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Iniciativas, ações e políticas sobre as vendas de alimentos na via pública

Iniciativas, ações e políticas sobre as vendas de alimentos na via pública

Autores:

Jhon Jairo Bejarano Roncancio,
Camila Andrea Navarro Quicazán,
Alexandra Pava Cárdenas

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.23 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500010004

ABSTRACT

Street food vending has been one of the most representative occupations of the informal economy, especially in developing countries. However, generally, that activity is unregulated, persecuted by health agencies, and related to situation of inequality and social exclusion of vendors, which implies incipient health practices and high risk to public health, especially to consumers. This opinion paper aims to discuss the implications of food sales in public way, in the context of public policies and the initiatives of international organizations, from a preventive academic reading, with focus on labor and rights. By tracing the experiences of Ibero-America, advances were appointed, at different levels, for the recognition of this type of food vending, and proposals to promote inclusive social dynamics and health monitoring.

Key words: street food; biological pollutants; foodborne diseases; policy

INTRODUÇÃO

Nos países em desenvolvimento, a atividade informal da venda de alimentos na rua foi e continua sendo uma das principais possibilidades de ingresso econômico em famílias de baixa renda1. Os alimentos de rua, entendidos como "alimentos e bebidas prontos para serem consumidos, preparados e/ou comercializados por vendedores ambulantes ou fixos, especialmente em ruas e outros enclaves semelhantes", fazem parte do cotidiano de compra na área urbana, especialmente para as classes trabalhadoras dos setores populares e médios, devido a sua conveniência em termos de acesso e rapidez1 , 2. Porém, a localização das vendas incide negativamente no entorno, devido à invasão do espaço público, à má gestão dos resíduos sólidos e líquidos e às práticas de produção em condições inadequadas. Além disso, o local contribui na alta probabilidade dos alimentos estarem contaminados por material particulado presente no ar, sendo que as vendas acontecem na via pública, próximas ao tráfego veicular, o que gera riscos à saúde.

Os consumidores, por sua parte, referem à importância da higiene para escolher os alimentos, no entanto, no contexto da venda na rua, geralmente são negligenciados os perigos relacionados com a saúde1 , 3. Diferentes organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), têm se preocupado com o impacto negativo dos alimentos de rua sobre a saúde da população, principalmente o que se refere à inocuidade alimentar e aos riscos de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA)4.

Em contraste à perspectiva do risco e da doença, existem outras formas de interpretar a venda de alimentos na rua. Na década de 1990, estudos sobre o estado nutricional em países como Peru, Guatemala, Indonésia e do continente Africano apontaram que essa atividade constitui uma fonte importante de nutrientes, complementares aos fornecidos pelas refeições em casa3. Igualmente, as discussões desde a Segurança Alimentar e Nutricional sugerem que os alimentos de rua contribuem na garantia do acesso alimentar das populações vulneráveis, o que concorda com a promoção do direito humano à alimentação, embora em contraponto à inocuidade5 , 6.

O presente artigo pretende abordar uma plataforma temática sobre a venda de alimentos na rua, cujo escopo corresponde às diretrizes internacionais que suportam a formulação de ações políticas e sociais, a fim de colocar sobre a mesa uma reflexão sobre o panorama político para a garantia de trabalho dos vendedores de rua e a saúde pública dos consumidores. Para isso, procurou-se informação sobre os países da região Ibero-americana que historicamente tenham trabalhado com o tema2 - 4. O rastreamento se fez a partir das referências das páginas virtuais dos Ministérios da Saúde e de pesquisas sobre o tema. A organização do material aconteceu em três etapas:

  1. revisão do conteúdo da política;

  2. identificação da postura da norma sob a categorização de tipo de regulamento e

  3. contextualização geral da venda de alimentos na rua no cenário internacional.

