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Instrumentos quantitativos para avaliação do olfato na população infantil: artigo de revisão

Instrumentos quantitativos para avaliação do olfato na população infantil: artigo de revisão

Autores:

Raissa Gomes Fonseca Moura,
Daniele Andrade Cunha,
Ana Carolina de Lima Gusmão Gomes,
Hilton Justino da Silva

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.26 no.1 São Paulo jan./fev. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/s2317-17822014000100014

INTRODUÇÃO

O olfato é uma função quimiossensorial realizada pelo sistema olfatório(1,2) de extrema importância para a sobrevivência dos seres vivos. Ele permite a interação com o meio pela percepção dos seus odores como também auxilia na busca ao alimento e na percepção do sabor, além de identificar situações de perigo.

A alteração deste sentido pode representar importante prejuízo e risco diário(1,3). Para que os odores sejam detectados e, posteriormente, discriminados é necessário que o sistema olfatório esteja em adequado funcionamento. Quando não há integridade nesse sistema ou existe algum impedimento mecânico em áreas envolvidas com a função olfatória, alguns indivíduos, como os com rinite alérgica, obstruções nasais(4,5), doença de Alzheimer ou Parkinson, epilepsia, depressão(6) ou aqueles submetidos à laringectomia total(7,8), podem apresentar queixas relacionadas a sentir e diferenciar os cheiros. A fim de quantificar essas possíveis dificuldades e alterações, foram desenvolvidos distintos métodos de avaliação do olfato.

Essa avaliação em crianças normalmente é realizada utilizando métodos que variam segundo a aplicabilidade e a elegibilidade dos instrumentos. Além disso, os testes não são de exclusivo uso nessa população, sendo válidos também para outras fases do desenvolvimento humano. Observa-se que em todas elas os instrumentos quantitativos são os mais comumente utilizados.

Esses instrumentos podem ser objetivos, como o Eletrolfatograma(9) e o Sniff Magnitude Test (10,11) ou subjetivos, incluindo o Sniff Sticks Test Battery ( 12), o Teste Olfatométrico T & T(13), o Teste de Limiar do Olfato(14) e o Brief Smell Identification Test ( 15). Essa variedade nos impulsionou a pesquisar, por meio de uma revisão da literatura, as regras adotadas para a escolha e o uso dos instrumentos quantitativos de avaliação do olfato em crianças.

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é levantar na literatura, de forma sistemática, os instrumentos quantitativos utilizados para a avaliação do olfato em estudos com crianças, identificando-os e verificando a frequência de uso e os critérios de eleição para a definição de sua aplicação bem como a sua efetividade nessa população.

ESTRATÉGIA DE PESQUISA

Para a formulação desta revisão de literatura buscou-se responder às seguintes perguntas: Quais são os instrumentos quantitativos utilizados para a avaliação do olfato em crianças? Como eles são selecionados? Qual a frequência de uso desses instrumentos? Eles são efetivos e permitem uma adequada caracterização da população infantil quanto às alterações do olfato?

A partir destes questionamentos, a pesquisa bibliográfica foi realizada nas plataformas de busca Pubmed e Bireme e nas bases de dados MedLine, Lilacs, SciELO regional (no período de agosto a setembro de 2012) e Web of Science (em abril de 2013).

Foram utilizados descritores (DECs e MESH) - palavras-chaves para a recuperação de assuntos da literatura científica - e termos livres (TL), não encontrados no DECs e MESH, mas de relevância para a pesquisa. Foram realizados os seguintes cruzamentos nas línguas inglês, portuguesa e espanhol: olfato (DECs/MESH) AND criança (DECs/MESH); olfato (DECs/MESH) AND avaliação (TL); olfato (DECs/MESH) AND diagnóstico (DECs/MESH); transtornos do olfato (DECs/MESH) AND criança (DECs/MESH); transtornos do olfato (DECs/MESH) AND diagnóstico (DECs/MESH); transtornos do olfato (DECs/MESH) AND avaliação (TL).

A busca foi feita de forma independente por dois pesquisadores, seguindo os critérios de inclusão e exclusão; e os pontos de conflito foram resolvidos em momento posterior por um terceiro avaliador. Não foi estabelecido limite em relação ao período das publicações.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Como critérios de inclusão foram selecionados artigos originais que utilizaram instrumentos quantitativos para a avaliação do olfato somente na população infantil (indivíduos com idade entre zero e 12 anos incompletos, tomando como base a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil) tendo os manuscritos sido publicados nas línguas portuguesa, inglês e espanhol.

