versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.26 no.5 São Paulo set./out. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20142014057
A deglutição normal requer a atividade coordenada dos músculos da boca, faringe, laringe e esôfago, os quais são inervados pelos sistemas nervoso central e periférico(1). O processo de deglutição é geralmente dividido em fases (oral, faríngea e esofágica), que são modificadas durante o desenvolvimento normal devido à maturação anatômica e fisiológica(2). A coordenação entre os sistemas respiratório e digestivo superiores durante a deglutição também é essencial para uma alimentação segura e eficiente(3). Um descontrole na coordenação das funções de alimentação e respiração pode resultar na disfagia, a qual compreende as alterações no processo de deglutição(4,5).
Os distúrbios de deglutição, também denominados de disfagia, não são considerados uma doença, mas um sintoma de alguma doença de base. Estão associados ao aumento de morbidade e mortalidade, podendo conduzir a uma variedade decomplicações clínicas, entre elas: desidratação, desnutrição e pneumonia aspirativa(6–9). Sendo assim, a avaliação precoce da disfagia por um fonoaudiólogo é fundamental para prevenir futuras complicações clínicas e deve ter uma alta prioridade nas práticas dos cuidados em saúde(10). Alguns hospitais possuem instrumentos como screenings para detectar pacientes disfágicos adultos precocemente e encaminhá-los para avaliação fonoaudiológica(11,12).
Esses instrumentos de rastreio, denominados na literatura como screenings, triagens e questionários, são concebidos para a identificação de uma doença ou fator de risco não reconhecido, por meio da história clínica, do exame físico, de um exame laboratorial ou de outro procedimento que possa ser aplicado rapidamente(13). O teste de rastreio em disfagia deve ter elevada sensibilidade e especificidade e identificar os indivíduos que aspiram com acurácia, para que estes sejam encaminhados para avaliação, enquanto não seleciona para intervenção os indivíduos sem disfagia(14). O uso de uma triagem sistemática em disfagia pode resultar em uma diminuição significante de casos de pneumonia aspirativa e na melhoria do estado geral do paciente(15).
O rastreio pode ser realizado por meio de questionários, observações, provas físicas, entre outros. Os questionários têm sido cada vez mais usados para coletar dados de sintomas e caracterizar desordens(16). Quando identificado por meio do instrumento de rastreio, o paciente deve ser encaminhado para o diagnóstico do distúrbio de deglutição, realizado a partir da avaliação clínica e complementado, quando necessário, por exames objetivos(17).
A avaliação clínica tem um importante papel na avaliação do paciente disfágico e tem como objetivos determinar a presença de disfagia, sua gravidade, as alterações que a disfagia pode causar e o plano de reabilitação(18). Ao contrário dos protocolos de avaliação, os testes de triagem, em geral, são concebidos para serem rápidos — 15 a 20 minutos de duração —, relativamente não invasivos e com pouco risco para o paciente, enquanto identificam os sinais e/ou sintomas da disfagia necessários para o diagnóstico(19).
O objetivo deste estudo foi realizar a revisão na literatura, de maneira sistemática, dos instrumentos de rastreio em disfagia, identificando as características e os métodos utilizados.
Para esta revisão sistemática, foram seguidos os preceitos do Cochrane Handbook(20), os quais envolvem a formulação da questão de pesquisa, a localização, a seleção dos artigos científicos e a avaliação crítica deles. A pergunta de investigação utilizada foi a seguinte: Quais as características e métodos dos instrumentos de rastreio em disfagia?
A pesquisa foi desenvolvida por quatro pesquisadores, sendo que dois realizaram a busca dos artigos de forma independente e cega, enquanto os outros dois foram instituídos como revisores, sendo consultados nos casos de dúvida para estabelecer uma concordância entre as ideias.
Para a seleção dos estudos, foram utilizados os seguintes descritores: "questionários", "questionnaires", "transtornos de deglutição", "deglutition disorders", "programas de rastreamento" e "mass screening". Estes foram selecionados de acordo com as listas Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH). Para a pesquisa, foram utilizadas as bases de dados on-line: PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que engloba LILACS, IBECS, MEDLINE, Biblioteca Cochrane e SciELO. A busca foi realizada no período entre abril e junho de 2013, a partir do cruzamento entre os descritores eleitos.