CONTEXTO NORMATIVO EM PAÍSES DA REGIÃO IBERO-AMERICANA

Foram revisadas as políticas da Espanha, da Colômbia, da Venezuela, da Argentina, do Brasil e da Guatemala (Tabela 1). De acordo com o Bando Mundial, os países estão em diferentes níveis de renda: dos mencionados, o primeiro corresponde a uma renda média alta, do segundo ao quinto, uma renda média-superior, e o sexto, uma renda mais baixa7. Nesse sentido, destacam-se principalmente os seguintes aspectos:

Tabela 1. Normas de venda de alimentos na via pública em países da região ibero-americana, período 1969-2014 

País Norma Tipo de regulamento
Guatemala Regulamento de vendas de alimentos na via pública de 19918 Estabelece os requisitos, normas e obrigações que devem estar sujeitos os vendedores de alimentos instalados em vias públicas, as medidas regulamentares e medidas necessárias.
Esta norma reconhece e apóia a venda de alimentos nas ruas, como um elemento do sistema de abastecimento de alimentos da cidade, desde que a venda esteja em conformidade com as disposições, normas e medidas contidas nos regulamentos. Porque vender comida na rua é um problema de saúde que afeta ao consumidor, ao vendedor e ao meio ambiente. Assim, incentiva-se ao vendedor a assumir a responsabilidade de manipulação higiênica para evitar as doenças transmitidas pelos alimentos.
Esta norma apresenta os requisitos gerais de boas práticas de manipulação de alimentos para vias públicas, bem como as exigências a serem cumpridas pelo vendedor ambulante para obter autorização para a venda de alimentos na via pública.
O artigo 18 prevê o pagamento de uma taxa para a ocupação do espaço público, que irá para a limpeza e manutenção da rua, onde as bancas de venda estão localizadas. Também citam disposições para localização, registro, sanções e inspeção por parte das autoridades competentes.
Colômbia Ministério da Saúde. Resolução nº 604, de 12 de fevereiro de 19939 O título V da Lei de 9 de 1979, regulamenta quanto às condições sanitárias das vendas de alimentos na via pública.
Esta lei aplica-se especificamente aos vendedores de alimentos que estejam autorizados e localizados pelas autoridades competentes para vender esses produtos em vias públicas. O escopo da norma é de regular a produção e venda de alimentos, indicando as condições higiênico-sanitárias desejáveis para elaboração, transporte e distribuição de alimentos. São enunciados diferentes fatores que são pontos potenciais de risco na manipulação de alimentos, como temperaturas de cozimento, condições de armazenamento e transporte adequadas, limpeza do posto de venda, fontes de contaminação, entre outros.
Para conseguir vender alimentos em vias públicas, a norma específica é que os fornecedores devem obter autorização sanitária de funcionamento, registro e controle de prévia autorização para ocupar o espaço público.
Uma debilidade desta resolução é que ela se aplica apenas aos vendedores autorizados pelas autoridades competentes, o que exclui da regulamentação pertinente aos vendedores ambulantes não autorizados.
Projeto de resolução em venda de ambulantes. 201010 Estabelece os requisitos sanitários que devem atingir as barracas dedicadas à preparação e venda de alimentos e bebidas para consumo humano no espaço público do país.
O escopo do projeto é semelhante à resolução 604 de 1993, ao estabelecer diretrizes higiênico-sanitárias para uma manipulação adequada de alimentos a serem vendidos na via pública. Uma diferença importante é a redução do tempo de capacitação na manipulação de alimentos de 12 para 6 horas, o que pode ser insuficiente considerando os diferentes níveis educativos apresentados pelos vendedores. Uma melhora neste projeto é a maior ênfase na vigilância e controle das bancas na rua, porém apresenta as mesmas limitações da lei 604 de 1993 e é que aplica somente às autorizadas pelos vendedores autorizados pelas instituições de saúde.
Venezuela Decreto nº 525. 12 de janeiro de 1959.
Conselho do Governo11
No regulamento geral de alimentos, o capítulo III prevê que as vendas de comida de rua estão sujeitas ao Código de General alimentos, a necessidade de uma autorização para a venda destes artigos e os motivos para a proibição ou o encerramento da venda (artigos 11-13).
Resolução nº G-375.
Gazeta Oficial da República da Venezuela nº 34.423. 7 de março de 199012
Define as normas sanitárias que devem obedecer dos proprietários ou responsáveis de estabelecimentos de comida de rua.
