Compartilhar

Instrumento de avaliação e autoavaliação do portfólio reflexivo: uma construção teórico-conceitual

Instrumento de avaliação e autoavaliação do portfólio reflexivo: uma construção teórico-conceitual

Autores:

Rosângela Minardi Mitre Cotta,
Glauce Dias da Costa

ARTIGO ORIGINAL

Interface - Comunicação, Saúde, Educação

versão impressa ISSN 1414-3283versão On-line ISSN 1807-5762

Interface (Botucatu) vol.20 no.56 Botucatu jan./mar. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.1303

RESUMEN

La cartera reflexiva se inscribe en el contexto de una evaluación formativa regida por el feedback y la interacción. La fragilidad en el proceso de evaluación de las carteras es consensos en la literatura y entre especialistas y estudiantes. El objetivo de este estudio fue presentar y analizar el instrumento de evaluación y auto-evaluación de las competencias por trabajar en la cartera reflexiva (IAVCP). La construcción teórico-conceptual se basó en la experiencia de nueve años de uso de los autores y en la discusión de la literatura, resultando en un diseño probado y construido colectivamente entre docentes y estudiantes. Las competencias delineadas en el IAVCP (de comunicación, gestión de la información, sistémicas, personales y de grupo) se construyeron con enfoque en la educación universitaria que integra actividades académicas y profesionales. El proceso de evaluación, por ser consensuado, propició el compromiso, la co-responsabilidad y la transparencia producidos por la identificación y el reconocimiento del instrumento como legítimo.

Palabras-clave: Cartera reflexiva; Métodos activos; Evaluación

Introdução

O contexto atual de educação universitária coloca em cheque os tradicionais paradigmas de ensino, aprendizagem e avaliação lineares e verticalizados, apostando em uma nova abordagem de formação holística que incremente uma educação dialógica entre docentes-estudantes e estudantes-estudantes1-3.

Entre as diferentes metodologias ativas de formação universitária, destaca-se o portfólio reflexivo como método inovador “capaz de levar o aluno a colecionar suas opiniões, dúvidas, dificuldades, reações aos conteúdos, aos textos estudados e às técnicas de ensino, sentimentos e situações vividas nas relações interpessoais, oferecendo subsídios para a avaliação do estudante, do educador, dos conteúdos e das metodologias de ensino e aprendizagem. Em educação, o portfólio apresenta várias possibilidades, tendo como principal fator de aprendizagem a construção pelo próprio estudante, ou grupo de estudantes. Pouco a pouco, ao longo do semestre letivo, o estudante vai organizando suas produções, as quais evidenciam o seu processo de construção do saber”1(p. 416).

Nessa perspectiva, o portfólio reflexivo inscreve-se no contexto de formação por competências e de avaliação formativa, cuja aprendizagem se pauta no feedback constante entre professor-estudante e estudante-estudante. Os resultados devem centrar-se no processo de construção do conhecimento de forma dialógica e criativa, transcendendo o formato cristalizado, pontual e classificatório utilizado nas avaliações tradicionais. Para Lizarraga4 e Cano5, a formação por competência – enfoque que contempla as aprendizagens necessárias para que o estudante atue de forma ativa, responsável e criativa na construção de seu projeto de vida, pessoal, social e profissional – deve ser concebida como visão holística e integradora. Deve-se ter em vista superar a fragmentação disciplinar e apostar no desenvolvimento de um conhecimento que vai além da aprendizagem meramente instrumental, incorporando a compreensão, a reflexão e a crítica como dimensões a ela inerentes. Assim, a avaliação por competência é essencialmente formativa, o que exige mudança radical do paradigma avaliativo, passando de uma avaliação da aprendizagem para uma avaliação para a aprendizagem.