Foram excluídos artigos originais que não referenciavam no título, no resumo ou no texto o assunto abordado nesta revisão; estudos abordando outras fases do desenvolvimento humano, exclusivamente, ou os que avaliaram crianças e, concomitantemente, adolescentes, adultos ou idosos; estudos com animais; e artigos de revisão de literatura, dissertações e capítulos de livros, artigos de estudo de caso e editoriais.

Na base de dados Pubmed foram ativados filtros relativos à espécie (humanos), à língua (inglês, portuguesa e espanhol) e idade (seis a 12 anos; nascimento a 18 anos; nascimento a um mês; nascimento a 23 meses; um a 23 meses; dois a cinco anos). Já na MedLine, Lilacs, SciELO e Web of Science não foram aplicados filtros de pesquisa.

ANÁLISE DOS DADOS

Por meio da utilização dos descritores e termos livres definidos anteriormente, foi realizada a identificação e seleção dos artigos a serem analisados nas bases de dados escolhidas.

Inicialmente foram lidos os títulos dos artigos. Os selecionados pela relevância do título foram, então, submetidos à leitura dos resumos e, se enquadrados nos critérios de inclusão preestabelecidos, analisados na íntegra, seguindo um protocolo criado para tal fim.

Os artigos finalmente selecionados foram aqueles que atenderam a todos os critérios de elegibilidade expostos acima e que possibilitaram responder aos questionamentos desta revisão.

Os dados dos artigos de interesse desta revisão foram detalhadamente analisados por meio de um fichamento protocolar criado para o presente estudo. Nele foram contemplados os seguintes pontos: autor, departamento, ano, local, população/amostra, idade, objetivo do estudo, métodos utilizados e resultados principais.

A apresentação dos dados foi feita considerando o que era relevante em cada artigo por meio de tabelas e figuras a fim de facilitar a observação e o entendimento durante a apresentação e discussão dos resultados.

RESULTADOS

Foram encontrados 8.451 artigos a partir da busca de descritores e termos livres. Desse total, 5.928 foram excluídos pelo título, 2.366 pelo resumo e 123 pela leitura do texto completo, sendo selecionados, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, 34 artigos, porém, 28 eram repetidos nas bases de dados, resultando em seis trabalhos analisados nesta revisão (Figura 1).

Figura 1 Fluxograma do número de artigos encontrados e selecionados após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão 

Verificando a seleção (Tabela 1), constatou-se a grande diversidade dos estudos, o que não permitiu a análise estatística (metanálise), em especial porque a amostra, a idade da população e os objetivos dos estudos foram variados. Porém, apesar dessas divergências, importantes reflexões e conclusões podem ser retiradas desta revisão.