Define as normas editadas pelo Ministério da Saúde e assistência social, como autoridade sanitária competente, no que se refere ao tipo de alimentos permitidos para a venda, a localização das barracas na rua, equipamentos, utensílios e transporte utilizado para manipulação de alimentos, manutenção do posto de venda, permissão que autoriza aos vendedores ambulantes para prosseguir esta ação e as sanções a que estão sujeitos em caso de não cumprimento das disposições acima citadas.
Brasil Decreto-Lei nº 986 de 196913 A defesa e proteção da saúde individual e coletiva, no que diz respeito à alimentação, desde a produção ao consumo, serão reguladas, em todo o território nacional pelas disposições do presente decreto-lei.
Decreto nº 27.619 de 198914 Dispõe sobre a autorização para o exercício das atividades de vendedores e/ou prestadores de serviços nas vias públicas do Município de São Paulo e de outras regiões.
Brasil Decreto nº 42.242 de 200215 Regulamenta a lei nº 132.736 de 1998, alterada pela lei nº 13.185 de 2001, que dispõe sobre a comercialização de sanduíche chamado “cachorro quente” e os refrescos, para que os vendedores Motorsports autônomos, no município de São Paulo.
Os vendedores de “cachorro-quente” deveram ser autorizados pelo órgão municipal. Eles devem ter autorização visível no posto de venda. No caso de não tê-lo no local estabelecido, o posto será tomado como não autorizado. A licença não pode ser transferida a terceiros.
Só pode-se localizar um motorizado de venda de “cachorro quente” por quarteirão.
Define as condições a serem cumpridas para a pessoa interessada na autorização para vender “cachorros quentes” que tem um tempo de duração máxima de um ano e após deste período, tem de ser renovada.
Estabelece as condições sanitárias gerais tanto do ambiente em que está o local quanto dos equipamentos e materiais usados para venda ambulante e apresentação do vendedor.
Os alimentos embalados que são usados para preparar o produto final deve cumprir com os regulamentos de rotulagem. Ele deve manter o recebo da compra das matérias-primas que não tenham a fim de manter o seguimento dos alimentos, caso a autoridade competente queira.
Estabelecem-se boas práticas de manipulação de alimentos para vendedores de “cachorros quentes”.
Lei nº 311 de 2013
Câmara Municipal de São Paulo16
Estabelece as normas para a comercialização de alimentos e para o processo de áreas públicas – comida de rua – e dá outras providências.
Aplica-se à barraca de comida localizada em vias públicas, com exceção para os mercados livres. Dentro dessa lei incluem-se os vendedores de alimentos, cujo ponto de venda seja carros de motor, carrinhos de comida e barracas desmontáveis. Somente nessas é permitida a venda de bebidas alcoólicas.
Cria-se o Comitê de alimentos de rua, que deve processar os pedidos ds vendedores de rua, considerando a localização do ponto de venda, equipamentos e ferramentas utilizadas pelo vendedor, as solicitações previamente aprovadas para o local que o solicitante deseja e o período desejado. Não é permitida a localização de vendedores ambulantes em áreas exclusivamente residenciais. A licença é válida por um ano, renovável uma vez por igual período de tempo. Estabelece um sistema de monitoramento e infrações aplicáis pela entidade competente para os vendedores ambulantes.
Argentina Lei nº 18.284 de 1969
Ministério do bem-estar Social
Dá vigência ao Código Alimentar Argentino, as disposições higiênico-sanitárias, bromatológica e de alimentação comercial do Regulamento Alimentar provado pelo Decreto nº 141/53, conforme a suas alterações e complementares.
No artigo 9º, alínea a) autoriza ao Ministério da Saúde e Ação Social a tomar medidas derrogatórias bem fundamentada em relação à venda ambulante de substâncias alimentícias incorporadas ao Código Alimentar Argentino.
Lei nº 1.166
14 de janeiro de 200417
Modifica o código de habilitações e verificações relativas à preparação e venda de produtos alimentícios e/ou a venda nas vias públicas.
Capítulo 11.1: proíbe a venda de produtos alimentícios na via pública a pessoas que não têm autorização para fazê-lo, que tem uma duração máxima de um ano. Estabelece regras para atividades comerciais no espaço público. Estabelece requisitos para a obtenção da permissão para a venda nas vias públicas, os motivos de recusa da licença e os requisitos de autorização que devem atingir os beneficiários da autorização.
Capítulo 11.3: Estabelece as diretrizes e condições para a venda ambulante por sua própria conta, os alimentos permitidos e os não permitidos.
Capítulo 11.10: Estabelece diretrizes e condições para a venda ambulante em locais fixos e determinados por conta de terceiros.
Código de avaliações e verificações
Ordenança
nº 33.266/197618