É função da universidade, portanto, desenvolver, nos jovens, as competências: cognitivas, metacognitivas, sociais, emocionais, afetivas, tecnológicas e instrumentais, dada a necessidade de que essas competências se convertam no objeto prioritário do sistema educativo. Segundo Cotta et al.2,3, o exercício de competências proporcionado pelo portfólio reflexivo estimula: a autonomia, o espírito crítico, reflexivo, criativo e cidadão dos sujeitos em formação. Entretanto, ao mesmo tempo que a evidência científica ressalta o potencial do portfólio como método didático reestruturador do processo de ensino e aprendizagem, essa mesma literatura aponta para a fragilidade do processo de avaliação dos estudantes e dos portfólios, evidenciando a necessidade de que se criem instrumentos de avaliação e autoavaliação confiáveis, transparentes e consensuados1-12.

Nessa direção, visando superar a fragilidade do processo de avaliação do portfólio como método no cotidiano dos ambientes universitários, foi objetivo deste ensaio apresentar e analisar o instrumento de avaliação pelos docentes, e autoavaliação pelos estudantes, das competências a serem trabalhadas no processo de construção do portfólio reflexivo, criado a partir da ampla experiência dos autores, de nove anos de trabalho, com portfólios reflexivos em diferentes contextos, e da discussão com a literatura científica, depois de ter sido testado, avaliado e transformado na práxis, de forma consensuada, dialógica e crítica, pelos docentes e estudantes de graduação e pós-graduação, em diferentes períodos de tempo.

Métodos

O referencial teórico-conceitual e a práxis que subsidiou a construção do Instrumento de Avaliação do Portfólio

A construção teórico-conceitual do Instrumento de avaliação e autoavaliação das competências a serem trabalhadas no portfólio reflexivo (IAVCP) foi baseada na experiência das autoras, tanto na construção (como educandos que passaram pelo processo de construção de portfólios acadêmicos e profissionais, experiência/vivência esta imprescindível para a aquisição de competências docentes para o uso desse método) quanto na orientação de elaboração de portfólios (como docentes e facilitadores em cursos de formação universitária em níveis de graduação e pós-graduação) e na discussão com a literatura científica da área.

Destacam-se os estudos desenvolvidos por Driessen11, Tartwijk e Driessen7, Lizarraga4, Cano5 e Cotta et al.1-3, que sistematizaram: as competências cognitivas e metacognitivas a serem exercitadas no portfólio, os critérios de uma boa prática de avaliação por competências, e a aplicabilidade dessas dimensões na prática cotidiana de construção de portfólios no âmbito universitário.

As competências exercitadas e avaliadas pelo IAVCP:

Na atualidade, como nunca na história, se necessitam indivíduos reflexivos que compreendam a informação, a avaliem e atuem sobre ela; mas também, indivíduos que gerem muitas ideias, variadas e originais, que evitem os erros cometidos no passado, que atenuem nas grandes desigualdades educativas e econômicas existentes, e que, em definitivo, criem um entorno social caracterizado pelo bem estar, a justiça e a equidade: uma meta atrativa e ambiciosa que os estudantes em formação devem levar a cabo.4 (p. 9)

Nessa linha, neste estudo, os portfólios reflexivos, construídos a partir de uma abordagem holística no contexto da aprendizagem significativa e do diálogo entre professor-estudante e estudante-estudante, basearam-se nas proposições do informe da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), delineadas em quatro linhas fundamentais, conforme descrito a seguir1,3,8,10,13:

  • Aprender a APRENDER – Aceitar novos desafios e comprometer-se com o processo de aprendizagem, com a (re)forma universitária e curricular, e com a implementação, (re)construção das políticas sociais.

  • Aprender a SER – Atuar com autonomia, juízo, responsabilidade pessoal, ou seja, dotar-se como Ser humano de liberdade (pensamento, sentimentos, imaginação, criatividade...), ser artífice de seu destino, de sua própria história (empoderamento); estimular o espírito crítico e permitir o decifrar da realidade, adquirindo importante autonomia de juízo com responsabilização na construção do conhecimento, “ganhos” e, ou, “perdas” acadêmicas.