Foram selecionados artigos em Inglês, Português e Espanhol, independentemente do ano de publicação, realizados com seres humanos, que possuíam no título, resumo ou corpo do artigo relação com o objetivo da pesquisa. Foram excluídos os artigos repetidos e os que não possuíam o resumo ou texto completo, artigos de revisão, dissertações e teses. Além destes, foram excluídos os artigos contendo validação de instrumento em país que não o de origem do estudo, artigos contendo instrumento de rastreio para identificar somente a disfagia esofágica, instrumentos que utilizavam avaliação funcional da deglutição com alimentos em três consistências e aqueles com informações insuficientes sobre o instrumento utilizado. Não foram aplicados filtros de pesquisa.
A partir da seleção dos resumos dos estudos encontrados, pertinentes à questão proposta, foi realizada a recuperação dos artigos em texto completo. Após a leitura dos artigos na íntegra, foram extraídos os seguintes dados: nome dos autores, ano de publicação, país onde a pesquisa foi desenvolvida, instrumento de rastreio utilizado, caracterização do instrumento, método de avaliação utilizado, sujeitos da pesquisa, tamanho da amostra, resultados da pesquisa, valor de α de Cronbach e sensibilidade e especificidade do instrumento. Apesar de os três últimos itens terem sido observados nos artigos, não foi possível a realização de métodos estatísticos para sumarizar os resultados encontrados.
A pesquisa realizada a partir dos descritores propostos, nas bases de dados utilizadas, gerou o total de 1.012 artigos. A pesquisa de "questionnaires" e "deglutition disorders" na BVS gerou 404 artigos e, no PubMed, 435; na pesquisa de "mass screening" e "deglutition disorders", foram encontrados 83 estudos na base de dados PubMed e 90 na BVS.
Após a análise dos títulos e resumos dos artigos a partir dos critérios de inclusão e exclusão adotados, foram selecionados 81 estudos. Destes, foram excluídos ainda 39 artigos, pois estavam em mais de uma base de dados, restando 42 artigos para a análise do texto completo. A partir da leitura destes e da exclusão daqueles que não se encaixavam nos critérios de inclusão, foram selecionados 20 estudos para análise (Quadro 1). Não foi possível a realização de meta-análise devido à diversidade dos estudos.
Quadro 1 Estudos selecionados
Estudo | Autores | Ano | País | Instrumento utilizado | Método do instrumento |
---|---|---|---|---|---|
A screening procedure for oropharyngeal dysphagia | Logemann et al.(19) | 1999 | EUA | Northwestern Dysphagia Patient Check Sheet | Questionário contendo itens referentes à história clínica, sinais e sintomas e condições clínicas; teste de deglutição com alimentos de diferentes viscosidades. |
Analysis of a physician tool for evaluating dysphagia on an inpatient stroke unit: the modified mann assessment of swallowing ability | Antonios et al.(21) | 2010 | EUA | The Modified Mann Assessment of Swallowing (MMASA) | Observação de sinais e sintomas clínicos; solicitação de execução de movimentos orofaciais. |
A feasibility study of the sensitivity of emergency physician dysphagia screening in acute stroke patients | Turner-Lawrence et al.(22) | 2009 | EUA | Emergency Physician Dysphagia Screen | Observação de sinais e sintomas clínicos; teste de deglutição com água. |
The DYMUS questionnaire for the assessment of dysphagia in multiple sclerosis | Bergamaschi et al.(23) | 2008 | Itália | Dysphagia in Multiple Sclerosis - DYMU | Questionário em que o paciente responde "sim" ou "não" para cada item. |
Validity and Reliability of the Eating Assessment Tool (EAT-10) | Belafsky et al.(24) | 2008 | EUA | The Eating Assessment Tool (EAT-10) | Questionário em que o paciente responde em uma escala de intensidade para cada item. |
Dysphagia in patients with Duchenne muscular dystrophy evaluated with a questionnaire and videofluorography | Hanayama et al.(25) | 2008 | Japão | Questionário utilizado para elicitar sintomas relacionados à deglutição | Questionário em que o paciente responde em uma escala de intensidade para cada item. |
The 3-ounce (90-cc) water swallow challenge: a screening test for children with suspected oropharyngeal dysphagia | Suiter et al.(26) | 2009 | EUA | 3-ounce (90-cc) water swallow test | Teste de deglutição com água. |
