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Inotrópicos Intravenosos Contínuos em Unidades de Enfermaria: Expandindo o Tratamento Além da Unidade de Terapia Intensiva Utilizando um Protocolo Orientado em Segurança

Inotrópicos Intravenosos Contínuos em Unidades de Enfermaria: Expandindo o Tratamento Além da Unidade de Terapia Intensiva Utilizando um Protocolo Orientado em Segurança

Autores:

Laura Caroline Tavares Hastenteufel,
Nadine Clausell,
Jeruza Lavanholi Neyeloff,
Fernanda Bandeira Domingues,
Larissa Gussatschenko Caballero,
Eneida Rejane Rabelo da Silva,
Lívia Adams Goldraich

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.5 São Paulo maio 2019 Epub 06-Jun-2019

https://doi.org/10.5935/abc.20190078

Resumo

Pacientes selecionados com insuficiência cardíaca (IC), clinicamente estáveis que necessitam de terapia inotrópica intravenosa prolongada podem se beneficiar de sua continuidade fora da unidade de terapia intensiva (UTI). Nosso objetivo foi relatar a experiência inicial e a segurança de um protocolo estruturado para terapia inotrópica em unidades de terapia não-intensiva em 28 pacientes consecutivos hospitalizados com IC que receberam alta da UTI. A utilização de doses inotrópicas baixas a moderadas, orientadas por um processo de cuidado focado na segurança, pode reconfigurar seu papel como terapia de transição enquanto aguarda terapias avançadas definitivas e permite a alta precoce da UTI.

Palavras-chave Cardiotônicos; Dobutamina; Insuficiência Cardíaca/fisiopatologia; Inotrópicos; Milrinone

Abstract

Selected clinically stable patients with heart failure (HF) who require prolonged intravenous inotropic therapy may benefit from its continuity out of the intensive care unit (ICU). We aimed to report on the initial experience and safety of a structured protocol for inotropic therapy in non-intensive care units in 28 consecutive patients hospitalized with HF that were discharged from ICU. The utilization of low to moderate inotropic doses oriented by a safety-focused process of care may reconfigure their role as a transition therapy while awaiting definitive advanced therapies and enable early ICU discharge.

Keywords Cardiotonic Agents; Dobutamine; Heart Failure/physiopathology; Inotropes; Milrinone

Introdução

Na insuficiência cardíaca (IC) avançada, pacientes com síndrome de baixo débito cardíaco podem se beneficiar de inotrópicos intravenosos para proporcionar alívio sintomático e suporte hemodinâmico com diferentes propósitos - estabilização do quadro agudo, ponte para terapias cirúrgicas mais definitivas para doença avançada e paliação. Entre os pacientes admitidos com IC descompensada, cerca de 12 a 14% recebem inotrópicos.1 Entretanto, a segurança do uso de agentes inotrópicos continua sendo uma questão preocupante.2

No cenário agudo, as infusões inotrópicas contínuas geralmente são iniciadas em UTIs, onde as doses podem ser tituladas com monitoramento cuidadoso dos efeitos pró-arritmogênicos e vasodilatadores até que o paciente esteja estabilizado. Alguns pacientes podem necessitar de períodos mais longos de suporte inotrópico e, dependendo de seu estado clínico, podem se beneficiar da continuidade da terapia inotrópica em um ambiente de cuidado menos intensivo.

Nosso objetivo é relatar a experiência inicial de um protocolo estruturado para terapia inotrópica intravenosa em unidades de terapia não-intensiva, com foco em processos de segurança e endpoints.

Métodos

Revisamos retrospectivamente todos os pacientes consecutivos hospitalizados com IC que receberam alta da UTI com infusão inotrópica intravenosa em nosso hospital terciário universitário, de julho de 2015 a dezembro de 2017. A estratégia para promover a alta da terapia inotrópica na enfermaria foi apoiada por um protocolo institucional, que está resumido na Tabela 1. Resumidamente, pacientes com IC estáveis que receberam uma dose baixa a moderada de inotrópico intravenoso contínuo (dobutamina ou milrinona) para diferentes indicações na UTI foram considerados para a transição de cuidados para uma unidade de enfermaria equipada com telemetria cardíaca, exceto se inotrópico fosse destinado à paliação, pois nesse caso a telemetria não era utilizada. Eventos adversos - definidos como readmissão na UTI devido ao agravamento da IC, arritmia atrial, arritmia ventricular com necessidade de redução da dose do inotrópico e infecção relacionada ao acesso intravenoso central - que ocorreram enquanto o paciente recebia infusão inotrópica na enfermaria foram registrados. Desfechos intrahospitalares (óbito, transplante cardíaco, implante dispositivo de assistência ventricular esquerda (LVAD), implante ou desmame dos inotrópicos), readmissões hospitalares em 30 dias, readmissão para transplante e mortalidade por todas as causas até uma data de censura em 31 de dezembro de 2017 foram registrados.

