Compartilhar

Insuficiência renal crônica e as causas múltiplas de morte: uma análise descritiva para o Brasil, 2000 a 2004

Insuficiência renal crônica e as causas múltiplas de morte: uma análise descritiva para o Brasil, 2000 a 2004

Autores:

Pamila Cristina Lima Siviero,
Carla Jorge Machado,
Mariangela Leal Cherchiglia,
Eliane de Freitas Drumond

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.22 no.4 Rio de Janeiro out./dez. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400040010

ABSTRACT

INTRODUCTION:

Chronic kidney disease is an illness that affects a growing number of individuals in Brazil and worldwide.

OBJECTIVES:

To analyze indicators of multiple causes of death for patients in renal replacement therapy in Brazil who died between 2000 and 2004.

METHODS:

The indicators were calculated based on the number of diagnoses reported on death certificates and on the information on causes of death. The average number of diagnosis per certificate was analyzed by age, sex, treatment mode, and region of residence.

RESULTS:

Studying the mortality from chronic kidney disease by means of the underlying would lead to information loss. Analysis showed that the average number of diagnoses per death certificate was 2.9 and also that the mortality of this population group is composed of a number of illnesses that often do not appear as underlying cause of death. Multiple causes of death model enhance the possibilities of analysis.

CONCLUSIONS:

The descriptive analysis is the simplest and most direct way to analyze the mortality from this perspective.

Key words: renal insufficiency, chronic; multiple cause of death; dialysis; transplantation

INTRODUÇÃO

Os indicadores de mortalidade são calculados por meio das informações notificadas pelos médicos nas declarações de óbito (DOs). Dentre as informações disponíveis na DO, a causa do óbito é de grande importância para estudos de mortalidade, uma vez que permite acompanhar mudanças na composição das doenças em grupos populacionais, com o intuito de delinear medidas e intervenções efetivas em saúde pública1.

A Organização Mundial de Saúde define a causa básica do óbito como a doença ou lesão que dá início à cadeia de eventos patológicos que conduzem diretamente à morte. Nas últimas décadas, vem crescendo a demanda para a utilização de todas as condições mencionadas pelo médico na declaração de óbito, conhecidas como causas múltiplas de morte, com a finalidade de se obter uma descrição mais completa do espectro causal que resultou no óbito.

A doença renal crônica (DRC) é um problema que vem atingindo um número cada vez maior de indivíduos2 , 3, em parte devido ao processo de envelhecimento da população e ao aumento do número de indivíduos acometidos por hipertensão e diabetes mellitus, principais morbidades associadas ao desenvolvimento da disfunção dos rins4 , 5 , 6. No mundo, as doenças do rim e do trato urinário são responsáveis por aproximadamente 850 milhões de mortes anuais, e a incidência da DRC aumenta em torno de 8% ao ano. No Brasil, a prevalência de pacientes em tratamento da doença aumentou 150% em uma década, passando de 24 mil em 1994 para 60 mil em 20047.

O tratamento da insuficiência dos rins é amplamente justificado tendo em vista a sua evolução, que acarreta problemas adicionais de saúde para o paciente. Este tratamento contempla prevenção secundária e terciária, acompanhamento e intervenção nas complicações e comorbidades associadas à doença6, com o objetivo de retardar ou até mesmo impedir o avanço da insuficiência8. Na fase inicial, as principais medidas terapêuticas que devem ser tomadas são o controle da hipertensão intraglomerular e a ingestão restrita de proteínas. Com o avanço da doença, o tratamento é feito com medicamentos que variam de acordo com as complicações e comorbidades apresentadas pelo paciente.

No estágio terminal, a sobrevivência do indivíduo portador de IRC está condicionada à utilização de métodos de filtragem artificial do sangue, tais como hemodiálise e diálise peritoneal ou à realização do transplante renal2 , 4 , 9. Tais procedimentos são denominados Terapias Renais Substitutivas (TRS) e, no Brasil, são autorizados, regulamentados e subsidiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS)10. As TRS devem ser iniciadas na fase mais avançada da doença, mas em tempo suficiente para evitar o aparecimento de complicações graves6. No Brasil, a prevalência de pacientes mantidos em terapias de substituição vem aumentando consideravelmente nos últimos anos. O número de transplantes renais, por sua vez, não acompanha esse crescimento4.