Patients' awareness of symptoms of dysphagia | Boczko(27) | 2006 | EUA | Symptoms of dysphagia | Questionário em que o paciente responde "sim" ou "não" para cada item. |
The Massey Bedside Swallowing Screen | Massey e Jedlicka(28) | 2002 | EUA | Massey Bedside Swallowing Screen | Observação de sinais e sintomas clínicos.Solicitação de execução de movimentos orofaciais; teste de deglutição com água. |
A novel emergency department dysphagia screen for patients presenting with acute stroke | Schrock et al.(29) | 2011 | EUA | MetroHealth Dysphagia Screen | Observação de sinais e sintomas clínicos. |
Bedside assessment of swallowing: a useful screening tool for dysphagia in an acute geriatric ward | Sitoh et al.(30) | 2000 | Reino Unido | Bedside Swallowing Assessment Protocol | Teste de deglutição com água. |
Detecting dysphagia in inclusion body myositis | Cox et al.(31) | 2009 | Holanda | Questionnaire | Questionário respondido pelo paciente. |
Clinical utility of the 3-ounce water swallow test | Suiter e Leder(32) | 2008 | EUA | 3-ounce water swallow test | Teste de deglutição com água. |
Validation of a swallowing disturbance questionnaire for detecting dysphagia in patients with Parkinson's disease | Manor et al.(33) | 2007 | Israel | Swallowing Disturbance Questionnaire | Questionário em que o paciente responde em uma escala de intensidade para cada item e "sim" ou "não" na última questão. |
Prevalence of dysphagia among community-dwelling elderly individuals as estimated using a questionnaire for dysphagia screening | Kawashima et al.(34) | 2004 | Japão | Dysphagia Screening Questionnaire | Questionário em que o paciente responde em uma escala de intensidade para cada item. |
Development and preliminary validation of a patient-reported outcome measure for swallowing after total laryngectomy (SOAL questionnaire) | Govender et al.(35) | 2012 | Reino Unido | Swallow Outcomes After Laryngectomy (SOAL) | Questionário em que o paciente responde em uma escala de intensidade para cada item. |
Prevalence and symptom profiling of oropharyngeal dysphagia in a community dwelling of an elderly population: a self-reporting questionnaire survey | Holland et al.(36) | 2011 | Reino Unido | Sydney Swallow Questionnaire (SSQ) | Questionário em que o paciente responde em uma escala de intensidade para cada item. |
Validation of the Sydney Swallow Questionnaire (SSQ) in a cohort of head and neck cancer patients | Dwivedi et al.(37) | 2010 | Reino Unido | Sydney Swallow Questionnaire (SSQ) | Questionário em que o paciente responde em uma escala de intensidade para cada item. |
Swallowing disturbance questionnaire for detecting dysphagia | Cohen e Manor(38) | 2011 | Israel | Swallowing Disturbance Questionnaire (SDQ) | Questionário em que o paciente responde em uma escala de intensidade para cada item e "sim" ou "não" na última questão. |
Accuracy of a bedside dysphagia screening: a comparison of registered nurses and speech therapists | Weinhardt et al.(39) | 2008 | EUA | Dysphagia Screening Tool | Observação de sinais, sintomas e condições clínicas; teste de deglutição com alimentos de diferentes viscosidades. |
Analisando-se os artigos selecionados, observou-se o início das publicações sobre instrumentos para identificação de pacientes disfágicos em 1999(19). Dos artigos publicados, 50% foram desenvolvidos nos Estados Unidos da América (EUA) e 20%, no Reino Unido. Os demais foram desenvolvidos em países como Israel, Japão, Holanda e Itália. Pode-se observar também que 70% das publicações ocorreram a partir do ano de 2008, o que pode se justificar pela crescente atuação fonoaudiológica na área hospitalar e a preocupação com a identificação precoce de pacientes disfágicos, a fim de garantir uma alimentação segura e eficaz, evitar complicações respiratórias e nutricionais, diminuindo os custos das internações hospitalares.
Considerando os instrumentos utilizados, dois estudos fizeram o uso do 3-ounce water swallow test, dois do Sydney Swallow Questionnaire (SSQ), dois do Swallowing Disturbance Questionnaire (SDQ) e os demais utilizaram instrumentos distintos.
