versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.26 no.2 São Paulo mar./abr. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014011IN
A atuação do fonoaudiólogo vem apresentando crescimento significativo no Sistema Único de Saúde (SUS), em paralelo ao elevado número de ocorrências de distúrbios da comunicação em pessoas que recorrem aos serviços de saúde( 1 - 4 ). Esse panorama é decorrente das modificações que ocorreram na concepção de saúde, reorganização dos serviços de saúde, modelo de assistência à saúde, bem como na formação do profissional de saúde( 1 , 4 , 5 ).
Em relação à atenção primária, como forma de reorganizar e reestruturar esse nível de atenção, de acordo com os preceitos do SUS, o Ministério da Saúde criou, em 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF), posteriormente denominado de Estratégia de Saúde da Família (ESF)( 6 , 7 ).
Desde o seu início até os tempos atuais, a ESF apresentou um crescimento significativo no território nacional, evidenciado pelo número de equipes implantadas, que subiu de 4.428 equipes em janeiro de 2000 para 30.440 equipes em janeiro de 2010, correspondendo respectivamente a uma cobertura populacional de 9,2 e 50,82%( 8 ).
As equipes da ESF são compostas por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem ou técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde e equipe de saúde bucal( 6 ). As equipes atuam no âmbito das Unidades Básicas de Saúde, nas residências e na mobilização da comunidade( 9 ). No entanto, foi necessário o acréscimo de outros profissionais da saúde para atingir a integralidade da atenção e a interdisciplinaridade( 5 , 10 ).
Visando à complementação das equipes da ESF (EqSF), foi criado o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), em 2008, pela portaria 154 do Ministério da Saúde, cujo objetivo era ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade, apoiando a inserção das EqSF na rede de serviços e o processo de territorialização e regionalização a partir da atenção básica( 4 , 11 - 14 ). Os NASFs criam, juntamente com as EqSF, espaços de reuniões e discussões, visando melhorar a qualidade do atendimento à população( 1 , 15 ). Cabe ressaltar que os NASFs não se constituem em porta de entrada do sistema, mas apoio às EqSF, e adotam, entre algumas concepções, o matriciamento para a equipe atuar em parceria com os demais profissionais da ESF( 1 , 16 , 17 ).
Como profissional inserido nesse campo, o fonoaudiólogo tem papel importante na manutenção da saúde e na qualidade de vida da população, uma vez que a comunicação está intimamente relacionada com a interação do indivíduo com o meio social, com a aprendizagem e com os fatores emocionais( 13 ). Entre os profissionais previstos para integrarem o NASF tipo um (vinculado a no mínimo oito e no máximo 20 EqSF) e o NASF tipo dois (vinculado a no mínimo três EqSF), está o fonoaudiólogo( 13 , 18 ). Cabe ressaltar que a portaria nº 3.124, de 2012, alterou o número de EqSF às quais os NASFs estão vinculados e criou uma nova modalidade de NASF (tipo três)( 19 ).
No Brasil, de 2008 a 2012, o número de NASF tipo dois cresceu de 22 para 345 e de NASF tipo um subiu de 245 para 1.512. Em 2012, 841 fonoaudiólogos compunham equipes de NASF em todo território nacional, sendo a frequência de 48,1% para NASF tipo um e 28,1% para NASF tipo dois( 20 ).
O fonoaudiólogo do NASF atua principalmente nas ações de reabilitação, de saúde mental, de saúde da criança, entre outras( 21 , 22 ). Esse profissional deve ser generalista e capaz de adotar soluções de prevenção à saúde, além de atuar no paradigma das ações coletivas, de modo a articular os atores sociais envolvidos na busca de mudança e solução dos problemas encontrados( 23 ).
Dada a importância da atuação do fonoaudiólogo na atenção básica, a complexidade da organização do sistema de saúde e o rápido crescimento do número de NASFs no território nacional, faz-se necessário compreender e analisar, na perspectiva dos fonoaudiólogos, a estrutura e qualidade dos serviços propostos.
Os objetivos deste estudo foram analisar a estrutura dos NASFs vigentes em 2010, identificar o grau de satisfação dos fonoaudiólogos que atuam nessa área e comparar o modelo proposto pela portaria 154 do Ministério da Saúde com a prática fonoaudiológica.
