versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.2 São Paulo fev. 2020 Epub 20-Mar-2020
https://doi.org/10.36660/abc.20180321
Dados sobre a epidemiologia da insuficiência cardíaca (IC) em áreas pouco desenvolvidas são escassos.
Nosso objetivo foi determinar a morbidade e a mortalidade por IC na Paraíba e no Brasil, e sua tendência em dez anos.
Realizou-se uma busca retrospectiva de 2008 a 2017 utilizando-se o banco de dados do DATASUS incluindo pacientes com idade ≥ 15 anos, com diagnóstico primário de IC. Os dados da morbimortalidade por IC foram coletados e estratificados por ano, sexo e idade. Foram realizados correlação de Pearson e teste para tendências de Mantel-Haenzsel. Um nível de 5% foi definido como estatisticamente significativo.
De 2008 a 2017, as internações por IC diminuíram 62% (p = 0,004) na Paraíba, e 34% (p = 0,004) no Brasil. A taxa de mortalidade hospitalar aumentou na Paraíba e no Brasil [65,1% (p = 0,006) e 30,1% (p = 0,003), respectivamente], mas a mortalidade hospitalar em números absolutos apresentou uma diminuição significativa somente na Paraíba [37,5% (p = 0,013)], o que foi mantido após a estratificação por idade, exceto para os grupos 15-19, 60-69 e > 80 anos. Observou-se um aumento no período de internação [44% (p = 0,004) na Paraíba e 12,3% (p = 0,004) no Brasil]. De 2008 a 2015, a taxa de mortalidade por IC na população diminuiu 10,7% na Paraíba (p = 0,047) e 7,7% (p = 0,017) no Brasil.
Apesar de a taxa de mortalidade por IC estar diminuindo na Paraíba e no Brasil, observou-se um aumento na taxa de mortalidade hospitalar e na duração da internação por IC. Devem ser realizados estudos clínicos em hospitais para serem identificadas as causas dessa tendência de aumento.
Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca/fisiopatologia; Insuficiência Cardíaca/mortalidade; Insuficiência Cardíaca/epidemiologia; Comorbidade; Insuficiência Cardíaca/tendências; Hospitalização
Data on heart failure (HF) epidemiology in less developed areas of Brazil are scarce.
Our aim was to determine the HF morbidity and mortality in Paraiba and Brazil and its 10-year trends.
A retrospective search was conducted from 2008 to 2017 using the DATASUS database and included patients ≥ 15 years old with a primary diagnosis of HF. Data on in-hospital and population morbidity and mortality were collected and stratified by year, gender and age. Pearson correlation and linear-by-linear association test for trends were calculated, with a level of significance of 5%.
From 2008 to 2017, HF admissions decreased 62% (p = 0.004) in Paraiba and 34% (p = 0.004) in Brazil. The in-hospital mortality rate increased in Paraiba and Brazil [65.1% (p = 0.006) and 30.1% (p = 0.003), respectively], but the absolute in-hospital mortality had a significant decrease only in Paraiba [37.5% (p = 0.013)], which was maintained after age stratification, except for groups 15-19, 60-69 and > 80 years. It was observed an increase in the hospital stay [44% (p = 0.004) in Paraiba and 12.3% (p = 0.004) in Brazil]. From 2008 to 2015, mortality rate for HF in the population decreased 10.7% (p = 0.047) in Paraiba and 7.7% (p = 0.017) in Brazil.
Although HF mortality rate has been decreasing in Paraiba and Brazil, an increase in the in-hospital mortality rate and length of stay for HF has been observed. Hospital-based clinical studies should be performed to identify the causes for these trends of increase.