  • Aprender a CONHECER – Buscar e assimilar conhecimentos científicos e culturais gerais e específicos, que se completarão e atualizarão ao longo de toda a vida.

  • Aprender a FAZER – Adquirir procedimentos que ajudem a afrontar as dificuldades que se apresentem na vida e na profissão.

  • Aprender a CONVIVER e a TRABALHAR JUNTOS – Compreender melhor os demais, o mundo e suas inter-relações. Possibilidade de exercitar, no trabalho em equipe, a alteridade, compaixão, resiliência e outras “humanidades”, dimensões tão importantes nos dias atuais, no trabalho e como estudante e cidadão; além da sensibilização do olhar e da qualificação da escuta, bem como da valorização da autoestima.

Nesse contexto, tanto o professor quanto o estudante ocupam papel central no desenvolvimento das competências necessárias ao exercício da cidadania e da prática profissional. Ao estudante, cabe comprometer-se com responsabilidade e autonomia em seu processo de aprendizagem, visando capacitar-se em uma variedade de capacidades e domínios técnicos, científicos, artísticos e humanos; e ao professor, planejar, guiar, orientar, facilitar e provocar o processo de aprendizagem utilizando métodos docentes e tecnológicos de informação e comunicação (TIC), que auxiliem os futuros profissionais a alcançarem uma formação integral e holística. Assim, pensando nas demandas da sociedade atual por profissionais que saibam compreender a informação, avaliar, criar, tomar decisões e solucionar problemas, o que se pretende, ao final, é formar pessoas que pensem por si próprias e se mostrem empreendedoras, modificadoras e reguladoras de suas próprias atuações, de maneira consciente, continuada e rápida4.

As competências delineadas no IAVCP foram construídas desde um enfoque da educação universitária que supera a soma de conhecimentos disciplinares e fragmentados, investindo em visão ampla que integre o acadêmico e o profissional, o conhecimento, as habilidades e atitudes e as diversas inteligências, tendo como meta a formação de um Ser humano, integrado e integral que reflete, analisa e decide5. Desde essa perspectiva, os estudantes são considerados agentes. Na concepção de Sen14 (p. 33), agente é “alguém que age e ocasiona mudanças e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos, independentemente de as avaliarmos ou não segundo algum critério externo”.

O processo de construção dos portfólios enquanto instrumento potencializador do desenvolvimento de competências pelos estudantes foi intencionalmente instigado por suas divisões didáticas: construção individual e coletiva do conceito de portfólio e identificação dos principais elementos que os caracterizam como reflexivo (pré e pós-construção do portfólio); Minha trajetória (registro das memórias – por meio da resposta às perguntas: Quem sou eu? De onde eu vim? Para onde eu vou?); Aprendendo com o grupo (atividades construídas coletivamente em momentos presenciais e a distância) e Espaço de criatividade (lugar de estímulo ao exercício da inventividade). O estudante é motivado a buscar, selecionar, analisar, fazer conexões, fazer descobertas e inovar. O objetivo essencial é incentivar os educandos a interpretar a informação (pensamento compreensivo), avaliar a informação (pensamento crítico) e gerar informação (pensamento criativo)1,3,4.

O Instrumento de Avaliação e Autoavaliação das Competências a serem trabalhadas no Portfólio Reflexivo (IAVCP)

O desenho do Instrumento

A construção do IAVCP apresentado no Quadro 1 seguiu os critérios para uma boa prática de avaliação por competências proposta por Cano5, conforme se descreve a seguir:

Quadro 1 Instrumento de Avaliação e Auto Avaliação das Competências a serem trabalhadas na construção do Portfólio Reflexivo 

NM (Necessita Melhorar) = não atingiu os objetivos (≤ 5,9);PA (Progride Adequadamente)= atingiu os objetivos suficientemente (6 a 7,9);PN (Progride Notavelmente) = superou os objetivos (8,0 a 8,9); D (Destaca) = superou os objetivos ampliando destacadamente as atividades/metas (9 a 10).