É importante focalizar não apenas a incidência e/ou prevalência da IRC, mas também a sua letalidade. Neste caso, o foco na causa básica do óbito não é suficiente para considerar o problema em uma perspectiva mais ampla de saúde da população sobrevivente, uma vez que múltiplas causas concorreram para conduzir o indivíduo ao óbito. Apesar de seguir regras padronizadas, a seleção da causa básica tende a subestimar a ocorrência de determinados agravos, especialmente os não transmissíveis e aqueles que incidem nos grupos de idade mais avançada, nos quais mais de uma condição patológica pode ter contribuído para o óbito11. Para minimizar essa deficiência, é essencial considerar, além da causa básica, as associadas à mortalidade por DRC.

Assim, o objetivo deste trabalho é analisar indicadores selecionados de causas múltiplas de morte para os pacientes em TRS no Brasil que vieram a óbito entre 2000 e 2004. Os indicadores calculados têm como base as seguintes informações: número de diagnósticos informados nas DO e quais as menções das causas de morte nas DOs.

DADOS

A fonte de dados utilizada foi a Base Nacional em TRS centrada no indivíduo, construída por meio de técnica de relacionamento determinístico-probabilístico entre informações de duas fontes distintas: Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC) e Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). A base de dados era composta por 59.884 observações (indivíduos), que estavam em TRS e morreram entre 2000 e 2004. O período de 2000 a 2004 foi selecionado para garantir mais consistência e homogeneidade dos dados, após mudanças operacionais ocorridas no subsistema APAC em 19997. Quanto às informações disponíveis, foram utilizadas: idade, sexo, causas básica e associadas do óbito, região de residência do paciente no momento inicial do tratamento e primeira modalidade de tratamento da IRC.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Para realizar a análise das causas múltiplas de morte por IRC, os indicadores foram calculados com base em duas informações: número de diagnósticos informados nas DOs e menções das causas de morte nas DOs. O número médio do primeiro foi analisado segundo sexo, idade, modalidade inicial de tratamento e região de residência no início do tratamento. A escolha de tais atributos baseou-se na literatura consultada. A modalidade inicial de TRS foi escolhida por ser uma característica específica da doença em estudo. No caso das menções de causas de óbito nas DOs, a análise contemplou a contribuição relativa de cada grupo de afecções no espectro total de causas e a razão causa básica/causa múltipla (CB/CM).

RESULTADOS

Número de diagnósticos informados nas declarações de óbito

Os 35.668 indivíduos que morreram apresentaram, em seu conjunto, 103.305 diagnósticos, correspondendo à média de 2,9 diagnósticos por DO, com desvio-padrão de 1,2. Estas cifras foram as mesmas tanto para homens quanto para mulheres. Já no que se refere ao número máximo de diagnósticos, para mulheres foi 9 e, para homens, 10.

A Tabela 1 apresenta o número de óbitos (n=20.215, com maioria masculina) e total de diagnósticos informados segundo o número de diagnósticos por DO, semelhante entre homens e mulheres, além da distribuição do número de diagnósticos, segundo sexo. Para ambos, proporção próxima a 65% dos óbitos apresentou 3 ou mais diagnósticos por DO. Em torno de 11% dos registros continham apenas a causa básica.

Tabela 1. Óbitos e total de diagnósticos informados segundo o número de diagnósticos e sexo, por declaração de óbito. Pacientes em Terapias Renais Substitutivas. Brasil, 2000 a 2004 

Número de
diagnósticos
por declaração
de óbito
Masculino Feminino
Óbitos Total de diagnósticos Óbitos Total de diagnósticos
n % % acumulada n % % acumulada n % % acumulada n % % acumulada
1 2.280 11,3 11,3 2.280 3,9 3,9 1.795 11,6 11,6 1.795 4,0 4,0
2 4.811 23,8 35,1 9.622 16,5 20,4 3.519 22,8 34,4 7.038 15,7 19,7
3 8.843 43,7 78,8 26.529 45,4 65,8 6.729 43,5 77,9 20.187 45,0 64,6
4 2.306 11,4 90,2 9.224 15,8 81,6 1.860 12,0 90,0 7.440 16,6 81,2
5 1.274 6,3 96,5 6.370 10,9 92,5 1.006 6,5 96,5 5.030 11,2 92,4
6 551 2,7 99,3 3.306 5,7 98,1 434 2,8 99,3 2.604 5,8 98,2
7 ou mais 150 0,7 100,0 1.082 1,9 100,0 110 0,7 100,0 798 1,8 100,0
Total 20.215 100,0 58.413 100,0 15.453 100,0 44.892 100,0