Tabela 1 Resultados dos estudos selecionados seguindo as variáveis analisadas 

Autor Departamento Ano Local População/ amostra Idade Objetivos Métodos utilizados Principais resultados
Rinck, F; Barkat-Defradas, M; Chakirian, A; et al.16 Neurociências 2011 França 15 crianças nativas monolíngues e falantes do francês Entre quatro e cinco anos Investigar a relação da mudança olfativa durante o desenvolvimento da linguagem 12 odores foram diluídos em óleo mineral e apresentados em tiras de papel (10 cm de comprimento, 1 cm de largura). Durante o procedimento foram feitas duas perguntas às crianças: "Você gosta ou não deste cheiro?" e "Qual é esse cheiro?" Os resultados mostraram que aos cinco anos de idade as crianças categorizam mais os odores como agradáveis e que essa mudança foi mais significativa à medida que as habilidades de produção da linguagem eram mais desenvolvidas
Monnery-Patris, S; Rouby, C; Nicklaus, S.21 Não informado 2009 França 146 crianças (71 meninos e 75 meninas) de escolas públicas Entre quatro e 12 anos Avaliar a sensibilidade e identificação olfativa em crianças em idade precoce, bem como investigar o papel do desenvolvimento das habilidades verbais no desempenho da identificação olfatória Foram apresentados 16 odores diluídos em óleo mineral, com auxílio de imagens representativas (versão revisada do teste olfativo projetado para adultos por Rouby et al., 1997)26. A identificação e a sensibilidade olfativa aumentaram com o nível escolar, e o desempenho na identificação dos odores foi melhor em meninas do que em meninos. No entanto, quando controlada a habilidade verbal, as diferenças do gênero desaparecem, permanecendo somente as do nível escolar
Armstrong, JE; Hutchinson, I; Laing, DG.et al. 17 Medicina 2007 Austrália 34 crianças (13 meninos e 21 meninas) recrutadas em uma escola local Entre seis e nove anos Determinar se a Eletromiografia facial é capaz de fornecer respostas confiáveis sobre estímulos de cheiros e gostos distintos, e se, por meio do uso do Eletromiógrafo, é possível discriminar estímulos olfatórios e gustativos como agradáveis ou desagradáveis Apresentação de dois odores (um estabelecido como agradável e outro como desagradável) com controle facial realizado por meio da atividade dos músculos zigomáticos e elevador de lábio utilizando a Eletromiografia Mais de 90% das crianças responderam a todos os estímulos olfatórios quando observadas as gravações do músculo zigomático, com níveis de resposta de 97,1 e 100,0% para os odores utilizados (desagradável e agradável, respectivamente). Já a produção da atividade muscular do levantador do lábio foi mais seletiva, com 94,1% das crianças respondendo ao odor desagradável e com respostas bem mais baixas para o agradável
Hummel, T; Bensafi, M; Nikolaus, J; et al. 18 Otorrinolarin-gologia 2007 Alemanha 146 crianças para o teste psicofísico e 12 para avaliação eletrofisiológica Entre três e 12 anos Descrever as mudanças ocorridas no processamento da informação olfatória durante o desenvolvimento infantil, estabelecendo correlatos eletrofisiológicos Sniffin Sticks Test Battery (Teste de identificação de 12 cheiros) A análise estatística não indicou mudança significativa com a idade com relação ao limiar e à discriminação do odor, apenas com relação à identificação do odor. O fator gênero não teve efeito sobre os resultados e também não houve interação entre fatores idade e gênero. O grupo de três a cinco anos teve dificuldade para completar o teste e o a partir de seis anos apresentou, conforme os resultados, desenvolvimento avançado da função olfativa
Konstantinidis, I; Triaridis, S; Triaridis, A; et al.19 Otorrinolaringologia 2005 Grécia 35 crianças (19 do gênero masculino e 16 do feminino) com hipertrofia de adenoide e 30 saudáveis (14 meninos e 16 meninas) Entre cinco anos e 10 anos e 2 meses Avaliar a capacidade de cheirar e apreciar alimentos em crianças com hipertrofia de adenoide pré e pós-adenoidectomia Sniffin Sticks Test Battery (Teste de identificação de 12 cheiros) A função olfativa (nasal e retronasal) do grupo de estudo no pré-operatório foi significativamente reduzida em comparação aos resultados do grupo controle. No pós-operatório, houve melhora significativa da discriminação retronasal se comparada à nasal. Sugere-se grande associação entre a hipertrofia de adenoide e a discriminação retronasal
Porter, RH; Makin, JW; Davis, LB; Christensen, KM.20 Psicologia 1991 Estados Unidos 60 bebês saudáveis nascidos a termo (30 meninas e 30 meninos) Entre 12 e 18 dias Obter mais informações sobre o ambiente olfativo proeminente dos recém-nascidos, bem como sobre as preferências aos estímulos inatos e as experiências específicas pós-natal Teste de preferência e discriminação olfatória para neonatos utilizado por Cernoch e Porter (1985); Macfarlane (1975); Makin e Porter (1989); Schaal, Montagner, Hertling et. al. (1980); Schleidt e Genzcl (1990)(27-31) Diferença estatisticamente significativa na busca, por um tempo prolongado, pelo odor da mama da mãe (principal estímulo odorífero) do que pelo bloco de controle sem substância odorífera, não havendo diferenças entre os gêneros. Diferença estatisticamente significativa na busca pelo odor fórmula quando comparado ao da mama da mãe, com diferenças na busca entre os gêneros. A maioria dos bebês avaliados teve gasto de tempo significativamente mais longo orientado para o odor de uma mama desconhecida do que para uma fórmula de perfume familiar