Este instrumento tem como objetivo a avaliação (pelos docentes e pelos estudantes) do processo de Construção dos Portfólios.

Por meio do Portfólio pretende-se:- Aprender a aprender: aceitar novos desafios e comprometer-se com o processo de aprendizagem, com a (re)forma universitária e curricular, e com a implementação, (re)construção das políticas sociais.- Aprender a ser: dotar o Ser humano de liberdade (pensamento, juízo crítico, sentimentos, imaginação, criatividade...), estimulando-o a ser artífice de seu destino, de sua própria história como sujeito-agente empoderado;- Aprender a conhecer: – assimilar conhecimentos científicos e culturais gerais e específicos, que se completarão e atualizarão ao longo de toda a vida.-Aprender a gazer: estimular o espírito crítico e o decifrar da realidade, adquirindo uma importante autonomia de juízo e corresponsabilização na construção do conhecimento, “ganhos” e/ou “perdas” acadêmicas;- Aprender a conviver e a trabalhar juntos: possibilidade de exercitar, no trabalho em equipe, a alteridade, compaixão, resiliência e outras “humanidades”, dimensões tão importantes nos dias atuais, tanto no trabalho enquanto estudante da área da saúde como cidadão; além da sensibilização do olhar e a qualificação da escuta; valorizar a autoestima;

  1. Desenho consensuado: requer trabalho coletivo entre os agentes importantes do processo (docentes e estudantes), levando-se em consideração as competências descritas nas normas e diretrizes legais, sendo estas debatidas, reformuladas e ampliadas.

  2. Articulação colegiada e conexão entre os objetivos mais amplos e a disciplina e, ou, módulo acadêmico: a articulação deve se dar no espaço acadêmico e com os agentes externos à universidade (serviços de saúde; comunidades; entidades profissionais etc.).

  3. Integração e aplicação da aprendizagem: a competência demonstra-se na prática ao resolver e, ou, entender e argumentar, de forma eficaz, determinado problema em um contexto específico. Este exercício tem por objetivo capacitar o estudante para analisar determinada situação, estimando que tipo de saberes tem de aplicar, o que requer a reflexão sobre a prática, exercitando constantemente o adaptar-se ao mundo social e do trabalho, sempre em constante mudança.

  4. Coerência e adequação ao desenho de formação: enlaçar de forma substantiva os conteúdos da disciplina, ou módulo acadêmico; recorrer a evidências da forma como os estudantes progridem na aquisição dos objetivos e metas traçadas, de forma coerente com a metodologia escolhida.

  5. Avaliação diagnóstica ou inicial: o ponto de partida é o perfil do egresso que se deseja formar. A competência tem caráter evolutivo daquilo que se vai alcançando, é algo que está em constante evolução. A partir do diagnóstico inicial, podem-se estabelecer caminhos para a progressão.

  6. Avaliação formativa: as competências devem estar sempre em constante progressão e crescimento, o que interessa é a capacidade de aprender a aprender e os processos de autorregulação para a melhoria contínua ao longo de toda a vida. Nesse contexto, ressalta-se a importância dos mecanismos de feedback – coletivos, individuais, escritos, orais etc. – e de autorregulação dos processos de aprendizagens.

  7. Avaliação que registre o processo de progressão de forma continuada e longitudinal: proporcionar, tanto para o professor quanto para o estudante, a compreensão da evolução das aprendizagens e das competências, apontando os caminhos e estratégias para superação dos desafios e obstáculos.

  8. Avaliação multiagente: no contexto da avaliação formativa, devem-se articular processos avaliativos, cujos agentes avaliadores são os docentes e os próprios estudantes (autoavaliação), sobre os trabalhos de seus colegas (coavaliação, ou avaliação por pares), a partir de critérios pactuados e coerentes com as competências que se deseja desenvolver.