Para o exercício de qualquer atividade comercial ou industrial na cidade de Buenos Aires, deverá se solicitar habilitação ou permissão municipal segundo corresponda.
Nos capítulos que se aplicam aos fornecedores que não foram modificados pela Lei 1.666, incluem:
Capítulo 11.2: Estabelece as diferentes categorias para os posto de venda móveis, estacionários ou semimóveis. Determina que os alimentos e bebidas devem ser provenientes de estabelecimentos aprovados e registados pela autoridade sanitária competente. Em alimentos específicos, como sanduíches com legumes, eles devem ser manipulados com acessórios descartáveis e outros elementos permitidos no Código Alimentar vigente. Enfatiza a conformidade com as práticas higiênico sanitárias, a aprovação do curso de manipulação de alimentos, as condições de higiene do posto de venda e a revogação da licença de venda em caso de violação dessas condições.
Capítulo 11.5: Regime de penalidades para venda em vias públicas, em todas as suas formas. Estabelece as faltas pelas quais os fornecedores podem receber multas ou cancelamento da licença de venda.
Espanha Lei 7/199619 No comércio vajerista (Título III, Capítulo IV) fica estabelecido o regime jurídico geral do varejo, assim como regula certas vendas especiais e atividades de promoção comercial, sem prejuízo das leis promulgadas por comunicades autonomas em exercício da sua competência. É entendida como uma atividade, desenvolvida profissionalmente para o lucro consistente em ofertar a venda de qualquer tipo de mercadoria para destinatários finais envolvidos, usando ou não o estabelecimento.
Defini comolocal de vendas ambulantes ou mercados de rua fixos, regulares ou ocasionais, assim como em locais instalados em vias públicas, para produtos lançados de natureza estacional. A autorização das vendas ambulantes corresponde Câmaras Municipais. Fornecedores autorizados devem transportar dados pessoais visíveis e documento de autorização municipal, como um endereço para eventuais sinistros. A autorização de venda ambulante corresponde as Câmaras Municipais. Os vendedores autorizados devem deixar de forma visível os dados pessoais e o documento de autorização municipal, assim como um endereço para eventuais reclamações.
Real Decreto 199/201020 Regulamenta a venda ambulante ou não estacionária.
Limita o número de licenças emitidas para os vendedores ambulantes por causa do pequeno espaço público. O processo de assignação das autorizações é público e o trâmite deve-se fazer de acordo com critérios claros, simples, objetivos e previsíveis. Este procedimento é estabelecido de forma independente por cada município sob a seção 86 da Lei 33 de 2003 Património da Administração Pública.
Elimina os requisitos de natureza econômica para a concessão da autorização (necessidade financeira - a demanda do mercado). A atividade comercial em qualquer dos modos de caminhar ou venda sedentário deve ser submetido às regras gerais da Lei n º 7 de 1996, do comércio varejista.
A atividade comercial desenvolvida sob algum dos modos de venda ambulante ou não sedentário deverá efetuar-se com sujeção ao regimem geral da Lei nº 7 de 1996, da ordenação do comércio varejista.
Faz com que o processo de inspeção e o sistema de sanção de vendas ambulantes, as quais sejam executados pelos municípios em que essas vendas são autorizadas.
ANM 2003/23
27 de março de 2003. Ayuntamiento de Madrid21
Portaria Municipal Reguladora da venda ambulante em Madri
Estabelece os requisitos e as condições que devem ser cumpridas para o exercício da venda feita no município de Madri, “por comerciantes fora da loja comercial permanente, regularmente, ocasionalmente, periódica, em lugares devidamente autorizados. Estabelece procedimentos para a aquisição de licenças para venda ambulante ao igual que determina os lugares onde serão localizados e o número máximo de postos de venda permitidos.
A venda ambulante dos alimentos só está permitida nos mercadinhos, e só podem vender os alimentos contemplados no anexo II da norma. “Não é permita a venda de alimentos em food trucks”.
Estabelece procedimentos para a inspeção e sistema de sanção para os vendedores ambulantes.
Portaria regulamentar da venda ambulante 201022 Regulamento da venda ambulante ou não sedentária em termo municipal de Valmojado.
Só é permitida a venda de produtos alimentares quando estiverem atingidas as condições sanitárias e de higiene estabelecidas na legislação sectorial sobre o assunto para cada tipo de produto. O vendedor deve ter cartão de manipulador de alimentos.
É permitida a venda ambulante de alimentos em merdadinhos e comércio de rua (produtos estacionais)