Keywords: Heart Failure/physiopathology; Heart Failure/mortality; Heart Failure/epidemiology; Comorbidity; Heart Failure/trends; Hospitalization
A insuficiência cardíaca (IC) é a principal causa de internações hospitalares nos Estados Unidos em pacientes com idade superior a 65 anos,1,2 e afeta 26 milhões de pessoas em todo o mundo segundo estimativas.3 Sua prevalência tem aumentado rapidamente devido ao envelhecimento da população.1,4 Uma maior expectativa de vida tem sido atingida graças à adesão ao tratamento medicamentoso, ao uso de dispositivos de assistência ventricular (DAV) e a um aumento no número de transplantes cardíacos.1
A Paraíba é um dos nove estados na região nordeste do Brasil e teve uma população estimada de 4 025 558 habitantes em 2017, o que corresponde ao 13º estado em população entre os 27 estados do país. O produto interno bruto per capita da Paraíba foi de 3 594,94 dólares americanos em 2010, correspondendo ao quarto estado mais pobre do país, e o índice de desenvolvimento humano em 2014 foi de 0,701, o sexto mais baixo do país.5,6 Dados sobre a epidemiologia da IC em países subdesenvolvidos são ainda limitados e baseados principalmente em coortes de pacientes hospitalizados ou ensaios clínicos.2 Não existem, no Brasil, dados sobre a epidemiologia da IC na Paraíba, e existem poucos estudos que relatem os números da IC na região nordeste do Brasil.7,8
Um melhor entendimento da epidemiologia da IC em áreas subdesenvolvidas do Brasil, tal como a Paraíba, por meio de estudos populacionais, poderia levar a um planejamento em saúde mais efetivo e adequado. O objetivo deste estudo foi descrever e realizar uma análise de tendência de 10 anos da morbidade e da mortalidade da IC no estado da Paraíba e no Brasil.
Trata-se de um estudo populacional de análise de série temporal utilizando o Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), disponível no banco de dados do DATASUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde - SUS).6 O DATASUS é responsável pela administração de todas as informações sobre saúde e finanças declaradas por todos os estados e cidades e pelo Distrito Federal. Essa base de dados compila informações sobre assistência à saúde, epidemiologia, morbidade e demografia.
A população de interesse foi composta por brasileiros com idade superior a 15 anos que utilizaram qualquer serviço de saúde sob o diagnóstico primário de IC, representado pelo código I50 da décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), entre 2008 e 2017.
Foram extraídos dados epidemiológicos da IC, incluindo mortalidade absoluta e relativa da população, mortalidade hospitalar (números absolutos), taxa de mortalidade hospitalar, número de internações e período de internação. As variáveis foram estratificadas por ano, sexo e grupos etários (15-19, 20-29, 30-39, 40-49, 50-59, 60-69, 70-79 e ≥ 80 anos). Dados hospitalares do período entre 2008 e 2017, e dados populacionais do período entre 2008 e 2015 estavam disponíveis. Utilizou-se último censo populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010.5
As variáveis categóricas foram expressas em frequências e as variáveis contínuas em média ± desvivo padrão (DP). A taxa de mortalidade hospitalar causada por IC foi obtida dividindo-se o número de todas as mortes hospitalares por IC na Paraíba ou no Brasil pelo número de hospitalizações por IC no ano correspondente. A taxa de mortalidade populacional por IC foi calculada dividindo-se o número de todas as mortes por IC na Paraíba ou no Brasil pela respectiva população no ano correspondente.
As análises foram realizadas utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0 (SPPS Inc., Chicago, USA). O teste de Shapiro-Wilk foi usado para avaliar a normalidade das distribuições dos dados para as análises posteriores. A correlação de Pearson foi usada para avaliar a correlação entre variáveis numéricas com distribuição normal. O teste do qui-quadrado foi realizado por tabela de contingência e pelo teste de tendência linear de Mantel-Haenzsel, o qual corresponde ao teste de Cochran-Armitage disponível em outros pacotes estatísticos.9 O nível de significância estabelecido foi de 5%.
A estatística descritiva das variáveis está apresentada na Tabela 1.
Variáveis | Média | Desvio padrão | Shapiro-Wilk significância* |
---|---|---|---|
Óbitos (população) † | 739,88 | 32,92 | 0,385 |
Mulheres | 387,88 | 24,07 | 0,916 |
Homens | 349,63 | 17,71 | 0,099 |
Óbitos (no hospital) | 474,50 | 95,52 | 0,324 |
Mulheres | 238,80 | 46,15 | 0,763 |
Homens | 234,70 | 52,04 | 0,161 |
Taxa de mortalidade populacional (por 100.000) † | 19,16 | 1,09 | 0,775 |
Taxa de mortalidade hospitalar (por 100) | 9,76 | 1,84 | 0,659 |
Número de admissões | 5117,20 | 1805,13 | 0,176 |
Tempo médio de internação (dias) | 5,92 | 0,80 | 0,121 |
Fonte dos dados: Sistema de Informação do SUS (DATASUS) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010).