  9. Avaliação que gera aprendizagem: a avaliação por competências deve superar as provas tipo aprendizagem reprodutiva, de memorização, pouco compreensiva, superficial, investindo em avaliações de execução que gerem aprendizagens mais profundas, funcionais, interessantes e significativas; ou seja, um tipo de avaliação para a tomada de consciência, a capacidade de decisão e a autonomia. Este tipo de avaliação deve ter elementos de regulação e feedback.

  10. Avaliação que gera satisfação: ao se vincularem às atividades práticas conectadas à realidade social e, ou, de trabalho, os estudantes obtêm maior satisfação com o processo de trabalho e com a avaliação, se esta também é realizada de forma coerente e transparente. Desenhar propostas avaliativas significativas e motivadoras gera mais satisfação.

O contexto no qual o IAVCP foi utilizado, testado e avaliado pelos estudantes e docentes

O portfólio é utilizado como método de ensino, aprendizagem e avaliação pela equipe coordenadora da linha de pesquisa em Saúde Coletiva e Ensino na Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UFV), desde o ano 2008. Baseado nessa experiência e na escuta e demanda qualificada dos estudantes, o IAVCP foi criado em 2010 e começou a ser utilizado em 2011. Assim, o IAVCP foi testado, avaliado e modificado de forma consensuada, durante a construção dos portfólios pelos estudantes de graduação (portfólios coletivos) e pós-graduação (portfólios individuais) de cursos da área da Saúde, durante os anos 2011, 2012, 2013 e 2014, nas disciplinas de Políticas de Saúde e Políticas de Promoção da Saúde, respectivamente. Em nível de graduação, 587 estudantes utilizaram e testaram este instrumento, sendo construído um total de 97 portfólios coletivos reflexivos; e, em nível de pós-graduação, trinta estudantes utilizaram e testaram este instrumento, sendo construídos trinta portfólios reflexivos individuais.

O processo de avaliação dos portfólios reflexivos ocorreu mensalmente, de forma contínua, longitudinal e em tempo real em ambiente de ensino universitário, totalizando quatro avaliações ao longo de cada semestre letivo. A avaliação em lócus, na presença dos estudantes e de forma dialógica, facilita o processo de aprofundamento conceitual continuado, por meio do feedback, permitindo a regulação, em tempo útil e real, de conflitos e problemas distintos, viabilizando condições de estabilidade dinâmica e de desenvolvimento progressivo da autonomia e da identidade, o que facilita os procedimentos de avaliação e autoavaliação, por meio da compreensão dos processos, orientações, retroalimentação e retomada de rumos e ajustes na elaboração desses3,12.

Durante os semestres letivos, em cada um dos quatro momentos da avaliação dos portfólios (uma avaliação por mês), concomitantemente à análise destes com os estudantes ou grupos de estudantes, um docente cocoordenador anotava, em uma folha, todas as orientações, fragilidades, fortalezas e potencialidades apresentadas no portfólio e discutidas com os estudantes. Essa folha era lida em voz alta por todos e, após concordância e entendimento, assinada e colocada no final do portfólio, servindo de guia para a continuidade do processo de construção dos portfólios pelos estudantes, a qual era retomada na avaliação seguinte (próximo mês) pelos docentes como instrumento orientador da avaliação. Em seguida, imediatamente após a apresentação, discussão e orientação, primeiramente, os estudantes faziam a autoavaliação e, no final, os docentes responsáveis avaliavam os portfólios utilizando o IAVCP. Por fim, os estudantes comparavam a avaliação dos docentes com a sua autoavaliação e, se necessário, discutiam algum ponto conflituoso.

Assim, após cada momento de avaliação e autoavaliação, o IAVCP cumpre o papel de orientador e direcionador do processo de ensino e aprendizagem, propiciando: o reconhecimento, o reviver, o recapturar da experiência e o desenvolvimento de novas compreensões e apreciações.

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos.