Fonte: Base Nacional em TRS (Queiroz et al.24)

Na Tabela 2 podem ser vistos o número de óbitos, total de diagnósticos e a média de diagnósticos por DO, por grupos etários. Houve concentração em adultos e idosos. Apenas 31% das mortes foram de indivíduos de até 49 anos de idade; os grupos etários 50 a 74 registraram 57%, e os indivíduos de 80 anos ou mais, 5%, superior aos grupos com 20 anos ou menos (2%). A média de diagnósticos por DO foi igual a 2,9, com pouca variação entre as idades.

Tabela 2. Óbitos, total de diagnósticos e média de diagnósticos por declarações de óbito segundo o grupo etário. Pacientes em Terapias Renais Substitutivas. Brasil, 2000 a 2004 

Idade Óbitos Total de diagnósticos Média de diagnósticos por declaração de óbito
n % % acumulada n % % acumulada
0 a 9 228 0,6 0,6 688 0,7 0,7 3,02
10 a 19 558 1,6 2,2 1.600 1,5 2,2 2,87
20 a 29 1.615 4,5 6,7 4.674 4,5 6,7 2,89
30 a 39 3.013 8,4 15,2 8.737 8,5 15,2 2,90
40 a 49 5.623 15,8 30,9 16.360 15,8 31,0 2,91
50 a 59 8.299 23,3 54,2 23.779 23,0 54,1 2,87
60 a 69 8.526 23,9 78,1 24.746 24,0 78,0 2,90
70 a 79 5.694 16,0 94,1 16.587 16,1 94,1 2,91
80 ou mais 1.853 5,2 99,3 5.384 5,2 99,3 2,91
Ignorado 259 0,7 100,0 750 0,7 100,0 2,90
Total 35.668 100,0 103.305 100,0 2,90

Fonte: Base Nacional em TRS (Queiroz et al.24)

No que diz respeito à estratificação por modalidade de tratamento, a maior parte realizou a hemodiálise como primeira modalidade, seguida da diálise peritoneal e do transplante renal. A média de 2,9 diagnósticos por DO foi homogênea por tipo de tratamento, bem como o padrão de distribuição das DOs, de acordo com o número de diagnósticos reportados, que também foi homogêneo (Tabela 3).

Tabela 3. Óbitos, total de diagnósticos e média de diagnósticos por declarações de óbito segundo a primeira modalidade de tratamento. Pacientes em Terapia Renal Substitutiva. Brasil, 2000 a 2004 

Número de diagnósticos por declaração de óbito Primeira modalidade de tratamento TOTAL
Hemodiálise Diálise peritoneal Transplante renal
n % n % n % n %
1 3.351 11,3 531 11,7 193 12,4 4.075 11,4
2 6.925 23,4 1.030 22,7 375 24,1 8.330 23,4
3 13.002 44,0 1.929 42,4 641 41,1 15.572 43,7
4 3.384 11,4 578 12,7 204 13,1 4.166 11,7
5 1.857 6,3 326 7,2 97 6,2 2.280 6,4
6 821 2,8 121 2,7 43 2,8 985 2,8
7 ou mais 223 0,8 32 0,7 5 0,3 260 0,7
Total (%) 29.563 (83) 100,0 4.547 (13) 100,0 1.558 (4,0) 100,0 35.668 (100,0) 100,0
Total de diagnósticos por declaração de óbito 85.567 13.277 4.461 103.305
Média 2,89 2,92 2,86 2,90

Fonte: Base Nacional em TRS (Queiroz et al.24)

Sobre a região de residência ao início do tratamento houve maior concentração no Sudeste. O padrão de distribuição das DOs, segundo o número de diagnósticos, foi muito semelhante, com média de diagnósticos também semelhante, em torno de 2,9 (Tabela 4).