*No teste de Shapiro-Wilk, a hipótese nula é que a população segue uma distribuição normal; se p < 0,05, os dados não são normalmente distribuídos;
†Intervalo do ano: 2008-2015;
O número total de internações hospitalares por IC na Paraíba entre 2008 e 2017 foi 51 172, representando a principal causa de internações por doenças cardiovasculares (29,4%), seguido por outras doenças cardíacas isquêmicas (13%), acidente vascular cerebral (11%), hipertensão primária (10%), e infarto agudo do miocárdio (5%). Durante o mesmo período, a IC também foi a principal causa cardiovascular de hospitalizações no Brasil, com 2 380 133 casos (21%). A IC foi responsável por 2,54% e 2,25% de todas as causas de internações hospitalares na Paraíba e no Brasil, respectivamente.
Uma tendência decrescente no número absoluto de hospitalizações por IC na Paraíba e no Brasil foi observada entre 2008 e 2017, correspondendo a um decréscimo de 62% (R = -0,970; p = 0,004; Tabela 2; Figura 1A) e 34% (R = -0,964; p = 0,004; Tabela 3; Figura 1B), respectivamente. A frequência de homens internados por IC na Paraíba foi de 52% e no Brasil de 51%.
Variáveis | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | Valores de p para tendências*† | Pearson (R) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Número de mortes (população) | 722 | 777 | 772 | 753 | 719 | 768 | 725 | 683 | ------ | ------ | 0,175 | -0,513 |
Mulheres | 365 | 398 | 390 | 413 | 386 | 421 | 383 | 347 | ------ | ------ | 0,665 | -0,164 |
Homens | 351 | 374 | 379 | 337 | 332 | 347 | 341 | 336 | ------ | ------ | 0,130 | -0,573 |
Número de óbitos (no hospital) | 472 | 588 | 581 | 561 | 551 | 462 | 461 | 374 | 378 | 317 | 0,013* | -0,824 |
Mulheres | 220 | 310 | 294 | 282 | 265 | 235 | 224 | 207 | 188 | 173 | 0,022* | -0,762 |
Homens | 252 | 278 | 287 | 279 | 286 | 227 | 237 | 167 | 190 | 144 | 0,012* | -0,837 |
Taxa de mortalidade (população) | 19,25 | 20,53 | 20,21 | 19,55 | 18,51 | 19,62 | 18,38 | 17,19 | ------ | ------ | 0,047* | -0,751 |
Taxa de mortalidade (intra-hospitalar) | 6,60 | 8,50 | 7,90 | 8,50 | 10,10 | 9,8 | 11,20 | 12,00 | 12,10 | 10,90 | 0,006* | 0,917 |
Mulheres | 6,35 | 9,32 | 8,52 | 9,02 | 10,08 | 10,39 | 11,49 | 13,56 | 12,69 | 11,93 | 0,006* | 0,908 |
Homens | 6,76 | 7,67 | 7,36 | 8,15 | 10,20 | 9,12 | 11,02 | 10,61 | 11,59 | 9,40 | 0,013* | 0,828 |
Número de admissões | 7143 | 6890 | 7331 | 6571 | 5450 | 4739 | 4102 | 3112 | 3115 | 2719 | 0,004* | -0,970 |
Mortes por faixa etária (população) | ||||||||||||
15-19 anos | 2 | 2 | 3 | 2 | 1 | 0 | 1 | 1 | ------ | ------ | 0,067 | -0,693 |
20-29 anos | 3 | 8 | 8 | 5 | 5 | 6 | 2 | 6 | ------ | ------ | 0,588 | -0,205 |
30-39 anos | 8 | 16 | 9 | 13 | 9 | 10 | 10 | 8 | ------ | ------ | 0,389 | -0,326 |
40-49 anos | 21 | 22 | 29 | 23 | 25 | 23 | 24 | 13 | ------ | ------ | 0,292 | -0,399 |
50-59 anos | 47 | 42 | 53 | 33 | 45 | 48 | 46 | 36 | ------ | ------ | 0,479 | -0,267 |
60-69 anos | 84 | 88 | 92 | 75 | 92 | 101 | 82 | 93 | ------ | ------ | 0,457 | 0,281 |
70-79 anos | 164 | 172 | 152 | 172 | 147 | 179 | 174 | 154 | ------ | ------ | 0,979 | -0,010 |
Mais de 80 anos | 387 | 422 | 423 | 427 | 394 | 401 | 385 | 372 | ------ | ------ | 0,143 | -0,553 |
Óbitos por faixa etária (no hospital) | ||||||||||||
15-19 anos | 3 | 2 | 3 | 3 | 2 | 2 | 2 | 2 | 4 | 2 | 0,815 | -0,078 |
20-29 anos | 11 | 10 | 8 | 5 | 5 | 4 | 4 | 7 | 2 | 2 | 0,010* | -0,859 |
30-39 anos | 17 | 19 | 16 | 11 | 16 | 12 | 7 | 8 | 6 | 8 | 0,008* | -0,887 |
40-49 anos | 24 | 35 | 35 | 35 | 36 | 30 | 19 | 10 | 10 | 17 | 0,029* | -0,727 |
50-59 anos | 55 | 53 | 53 | 55 | 63 | 47 | 46 | 24 | 38 | 35 | 0,025* | -0,748 |
60-69 anos | 77 | 97 | 96 | 97 | 101 | 86 | 93 | 72 | 76 | 44 | 0,061 | -0,625 |
70-79 anos | 129 | 150 | 136 | 142 | 131 | 119 | 129 | 96 | 89 | 75 | 0,009* | -0,865 |
Mais de 80 anos | 149 | 213 | 227 | 211 | 194 | 157 | 156 | 153 | 148 | 129 | 0,052 | -0,649 |
Tempo médio de internação (dias) | 5 | 5,2 | 5,3 | 5,5 | 5,6 | 5,6 | 6,1 | 6,5 | 7,2 | 7,2 | 0,004* | 0,953 |
Fonte dos dados: Sistema de Informação do SUS (DATASUS) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (contagem de 2010).