O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) (nº 238/10). Os procedimentos foram iniciados após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes.
Trata-se de um estudo prospectivo e descritivo, no qual participaram 40 fonoaudiólogos inseridos em NASF do tipo um, que atuam em diferentes localidades do território nacional, sendo que as cinco regiões foram representadas. Não foi objetivo do trabalho traçar um perfil de cada região do país. Pelo contrário, a ideia foi caracterizar nacionalmente.
O instrumento utilizado para a coleta de dados foi um questionário, elaborado especialmente para este estudo, composto por nove perguntas, com respostas abertas e fechadas. As perguntas incluíam temas como estrutura de trabalho e satisfação com relação a diversos itens (Anexo 1). A pergunta número 8 (itens A a E) utilizou uma escala crescente (de zero a dez) para mensurar satisfação, com a seguinte categorização: zero a três: "Insatisfeito", quatro a seis: "Pouco satisfeito", sete a oito: "Satisfeito" e nove a dez: "Muito satisfeito".
O questionário foi enviado via correio eletrônico diretamente aos fonoaudiólogos cadastrados no site de Telessaúde - Brasil Redes (ação nacional que busca melhorar a qualidade do atendimento e da atenção básica no Sistema Único da Saúde, integrando ensino e serviço por meio de ferramentas de tecnologias da informação, que oferecem condições para promover a Teleassistência e a Teleducação - www.telessaudebrasil.org.br). Juntamente com o questionário, foram enviados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e uma explicação sobre cada questão (objetivos e formas de resposta). Dos 70 questionários enviados, 40 fonoaudiólogos responderam e retornaram para a pesquisadora.
As variáveis consideradas para a análise foram: número de EqSF; número de profissionais que atuam em cada NASF; atividades desempenhadas pelos fonoaudiólogos; carga horária dos fonoaudiólogos; grau de satisfação dos fonoaudiólogos referentes à infraestrutura de trabalho, encaminhamentos efetivados, visitas domiciliares, ações conjuntas com agentes comunitários e com a ESF, modelo estabelecido na criação do NASF e efetividade do NASF.
Em relação aos últimos dois itens da questão 8 (modelo estabelecido na criação do NASF e efetividade do NASF no presente momento), as notas obtidas para cada um foram comparadas com o modelo proposto pela portaria 154 do Ministério da Saúde e categorizadas como acima, igual ou abaixo do esperado.
Para a análise das variáveis estudadas, foram utilizadas medidas descritivas, bem como o teste do χ2, ANOVA e o coeficiente de variação de Pearson. Para todas as análises, foi adotado o nível de significância de 5%.
Em relação ao número de EqSF por NASF, havia em média 12,2 (mínimo cinco e máximo 22 equipes; desvio-padrão - DP=5,11). Cabe ressaltar que um dos entrevistados não soube relatar o número de EqSF.
Quanto ao número total de profissionais que atuavam em cada NASF, havia em média 8,9 (DP=3,77). Dos 355 profissionais componentes de todos os NASFs, 17,7% eram fonoaudiólogos e 73,3% eram de outras categorias profissionais (acupunturista, assistente social, educador físico, farmacêutico, fisioterapeuta, ginecologista/obstetra, homeopata, nutricionista, pediatra, psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional, geriatra, médico internista, médico do trabalho e sanitarista). A média de fonoaudiólogos por NASF foi de 1,6 (DP=1,26).
Dentre as atividades citadas pelos profissionais, destacam-se as ações de promoção e prevenção de saúde, matriciamento, terapias, capacitação de agentes comunitários, encaminhamentos, visitas domiciliares, ações intersetoriais e atividades administrativas.
No que se refere à carga horária de trabalho dos fonoaudiólogos, 87,5% relataram trabalhar 40 horas semanais e apenas 12,5% tinham carga horária de trabalho menor que 40 horas semanais.
No que se refere à pontuação obtida por questão e para o total do questionário (Tabela 1), nota-se que as médias ficaram em torno de cinco a seis pontos para todas as questões. Observa-se também que a variabilidade de pontuação foi alta, como pode ser verificado pelo coeficiente de variação de Pearson, tanto para as questões individualmente quanto para o total obtido para todas as questões.