Tabela 4. Óbitos, total de diagnósticos e média de diagnósticos por declarações de óbito segundo a região de residência no início do tratamento. Pacientes em Terapias Renais Substitutivas. Brasil, 2000 a 2004 

Número de diagnósticos por declaraçáo de óbito Região de residência no início do tratamento TOTAL
Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul
n % n % n % n % n % n %
1 240 11,9 1.072 11,2 181 10,7 2.152 11,3 430 12,7 4.075 11,4
2 487 24,2 2.190 22,9 389 22,9 4.479 23,5 785 23,2 8.330 23,4
3 864 43,0 4.238 44,4 821 48,4 8.168 42,9 1.481 43,8 15.572 43,7
4 239 11,9 1.100 11,5 171 10,1 2.283 12,0 373 11,0 4.166 11,7
5 116 5,8 609 6,4 83 4,9 1.265 6,6 207 6,1 2.280 6,4
6 58 2,9 255 2,7 37 2,2 556 2,9 79 2,3 985 2,8
7 ou mais 5 0,2 80 0,8 14 0,8 138 0,7 23 0,7 260 0,7
Total 2.009 100,0 9.544 100,0 1.696 100,0 19.041 100,0 3.378 100,0 35.668 100,0
Total de diagnósticos por declaração de óbito 5.726 27.707 4.846 55.414 9.612 103.305
Média 2,85 2,90 2,86 2,91 2,85 2,90

Fonte: Base Nacional em TRS (Queiroz et al.24)

Menções das causas de morte nas declarações de óbito

A Tabela 5 apresenta o número de óbitos, segundo causas múltiplas de morte - considerando a causa básica e o total de menções. Os grupos de causas - organizados de acordo com os capítulos da CID-10 - são apresentados segundo o número de vezes que foram selecionados como causa básica de óbito, bem como o número de vezes que foram mencionados, além das respectivas proporções. Na Tabela 5 também é demonstrada a razão CB/CM, indicando a frequência na qual o determinado grupo de afecções foi registrado como causa básica.

Tabela 5. Óbitos de pacientes em Terapias Renais Substitutivas, segundo capítulos da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), causas básicas e causas múltiplas. Brasil, 2000 a 2004 

