versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.17 no.4 São Paulo 2019 Epub 10-Out-2019
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019ed5214
A depressão é um dos principais problemas de saúde pública global, e a principal causa de incapacidade, com estimativa global de 4,7%, constituindo a 11º principal causa global de carga de doença.1 Entre idosos, a depressão é uma das doenças mentais mais prevalentes, que comumente pode levar à incapacidade e à redução da satisfação da qualidade de vida. Juntamente do aumento da população de idosos, a melhor compreensão da depressão é altamente valiosa, a partir de perspectivas clínicas e públicas.2
A depressão tardia é um distúrbio psiquiátrico comum, que reduz a qualidade de vida entre idosos. Cerca de 14% dos indivíduos com mais de 55 anos têm depressão, incluindo 2% com transtorno depressivo grave. Os fatores associados com a depressão tardia incluem sexo feminino, doença somática crônica, lesão cognitiva, lesão funcional, falta de contato social, traços de personalidade, eventos de vida estressantes e histórico de depressão.3
O uso de antidepressivos por pacientes idosos tem alguns riscos. Porém, a depressão não tratada ou inadequada é muito mais perigosa e pode levar a outros resultados adversos de saúde, como desnutrição, desidratação, fraqueza por falta de atividade física, declínio funcional, redução na qualidade de vida e, por último, suicídio e morte.
Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) são bem estabelecidos como tratamento de primeira linha para depressão em idosos. Porém, diferentes estudos mostram que os ISRSs (paroxetina, fluoxetina, fluvoxamina, sertralina e venlafaxina) aumentam o risco de sangramento, inclusive em grandes cirurgias.
Complicações cirúrgicas relacionadas a sangramentos são causas de morbidade e mortalidade em pacientes idosos. O sangramento intraoperatório pode requerer transfusão sanguínea, além de oferecer os riscos inerentes à transfusão de hemoderivados. Mesmo com técnicas cirúrgicas aperfeiçoadas, alguns procedimentos cirúrgicos estão associados à perda sanguínea. As grandes cirurgias ortopédicas, como artroplastia de joelho de quadril, resultam em perda de grandes quantidade de sangue.
As plaquetas armazenam em densos grânulos a serotonina sintetizada pelas células enterocromáticas no estômago, por meio do transportador de serotonina localizado em sua membrana. A serotonina é essencial para o funcionamento normal da plaqueta. Um componente fundamental para a ativação da plaqueta é a secreção de serotonina, que possui diferentes funções, incluindo fortes propriedades vasoativas, por meio de ação direta nos receptores de serotonina e produção de óxido nítrico; potencial de agregação induzido por difosfato de adenosina, epinefrina e colágeno; e melhora de formação fibrina.4
A serotonina é considerada um ativador de plaqueta relativamente fraco, mas tem grande potencial agregador induzido pelo difosfato de adenosina, pela epinefrina e pelo colágeno. Além disso, estudos recentes de perfusão têm mostrado que a serotonina melhora a formação de fibrina e aumenta a superfície de agregação da plaquetas, mas a serotonina promove o estágio trombogênico na circulação sanguínea humana.5
Diferentes estudos randomizados controlados mostraram que os ISRS promovem alteração na hemostasia primária e na cascata de coagulação.6 - 8 Por esses motivos, os ISRS são descritos como medicamentos potencialmente associados ao risco de sangramento.
A evidência epidemiológica sugere o aumento de risco moderado de sangramento gastrintestinal entre pacientes idosos associado com uso de ISRS. Contudo, isso depende da suscetibilidade do paciente e da presença de outros fatores de risco, como idade, histórico de sangramento gastrointestinal superior ou úlcera péptica, e uso de medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais, anticoagulantes orais, medicamentos antiplaquetários ou corticosteroides. Porém, poucos estudos analisaram o risco de sangramento associado a ISRS em pacientes submetidos à cirurgia ortopédica de grande porte.
A cirurgia ortopédica de grande porte está associada ao alto risco de complicações pós-operatórias comparada com outros tipos de procedimentos. Além disso, os pacientes candidatos à cirurgia ortopédica maior possuem, geralmente, mais que 65 anos. Com o aumento da idade, o aparecimento de comorbidades e o comprometimento das funções hepática, renal e cardíaca aumentam o risco de desenvolvimento de tromboembolismo venoso, além do aumento da incidência de sangramento maior.
A artroplastia total de quadril (ATQ) e artroplastia total de joelho (ATJ) têm sido realizadas com relativa frequência, com estimativa de mais de 300 mil procedimentos anualmente.9
Em estudo de coorte retrospectivo, Schutte et al., mostraram que usuários da ISRS realizando cirurgia de quadril tinham risco aumentado para transfusão sanguínea durante a admissão, concluindo que esses medicamentos antidepressivos deveriam ser considerados fator de risco para aumento de hemorragia entre pacientes admitidos para cirurgia de quadril.10
Movig et al., em estudo retrospectivo, incluindo 520 pacientes que realizaram cirurgia ortopédica maior, observaram que o risco de transfusão sanguínea aumentou quatro vezes no grupo que recebeu ISRS comparado com não usuários. Além disso, conclui-se que o sangramento e a transfusão sanguínea foram associados com os medicamentos antidepressivos.11 Porém, van Haelst et al., conduziram estudo de coorte retrospectivo com pacientes que realizaram ATQ e não encontraram associação com necessidades de transfusão perioperatória, em relação a pacientes que receberam tratamento com ISRS.12
A depressão é uma dos distúrbios mentais mais comuns entre idosos, e os inibidores da recaptação de serotonina são comumente prescritos para esta população. Ainda, as cirurgias ortopédicas maiores são realizadas com frequência em pacientes idosos e estão associadas ao aumento do risco de hemorragia. Uma vez que os ISRS podem causar danos à hemostasia, é possível que estes medicamentos antidepressivos aumentem a necessidade de transfusão sanguínea em casos de cirurgias ortopédicas maiores. Um estudo prospectivo validado entre a população idosa deveria ser conduzido para investigar esta hipótese.