*p < 0,05;
†Valor de P para tendências de acordo com teste de tendência linear de Mantel Haenzel;
Variáveis | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | Valores P para tendências* † | Pearson (R) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Número de mortes (população) | 27.567 | 27.314 | 27.544 | 27.818 | 26.694 | 27.290 | 26.783 | 27.434 | ------ | ------ | 0,276 | -0,412 |
Mulheres | 13.990 | 14.136 | 14.236 | 14.525 | 13.824 | 14.014 | 13.846 | 14.435 | ------ | ------ | 0,929 | 0,034 |
Homens | 13.428 | 13.047 | 13.159 | 13.130 | 12.756 | 13.166 | 12.825 | 12.900 | ------ | ------ | 0,069 | -0,689 |
Número de óbitos (no hospital) | 22.513 | 23.043 | 23.667 | 24.451 | 23.071 | 22.858 | 22.031 | 22.756 | 23,519 | 19,209 | 0,131 | -0,504 |
Mulheres | 11.021 | 11.356 | 11.740 | 12.099 | 11.426 | 11.305 | 10.963 | 11.450 | 11,738 | 10,509 | 0,401 | -0,280 |
Homens | 11.198 | 11.395 | 11.676 | 12.092 | 11.408 | 11.301 | 10.823 | 11.097 | 11,577 | 10,213 | 0,119 | -0,520 |
Taxa de mortalidade (população) | 14,54 | 14,26 | 14,44 | 14,46 | 13,76 | 13,57 | 13,21 | 13,42 | ------ | ------ | 0,017* | -0,905 |
Taxa de mortalidade (intra-hospitalar) | 8,3 | 8,5 | 8,9 | 9,4 | 9,5 | 9,7 | 9,8 | 10,5 | 11,0 | 10,8 | 0,003* | 0,981 |
Mulheres | 8,5 | 8,7 | 9,2 | 9,6 | 9,8 | 10,0 | 10,2 | 11,0 | 11,5 | 11,2 | 0,003* | 0,980 |
Homens | 8,2 | 8,4 | 8,7 | 9,2 | 9,3 | 9,4 | 9,6 | 10,1 | 10,6 | 10,4 | 0,003* | 0,985 |
Número de admissões | 270.988 | 269.891 | 265.038 | 260.995 | 242.919 | 236.550 | 223.825 | 217.050 | 214,432 | 178,445 | 0,004* | -0,964 |
Mortes por faixa etária (população) | ||||||||||||
15-19 anos | 56 | 55 | 47 | 49 | 51 | 41 | 40 | 35 | ------ | ------ | 0,014* | -0,926 |
20-29 anos | 206 | 204 | 180 | 176 | 165 | 174 | 159 | 145 | ------ | ------ | 0,012* | -0,947 |
30-39 anos | 468 | 415 | 379 | 387 | 396 | 373 | 358 | 355 | ------ | ------ | 0,022* | -0,863 |
40-49 anos | 1.039 | 1.002 | 1.034 | 957 | 913 | 920 | 836 | 815 | ------ | ------ | 0,011* | -0,957 |
50-59 anos | 2.389 | 2.303 | 2.293 | 2.269 | 2.259 | 2.214 | 2.072 | 2.157 | ------ | ------ | 0,016* | -0,910 |
60-69 anos | 4.296 | 4.249 | 4.196 | 4.268 | 4.057 | 4.230 | 4.123 | 4.255 | ------ | ------ | 0,328 | -0,370 |
70-79 anos | 7.178 | 7.027 | 7.062 | 7.013 | 6.727 | 6.969 | 6.707 | 6.845 | ------ | ------ | 0,037* | -0,788 |
Mais de 80 anos | 11.788 | 11.928 | 12.206 | 12.539 | 12.012 | 12.259 | 12.383 | 12.733 | ------ | ------ | 0,039* | 0,782 |
Óbitos por faixa etária (no hospital) | ||||||||||||
15-19 anos | 87 | 97 | 75 | 73 | 61 | 65 | 59 | 61 | 61 | 38 | 0,007* | -0,898 |
20-29 anos | 284 | 271 | 264 | 241 | 220 | 230 | 188 | 176 | 175 | 152 | 0,003* | -0,984 |
30-39 anos | 597 | 529 | 503 | 501 | 475 | 451 | 445 | 437 | 434 | 369 | 0,008* | -0,887 |