Temporalidade

Em países como Venezuela, Brasil e Argentina, as colocações políticas na década de 1960 já explicitavam a importância de ter um controle sobre a venda de alimentos na rua. Dentre as tendências sobre o tema, na década de 1990, a FAO recomendou aos governos fortalecerem o controle da qualidade dos alimentos, como no caso dos outros países, e a partir disso, a Comissão do Codex Alimentarius tem promovido a criação de códigos para a preparação e venda de alimentos inócuos nas ruas2. Não obstante, nos casos de países em desenvolvimento, onde não se possui uma regulamentação específica, o material da OMS e as guias da FAO procuram promover hábitos higiênicos adequados23.

Características do vendedor

A configuração do vendedor é variável dependendo do país. Na Colômbia, ele é autorizado, mas o sistema de vigilância sanitária centra-se nas atividades ilegais e não no seguimento preventivo. Em contraste, para a Espanha, ele exerce uma profissão, o que possibilita que a normatividade seja uma estratégia dirigida a um maior controle do setor.

Politicamente, a Guatemala foi o único país que fez ênfase no compromisso do vendedor sobre a higiene na manipulação e sua responsabilidade com a saúde dos consumidores, o que pode estar relacionado com características culturais e alimentares da população7.

Ao não promover a responsabilidade do vendedor, como no caso dos outros países, e conferir maior protagonismo à figura autoritária da vigilância sanitária, estaria conduzindo a uma situação de ineficiência programada. Os vendedores podem atingir os requisitos estabelecidos pela norma, como, por exemplo, capacitar-se continuamente e memorizar as diretrizes das políticas, mas caso não se crie uma consciência de responsabilidade pública, será difícil comercializar alimentos seguros.

Controle por tipo alimento ou preparação

A abordagem da venda pode estar sujeita às especificidades segundo o tipo de alimento. No Brasil, as matérias-primas devem atender as normas de rotulagem, mas em caso de não ter rótulo na embalagem, por exemplo, o cachorro-quente em São Paulo, deve-se conservar o recibo de compra, a fim de ter o controle do fornecedor14. Já para Argentina, os vendedores devem usar matérias-primas compradas a um fornecedor que siga a normativa de rotulagem17. Assim, dependendo do processo de manipulação das matérias-primas (produção, transporte, entre outros) é possível diminuir a risco de contaminação dos alimentos quando chegam ao vendedor, sendo que nem todos os riscos estão intrinsecamente relacionados com a preparação do alimento.

Na América Latina, os diferentes regulamentos destacam as práticas e as condições higiênico-sanitárias dos vendedores, mas na Espanha, esses itens são negligenciados devido à regulamentação que criou a União Europeia. Assim, está estabelecido o uso de produtos em suas embalagens originais para a venda de alimentos. No caso de Madrid20, é permitida a venda de alimentos como batatas fritas, produtos de padaria, bebida não alcoólicas, frutas frescas, legumes e hortaliças frescas, entre outros, contando que essas se encontrem embaladas por estabelecimentos aprovados (exceto frutas, legumes e hortaliças).

Estratégias em função do espaço público

Na Guatemala e na Espanha referem-se mecanismos de controle que favorecem ao meio ambiente, o primeiro por meio do uso de taxas para a manutenção do espaço público e o segundo com a limitação do número de licenças para esse tipo de venda. Chama a atenção que, no caso da Espanha, são proibidos os food trucks, em contraste ao incremento dessa modalidade de venda nas metrópoles da America do Sul. A força comercial dos food trucks resulta atrativa economicamente, como acontece nos Estados Unidos e no Canadá24, no entanto, na experiência canadense, os estudos mostram que os food trucks são fonte de DTA, o que argumenta um robusto monitoramento dos caminhões e fornecedores de matérias-primas25.