Dentre os artigos consultados, verificou-se que a maior parte dos instrumentos abrangeram os sinais e sintomas orais e faríngeos de disfagia de forma conjunta, envolvendo itens que analisavam a presença ou ausência de, por exemplo, escape extraoral de alimento, dor ou tosse durante ou após a deglutição, entre outros. Em geral, os instrumentos de rastreio em disfagia foram desenvolvidos para identificar os pacientes que aspiram e separar aqueles que não aspiram, porém alguns instrumentos foram elaborados para identificar pacientes com ou sem alteração de fase oral, com ou sem atraso faríngeo e com ou sem problema de deglutição na fase faríngea(19). Esses diferentes critérios contribuem para explicar a diversidade de instrumentos de rastreio encontrados na literatura.
Em relação aos sujeitos da pesquisa, as amostras foram bastante variadas e envolveram crianças, adultos e idosos. O tamanho da amostra variou entre 25 e 3.000 participantes. O artigo contendo a amostra com 3.000 participantes(32) foi desenvolvido com uma população bastante heterogênea, com indivíduos de ambos os sexos, entre 2 e 105 anos de idade e com patologias diversas. No Quadro 2, pode-se observar as características referentes à patologia de base da população escolhida em cada estudo.
Quadro 2 Patologias de base
Patologia de base | Artigos |
---|---|
Acidente Vascular Encefálico | Antonios et al.(21), Turner-Lawrence et al.(22), Massey e Jedlicka(28), Schrock et al.(29), Weinhardt et al.(39) |
Esclerose Múltipla | Bergamaschi et al.(23) |
Distrofia Muscular de Duchenne | Hanayama et al.(25) |
Miosite de corpos de inclusão | Cox et al.(31) |
Câncer de cabeça e pescoço | Govender et al.(35), Dwivedi et al.(37) |
Doença de Parkinson | Manor et al.(33) |
Etiologias heterogêneas (desordens neurológicas, câncer de cabeça e pescoço, anormalidades esofágicas, alterações respiratórias e cardíacas, entre outras) | Logemann et al.(19), Belafsky et al.(24), Suiter et al.(26), Boczko(27), Sitoh et al.(30), Suiter e Leder(32), Kawashima et al.(34), Holland et al.(36), Cohen e Manor(38) |
O grande número de artigos contendo instrumentos de triagens desenvolvidos para identificar pacientes disfágicos que sofreram acidente vascular encefálico (AVE) pode estar relacionado com o elevado índice de disfagia nessa população, que pode ser de até 67%, já que esses pacientes apresentam limitações para a ingestão segura de alimentos e líquidos, com risco aumentado para desnutrição e desidratação e/ou pneumonia relacionada à aspiração(40,41). Há evidências de que a detecção precoce da disfagia em pacientes com AVE reduz não só essas complicações, mas também o tempo de internação e as despesas totais de saúde(42).
A partir da leitura dos artigos e análise dos instrumentos de rastreio utilizados, pode-se observar os procedimentos empregados em cada um deles. Alguns estudos(23–25,27,31,33–38) utilizaram questionários, os quais continham itens que deveriam ser respondidos pelo próprio sujeito da pesquisa a partir de respostas afirmativas e negativas ou a marcação em escalas de intensidade; outros(21,28,29) utilizaram instrumentos com itens em que o examinador realiza a observação de sinais e sintomas clínicos do paciente e/ou solicita a execução de alguns movimentos e faz a marcação no instrumento. Geralmente, a falha em uma das questões analisadas já indica risco para distúrbio da deglutição. Há também estudos(26,30,32) que utilizaram instrumentos que envolvem somente o teste de deglutição com água como forma de triagem. Nestes, o paciente deve ingerir olíquido e são observados alguns sinais durante e após a ingestão. Verificaram-se também artigos que apresentaram instrumentos de rastreio com dois procedimentos distintos(17,22,28,39), contendo uma parte observacional e a outra com teste de deglutição com água ou alimentos de diferentes viscosidades.