Resultados

Os achados deste estudo evidenciaram que o desenho do processo de avaliação, por ser consensuado entre docentes e estudantes, propiciou o compromisso e a corresponsabilização por ambas as partes e a transparência no processo de avaliação, produzido pela identificação e reconhecimento do instrumento como legítimo. Levar em conta as necessidades dos estudantes e contar com a implicação deles e dos docentes para testar e transformar o IAVCP, a partir da vivência na construção e orientação dos portfólios, resultaram em processos de avaliação significativos e motivadores.

O IAVCP mostrou-se um tipo de avaliação diferente, coerente com os pressupostos da avaliação por competências, já que se baseou mais na execução do que nos resultados, nos processos do que nos produtos, de forma diversificada e com diferentes abordagens e agentes avaliativos (incorporando a autoavaliação pelos estudantes), coerentes com os modos de avaliar que incluem dimensões que permitam analisar as competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) de sujeitos em formação. Mais do que recortar ou acumular conhecimentos, os estudantes vivenciam critérios para saber selecioná-los e integrá-los, de forma pertinente, a determinado contexto.

Além das avaliações e autoavaliações realizadas mensalmente em sala de aula de forma individual (portfólios individuais) e em grupo (portfólios coletivos), num total de quatro em cada semestre letivo, os estudantes preenchiam, de forma individual e anônima, post its de duas cores diferentes e colavam no Cartaz – Panorama Sobe-Desce –, respondendo à seguinte pergunta: “Quais os fatores que te motivam (Sobe) e desmotivam (Desce) a construir o portfólio reflexivo?” (Figura 1).

Figura 1 Fatores que motivam (Sobe) e desmotivam (Desde), os estudantes a construirem o Portfólio reflexivo (2011, 2012, 2013 e 2014) 

O Panorama Sobe-Desce é uma técnica que tem como objetivo evidenciar, para os docentes e para os próprios estudantes, de forma pedagógica e lúdica, o que estimula e desestimula os educandos a construírem o portfólio. O objetivo desta técnica, portanto, foi entender o contexto que interfere no processo, e não quantificar as respostas. A força dessa técnica não está na frequência das respostas em si (positivas ou negativas), mas na representação gráfica dessas respostas (ilustradas por meio dos wordles), de modo a impactar os agentes envolvidos nesse processo. E isso evidencia tanto as fortalezas quanto as fragilidades, e estimula esses atores a encontrarem formas de aperfeiçoar o trabalho e superar as dificuldades. A ênfase deve ser posta, portanto, mais nas potencialidades e na busca de soluções.

Na análise do Panorama Sobe-Desde, observou-se que o tamanho das palavras e, ou, expressões é proporcional à frequência com que essas são citadas pelos estudantes. Assim, aparecem como fatores motivadores (Sobe) do uso do portfólio reflexivo mais enfaticamente: o trabalho em equipe, o tipo de aprendizado, o conteúdo, a relação com temas atuais e a criatividade; seguidos, em menor intensidade, pela conexão teoria e prática, ser crítico-reflexivo, proporcionar discussão, tipo de avaliação inovadora e uso de metodologias ativas. Como fatores desmotivadores (Desce) aparecem mais fortemente: o tempo (falta), a sobrecarga, a dificuldade do trabalho em equipe e o fato de ser um método trabalhoso.

Os estudantes relataram que o portfólio possibilita conectar os conteúdos estudados em sala de aula com o mundo real, o mundo da vida. À medida que os discentes são estimulados a prestarem atenção nos acontecimentos ao seu redor e a pensarem sobre estes, buscando ativamente notícias veiculadas pela mídia (leiga e técnico-científica), institui-se uma prática crítica e reflexiva e, concomitantemente, um comprometimento desses alunos com o exercício da cidadania e com o Sistema Único de Saúde. Retrataram, ainda, que os critérios utilizados na avaliação eram transparentes e claros, facilitando a visualização de seu processo de formação de maneira contínua e processual. Por fim, salientaram o desenvolvimento de competências de compreensão e interpretação da legislação e das normas sanitárias, o que facilitou o processo de tomada de decisão, além do exercício da comunicação oral e escrita.