Capítulos da CID 10 Causa básica Causas múltiplas Razão Causa básica/causas múltiplas
n % n %
I - Algumas doenças infecciosas e parasitárias (A00-B99)
Doenças bacterianas 1.053 2,95 8.411 8,14 0,13
Demais doenças infecciosas e parasitárias 706 1,98 1.065 1,03 0,66
Total Grupo I 1.759 4,93 9.476 9,17 0,19
II - Neoplasias [tumores] (C00-D48) 3.330 9,34 4.181 4,05 0,80
III - Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários (D50-D89) 246 0,69 891 0,86 0,28
IV - Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (E00-E90)
Diabetes 5.532 15,51 6.885 6,67 0,80
Distúrbios metabólicos 180 0,50 1.795 1,74 0,10
Demais doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas 147 0,41 587 0,57 0,25
Total GrupoVI 5.859 16,43 9.267 8,97 0,63
IX - Doenças do aparelho circulatório (I00-I99)
Doenças hipertensivas 525 1,47 4.402 4,26 0,12
Doenças isquêmicas do coração 2.746 7,70 4.936 4,78 0,56
Outras formas de doenças do coração 1.500 4,21 6.776 6,56 0,22
Doenças cerebrovasculares 2.332 6,54 3.753 3,63 0,62
Doenças das artérias, arteoríolas e dos capilares 555 1,56 1.325 1,28 0,42
Demais doenças do aparelho circulatório 345 0,97 1.064 1,03 0,32
Total Grupo IX 8.003 22,44 22.256 21,55 0,36
X - Doenças do aparelho respiratório (J00-J99)
Pneumonias 1.398 3,92 3.312 3,21 0,42
Outras doenças respiratórias que afetam principalmente o interstício 109 0,31 1.592 1,54 0,07
Outras doenças do aparelho respiratório 723 2,03 6.586 6,38 0,11
Demais doenças do aparelho respiratório 691 1,94 1.185 1,15 0,58
Total Grupo X 2.921 8,19 12.675 12,27 0,23
XI - Doenças do aparelho digestivo (K00-K93) 1.814 5,09 3.994 3,87 0,45
XIV - Doenças do aparelho geniturinário (N00-N99)
Doenças glomerulares 185 0,52 246 0,24 0,75
Doenças renais túbulo-intersticiais 177 0,50 359 0,35 0,49
Insuficiência renal aguda 335 0,94 1.068 1,03 0,31
Insuficiência renal crônica 6.031 16,91 15.497 15,00 0,39
Insuficiência renal não especificada 763 2,14 2.654 2,57 0,29
Outras doenças do aparelho urinário 263 0,74 614 0,59 0,43
Demais doenças do aparelho geniturinário 298 0,84 666 0,64 0,45
Total grupo XIV 8.052 22,57 21.104 20,43 0,38
XVIII - Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos
e de laboratório, não classificados em outra parte (R00-R99)
Sintomas e sinais relativos ao aparelho circulatório e respiratório 139 0,39 3.692 3,57 0,04
Sintomas e sinais gerais 54 0,15 6.907 6,69 0,01
Morte sem assistência 948 2,66 1.006 0,97 0,94
Outras causas mal definidas e as não especificadas de mortalidade 683 1,91 1.035 1,00 0,66
Demais sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte 26 0,07 443 0,43 0,06
Total grupo XVIII 1.850 5,19 13.083 12,67 0,14
XIX - Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas (S00-T98) 0 0,00 1.618 1,57 0,00
XX - Causas externas de morbidade e mortalidade (V01-Y98)
Reação anormal em paciente ou complicação... 84 0,24 1.344 3,77 0,06
Demais causas externas de morbidade e de mortalidade 655 1,84 765 2,14 0,86
Total grupo XX 739 2,07 2.109 2,04 0,35
Resíduo (Cap. V; Cap. VI; Cap. VII; Cap. VIII; Cap. XII, Cap. XIII; Cap. XV; Cap. XVI; Cap. XVII e; Cap. XXI) 1.095 3,07 2.641 2,56 0,41
Total geral 35.668 100,00 103.295 100,00 0,35

Fonte: Base Nacional em Terapias Renais Substitutivas.

Na Tabela 6 estão os 15 grupos de causas básicas mais frequentes, ordenados segundo as causas básicas e as causas múltiplas, os quais representam 86% do total. Apenas a insuficiência renal crônica se mantém na mesma posição - primeira - quando avaliada por meio do critério das causas básicas e das causas múltiplas. Das 14 demais, 11 desceram de posição (perderam importância relativa) e 3 subiram. Por exemplo: o diabetes passou a ser menos frequente, relativamente, em um modelo de causa múltipla (posição 4) do que em um modelo de causa básica (posição 1). Assim, quando os 15 grupos são ordenados com base nas causas múltiplas, os quais representam 81,9% do total de menções, 3 grupos passam a ficar entre os 15 mais frequentes: sintomas e sinais gerais, doenças hipertensivas, e sintomas e sinais relativos aos aparelhos circulatório e respiratório. Dos 14 grupos que mudaram de posição, 7 perderam importância no espectro de causas, além do diabetes, doenças isquêmicas do coração, neoplasias, doenças do aparelho digestivo, doenças cerebrovasculares, pneumonias e insuficiência renal não especificada, e resíduo geral.

Tabela 6. Óbitos de pacientes em Terapias Renais Substitutivas, segundo grupos de causas mais frequentes, causas básicas e causas múltiplas. Brasil, 2000 a 2004 