Os procedimentos utilizados nos instrumentos de rastreio foram bastante variados, mostrando as inúmeras possibilidades propostas. Crianças e adultos ou idosos com algum comprometimento neurológico ou motor poderão ter limitações para seguir ordens ou colaborar em alguma tarefa solicitada pelo instrumento de rastreio. Por exemplo, no estudo que envolveu crianças, o instrumento de escolha foi o que utilizou apenas o teste de deglutição com água, talvez pela inabilidade de a criança responder a perguntas ou executar movimentos solicitados pelo examinador; os estudos que envolveram pacientes que sofreram AVE, geralmente, utilizaram instrumentos com dois procedimentos: o primeiro, observacional e com a solicitação de execução de movimentos orofaciais, e o segundo, com teste de deglutição com água ou alimentos de diferentes viscosidades. Esse dado pode ser justificado pela possibilidade de os pacientes pós-AVE ficarem com restrição de movimentos orofaciais e/ou comprometimento de fala e linguagem, podendo influenciar ou comprometer o seu desempenho na alimentação. Sendo assim, estes devem ser verificados antes de um teste com alimentos.
Verificou-se que três artigos(26,30,32) utilizaram um instrumento baseado somente no teste de deglutição com água como forma de rastreio; os demais, que continham testes de deglutição, utilizaram anteriormente uma parte observacional e a solicitação de execução de movimentos orofaciais. Instrumentos que envolvem o consumo rápido e contínuo de água, como é o caso do 3-ounce water swallow test, podem colocar o paciente em risco, caso ele aspire, e introduzir uma grande quantidade de água na via aérea(19). Os autores do Northwestern Dysphagia Patient Check Sheet, o qual utiliza o teste de deglutição com alimentos de diferentes viscosidades, referem não haver riscos para os pacientes, pois a ingestão dos diferentes alimentos ocorre em pequenas quantidades, ou, caso o paciente não se alimente oralmente, é realizada a observação da deglutição de saliva(19). No entanto, deve-se considerar que a disfagia é um sintoma, sendo essencial que este seja abordado no instrumento de rastreio, a fim de verificar as queixas do paciente e os riscos de aspiração, identificar os sujeitos que necessitam de uma avaliação e encaminhá-los para o diagnóstico de disfagia(21,24).
Não há, na literatura pesquisada, um consenso sobre o melhor ou mais correto procedimento a ser aplicado; cabe ao profissional escolher o instrumento que se adapte à sua realidade de atuação, ao funcionamento do serviço e ao perfil dos pacientes que serão rastreados.
A fim de verificar a confiabilidade dos instrumentos para a detecção de pacientes disfágicos, foi utilizado, pela maioria dos estudos, algum método de avaliação para a comparação dos dados. A Videofluoroscopia da Deglutição foi utilizada em cinco estudos(19,25,29,31,35), a avaliação clínica da deglutição foi utilizada em cinco(21,22,27,30,37), em três(26,32,38) utilizou-se a Fiberoptic Endoscopic Evaluation of Swallowing (FEES) e um(33) utilizou a avaliação clínica e a FEES. Outro estudo(28) realizou o acompanhamento dos pacientes por um determinado período de tempo e observou indicadores como: consulta com fonoaudiólogo, tipo especial de dieta e sintomas clínicos de pneumonia aspirativa para verificar a presença ou ausência de disfagia. Os demais artigos não utilizaram qualquer método de avaliação para comparação dos resultados.
A avaliação clínica da deglutição é uma avaliação subjetiva que tem como objetivos: identificar as possíveis causas da disfagia e avaliar a segurança da deglutição ou o risco de aspiração, decidir sobre a via de alimentação (oral versus alternativa) e esclarecer sobre a necessidade de uma avaliação objetiva (FEES ou Videofluoroscopia da Deglutição)(17). Esta deve conter os seguintes elementos: dados da história clínica, avaliação da cognição e habilidades de comunicação, avaliação da fisiologia, anatomia e funcionamento oral, laríngeo e faríngeo, com foco especial no exame dos nervos cranianos e avaliação da ingestão oral(43,44). A Videofluoroscopia da Deglutição é o principal instrumento de avaliação que fornece uma imagem dinâmica das fases oral, faríngea e esofágica superior da deglutição. Um dos objetivos desse exame é definir a fase faríngea da deglutição, e não somente determinar a existência de aspiração. Esse exame aponta achados estruturais e funcionais que podem ser relacionados a variados distúrbios de deglutição. Quando ocorre aspiração, o fonoaudiólogo deve verificar o momento e a consistência com que ela ocorre, a fim de planejar a intervenção(45). A FEES, que é realizada através de um endoscópio, tem por objetivo avaliar as fases oral e faríngea da deglutição. Os alimentos utilizados para a avaliação são corados com anilina comestível e são analisados os eventos ocorridos antes e depois da deglutição faríngea, tais como: resíduos em valéculas e recessos piriformes, aspiração, redução de sensibilidade faringolaríngea, alteração de fechamento glótico, escape posterior precoce de alimento, refluxo nasal, entre outros(12,45). Sabendo-se que o acesso da população, principalmente em países em desenvolvimento, a esses exames de deglutição é restrito, os instrumentos de rastreio, capazes de detectar pacientes disfágicos com acurácia, têm elevada importância no ambiente clínico e hospitalar, acelerando todo o processo de identificação e diagnóstico do distúrbio de deglutição.