Autores vinculados aos departamentos de Medicina(16-19) são os principais responsáveis pelos estudos relacionados ao olfato realizados com crianças. Ressalta-se aqui a ausência de estudos coordenados e realizados por fonoaudiólogos, mesmo com a considerável importância deste sentido para o processo alimentar e desenvolvimento global do indivíduo. Com essa preocupação, estudos sobre o olfato e o paladar em crianças com respiração oral estão sendo desenvolvidos pelo grupo de pesquisa Patofisiologia do Sistema Estomatognático, liderado por fonoaudiólogos na Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

Percebe-se que pesquisas relacionadas à quantificação do olfato com foco exclusivo na população pediátrica surgiram na década de 1990(20), com maior intensificação a partir do ano 2005(16-19,21). Supõe-se que esse provável início tardio dos estudos com objetivos relacionados às condições olfativas em crianças se deve ao fato de que alterações auditivas e visuais têm consequências negativas mais perceptíveis à população do que as quimiossensoriais. Além disso, isso pode ser explicado pela dificuldade na aplicação de testes quantitativos confiáveis para a população infantil. Porém, percebe-se que atualmente há uma preocupação com este aspecto, tendo em vista a importância do olfato em todo o processo de alimentação do indivíduo, bem como para a autodefesa em situações de perigo.

A França(16,21) é o país líder em estudos relacionados ao olfato na população infantil. É importante ressaltar a ausência de pesquisas voltadas para a caracterização e avaliação dessa função na América do Sul e, em especial, no Brasil, embora já existam alguns trabalhos brasileiros que relacionam, em artigos de revisão, a laringectomia total a alterações e avaliações do olfato e do paladar e a reabilitação dessas funções(22,23).

A população estudada nos artigos selecionados nesta revisão foi, prioritariamente, composta por crianças saudáveis(16-18,20,21), provavelmente porque não há padrões normativos que permitam comparações entre populações saudáveis e doentes.

A amostra teve o número mínimo de 15 crianças(16) e máximo de 158(18). Percebeu-se, porém, maior quantidade de estudos com amostra menor que 100 indivíduos(16,17,19,20) e maior prevalência de crianças do gênero feminino.

O intervalo de idade variou bastante. Enquanto alguns autores estudaram recém-nascidos(20), outros estudaram pré-escolares e escolares(16-19,21). Assim, o intervalo de idade variou entre 12 dias de vida pós-uterina(20) e 12 anos de idade(18,21). Isso permitiu que esta revisão contemplasse toda a faixa etária definida como infância pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil. Possivelmente a diferença ocorreu pela necessidade de comprovações em aspectos distintos do desenvolvimento infantil, como a influência do olfato na aquisição da linguagem(16,21), no processo da amamentação(20) e nas memórias e emoções evocadas a partir de cheiros ambientais e do convívio familiar da criança(17,20).

Os objetivos dos estudos foram desde caracterizar uma população(19-21) a constituir associações entre dois pontos(16,18,21) e fundamentar o estabelecimento de uma ferramenta de avaliação para o olfato na clínica pediátrica(17). Essa variedade de objetivos dificulta a padronização de instrumentos de avaliação, bem como a normatização dos resultados na população saudável, dificultando a comparação entre os doentes e a realização de diagnósticos seguros e precoces nesta população.

Todos os testes e instrumentos utilizados para a avaliação da função olfativa nos estudos incluídos nesta revisão têm caráter de avaliação quantitativa do olfato. Porém, os testes variaram em sua aplicação. Alguns apresentaram odores às crianças, solicitando que elas identificassem(16,18,19,21) ou referissem sobre a sua agradabilidade(16); outros quantificaram respostas pelo intervalo de tempo levado pelo direcionamento corporal a odores específicos(20) ou dados visualizados em programas computacionais, como o estudo(17) que utilizou a Eletromiografia para o controle do movimento facial de músculos determinados durante a exposição a odores agradáveis e desagradáveis.

O uso repetido do Sniffin Sticks Test Battery - um método de avaliação padronizado, objetivo e comercialmente disponível que expõe, ao avaliado, odores contidos em 12 "canetas" - em dois estudos realizados(18,19) pode ser um indicativo de que há um caminho para a uniformização dos instrumentos de avaliação do olfato em crianças. Isso porque se percebe, nesta revisão, pouca padronização e grande variação quanto ao uso de testes específicos para a população infantil. Assim, a confiabilidade dos trabalhos selecionados é questionada.