Tendo como referência o fato de que, na base das competências, estão o conhecimento e a experiência na aprendizagem, os resultados apontaram para a pertinência de utilização dos critérios de uma boa prática de avaliação por competências de portfólios utilizados na construção do IAVCP. Assim, destacam-se: o desenho consensuado, a integração e aplicação da aprendizagem, e a avaliação diagnóstica e formativa, que registram o processo de progressão de forma continuada e longitudinal, multiagente, gerando a aprendizagem e a satisfação. A vinculação entre avaliação e aquisição de competências no processo de construção do portfólio reflexivo contribui tanto para a compreensão das políticas de saúde (conhecimentos) quanto para o desenvolvimento de habilidades e atitudes importantes na atuação profissional e cidadã, destacando-se: a capacidade de reflexão, a crítica e a criatividade para lidar com as diferentes oportunidades e adversidades que a vida cotidiana nos impõe.

Discussão

Pela análise dos portfólios, identificou-se que, após a implementação do instrumento de avaliação e autoavaliação a partir do ano 2011, a organização, o pensamento compreensivo, o pensamento reflexivo, o pensamento crítico e o pensamento criativo se mostraram progressivamente ampliados e contemplados em todas as subdivisões, conforme indicados nos estudos desenvolvidos por Lizarraga4 e Cotta et al.1,3.

Os resultados deste trabalho vão ao encontro dos resultados de estudos desenvolvidos por Cano5, ao demonstrar que o instrumento não se trata de simples inovação intuitiva, mas que, ao embasar-se em um marco teórico-conceitual associado a uma reflexão prévia sobre a literatura, concomitantemente com a vasta experiência dos docentes no uso do portfólio como método, se mostrou excelente possibilidade didática e de avaliação, apontando para as diferentes probabilidades do portfólio. Os estudantes, ao mesmo tempo que construíam os portfólios atentos às competências incluídas no IAVCP, realizavam reflexões sobre seus próprios aprendizados e progressos a partir das evidências que o método aportava, destacando-se aquelas que eles acumulavam ao longo dos estudos e semestre letivo que demonstrassem seus progressos, avanços e potencialidades, bem como as fragilidades.

Nessa perspectiva, o IAVCP mostrou-se instrumento de avaliação adequado ao processo de aprendizagem, cujo feedback, por parte dos docentes, não só oral, mas registrado por escrito, auxiliou no processo de autoavaliação, tornando, assim, os momentos de avaliação excelentes oportunidades de crescimento e aprendizado5,10. Desenvolveu-se, portanto, a responsabilidade do estudante sobre seu próprio aprendizado e avaliação, cuja atividade reflexiva se explicitou tanto nos portfólios como documentos quanto nas avaliações e autoavaliações contidas nos quatro momentos de uso do IAVCP, que compõem o desenvolvimento desses em cada semestre letivo.

Assim, o IAVCP foi “uma avaliação diferente que se baseou mais nas execuções que nos resultados, nos processos que nos produtos, diversificada, com diversos instrumentos e agentes avaliativos (incorporados à co e à autoavaliação), coerentes com os modos de trabalhar situados em cenários os mais reais possíveis”5 (p. 48). Constituiu, portanto, um processo de avaliação para além da análise dos rendimentos, propiciando: a reflexão sobre o próprio pensamento e o trabalho realizado, o descobrimento dos erros cometidos, a valorização do aprendizado e evolução, a valorização do nível de satisfação pessoal, e a especificação das relações entre as atividades desenvolvidas, outros conteúdos acadêmicos e a vida pessoal ou profissional4.

