% eutrofia e apenas um paciente apresentou magreza. De acordo com o percentual de gordura corporal, 89% dos pacientes (48% mulheres e 41% homens) estavam com valores elevados de acordo com os valores de referência.26
Os parâmetros bioquímicos de rotina e as concentrações plasmáticas da toxina urêmica PCS são apresentados na Tabela 2. As concentrações plasmáticas médias de PCS total estavam elevadas em comparação aos valores médios normais (indivíduos sem DRC) apresentados na base de dados EUTox (1,87mg/L ±2,31mg/L).32
Tabela 2 Parâmetros bioquímicos de rotina e níveis médios de PCS e TFG dos pacientes nos estágios 3 e 4 da DRC
Variáveis | Valores |
---|---|
Glicose (mg/dL) | 106,5 ± 54,3 |
Creatinina (mg/dL) | 2,2 ± 0,9 |
Ureia (mg/dL) | 71,3 ± 28,4 |
TFG (ml/min/1,73m²) | 34,8 ± 12,4 |
Ácido úrico (mg/dL) | 6,4 ± 1,3 |
Colesterol total (mg/dL) | 184,0 ± 46,0 |
HDL (mg/dL) | 52,1 ± 14,4 |
Triglicérides (mg/dL) | 146,5 ± 62,2 |
LDL (mg/dL) | 102,7 ± 38,2 |
VLDL (mg/dL) | 29,3 ± 12,4 |
Albumina (g/dL) | 3,7 ± 0,3 |
Potássio (mmol/L) | 4,3 ± 0,6 |
Fósforo (mg/dL) | 3,5 ± 1,3 |
PCS (mg/L) | 20,4 ± 15,5 |
TFG: taxa de filtração glomerular; LDL: lipoproteína de baixa densidade; HDL: lipoproteína de alta densidade; VLDL: lipoproteína de muito baixa densidade; PCS: p-cresil sulfato. Resultados apresentados como Média ± DP.
Os valores referentes à ingestão de proteínas, bem como de fibras totais, Tyr e Phe obtidos pelo R24h e pelo PNA estão descritos na Tabela 3. A ingestão de proteínas encontrada tanto pelo R24h quanto pelo PNA mostrou-se acima das recomendações para pacientes em tratamento conservador33 (ressalta-se aqui que esses pacientes ainda não haviam recebido prescrição de dieta hipoproteica). A ingestão de fibras totais também estava abaixo do recomendado.34A ingestão diária de Tyr+Phe foi superior às recomendações para indivíduos saudáveis de acordo com Dietary Reference Intakes.24
Tabela 3 Ingestão alimentar de proteínas, fibras totais, Tyr e Phe dos pacientes nos estágios 3 e 4 da DRC
Variáveis | Média | Recomendações |
---|---|---|
PNA (g/kg/dia) | 1,0 ± 0,4 | 0,6 - 0,8 |
Proteína (g/kg/dia) | 1,1 ± 0,5 | 0,6 - 0,8a |
Fibra (g/dia) | 22,4 ± 8,1 | 25 - 30b |
Tyr (g/dia) | 4,5 ± 2,4 | - |
Phe (g/dia) | 4,6 ± 2,5 | - |
Total Tyr + Phe (g/kg/dia) | 0,12 ± 0,06 | 0,033g/kg/diac |
Resultados apresentados como Média ± DP.
aKDOQI33
bAmerican Dietetic Association34
cInstitute of Medicine24
Houve correlação positiva entre os níveis plasmáticos de PCS e a ingestão de Tyr (r = 0,58, p = 0,002) (Figura 1) e Phe (r = 0,53, p = 0,005) (Figura 2), que se mantiveram mesmo após o ajuste por TFG e idade (Tabela 4). Ressalta-se aqui que os níveis plasmáticos dessas toxinas aumentam com a progressão da falência renal.
Tabela 4 Análise multivariada de associação entre possíveis preditores dos níveis plasmáticos de PCS
Variáveis | β-coeficient | p -value |
---|---|---|
Idade | -0,02 | 0,89 |
TFG | -0,36 | 0,008 |
Tyr | 0,52 | 0,001 |
Phe | 0,39 | 0,007 |
TFG: taxa de filtração glomerular; Tyr: tirosina; Phe: fenilalanina.