É importante ressaltar que o avanço nas pesquisas já nos mostra um caminho a ser desenvolvido em busca da padronização de instrumentos quantitativos para a avaliação da função olfatória em crianças de zero a 12 anos. Isto porque, nos estudos analisados, todos os testes têm caráter psicofísico (compostos por um estímulo físico padrão e uma resposta psíquica padrão), o que significa que as crianças foram expostas a odores diversos diluídos em óleo mineral(16,21), por exemplo. A preocupação com a padronização de instrumentos de avaliação para crianças fundamenta-se nas particularidades apresentadas pela população infantil, como o desenvolvimento cognitivo, linguístico e emocional, que devem ser fatores contemplados durante a concepção de instrumentos avaliativos específicos para esta faixa etária.

Nos instrumentos utilizados nos estudos analisados, o método ou utensílio de exposição dos odores foi variado. Foram usadas tiras de papel(16), tubos em formato de canetas esferográficas(18,19), blocos odorizados e odores embebidos em pano absorvente contidos em frascos de 15 mL(21), por exemplo. A quantidade dos odores também não seguiu um padrão, variando entre dois(17,20) e 16(21); a escolha de odores e o tempo de exposição também não seguiram um padrão designado previamente. Possivelmente, todas essas variações ocorreram a fim de adaptar as condições da metodologia avaliativa à idade da população.

Quanto aos instrumentos de avaliação nota-se o papel essencial de figuras representativas para auxiliar na elucidação da memória olfativa e semântica e facilitar a resposta segura das crianças. Um estudo(21) analisado nesta revisão adaptou o teste escolhido para a avaliação do olfato inserindo quatro imagens para que a criança apontasse a correspondente ao odor exposto, visto que, segundo o estudo, a modificação facilita o acesso ao odor conhecido. Nos trabalhos(24,25) que usam sugestões fotográficas ou imagens reais dos odores expostos, observou-se melhor desempenho na avaliação olfativa em crianças quando na utilização destes apoios. Vê-se, portanto, que a aplicação desse recurso visual pode tornar mais confiável a realização dos testes e a avaliação olfativa na população infantil. E se o objetivo da avaliação for a detecção e discriminação dos odores e concentrações, não há impedimento para o seu emprego desde que a escolha seja feita de forma criteriosa e balanceada, sem induzir a criança ao erro ou ao acerto.

Por fim, os resultados variaram conforme os objetivos dos estudos. A maioria deles teve as suas hipóteses confirmadas(16,17,19-21); sendo que apenas um teve confirmação parcial, não encontrando associações estatisticamente significativas quanto à detecção e discriminação dos odores pelas crianças de diferentes idades, somente quanto à identificação dos odores(18). Todos, porém, afirmaram sobre a relevância da investigação precoce por meios confiáveis de diagnóstico das condições olfativas na população infantil.

CONCLUSÃO

Avaliar o olfato na população infantil não é tarefa fácil, tendo em vista as exigências que a faixa etária impõe. Porém, com o avanço das pesquisas e o interesse dos diversos profissionais envolvidos com essa função, como fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, otorrinolaringologistas e neurologistas, bons resultados, em especial quanto à padronização de instrumentos e testes quantitativos próprios e específicos para a idade, podem ser alcançados.

A revisão em questão mostrou essa possibilidade e a necessidade de estudos de aprofundamento, a fim de estabilizar e padronizar instrumentos avaliativos e quantitativos do olfato para a população infantil, visto que no presente trabalho foram observadas a ausência de padronização desses instrumentos para a população infantil e a grande variabilidade na metodologia de aplicação dos testes, diminuindo, portanto, a efetividade e a confiabilidade dos resultados encontrados.

O alcance desta especificidade de avaliação do olfato para a população infantil garantirá um diagnóstico confiável e um planejamento terapêutico baseado em evidências científicas e fidedignas, permitindo, inclusive, que esses mesmos instrumentos sejam adequadamente utilizados também na terapia fonoaudiológica sem o risco de fatores como a escolha e quantidade dos odores e o tempo e método de exposição interferirem no processo de (re)habilitação da função olfatória.

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