40-49 anos | 1.278 | 1.216 | 1.227 | 1.216 | 1.104 | 1.102 | 981 | 1.004 | 1,052 | 853 | 0,005* | -0,931 |
50-59 anos | 2.687 | 2.722 | 2.736 | 2.793 | 2.700 | 2.620 | 2.372 | 2.498 | 2,569 | 2,149 | 0,019* | -0,783 |
60-69 anos | 4.358 | 4.578 | 4.739 | 4.769 | 4.599 | 4.452 | 4.439 | 4.601 | 4,783 | 4,149 | 0,533 | -0,208 |
70-79 anos | 6.337 | 6.371 | 6.583 | 6.820 | 6.237 | 6.343 | 5.984 | 6.174 | 6,496 | 5,706 | 0,101 | -0,546 |
Mais de 80 anos | 6.591 | 6.967 | 7.289 | 7.778 | 7.438 | 7.343 | 7.318 | 7.596 | 7,745 | 7,306 | 0,064 | 0,617 |
Tempo médio de internação (dias) | 6,5 | 6,4 | 6,5 | 6,6 | 6,7 | 6,9 | 7,1 | 7,3 | 7,4 | 7,3 | 0,004* | 0,960 |
Fonte dos dados: Sistema de Informação do SUS (DATASUS) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (contagem de 2010).
*p < 0,05;
†Valor de P para tendências de acordo com o teste de tendência linear de Mantel Haenzel;
Quando estratificados por idade, os indivíduos com idade superior a 60 anos corresponderam a 71% e 73% de todos os casos de internação por IC na Paraíba e no Brasil, respectivamente, com o maior número na faixa de idade entre 70 e 79 anos.
A mortalidade por IC em números absolutos da população apresentou um declínio não significativo de 2008 a 2015 na Paraíba (R = -0,513; p = 0,175; Tabela 2) e Brasil (R = -0,412; p = 0,276; Tabela 3), sem diferença quanto ao gênero. As mulheres representaram 53% dos óbitos na Paraíba e 52% no Brasil. Na Paraíba, a diminuição no número absoluto de mortes por IC na população em todas as faixas etárias não foi estatisticamente significativa (Tabela 2).
Entre 2008 e 2015, a maior proporção de mortes por IC ocorreu na faixa etária ≥ 80 anos tanto em homens como em mulheres na Paraíba (50% e 59%, respectivamente) e no Brasil (38% e 52%, respectivamente). As proporções de mortes por IC em indivíduos com idade ≥ 60 anos na Paraíba foi 87% nos homens e 90% nas mulheres, e no Brasil 83% nos homens e 89% nas mulheres.
A média da taxa de mortalidade por IC na população foi de 19,2/100 000 (±1,09) na Paraíba e 14,0/100 000 (±0,53) no Brasil, com um declínio significativo de 10,7% (R = -0,751; p = 0,047; Tabela 2) na Paraíba e 7,7% (R = -0,905; p = 0,017; Tabela 3) no Brasil entre 2008 e 2015, respectivamente (Figura 2).
A mortalidade hospitalar em números absolutos entre 2008 e 2017 apresentou um decréscimo significativo de 37,5% na Paraíba (R = -0,824; p = 0,013; Tabela 2; Figura 3B) e uma diminuição não significativa de 14,6% no Brasil (R = -0,504; p = 0,131; Tabela 3; Figura 3B). Na análise estratificada, observou-se uma diminuição significativa no número absoluto de mortes hospitalares por IC tanto para homens como para mulheres na Paraíba (R = -0,837; p = 0,012 e R = -0,762; p = 0,022; Tabela 2); tal tendência estatisticamente significativa não foi observada no Brasil (Tabela 3).