Tabela 1 Procedimentos operacionais padro para administrao de infuso inotrpica contnua em unidades de enfermaria 

Elegibilidade
Pacientes clinicamente estveis por mais de 24 horas com uma dose estvel de um inotrpico intravenoso contnuo em condies de receber alta da UTI.
Cateter venoso central (preferencialmente CCIP).
Procedimentos de segurana
Alta para uma enfermaria de telemetria cardaca contnua (exceto se destinado a paliao).
Prescrio mdica, incluindo dose de inotrpico (mcg/kg/min) e taxa de infuso (mL/min).
Doses mximas recomendadas para inotrpicos na enfermaria: dobutamina = 5 mcg/kg/min; milrinona = 0,5 mcg/kg/min.
Dose de inotrpico fixa ou em reduo gradual, conforme clinicamente apropriado.
Nenhum incremento de dose na enfermaria (paciente preferencialmente transferido de volta para a UTI para aumento de dose).
Alvos eletrolticos rigorosos (potssio 4,0-4,5 mmol/L; magnsio ≥ 2,0 mmol/L) e monitoramento de bicarbonato.
Avaliao sistemtica pela enfermagem do paciente e do medicamento administrado de acordo com as rotinas da enfermaria.
Avaliao diria do paciente pela equipe mdica.
Consideraes
Linha exclusiva de acesso intravenoso para infuso inotrpica.

UTI: unidade de terapia intensiva; CCIP: cateter central de insero perifrica.

Análise estatística

As variáveis categóricas são apresentadas como números absolutos e porcentagens, e as variáveis quantitativas como média ± desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil, conforme apropriado. Uma curva de Kaplan-Meier foi construída para sobrevida livre de transplante cardíaco ou implante de LVAD durante o seguimento, e as curvas de incidência cumulativa foram calculadas para mortalidade por todas as causas e transplante cardíaco ou LVAD, utilizando análise de risco concorrente com o Software R, versão 3.4.4 (R Project para Computação Estatística, Viena, Áustria).3

Resultados

Revisamos 28 pacientes com IC que receberam alta da UTI para a enfermaria com inotrópicos intravenosos após a criação do protocolo. A Tabela 2 descreve os dados dos pacientes e de cuidados clínicos durante o período de suporte inotrópico. A Figura 1A mostra os desfechos intrahospitalares dos pacientes de acordo com a intenção para suporte inotrópico.

Tabela 2 Caractersticas dos pacientes do estudo e dados referentes ao suporte inotrpico 

Caracterstica n = 28
Caractersticas basais
Idade, anos 54 ± 16
Sexo masculino 20 (71,5)
Etiologia isqumica da IC 16 (57)
Frao de ejeo do ventrculo esquerdo,% 23 ± 7,5
Histrico de fibrilao atrial 13 (46)
Cardiodesfibrilador implantvel 13 (46)
Doena renal crnica (TFG < 30 mL/min/1,73 m2) 7 (25)
Infuso de agente inotrpico
Agente inotrpico intravenoso
Milrinona 24 (86)
Dobutamina 4 (14)
Dose de agente inotrpico
Milrinona, mcg/Kg/min 0,25 (0,2 - 0,34)
Dobutamina, mcg/Kg/min 5,7 (4,37 - 6,55)
Durao total da terapia inotrpica, dias 23,5 (13,75 - 45,5)
Durao de terapia inotrpica na enfermaria, dias 10,5 (6,75 - 25)
Acesso venoso para infuso de frmacos
Cateter Venoso Central 4 (14)
Cateter central de insero perifrica 22 (79)
Acesso venoso perifrico 2 (7)
Presso Arterial Sistlica, mmHg* 93 ± 14
Presso Arterial Diastlica, mmHg* 59 ± 10

Dados expressos em nmero (porcentagem), mdia ± desvio padro ou mediana (intervalo interquartil).

*Valores de presso arterial no incio de terapia inotrpica. Dados de um paciente no disponvel. IC: insuficincia cardaca; TFG: taxa de filtrao glomerular.

LVAD: dispositivo de assistência ventricular esquerda. 

A coorte foi acompanhada por uma mediana de 154 dias. Entre os pacientes em quem os inotrópicos foram descontinuados e que tiveram alta hospitalar livre de transplante cardíaco ou implante de LVAD (n = 8), dois foram readmitidos por IC em 30 dias. Desfechos competitivos para mortalidade durante o período de seguimento são mostrados na Figura 1B.