Tabela 1 Distribuição das notas referidas pelos fonoaudiólogos sobre os temas estudados
Temas | Infraestrutura de trabalho | Encaminhamentos | Ações conjuntas com ESF | Visitas domiciliares | Suporte aos ACS | Proposta do modelo estabelecido na criação do NASF | Efetividade do NASF | Total do questionário |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | 5,38 | 5,18 | 5,70 | 6,65 | 6,40 | 6,78 | 6,63 | 42,7 |
DP | 2,39 | 2,30 | 2,92 | 3,05 | 3,14 | 2,64 | 2,51 | 18,94 |
CV (%) | 44,53 | 44,39 | 51,22 | 45,88 | 49,00 | 38,91 | 37,86 | 44,36 |
Mínimo | 1 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 6 |
Máximo | 10 | 9 | 10 | 10 | 10 | 10 | 10 | 65 |
Legenda: ESF = Estratégia Saúde da Família; ACS = agentes comunitários de saúde; NASF = Núcleo de Apoio à Saúde da Família; DP = desvio-padrão; CV = coeficiente de variação de Pearson
A distribuição das respostas dentro das categorias "Insatisfeito", "Pouco satisfeito", "Satisfeito" e "Muito satisfeito" diferiu significantemente entre as sete variáveis analisadas (p<0,001) (Tabela 2) e novamente demonstra a variação da pontuação obtida para o questionário. Por exemplo, a maioria das respostas para infraestrutura e encaminhamentos está na categoria "Pouco satisfeito", enquanto para visitas domiciliares e suporte aos agentes comunitários de saúde (ACS), está na categoria "Muito satisfeito".
Tabela 2 Grau de satisfação atribuído pelos fonoaudiólogos em relação aos temas analisados
Grau de satisfação Temas |
Insatisfeito n (%) |
Pouco satisfeito n (%) |
Satisfeito n (%) |
Muito satisfeito n (%) |
---|---|---|---|---|
Infraestrutura de trabalho | 8 (20) | 18 (45) | 9 (22,5) | 5 (12,5) |
Encaminhamentos efetivados | 7 (17,5) | 21 (52,5) | 9 (22,5) | 3 (7,5) |
Ações conjuntas com ESF | 10 (25) | 11 (27,5) | 11 (27,5) | 8 (20) |
Visitas domiciliares | 9 (22,5) | 4 (10) | 13 (32,5) | 14 (35) |
Suporte aos ACS | 8 (20) | 7 (17,5) | 12 (30) | 13 (32,5) |
Proposta do modelo estabelecido na criação do NASF | 5 (12,5) | 8 (20) | 18 (45) | 9 (22,5) |
Efetividade do NASF | 5 (12,5) | 7 (17,5) | 21 (52,5) | 7 (17,5) |
Teste do ?2: p
A maioria dos profissionais (40%) considera que as ações do NASF estão "abaixo" do esperado para o modelo proposto anteriormente. Contudo, as ocorrências em cada categoria não mostraram diferença significante (p=0,356) (Tabela 3).
Tabela 3 Comparação entre o modelo de atuação proposto pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família e a opinião dos fonoaudiólogos
Categorias | Acima | Igual | Abaixo |
---|---|---|---|
Ocorrências (n) | 10 | 14 | 16 |
Média | 0,25 | 0,35 | 0,40 |
Desvio-padrão | 0,43 | 0,48 | 0,49 |
Valor de p* | 0,356 |
*Teste ANOVA
Os objetivos do presente estudo foram analisar a estrutura dos NASFs vigentes em 2010, identificar o grau de satisfação dos fonoaudiólogos que atuam nessa área e comparar o modelo proposto pela portaria 154 do Ministério da Saúde com a prática. Tais informações podem auxiliar na identificação de potencialidades e de necessidades de mudança para a expansão e consolidação desse modelo de atenção à saúde, que pode impactar positivamente na saúde da população.