Indivíduos com idade superior a 80 anos apresentaram a maior proporção de morte hospitalar por IC em números absolutos na Paraíba e no Brasil de 2008 a 2017 (37% e 32%, respectivamente) (Figura 4). Na Paraíba, houve uma redução estatisticamente significativa nas mortes hospitalares por IC para as categorias de idade: 20-29 anos (p = 0,010), 30-39 anos (p = 0,008), 40-49 anos (p = 0,029), 50-59 anos (p = 0,025) e 70-79 anos (p = 0,009) (Tabela 2).
Outros dados do número de mortes hospitalares por IC por faixa etária no Brasil estão descritos na Tabela 3.
A taxa de mortalidade hospitalar aumentou significativamente em 65,1% na Paraíba (R = 0,917; p = 0,006; Tabela 2), de 6,6% em 2008 a 10,9% em 2017, e em 30,1% no Brasil (R = 0,981; p = 0,003; Tabela 3), de 8,3% em 2008 a 10,8% em 2017 (Figura 3A). O aumento na taxa de mortalidade hospitalar por IC por sexo também foi significativo tanto para homens quanto mulheres na Paraíba (R = 0,828; p = 0,013 e R = 0,908; p = 0,006, respectivamente; Tabela 2). Tal tendência também foi observada no Brasil, em uma magnitude similar (R = 0,985; R = 0,980; p = 0,003; Tabela 3).
A taxa de mortalidade hospitalar por IC por faixa etária foi maior nos indivíduos com idade superior a 80 anos, com uma média de 14,7% na Paraíba e 14,5% no Brasil (Figura 5) de 2008 a 2017. Nessa faixa de idade, a taxa de mortalidade hospitalar por IC por sexo na Paraíba foi 12,4% nos homens e 15,2% nas mulheres e, no Brasil, 13,7% nos homens e 14,9% nas mulheres.
O tempo médio de internação hospitalar por IC foi de 5,9 dias (±0,8) na Paraíba e 6,9 dias (±0,4) no Brasil, com aumento significativo de 44% (R = 0,953; p = 0,004; Tabela 2) e 12,3% (R = 0,960; p = 0,004; Tabela 3), respectivamente entre 2008 e 2017 (Figura 6). Na Tabela 4, nós apresentamos a duração da internação por ano, e os custos associados, tanto na Paraíba como no Brasil.
PARAÍBA | BRASIL | |||
---|---|---|---|---|
Ano | Custo total com hospitalizações (US$) | Duração da admissão (dias) | Custo total com hospitalizações (US$) | Duração da admissão (dias) |
2008 | 1.762.825,91 | 5 | 77.940.473,93 | 6,5 |
2009 | 2.286.531,90 | 5,2 | 89.837.575,25 | 6,4 |
2010 | 2.541.429,71 | 5,3 | 92.835.802,31 | 6,5 |
2011 | 2.378.139,40 | 5,5 | 93.939.042,90 | 6,6 |
2012 | 1.939.284,53 | 5,6 | 91.509.632,22 | 6,7 |
2013 | 1.694.005,09 | 5,6 | 93.561.446,18 | 6,9 |
2014 | 1.578.506,24 | 6,1 | 96.199.113,56 | 7,1 |
2015 | 1.233.302,85 | 6,5 | 99.069.494,68 | 7,3 |
2016 | 1.249.580,27 | 7,2 | 102.181.019,88 | 7,4 |
2017 | 1.103.600,05 | 7,2 | 85.390.241,41 | 7,3 |
Total | 17.767.205,95 | 5,9 ± 0,8 (média ± DP) | 922.463.842,32 | 6,9 ± 0,4 (média ± DP) |
Fonte dos dados: Sistema de Informação do SUS (DATASUS) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (contagem de 2010).
DP: desvio padrão;
Em nosso conhecimento, este é o primeiro estudo a descrever as tendências da epidemiologia da IC em uma região subdesenvolvida do Brasil. Informações sobre a incidência, a prevalência, a morbidade e a mortalidade da IC na América Latina e no Caribe são heterogêneas e escassas. A maioria dos dados são provenientes da América do Sul (92%), com o Brasil e a Argentina sendo responsável por 86% dos estudos.10 No Brasil, a maioria dos dados publicados são originários de áreas desenvolvidas, as regiões sudeste e sul.