Causas de morte segundo CID-10 Causa básica Causas múltiplas Razão Causa
básica/causas múltiplas
n % Ordem n % Ordem
Ordenadas segundo causa básica
Insuficiência renal crônica 6.031 16,9 1 15.497 15,0 1 0,39
Diabetes 5.532 15,5 2 6.885 6,7 4 0,80
Neoplasias (tumores) 3.330 9,3 3 4.181 4,0 9 0,80
Doenças isquêmicas do coração 2.746 7,7 4 4.936 4,8 7 0,56
Doenças cerebrovasculares 2.332 6,5 5 3.753 3,6 11 0,62
Doenças do aparelho digestivo 1.814 5,1 6 3.994 3,9 10 0,45
Outras formas de doenças do coração 1.500 4,2 7 6.776 6,6 5 0,22
Pneumonias 1.398 3,9 8 3.312 3,2 13 0,42
Resíduo geral 1.095 3,1 9 2.641 2,6 15 0,41
Doenças bacterianas 1.053 3,0 10 8.411 8,1 2 0,13
Morte sem assistência 948 2,7 11 1.006 1,0 26 0,94
Insuficiência renal não especificada 763 2,1 12 2.654 2,6 14 0,29
Outras doenças do aparelho respiratório 723 2,0 13 6.586 6,4 6 0,11
Demais doenças infecciosas e parasitárias 706 2,0 14 1.065 1,0 23 0,66
Demais doenças do aparelho respiratório 691 1,9 15 1.185 1,1 21 0,58
Insuficiência renal crônica 6.031 16,9 1 15.497 15,0 1 0,39
Diabetes 5.532 15,5 2 6.885 6,7 4 0,80
Neoplasias (tumores) 3.330 9,3 3 4.181 4,0 9 0,80
Doenças isquêmicas do coração 2.746 7,7 4 4.936 4,8 7 0,56
Doenças cerebrovasculares 2.332 6,5 5 3.753 3,6 11 0,62
Doenças do aparelho digestivo 1.814 5,1 6 3.994 3,9 10 0,45
Outras formas de doenças do coração 1.500 4,2 7 6.776 6,6 5 0,22
Pneumonias 1.398 3,9 8 3.312 3,2 13 0,42
Resíduo geral 1.095 3,1 9 2.641 2,6 15 0,41
Doenças bacterianas 1.053 3,0 10 8.411 8,1 2 0,13
Morte sem assistência 948 2,7 11 1.006 1,0 26 0,94
Insuficiência renal não especificada 763 2,1 12 2.654 2,6 14 0,29
Outras doenças do aparelho respiratório 723 2,0 13 6.586 6,4 6 0,11
Demais doenças infecciosas e parasitárias 706 2,0 14 1.065 1,0 23 0,66
Demais doenças do aparelho respiratório 691 1,9 15 1.185 1,1 21 0,58
Total 30.662 86,0 72.882 70,6

Fonte: Queiroz et al.24

A Tabela 6 indica também as razões CB/CM para as causas selecionadas. As maiores razões CB/CM ocorreram para mortes sem assistência, diabetes e neoplasias (2ª, 3ª e 11ª causas mencionadas como básicas, respectivamente) e as menores para sintomas e sinais gerais, outras doenças do aparelho respiratório, e sintomas e sinais relativos ao aparelho circulatório e respiratório (3ª, 6ª e 12ª entre as causas múltiplas mais frequentes).

DISCUSSÃO

Este estudo demonstrou que, ao se trabalhar exclusivamente com a causa básica, a perda de informações é muito grande. Isso é ainda mais relevante no contexto da DRC, uma vez que algumas de suas principais comorbidades, tais como hipertensão, anemias, edema pulmonar e distúrbios metabólicos, se encontram em grupos cuja razão CB/CM é reduzida.

A frequência de cada um dos grupos de afecções, relativamente ao total, também é uma informação relevante. As principais causas de óbito em uma população são observadas com o intuito de delinear medidas e intervenções em saúde pública. A análise das razões CB/CM, isoladamente, não permite avaliar as principais causas de óbito, uma vez que, ao se efetuar a razão, perde-se esta magnitude. Em outras palavras, a razão CB/CM pode ser muito próxima de 1, mas pode não ser muito representativa se o número de óbitos registrado por determinada causa for muito pequeno.

Os dados do presente estudo indicam que 11,4% dos óbitos tiveram somente um diagnóstico reportado na DO. Pela própria estrutura da DO, espera-se que todos os óbitos devam ter pelo menos duas ou três causas declaradas além da básica. Este percentual pode ser considerado alto, tendo em vista que não deveria existir qualquer DO com apenas um óbito declarado. A maior quantidade de informações amplia as possibilidades de análise e auxilia o pesquisador no delineamento de um panorama mais completo.