No que se refere ao número de EqSF por NASF, observou-se uma média de 12,2 equipes, sendo um mínimo de cinco e um máximo de 22 equipes. A média encontra-se de acordo com o previsto na portaria 154( 18 ). No entanto, os valores mínimos e máximos verificados indicam heterogeneidade dos NASFs investigados na presente pesquisa, que pode refletir a diferença entre o porte populacional dos municípios, bem como entraves burocráticos para implantação desses núcleos( 24 ).
Cabe ressaltar que, para municípios da região Norte com menos de 100 mil habitantes, o mínimo preconizado são cinco equipes por NASF( 18 ), o que pode explicar o número mínimo de cinco equipes encontrado no presente estudo. Contudo, o número máximo de 22 equipes demonstra a necessidade de expansão dos NASFs, já que alguns estão funcionando acima do teto previsto pela portaria, o que pode comprometer a qualidade da atenção à saúde para a população da região abrangida por esse NASF.
A portaria nº 3.124( 19 ), que reduz o número de EqSF para adesão ao NASF, bem como cria mais uma modalidade de NASF, em todo território nacional, pode contribuir para a expansão ainda maior dos NASFs nos próximos anos, assim como resolver essa questão de número de EqSF acima do teto proposto.
Quanto ao número total de profissionais que atuavam em cada NASF, havia em média 8,9. A portaria 154( 18 ) descreve que cada NASF do tipo um deve ser composto por, no mínimo, cinco profissionais dentre as seguintes categorias: médico acupunturista; assistente social; professor de Educação Física; farmacêutico; fisioterapeuta; fonoaudiólogo; médico ginecologista; médico homeopata; nutricionista; médico pediatra; psicólogo; médico psiquiatra; e terapeuta ocupacional. No presente estudo, verifica-se que, no mínimo, as equipes de NASF contavam com cinco profissionais e no máximo com 12, o que está de acordo com a referida portaria.
A definição dos profissionais que irão compor a equipe dos NASFs é de responsabilidade dos gestores municipais e deve seguir as prioridades locais, no que se refere às necessidades de saúde da população da região. Dentro dessa lógica e tendo como responsabilidade a interdisciplinaridade, a intersetorialidade, a educação popular, o território, a integralidade, o controle social, a educação permanente em saúde, a promoção da saúde e a humanização, o NASF busca superar a lógica fragmentada da saúde para a construção de redes de atenção e cuidado de forma corresponsabilizada com a ESF( 25 ).
Além disso, verifica-se que, entre os profissionais que compunham os NASFs, 73,3% eram de outra categoria profissional e 17,7% eram fonoaudiólogos, sendo que a média desse profissional por NASF foi de 1,6. Segundo dados da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde( 20 ), de todos os profissionais que compõem NASF tipos um e dois, aproximadamente 7,5% são fonoaudiólogos, porcentagem esta que está abaixo da observada no presente estudo. Outro dado do Ministério da Saúde refere-se à frequência dos profissionais no NASF tipo um e tipo dois; foi relatado que os fonoaudiólogos aparecem como a sexta categoria profissional mais presente nos NASFs (com frequência de 48,1 e 28,1%, respectivamente), o que demonstra a importância da atuação desse profissional dentro da perspectiva da atenção primária. Podemos inferir também que a possibilidade de expansão da Fonoaudiologia nos NASFs é real e premente, uma vez que outras categorias profissionais, como psicólogos ou fisioterapeutas, possuem frequência de aproximadamente 87% nos NASFs do território nacional( 19 ). Vale a pena ressaltar que a pesquisa foi realizada com os fonoaudiólogos e, portanto, todos os NASFs analisados tinham esse profissional incluído na equipe. Sugere-se novos estudos que não tenham como critério de inclusão possuir o fonoaudiólogo na equipe.
No que se refere à carga horária de trabalho dos fonoaudiólogos, 87,5% relataram trabalhar 40 horas semanais e apenas 12,5% tinham carga horária de trabalho menor que 40 horas semanais. Esse achado contraria o proposto pela portaria 154( 18 ), que era a regulamentação em vigor na época da coleta dos dados; segundo essa portaria, a carga horária de trabalho dos profissionais do NASF deve ser de, no mínimo, 40 horas semanais, com exceção dos médicos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, para os quais pode haver a substituição de um profissional de 40 horas por dois profissionais de 20 horas.