A IC foi a principal causa de internações entre as doenças cardiovasculares na Paraíba e no Brasil, e correspondeu a 2,54% e 2,25% de todas as internações, respectivamente. De maneira semelhante, nos EUA, a IC foi a causa de mais de um milhão de internações por ano de 2001 a 2009,11 e representou 1-2% de todas as internações.3
Fang et al.,12 realizaram um estudo para determinar as tendências na IC nos EUA, utilizando os dados da Pesquisa Nacional sobre Altas Hospitalares (National Hospital Discharge Survey) entre 1979 e 2004, e observaram um aumento de 185% no número absoluto de internações por IC (de 409 000 para 1 166 000), e as taxas de internações por IC (por 100 000) aumentou de 219 para 390 no mesmo período. Outros autores, no entanto, relataram que o número de internações por IC como diagnóstico primário tem diminuído nos EUA entre 1,0% a 4,3% por ano desde 2001.11,13 Na América Latina e Caribe, Godoy et al.,14 mostraram um decréscimo de 32% nas internações por IC entre 1992-1993 e 2008-2009, o que é consistente com os nossos resultados de uma diminuição de 34% no número absoluto de internações por IC no Brasil, e 62% na Paraíba. Essa redução pode ser um sinal de melhora no manejo dos fatores de risco para IC,4 de diminuição na incidência de doença cardíaca isquêmica,15 e melhoria no manejo da IC.16
As internações por IC na Paraíba e no Brasil foram mais frequentes em indivíduos com idade entre 70 e 79 anos. Indivíduos com idade superior a 60 anos representaram 71% e 73% das internações por IC na Paraíba e no Brasil, respectivamente. Tais frequências foram similares à observada (70%) em estudos prévios conduzidos na América Latina e Caribe, e nos EUA.2,4 Na Paraíba e no Brasil, a proporção de mulheres hospitalizadas por IC foi 48% e 49%, similar a de estudos realizados nos EUA, com 40% a 50% de mulheres.3,17 Um pequeno estudo realizado em uma comunidade no Brasil relatou que 58% dos pacientes internados com IC eram mulheres.18 Ainda, o I Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca (estudo BREATHE)8 descreveu que 60% de um total de 1263 internações por IC em 51 centros no Brasil eram mulheres.
Em nosso estudo, a taxa de mortalidade por IC encontrada no período entre 2008 e 2015 foi 19,2/100 000 (±1,09) casos na Paraíba e 14,0/100 000 (±0,53) casos no Brasil, com uma redução de 10,7% e 7,7%, respectivamente. Um decréscimo na taxa de mortalidade por IC também foi descrita no Brasil e na Argentina: em São Paulo, maior cidade do Brasil, ocorreu uma diminuição em 29%, de 19,1/100 000 (1992-1993) para 13,6/100 000 (2008-2009);14 na Argentina, um estudo de abrangência nacional mostrou uma redução de 23% na taxa de mortalidade por IC na população de 1995 a 2005.10,19 Nos EUA, Go et al.,20 compararam o número de mortes por IC de 1995 a 2010, e encontraram um decréscimo de 2,8% (287.000 vs. 279.000), o que potencialmente representa uma diminuição significativa na taxa de mortalidade, dado o aumento na população norte americana nesses quinze anos.
Nosso estudo relata uma taxa média de mortalidade hospitalar por IC na Paraíba de 9,2% entre 2008 e 2017. Um estudo prospectivo realizado em 52 centros de todas as regiões brasileira, somente com pacientes internados por IC, relatou um total de 12,6% mortes em 1.263 pacientes internados.8 Na América Latina e Caribe, uma metanálise de 37 estudos revelou uma mortalidade hospitalar similar de 11,7%.10
Nosso estudo mostrou um aumento na taxa de mortalidade hospitalar por IC tanto no estado da Paraíba (65%) como no Brasil (30%) entre 2008 e 2017. Godoy et al.,14 entre 1992-1993 e 2008-2009, também relataram uma diminuição de 15% na taxa de mortalidade hospitalar que era de 15% no Brasil. Nos EUA, no entanto, a taxa de mortalidade hospitalar diminuiu de 4,5% em 2001 para 2,9% em 2014 segundo estudo que incluiu pacientes com diagnóstico primário de IC.13 A diminuição no número de internações por IC durante o período estudado, tanto na Paraíba como no Brasil, é a razão mais provável para o aumento da taxa de mortalidade hospitalar. Outra explicação plausível poderia ser o aumento na sobrevida dos pacientes com IC, levando ao aumento no número de pacientes idosos, com IC mais avançada e muitas comorbidades, resultando em um risco aumentado de morte durante internação. Ainda, é importante considerar a falta de terapias avançadas em áreas pouco desenvolvidas, tais como suporte circulatório mecânico e transplante cardíaco, o que contribuiria para essa tendência de aumento na taxa de mortalidade por IC na Paraíba, Brasil, e na América Latina e Caribe.