Em geral, estudos que contemplam causas múltiplas de morte apontam maior número de diagnósticos registrados para o sexo feminino12 - 16. Fatores que podem estar associados a essa maior proporção de declaração de causas entre as mulheres são a maior longevidade, a diferença do estilo de vida entre os sexos e a evidência de que mulheres recebem atenção médica para uma maior proporção de doenças do que os homens15 , 17. No entanto, os trabalhos abordam diversas causas de morte simultaneamente. Neste trabalho, com foco na DRC, não foram evidenciadas grandes diferenças no número de diagnósticos reportados de homens e mulheres.

O número médio de diagnósticos informados por DO tende a ser crescente por idade, fato esse associado, em geral, ao acúmulo de doenças nas idades mais avançadas. Essa tendência foi observada em diversos trabalhos13 , 15 , 16 , 18 , 19. Com variação mínima, o presente estudo apresentou o mesmo padrão, independente da idade à morte do paciente. Não se observou tendência de incremento do número de causas reportadas com o aumento da idade. Aproximadamente metade dos pacientes, de todas as idades, apresentaram três causas declaradas, o que influenciou fortemente a média de diagnósticos reportados por DO.

A literatura também aponta que o número médio de diagnósticos por DO tende a variar por localidade, fato associado à diferença observada nas características da assistência à saúde do local em questão, como, por exemplo, acesso e maior facilidade de assistência médica e hospitalar15 , 20. Em geral, em localidades com maior facilidade de acesso e com assistência à saúde mais desenvolvida, bem como aquelas com maior proporção de óbitos hospitalares, o número de diagnósticos por DO tende a ser maior.

Evidências indicam existir relação clara e direta entre a disponibilidade de TRS e o Produto Interno Bruto do país21. Isto se deve ao fato de que o acesso a diferentes formas de TRS dependeria, pelo menos parcialmente, do sistema de saúde do país22. Com base nessa relação, esperava-se encontrar diferenças nas médias de diagnósticos reportados, com relação à modalidade inicial de tratamento do paciente, bem como da região de residência no início do tratamento, mas não houve diferenças claramente perceptíveis. Isto pode estar associado ao fato de que a informação diz respeito a esse momento inicial, de forma que não foi possível acompanhar mudanças, tanto no tratamento, quanto na região de residência, até o momento da morte.

Algumas hipóteses podem ser elencadas para explicar os resultados encontrados. Diferente do observado em outros estudos, a população em análise neste trabalho tinha uma característica em comum: estava sendo acompanhada em um tratamento de alta complexidade. Portanto, há grande chance de que os médicos que declararam esses óbitos conheciam, ao menos em parte, a história do paciente em relação à doença. Essa pode ser parte da justificativa do porquê o padrão de distribuição do número de diagnósticos por DO e o número médio não variaram de acordo com as variáveis selecionadas para análise.

Finalmente, embora a importância das estatísticas de mortalidade por causas múltiplas seja apontada há muitas décadas, tais dados ainda não são amplamente utilizados e a maioria dos estudos está concentrada em países desenvolvidos. As estatísticas de mortalidade por causas múltiplas têm sido utilizadas cada vez mais de forma inovadora nos países desenvolvidos, ao passo que seu uso nos países em desenvolvimento ainda é muito limitado12. O presente trabalho adiciona à evidência existente acerca da identificação das causas múltiplas de morte para a IRC e amplia as possibilidades de análise e descrição para pesquisadores interessados no tema.