O presente estudo encontrou correlação positiva entre a ingestão de Tyr e Phe e os níveis plasmáticos de PCS em pacientes com DRC não dialisados. Também foi observada ingestão diária superior às recomendações dietéticas desses aminoácidos para indivíduos saudáveis, tanto pelo método do R24h quanto pelo PNA.24 Esses achados ajudam a elucidar a relação entre a ingestão alimentar e a produção de toxinas urêmicas pela microbiota intestinal, o que por conseguinte reforça a importância da implantação de estratégias nutricionais no retardo da progressão da DRC e no desfecho cardiovascular, visto que as toxinas urêmicas são importantes preditores de tais eventos.
Em contrapartida, Brito et al.(2016) não encontraram associação entre os níveis da toxina urêmica indoxil sulfato e a ingestão do seu precursor, o aminoácido triptofano, em pacientes em hemodiálise. No entanto, os autores observaram que a ingestão de proteínas estava abaixo do recomendado para esses pacientes e a ingestão de triptofano, próxima às recomendações da Dietary Reference Intakes (DRI),35 diferentemente dos pacientes do presente estudo, que apresentaram ingestão elevada de proteína (para pacientes com DRC em tratamento conservador) e dos aminoácidos investigados.Toden et al. (2005) relataram aumento na produção de toxinas urêmicas, incluindo o PCS, em ratos alimentados com dieta hiperproteica.36
Vale ressaltar que vários estudos mostram que PCS está envolvido com piora da função renal, aumento de inflamação e estresse oxidativo em pacientes com DRC. Liabeuf et al. (2010) encontraram níveis séricos elevados de PCS em 139 indivíduos nos últimos estágios da DRC (especialmente a partir do estágio 4) e apontaram que a relação entre PCS e a mortalidade foi independente de outras causas etiológicas.37O PCS também tem sido associado com a progressão da DRC38 e, além disso, apresenta correlação com o aumento da rigidez vascular,39 doença cardiovascular e mortalidade em indivíduos no estágio 5 da DRC.40
A partir do estágio 3, o substancial comprometimento das funções renais provoca a retenção plasmática de diversos metabólitos, estabelecendo a chamada síndrome urêmica ou uremia.6 Esses compostos são classificados como toxinas por apresentarem concentrações séricas elevadas, estabelecendo interações deletérias sobre uma série de atividades orgânicas.1 Para produção de PCS, as bactérias anaeróbias devem fermentar os aminoácidos Tyr e Phe,2 provenientes de fontes dietéticas proteicas como carnes, frangos, queijos, ovos e leite.21 No intestino, os microrganismos os convertem a ácido 4-hidroxifenilacético e posteriormente a p-cresol,1 que é sulfatado na camada submucosa, resultando em PCS.2,15-17 Sua presença na circulação estimula a resposta inflamatória pela ativação de leucócitos,liberação de citocinas, produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), estresse oxidativo e danos ao endotélio, promovendo aterosclerose.4,9
Além disso, a alta concentração plasmática de ureia detectada entre os participantes deste estudo (como esperado para pacientes nos estágios da DRC em que se encontravam) é responsável pelo aumento nas concentrações de ureia no lúmen intestinal, alterando o meio bioquímico e contribuindo parao crescimento de espécies de bactérias mais adaptadas a esse substrato, sendo assim um dos fatores que contribuem para a disbiose e o aumento da síntese de toxinas urêmicas na DRC.10 Essa interação entre uremia e alterações intestinais foi analisada por Vaziri et al.,41 a fim de determinar se os produtos da degradação da ureia no intestino exerciam influência sobre a integridade da mucosa. Com efeito, houve alteração nas células da barreira intestinal, e esses achados ajudam a esclarecer os fatores que desencadeiam perturbações que a tornam mais permeável à difusão de toxinas do lúmen intestinal para circulação sistêmica.9,41
Uma característica importante da terapêutica nutricional durante a fase não dialítica é a adoção da dieta hipoproteica, que consequentemente reduz a oferta de compostos nitrogenados ao intestino.2 Black et al.20 investigaram a influência da dieta hipoproteica (0,6g/kg/d) sobre o perfil microbiano e nos níveis plasmáticos de toxinas urêmicas em pacientes portadores de DRC em tratamento conservador e encontraram redução significativa nos níveis de PCS no grupo de pacientes que apresentaram boa adesão à dieta hipoproteica, além de alterações no perfil de sua microbiota intestinal. Em outro estudo, Marzocco et al. (2013) mostraram que a prescrição de dieta muito restrita em proteínas (0,3 g/kg/d, suplementada com ceto-análogos e aminoácidos essenciais), reduziu os níveis de indoxil sulfato em pacientes com DRC em tratamento conservador.42 No entanto, tais estudos não avaliaram a ingestão dos aminoácidos precursores das toxinas urêmicas.