Apesar do aumento na taxa de mortalidade hospitalar, a mortalidade hospitalar em números absolutos mostrou um decréscimo significativo de 37,5% na Paraíba e 14,6% no Brasil para o mesmo período. Nos EUA, Bueno et al.,21 também observaram uma diminuição de 50% da mortalidade hospitalar por IC na população composta por idosos participantes do programa Medicare entre 1993 e 2008, ao passo que Ni & Xu22 relataram uma diminuição em 30%.
As mulheres representaram 53% e 52% da mortalidade por IC em números absolutos na Paraíba e no Brasil, respectivamente. A mortalidade hospitalar por IC na Paraíba teve uma proporção de mulheres semelhante (50,5%). Nos EUA, em 2010, 54,6% de todas as mortes por IC ocorreram em mulheres.20 Hsich et al.,23 não observaram diferença na mortalidade hospitalar entre mulheres e homens, considerando pacientes com fração de ejeção reduzida e pacientes com fração de ejeção preservada.
Entre 2008 e 2017, a duração média de internações por IC foi de 5.9 (±0.8) dias na Paraíba e 6,8 (0,4) dias no Brasil, com um aumento de 44% e 12,3%, respectivamente. Na América Latina e Caribe, Bocchi et al.,2,24 relataram um período médio de internação de 5,8 dias entre 1998 e 2012. Ciapponin et al.,10 relataram uma média de 7 dias em 18 estudos, e Godoy et al.,14 encontraram um aumento de 25% no período de internação, de 8,8 (1992-1993) a 11,3 dias (2008-2009) no Brasil. Nos EUA, dois autores relataram uma diminuição no período de internação por IC, de 8,8 para 6,3 dias (1993-2008)21 e de 6,8 (1999-2000) para 6,4 dias (2007-2008).4
Nos EUA, o custo per capita em saúde foi maior que o produto interno bruto per capita na Paraíba (US$8364,00 e US$3594,94, respectivamente).24 O status socioeconômico mais baixo na Paraíba pode representar um fator de risco para maior morbidade e mortalidade observada em nosso estudo, já que a população tem acesso limitado a tratamento efetivo para IC.24 Nos EUA, 52,5% da população com renda familiar menor que 10 000 dólares apresentam doença cardiovascular,20,25 e Eapen et al.26 identificaram que uma maior renda associou-se com menor chance de mortalidade 30 dias após internação por IC.
Este é um estudo observacional retrospectivo, e a ausência de dados individuais dos pacientes impediu o estabelecimento de relações entre as variáveis. Uma vez que nossos dados foram derivados de um banco de dados nacional, é possível que haja ocorrido subnotificação ou notificação errônea dos dados. Ainda, uma vez que reinternações não são consideradas no número total de internações por IC, a taxa de mortalidade hospitalar pode ter sido subestimada.
Este é o primeiro estudo a analisar a epidemiologia da IC na Paraíba, um estado de baixo status socioeconômico no Brasil, e a comparar os resultados com dados nacionais e internacionais. Durante os últimos dez anos, o aumento na taxa de mortalidade hospitalar por IC na Paraíba e no Brasil acompanhou a tendência na América Latina e Caribe, enquanto o aumento na duração da internação por IC difere da diminuição observada nos EUA. Na Paraíba e no Brasil, observamos uma diminuição nas internações por IC como diagnóstico primário bem como no número de mortes por IC, o que também foi descrito na América Latina, Caribe e nos EUA. Mais de 87% das mortes por IC na Paraíba e no Brasil envolveram pacientes com mais de 60 anos de idade. Observou-se uma maior frequência de mulheres admitidas por IC, na Paraíba e no Brasil, com taxas de mortalidades similares em comparação a homens. Uma vez que as mulheres são geralmente pouco representadas nos ensaios clínicos, há necessidade de mais estudos com foco nessa população. Deveriam ser realizados estudos clínicos em hospitais para identificar as causas para a tendência do aumento da taxa de mortalidade hospitalar por IC.