REFERÊNCIAS

Santo AH. Potencial epidemiológico da utilização das causas múltiplas de morte por meio de suas menções nas declarações de óbito, Brasil, 2003. Rev Panam Salud Publica. 2007;22(3):178-186.
Cherchiglia ML, Andrade EIG, Belisário SA, Caiaffa WT, Acurrcio FA, Murici FAL, et al. Gênese de uma política pública de ações de alto custo e complexidade: as terapias renais substitutivas no Brasil. Rev Méd Minas Gerais. 2006;16:S83-9.
Romão Jr JE. Doença renal crônica: definição, epidemiologia e classificação. J Bras Nefrol. 2004;26(3 Supl 1):1-3.
Peres LAB, Biela R, Herrmann M, Matsuo T, Ann HK, Camargo MT, et al. Estudo epidemiológico da doença renal crônica terminal no Oeste do Paraná: uma experiência de 878 casos atendidos em 25 anos. J Bras Nefrol. 2010;32(1):51-6.
Sesso R, Gordan P. Dados disponíveis sobre a doença renal crônica no Brasil. J Bras Nefrol. 2007;29(1 Supl. 1):9-12.
Silva GD. Avaliação dos gastos realizados pelo Ministério da Saúde com medicamentos de alto custo utilizados no tratamento da DRC por pacientes do SUS no Estado de Minas Gerais - 2000 a 2004 [dissertação]. Belo Horizonte: Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais; 2008.
Szuster DAC, Silva GMS, Andrade ELG, Acúrcio FA, Caiaffa WT, Gomes IC, et al. Potencialidades do uso de bancos de dados para informação em saúde: o caso das Terapias Renais Substitutivas (TRS) - morbidade e mortalidade dos pacientes em TRS. Rev Méd Minas Gerais. 2009;19(4):308-16.
National Kidney Foundation. Sobre Insuficiência Renal Crônica. Guia para pacientes e familiares [Internet]. [Citado em 2010 dez 02]. Disponível em:
Moura L, Schmidt MI, Duncan BB. Monitoramento da doença renal crônica terminal pelo subsistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade - Apac - Brasil, 2000 a 2006. Epidemiol Serv Saúde. 2009;18(2):121-31.
Cherchiglia ML, Machado EL, Szuster DA, Andrade EI, Assis Acúrcio FD, Caiaffa WT, Sesso R, et al. Epidemiological profile of patients on renal replacement therapy in Brazil, 2000-2004. Rev Saude Publica. 2010;44(4):639-49.
Gaui EN, Klein CH, Oliveira GMM. Mortalidade por Insuficiência Cardíaca como Causa Básica ou Contribuinte de Óbito em Três Estados Brasileiros, de 1999 a 2004. Rev SOCERJ. 2008;21:129-37.
Bah S. Multiple causes-of-death statistics in South Africa: their changing profile over the period 1997 to 2001 and utility in the era of HIV/AIDS. South Afr J Epidemiol Infect 2005;20(1):26-32.
Bah S, Qutub H. Insights into data on multiple causes of death obtained from the information system of a university teaching hospital, al-khobar, saudi arabia, 1998-2007. Journal of Health Informatics in Developing Countries 2010;4(1):18-26.
Olson FE, Norris FD, Hammes LM, Shipley PW. A study of multiple causes of death in California. J Chron Dis. 1962;15(2):157-70.
Santo AH. Causas múltiplas de morte: formas de apresentação e métodos de análise [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 1983.
White MC, Selvin S, Merrill DW. A study of multiple causes of death in California: 1955 and 1980. J Clin Epidemiol. 1989;42(4):355-65.
Wingard DL. The sex differential in morbidity, mortality, and lifestyle. Annu Rev Public Health. 1984;5:433-58.
Guralnick L. Some problems in the use of multiple causes of death. J Chronic Dis. 1966;19(9):979-90.
Fuhrman C, Jougla E, Nicolau J, Eilstein D, Delmas M-C. Deaths from chronic obstructive pulmonary disease in France, 1979-2002: a multiple cause analysis. Thorax. 2006;61(11):930-4.
Janssen TA. Importance of tabulating multiple causes of death. Am J Public Health Nations Health. 1940;30(8):871-9.
El Nahas AM, Bello AK. Chronic kidney disease: the global challenge. Lancet. 2005;365(9456):331-40.
Schena FP. Epidemiology of end-stage renal disease: International comparisons of renal replacement therapy. Kidney International. 2000;57:S3945.
Riyuzo MC, Macedo CS, Assao AE, Fekete SMW, Trindade AAT, Bastos HD. Insuficiência renal crônica na criança: aspectos clínicos, achados laboratoriais e evolução. J Bras Nefrol. 2003;25:200-8.
Queiroz OV, Guerra Júnior AA, Machado CJ, Andrade ELG, Meira Júnior W, Acúrcio FA, et al. A construção da Base Nacional de Dados em Terapia Renal Substitutiva (TRS) centrada no indivíduo: relacionamento dos registros de óbitos pelo subsistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (Apac/SIA/SUS) e pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) - Brasil, 2000-2004. Epidemiol Serv Saúde. 2009;18(2):107-20.