Adicionalmente, outra abordagem que pode favorecer o paciente com DRC é a oferta de fibras dietéticas, um importante substrato para as bactérias colônicas simbiontes.43 Sua relevância foi apontada por Dominianni et al.,44 ao realizarem o sequenciamento genético da microbiota de 82 indivíduos e observarem que a ingestão de fibras modulou o perfil bacteriano. No caso dos participantes deste estudo, a ingestão de fibras estava abaixo das recomendações, prejudicando a sua disponibilidade como substrato para as bactérias intestinais. Além da influência dos hábitos alimentares ocidentais,45 a ingestão de fibras nesses pacientes pode estar comprometida em decorrência do controle da hipercalemia, visto que o potássio estápresente em elevadas quantidades em frutas e hortaliças, que também são importantes fontes de fibras.19,46 Vale ressaltar que, independentemente dessa restrição, os pacientes do presente estudo não tinham, até o momento, recebido orientação nutricional, o que pode justificar a ingestão quantitativa e qualitativamente inadequada frente ao quadro da DRC.
Diante do exposto, é interessante ressaltar que a intervenção dietética na DRC, tendo como alvo a saúde intestinal, pode exercer relevante papel na homeostase desses pacientes, bem como no desenvolvimento de comorbidades. Neste contexto, Moradi et al.47 ressaltam a relevância de tratamentos adjuvantes que atentem para fontes exógenas de precursores de toxinas urêmicas, a fim de minimizar a sua produção pelas bactérias colônicas, com o objetivo de diminuir a exposição desses pacientes a doenças cardiovasculares.
Este estudo deparou-se com algumas limitações durante a sua execução. Em primeiro lugar, os dados foram obtidos a partir de uma reduzida amostra populacional de portadores de DRC, carecendo de um número mais expressivo para fortalecer os presentes achados. Em segundo lugar, a respeito do R24h, a acurácia na obtenção dos dados depende da memória do entrevistado. Para superar tal limitação, a técnica do PNA foi utilizada para mensurar a ingestão proteica com maior acurácia. Apesar disso, o R24h é um método subjetivo validado e extensamente utilizado em estudos relativos à ingestão alimentar.48 Em terceiro lugar, por ter sido realizado um estudo transversal,os níveis plasmáticos de PCS foram mensurados uma única vez, sem explorar as variáveis intraindividuais dos participantes. Por fim, a análise observacional não permite modular a ingestão alimentar para identificar mais precisamente os efeitos das variáveis dietéticas sobre a produção de toxinas urêmicas. Ademais, observa-se uma escassez de trabalhos referentes à ingestão de Tyr e Phe e a sua relação com os níveis plasmáticos de PCS, sendo necessária a condução de mais estudos.
Os resultados deste estudo mostraram que a ingestão alimentar de Tyr e Phe pode representar importante fator capaz de influenciar os níveis plasmáticos de PCS, ressaltando o papel da dieta na modulação de metabólitos provenientes da microbiota intestinal e sugerindo que, além do controle quantitativo da ingestão de proteínas no tratamento conservador da DRC, atenção deve ser dada também ao perfil de aminoácidos da dieta.Salienta-se assim a relevância de intervenções nutricionais específicas para esses pacientes como componente essencial do seu tratamento, a fim de promover melhor qualidade de vida e amenizar os desfechos da doença.