Durante o período de suporte inotrópico na enfermaria, nove pacientes retornaram à UTI devido à piora da IC - dois deles por agravamento da fibrilação atrial pré-existente ou flutter atrial. Não foram observados episódios de nova fibrilação atrial ou flutter atrial. Seis pacientes desenvolveram arritmia ventricular não-sustentada recorrente e a dose inotrópica foi reduzida; destes, quatro estavam hipocalêmicos (≤ 3,5 mmol/L) quando as arritmias foram observadas. Um paciente teve uma infecção no local de saída do cateter venoso central, e um teve uma infecção de corrente sanguínea relacionada ao cateter central de inserção periférica. Sete eventos de violação de protocolo foram identificados: uso de acesso venoso periférico para infusão do medicamento (n = 2); e incrementos na dose inotrópica na enfermaria (n = 5). Nenhum deles incorreu em eventos clínicos adversos.

Discussão

No presente relato, descrevemos nossa experiência inicial com um protocolo focado na segurança para o uso de inotrópicos intravenosos contínuos em pacientes hospitalizados com IC avançada fora da UTI. Demonstramos que um subgrupo de pacientes clinicamente estáveis em uso de inotrópicos pode se beneficiar da transição para um ambiente de tratamento menos intensivo, seguindo procedimentos operacionais-padrão cuidadosos, sem uma carga significativa de eventos adversos. Essas medidas de segurança estão alinhadas com nosso programa institucional de melhoria da qualidade.

As diretrizes atuais indicam que os inotrópicos podem ser utilizados em situações clínicas específicas, especialmente choque cardiogênico ou terapia de ponte em pacientes com IC refratária à espera de transplante cardíaco ou LVAD. Além disso, aqueles que não são candidatos a terapias definitivas podem ser considerados para a utilização do agente inotrópico em longo prazo como tratamento paliativo.4 O uso de agentes inotrópicos intravenosos permanece controverso, pois muitos relatos associaram sua utilização a desfechos desfavoráveis. Entretanto, um efeito deletério de seu uso na mortalidade em longo prazo em pacientes que receberam alta hospitalar vivos não foi sugerido em um recente registro europeu.1

Neste estudo, descrevemos uma população selecionada de pacientes com IC avançada que não foi bem documentada na maioria dos estudos avaliando inotrópicos - em sua maioria, pacientes hospitalizados clinicamente estáveis destinados a desmame inotrópico ou ponte para terapias definidas. Com relação aos resultados de segurança, a maioria dos eventos arritmogênicos ocorreu no contexto de distúrbios eletrolíticos, que podem ser potencialmente evitados com um monitoramento cuidadoso. Considerando a crescente gravidade da IC e o potencial inotrópico como terapia de ponte em pacientes hospitalizados, uma abordagem contemporânea para sua utilização tem sido focar no perfil de segurança de seu uso, e ao mesmo tempo mantendo os objetivos tradicionais da terapia (a terapia 'até'), como descrito por Stevenson.5 Evitar o uso de altas doses tradicionais de inotrópicos, a administração sob condições cuidadosas de monitoramento e estratégias rigorosas de correção de eletrólitos podem permitir um uso mais amplo desses agentes.

Conclusões

Uma abordagem contemporânea e com foco na segurança para o uso de doses baixas a moderadas de agentes inotrópicos intravenosos em ambientes com recursos menos intensivos pode ser viável, potencialmente reconfigurando o uso desses agentes em diferentes cenários, variando de terapia de ponte a cuidados paliativos no fim de vida.

REFERÊNCIAS

1 Mebazaa A, Motiejunaite J, Gayat E, Crespo-Leiro MG, Lund LH, Maggioni AP, et al. Long-term safety of intravenous cardiovascular agents in acute heart failure: results from the European Society of Cardiology Heart Failure Long-Term Registry. Eur J Heart Fail. 2018;20(2):332-41.
2 Guglin M, Kaufman M. Inotropes do not increase mortality in advanced heart failure. Int J Gen Med. 2014;7:237-51.
3 R: A language and environment for statistical computing: Reference Index -[Internet]. [Cited in 2017 Jan 12]. Available from:
4 Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, Butler J, Casey DE Jr, Drazner MH, et al. 2013 ACCF/AHA guideline for the management of heart failure: executive summary: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on practice guidelines. Circulation. 2013;128(16):1810-52.
5 Pinney SP, Stevenson LW. Chronic inotropic therapy in the current era: old wines with new airings. Circ Heart Fail. 2015;8:843-6.