EVIDÊNCIA E RESULTADOS DA EXECUÇÃO DAS NORMAS

Mesmo com a existência da regulamentação sobre práticas higiênico-sanitárias específicas para a venda de alimentos na rua, os estudos evidenciam a latência de altos riscos de DTA. Em Bogotá, na Colômbia26, constatou-se que alimentos provenientes de barracas, 11,8% tinham Salmonella spp. e 25% de E. coli. Essa situação foi apontada pela ausência de boas práticas de manipulação em 87% dos vendedores, em contraste com o fato de que 80% dos avaliados tinham um conhecimento básico de manipulação de alimentos.

A incidência de DTA nos centros econômicos dos países pesquisados (Quadro 1) sugere variações importantes por local. No entanto, fazer um contraste com as políticas é complexo devido às dificuldades que têm os sistemas de notificação epidemiológica, em termos de reportes e apontamentos etiológicos. Diante desse panorama crítico, surge a pergunta: a que se devem as altas taxas de contaminação de alimentos em vias públicas? A falta de compromisso na manipulação dos alimentos por parte vendedores e/ou falha do sistema de vigilância e controle. Porém, existem múltiplos fatores relacionados, entre eles, o número limitado de funcionários da vigilância sanitária. No caso de Antioquia, Colômbia, são designados quatorze funcionários para acompanhar mais de trinta mil barracas34.

Quadro 1. Indicadores epidemiológicos relacionados com Doenças Transmitidas por Alimentos por 100.000 habitantes. 2010 

A eficácia das práticas de higiene a respeito da limpeza e desinfecção do posto de venda está sujeita a periodicidade34 , 35. No município de Ibiúna, São Paulo36, um estudo de avaliação estratificada de vendedores apontou que após de quinze dias de capacitação, obteve-se melhoria das condições higiênico-sanitárias dos estabelecimentos de rua. Dessa forma, a capacitação dos manipuladores de alimentos é um eixo importante para o sucesso esperado nas condições higiênico-sanitárias, considerando o nível educativo e o contexto onde a atividade se desenvolve. No entanto, estudos também concluem que a capacitação deve-se estender aos fornecedores de alimentos e supervisores dos vendedores, superando o papel punitivo para o de assessoria37.

As características das normativas têm um caráter dinâmico dependendo do contexto social e histórico do local. Em São Paulo, até o ano de 2013, as normas possibilitavam apenas a comercialização de cachorro-quente. Em novembro do mesmo ano, uma nova lei permitiu a venda de qualquer tipo de preparação de alimentos na rua, o que beneficiou não só aos vendedores informais, mas também possibilitou aos proprietários de restaurantes venderem seus produtos em feiras livres e food trucks 38. Além disso, devido aos eventos esportivos mundiais programados no país (Copa do Mundo e Olimpíadas), a nova lei se destinou a fornecer uma alimentação rápida, econômica e segura para os turistas39.

CONCLUSÕES

Este artigo de opinião discutiu as políticas da Guatemala, da Colômbia, da Venezuela, da Argentina, do Brasil e da Espanha e algumas iniciativas das organizações internacionais como a FAO e OMS que explicitamente têm trabalhado no tema da venda de alimentos na rua, a partir de uma leitura acadêmica preventiva, com foco laboral e de direitos. Os achados apontam que o marco jurídico dos países pesquisados apresenta avanços em maior ou menor medida, partindo da questão fundamental do reconhecimento do fenômeno.

Encontraram-se duas tendências no nível de detalhamento das políticas consultadas. Por um lado, um escopo de ações definido, legalizado e programado; e, por outro, uma dinâmica avançada em especificidade e detalhamento das ações, mas restritiva na definição de atores ou alimentos. Complementariamente, os direcionamentos da FAO e a OMS têm tido um papel determinante na definição, fomento e procura de soluções para o controle das DTA, levando em consideração que existem países onde a venda de alimentos na rua é uma atividade legal.

Apesar dos regulamentos existentes, a venda de alimentos na via pública tende a aumentar conforme ao nível de desigualdade social, pois mitiga as poucas oportunidades de acesso ao emprego formal. A ideia não é a punição da atividade, mas o fortalecimento de estratégias educativas, subministro de infraestrutura, mecanismos de proteção ao consumidor, para que também seja possível fornecer garantias no direito ao trabalho com dignidade. Além disso, a intervenção educativa deve ser pensada como um processo e não como uma atividade que levanta uma série de temas dados ao vendedor.

REFERÊNCIAS

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