Conclusão

O IAVCP apresentou-se como instrumento importante de avaliação e autoavaliação do portfólio reflexivo, propiciando o feedback dos docentes para os estudantes, dos estudantes para os docentes, e dos estudantes para os estudantes, orientando a retomada de rumos e o aperfeiçoamento das competências trabalhadas. Foi potencialmente importante para estimular os agentes envolvidos no processo de construção e, ou, orientação a pensarem sobre suas próprias ações, conhecerem o que estão fazendo e traçarem metas e objetivos para a continuidade do trabalho e, ou, mudanças de caminhos e rumos, estimulando os pensamentos críticos, reflexivos e criativos, bem como o trabalho em equipe.

As avaliações contínuas e longitudinais, realizadas em quatro momentos ao longo de cada semestre letivo, e partindo da reflexão e análise da realidade retratada nos diferentes apartados do portfólio, permitiram captar as informações sobre a temática das Políticas de Saúde, compreendendo-as e tratando de conhecer as causas dos problemas apresentados no mundo contemporâneo, bem como questionando-as de forma a propiciar a mudança dessa realidade. Assim, os estudantes desenvolvem a habilidade de observar o mundo que está ao seu redor, ficando mais atentos à mídia escrita, falada e televisiva, em busca de novas informações, de forma curiosa, crítica, reflexiva e criativa, avaliando e extraindo conclusões de maneira individualizada e em equipe. A cada avaliação e autoavaliação por meio do IAVCP, tanto os estudantes quanto os docentes refletem sobre os progressos alcançados e traçam novas metas e estratégias, visando ao desenvolvimento das potencialidades, à sedimentação das fortalezas e à superação dos desafios e fragilidades.

Como limitação do instrumento, ressalta-se a possibilidade de incluir uma coluna no IAVCP relativa à avaliação por pares, complementando, assim, o processo de avaliação.

REFERÊNCIAS

1. Cotta RMM, Mendonça ET, Costa GD. Portfólios reflexivos: construindo competências para o trabalho no Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2011; 30(5):415-21.
2. Cotta RMM, Silva LS, Lopes LL, Gomes KO, Cotta FM, Lugarinho R, et al. Construção de portfólios coletivos em currículos tradicionais: uma proposta inovadora de ensino-aprendizagem. Cienc Saude Colet. 2012; 17(7):787-96.
3. Cotta RMM, Costa GD, Mendonça ET. Portfólio reflexivo: uma proposta de ensino e aprendizagem orientada por competências. Cienc Saude Colet. 2013; 18(6):1847-56.
4. Lizarraga MLSA. Competências cognitivas em educación superior. Madrid: Narcea AS Ediciones; 2010.
5. Cano E. Buenas prácticas en la evaluación de competências: cinco casos de educación superior. Barcelona: Laertes Educación; 2011.
6. Friedrich DBC, Gonçalves AMC, Sá TS, Sanglard LR, Duque DR, Oliveira GMA. O portfólio como avaliação: análise de sua utilização na graduação de enfermagem. Rev Latino-am Enferm. 2010; 18(6):1-8.
7. Tartwijk JV, Driessen, EW. Portfolios for assessment and learning: AMEE Guide n. 45. Med Teach. 2009; 31:790-801.
8. Blanco A, coordenador. Desarrollo y evaluación de competencias en educación superior. Madrid: Narcea SA Ediciones; 2009.
9. Klenowski V. Desarrollo de portafolios: para el aprendizaje y la evaluación. Madri: Narcea SA de Ediciones; 2007.
10. Noguero FL. Metodologías participativas en la enseñanza universitaria. 2a ed. Madrid: Narcea SA Ediciones; 2007.
11. Driessen EW, Overeem K, Tartwijk J, Vleuten CPM, Muijtjens AMM. Validity of portfolio assessment: which qualities determine ratings? Med Educ. 2006; 40:862-6.
12. Sá-Chaves I. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000.
13. Delors J. La educación encierra un tesoro. Madrid: Santillana; 1996.
14. Sen AK. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras; 2000.