Com a portaria nº 3.124( 19 ), essa questão da carga horária dos profissionais do NASF também foi alterada. Atualmente, para NASF tipo um, a somatória das cargas horárias de todos os profissionais deve ser de 200 horas semanais, no mínimo, sendo que cada ocupação deve ter no mínimo 20 horas e no máximo 80 horas.
Importante considerar que tanto a questão da existência de mais de um fonoaudiólogo por NASF como a questão da carga horária inferior a 40 horas podem ter relação com tempo entre o lançamento da portaria 154( 18 ) e a coleta de dados do presente estudo. Como os dados foram coletados por volta de dois anos após o lançamento da referida portaria, pode-se hipotetizar que alguns dos NASFs participantes ainda estavam realizando ajustes na sua estrutura e funcionamento. Além disso, deve-se levar em conta que a composição de cada um dos NASFs é "definida pelos gestores municipais, seguindo os critérios de prioridade identificados a partir das necessidades locais e da disponibilidade de profissionais de cada uma das diferentes ocupações" (portaria 154)( 18 ). Sendo assim, outra possibilidade para a existência de mais de um fonoaudiólogo por NASF seria por definição dos próprios gestores, que decorreria da necessidade de saúde da população local ou da indisponibilidade de profissionais de outras categorias profissionais para composição da equipe.
Por outro lado, a própria portaria estabelece que os repasses dos incentivos federais ao NASF podem ser suspensos, nos casos em que forem constatadas: ausência de qualquer um dos profissionais da equipe por período superior a 90 (noventa) dias, com exceção dos períodos em que a contratação de profissionais esteja impedida por legislação específica ou descumprimento da carga horária mínima prevista para os profissionais dos NASFs, entre outras.
Sendo assim, com base nos dados coletados, não podemos determinar qual seria a razão específica para as distorções ora observadas. O fundamental é que os NASFs se adéquem às normas previstas, visando ao bom funcionamento e à garantia de ações de saúde com qualidade às pessoas e à coletividade.
No que se refere à pontuação obtida no questionário, as médias para todas as questões ficaram em torno de cinco a seis pontos, o que indica que, para todas as variáveis, os fonoaudiólogos dos NASFs estão "pouco satisfeitos". Deve-se ressaltar que a variabilidade de pontuação foi alta, tanto para as questões individuais quanto para o total obtido para todas as questões. Essa variabilidade em relação à satisfação pode ser explicada pela heterogeneidade dos NASFs envolvidos, no que diz respeito tanto às necessidades de saúde da população aos quais os NASFs estão vinculados quanto à infraestrutura dos locais em que trabalham.
A distribuição das respostas dentro das categorias "Insatisfeito", "Pouco satisfeito", "Satisfeito" e "Muito satisfeito" diferiu significantemente entre as sete variáveis analisadas (p<0,001) e novamente demonstra a variação da pontuação obtida para o questionário. Por exemplo, a maioria das respostas para infraestrutura e encaminhamentos está na categoria "Pouco satisfeito", enquanto para visitas domiciliares e suporte aos ACS, está na categoria "Muito satisfeito".
Observa-se que a variável orientação/suporte aos ACS apresentou resultados positivos, já que a maioria dos fonoaudiólogos encontra-se "Muito satisfeita". O trabalho com os ACS proporciona um melhor conhecimento da comunidade, além da atuação desses profissionais da saúde como intermediadores das necessidades da população local( 26 ). Alguns fonoaudiólogos que estiveram "Pouco satisfeitos" e "Insatisfeitos" relataram a falta de tempo para orientações/suporte aos ACS, devido à grande demanda de outras questões a serem cumpridas.
No que se refere às variáveis classificadas pela maioria como "Pouco satisfeito", temos respectivamente as ações com as EqSF, os encaminhamentos efetivados e a infraestrutura de trabalho.
As ações com as EqSF são um desafio a ser enfrentado, que pode promover grandes avanços no que se refere à concepção ampliada de saúde pelo SUS. A estruturação do processo de trabalho juntamente com as EqSF fornece suporte técnico para ampliação da resolubilidade das ações na atenção básica, garantindo a reordenação do trabalho em saúde, bem como a interdisciplinaridade das práticas e dos saberes( 4 ). Sendo assim, a insatisfação dos fonoaudiólogos com relação a essa variável pode estar ligada a dificuldades por parte de alguns profissionais em aceitar as propostas e diretrizes do NASF, também como reflexo de uma formação (graduação) que não enfatizava essas novas concepções( 13 ).