Os indicadores sensibilidade, que é a proporção de pessoas com a doença que tem um teste positivo, e especificidade, que é a proporção de indivíduos sem a doença que tem um teste negativo(46), foram observados em dez estudos(19,21,22,26–29,32,33,38). A maioria apresentou o valor final de sensibilidade e especificidade referente ao instrumento e um apresentou valores específicos para cada item do questionário. Um instrumento de rastreio ideal deve ter elevada sensibilidade e especificidade; com isso, se reduz o número de exames fisiológicos da deglutição e os custos envolvidos(19,21). Para o indicador sensibilidade, o valor variou ente 79,70(38) e 100%(26,28). Em relação à especificidade, o valor mínimo descrito foi de 51%(26) e o valor máximo, de 100%(28). O estudo que obteve maior sensibilidade e especificidade, ambas de 100%(28), apresentou um instrumento de triagem com dois procedimentos: o primeiro observacional e com a solicitação de execução de alguns movimentos orofaciais e o segundo com um teste de deglutição com água com dois volumes diferentes. Na primeira fase, o examinador observa e marca "sim" ou "não" para as seguintes questões: estado de alerta, disartria, afasia, oclusão dentária, oclusão labial, simetria facial, posicionamento de língua e úvula na linha média, reflexo de Gag, tosse voluntária, deglutição de secreções e reflexo de deglutição. Caso alguma resposta seja "não", a realização da triagem é interrompida. Após essa fase inicial, o paciente passa pela avaliação com água, em que ingere uma colher de água e depois 60 cc de água, sendo observados os seguintes sinais: tosse durante ou após a deglutição, alteração na qualidade vocal e escape extraoral do líquido. Se o paciente apresentar algum desses sintomas, deve-se interromper a aplicação do instrumento.
Outro dado verificado em alguns artigos foi o coeficiente α de Cronbach, que estima a confiabilidade de um questionário aplicado em uma pesquisa. Em geral, considera-se satisfatório um instrumento de pesquisa que obtenha α≥0,70(47). Dos artigos analisados, seis(23,24,34,35,37,38) realizaram a pesquisa do coeficiente α de Cronbach, sendo que o menor valor encontrado foi de 0,80(38) e o maior valor foi de 0,96(24,35). Apesar da variação entre os valores, todos os instrumentos podem ser considerados satisfatórios para a proposta de identificar pacientes disfágicos.
Com a análise dos instrumentos utilizados em cada artigo, pode-se verificar a ocorrência de determinadas questões relacionadas aos sinais, sintomas clínicos e consequências da disfagia, dentre elas: presença de tosse durante ou após a ingestão de líquidos ou alimentos, sensação de globus faríngeo, dificuldade de deglutição com líquidos ou alimentos, refluxo nasal, necessidade de realizar deglutições múltiplas, engasgo durante a alimentação com líquidos ou alimentos, dificuldade em deglutir secreções, perda de peso ou dificuldade em ganhar peso, ocorrência de pneumonia aspirativa, entre outros. Os procedimentos de triagem em disfagia devem deter-se para os sinais e/ou sintomas (tosse ou pigarro, alteração na qualidade vocal, deglutições múltiplas e estase oral de alimentos), enquanto que os procedimentos de diagnóstico analisam a anatomia e a fisiologia da deglutição(19,48).
Os instrumentos de rastreio em disfagia são bastante heterogêneos e foram desenvolvidos para diferentes públicos — crianças, adultos e idosos saudáveis ou com alguma patologia de base —, com o objetivo principal de identificar os pacientes com distúrbios de deglutição.
Não há, na literatura pesquisada, um consenso sobre o melhor ou mais correto método a ser aplicado; cabe ao profissional escolher o instrumento que se adapte à sua realidade de atuação, ao funcionamento do serviço e ao perfil dos pacientes que serão rastreados.