Em relação à infraestrutura, os fonoaudiólogos destacaram a insuficiência de materiais e a falta de um lugar para as reuniões da equipe, o que acaba dificultando o trabalho e mostrando a falta de preparo em relação a esse parâmetro ao implementar os núcleos.
Sobre os encaminhamentos efetivados, ressalta-se que o NASF deve agir de modo a diminuir os encaminhamentos desnecessários dos usuários para outros serviços e, consequentemente, as filas de espera( 27 ). No entanto, isso se torna possível somente após um trabalho efetivo juntamente com a EqSF e esse processo demanda tempo. O apoio matricial, a clínica ampliada e o projeto terapêutico singular integrado e articulado entre as EqSF e o NASF auxiliarão na busca pela diminuição dos encaminhamentos desnecessários, bem como pelo aumento da resolubilidade( 28 ), o que consequentemente trará uma maior satisfação tanto para os usuários como para os trabalhadores da saúde envolvidos.
No que se refere às visitas domiciliares, muitos fonoaudiólogos relataram que os usuários solicitavam atendimento especializado, descaracterizando muitas vezes o que era proposto para o NASF. As visitas domiciliares devem fazer parte das rotinas dos núcleos, pois permitem ações mais efetivas com enfoque na promoção e prevenção de comorbidades( 29 ). Desta forma, a transformação da prática fonoaudiológica por meio da superação do paradigma biomédico, centrado em ações individuais e fragmentadas, contribuirá para uma forma de cuidar mais integral, interdisciplinar e coletiva( 4 ).
Em relação à proposta do modelo estabelecido na criação do NASF e a efetividade do NASF quanto à atuação, observou-se que a maioria dos fonoaudiólogos considerou como "abaixo" do esperado ao estabelecido. O NASF está passando por um período de adaptação, configurando um novo aprendizado para todos os atores que o compõe. O projeto ainda é novo e são notáveis os esforços desses profissionais em atingir os objetivos propostos, embora, às vezes, a realidade não seja favorável ao modelo estabelecido( 13 ).
A Fonoaudiologia vem ganhando forças na atenção básica e o resultado disso é a melhoria das condições de vida da população, levando-se em consideração que essa ainda é uma especialidade de difícil acesso na rede pública. Os NASFs ainda não estão, em todos os aspectos, de acordo com o proposto pela portaria ministerial do NASF; no entanto, esse é um projeto relativamente recente e que está em fase de adequação, por parte tanto dos profissionais como dos gestores municipais.
A continuidade de pesquisas abordando essa temática é essencial para o acompanhamento da atuação da Fonoaudiologia nos NASFs. Desta forma, sugere-se que novos estudos sejam realizados, com protocolos mais objetivos para caracterizar outras especificidades relacionadas ao trabalho dentro do NASF.
Conclui-se que o número de EqSF e de profissionais atuantes está de acordo com o previsto na portaria 154; contudo, os resultados indicaram heterogeneidade. Houve diferença significativa no grau de satisfação dos fonoaudiólogos, denotando variabilidade entre os temas analisados, ou seja, pouco satisfeitos com a infraestrutura e com o processo de referência e contrarreferência e muito satisfeitos com as visitas domiciliares e suporte aos ACS.
A maioria dos fonoaudiólogos considerou que as ações do NASF estavam abaixo do esperado em relação ao estabelecido pela portaria 154; contudo, não houve diferença significante entre as categorias.
As novas experiências de atuação do fonoaudiólogo no NASF apontam para um caminho de progresso no que se refere ao conceito de saúde proposto pelo SUS, visando à integralidade, universalidade e equidade. Algumas dificuldades ainda devem ser enfrentadas nesse percurso, no que diz respeito tanto à situação de trabalho e composição dos NASFs quanto à concepção da atuação desses profissionais na atenção básica.
A continuidade de pesquisas abordando essa temática é essencial para o acompanhamento da evolução da atuação fonoaudiológica nos NASFs.